Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3/13.5T2OVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: HABILITAÇÃO
CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO
DIRETOR DE COOPERATIVA
NEGÓCIO POR CONTA PRÓPRIA
FRAUDE À LEI
Nº do Documento: RP202009083/13.5T2OVR-C.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Encontra-se vedado a um diretor de uma cooperativa negociar por conta própria, diretamente ou por interposta pessoa, com essa cooperativa.
II - Estando em causa uma negociação proibida por lei entre a cooperativa e o seu diretor, através do recurso à interposição fictícia de um negócio efetuado como outra entidade, a invocação daquele vício deve ter-se como tempestiva quando alegada após a entidade, a invocação daquele vício deve ter-se como tempestiva quando alegada após a concretização do segundo negócio, único em que interveio o dito diretor, neste caso, não existe qualquer preclusão consumativa por ausência de reação aquando do primeiro negócio entre a cooperativa e a entidade terceira.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3/13.5T2OVR-C.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
B…, residente na … em Arouca, requereu a sua habilitação na titularidade do crédito exequendo, por ter sido celebrado contrato de cessão desse crédito entre a actual exequente C…, S.A,R.L., e ele próprio, conforme instrumento de contrato junto aos autos.
A executada D… Unipessoal. Lda. apresentou contestação, alegando nomeadamente que a anterior transmissão de créditos entre a credora originária e a actual exequente é nula, nos termos do artigo 280 do Código de Processo Civil.
Ouvidas as partes, foi proferida decisão em acta a qual ora se transcreve integralmente quanto aos respectivos fundamentos e parte dispositiva:
A contestante/executada, ao invocar como causa de pedir da sua impugnação a alegada existência de um vício na transmissão do crédito exequendo ocorrida entre a credora originária E…, Lda. e a cessionária C…, S.A,R.L., por violação do código cooperativo, nomeadamente nos seus artigos 46 e 64, que fere aquele ato de transmissão de nulidade, por se tratar de um negócio contrário à lei (artigo 280, nº 1 do Código Civil), há que entender que a alegação desse vício nesta nova habilitação quanto á titularidade do mesmo crédito precludiu (preclusão consumativa), por a mesma impugnante não ter alegado esse vício quando se verificou a habilitação da referida C…, S.A,R.L., no âmbito do apenso B.
Com efeito, a agora impugnante foi notificada no âmbito daquele apenso para poder contestar a referida habilitação da referida C…, S.A,R.L., não tendo esta apresentado contestação, como melhor influi do histórico eletrónico do apenso B, onde foi proferida sentença de habilitação, que habilitou a referida C…, S.A,R.L., para prosseguir na execução, na qualidade de exequente, em substituição da E…, Lda.
Por conseguinte, os meios de defesa que nos termos do disposto no artigo 356.º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código de Processo Civil, constituíam fundamentos de contestação daquela cessão de créditos, consideram-se precludidos, em virtude de a aqui impugnante não ter contestado aquela cessão e deduzido contestação no âmbito da posterior habilitação do novo cessionário do crédito, dado que esses mesmos meios de defesa deveriam ter sido feitos valer no apenso B.
Quer dizer: a falta de impugnação da transmissão do crédito exequendo da credora originária para a atual exequente esgota os efeitos de defesa da executada e impugnante no domínio da posterior transmissão do mesmo crédito, impossibilitando que aquela possa apresentar nesta nova habilitação os mesmos fundamentos de defesa.
Este ónus de impugnação justifica-se com base nos princípios estruturante do processo civil do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes. Noutras palavras: por se entender que existia o ónus jurídico de impugnar a habilitação de cessionário anterior, alegando os fundamentos contra essa habilitação, há que concluir que, no que concerne aos fundamentos que na contestação a essa habilitação poderiam ter sido invocados (no domínio do apenso B), e considerando o mencionado princípio de preclusão, não podem posteriormente a esses mesmos fundamentos relevar a favor da parte que foi notificada para contestar a referida habilitação e que não o fez, ficando impedida de os usar noutra sede processual, designadamente, no incidente de habilitação que posteriormente foi suscitado quanto à transmissão da titularidade do crédito exequendo celebrado entre a exequente e o novo titular do crédito, e aqui requerente.
Naturalmente que a preclusão não abrange os fundamentos supervenientes ao decurso do prazo que a impugnante dispôs para contestar a primeira habilitação de cessionário (apenso B). No entanto, o meio de defesa que é invocado na sua contestação, nomeadamente nos artigos 8º, 9º e 10º, podia ter sido alegado no domínio do apenso B e, como tal, esse meio de defesa se encontra precludido.
A preclusão aproveita-se do caso julgado da sentença de habilitação proferida no apenso B para se manifestar extraprocessualmente. Posto isto e considerando a exceção de preclusão consumativa mencionada, não resta senão absolver o requerente da instância de impugnação, julgado verificada aquela exceção e, deste modo, nada impede a habilitação do requerente.
Assim, pelos fundamentos expostos considero B…, com o NIF ……….. e residente na … em Arouca, habilitado para prosseguir na execução, na qualidade de exequente, em substituição de C…, S.A,R.L., sociedade devidamente constituída de acordo com as leis do Luxemburgo e registada sob o nº B ……..
Condeno a contestante nas custas processuais, por ter ficando vencida (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte.
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Inconformada com aquela decisão veio dela recorrer a executada D… Unipessoal, Lda., formulando as seguintes conclusões:
1ª- A recorrente contestou o pedido de habilitação do recorrido argumentando que a Cooperativa «E…, Crl» cedera um crédito que detinha sobre ela recorrente à «C…, SARL», que o habilitando foi Director daquela Cooperativa, tendo intervindo em representação dela nesse contrato e, em seguida, tendo adquirido pessoalmente esse mesmo crédito à «C…, SARL».
2ª- E que, proibindo o Código Cooperativo que os Directores da Cooperativa negoceiem por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, com ela, assim como se aproveitem de oportunidades de negócios da cooperativa em benefício próprio, no caso, em termos práticos, tudo se passa como se o habilitando tivesse adquirido o crédito à própria Cooperativa, a tal não obstando a interposição da «C…, SARL».
3ª- Sendo pois uma compra nula, por traduzir um negócio «contrário à lei» ou por consubstanciar um negócio celebrado em fraude à lei (Cód. Civil, art. 280º nº 1).
4ª- Porém, a sentença considerou habilitado o ora recorrido com a argumentação de que a recorrente deveria ter contestado a primeira habilitação, isto é, a que foi requerida pela «C…, SARL» para suceder na posição da «E…, Crl» e que, não o tendo feito, o seu direito de impugnar a cessão do recorrido teria precludido.
5ª- Afirmando, para tal, que a ora recorrente poderia e deveria ter invocado o vício que veio invocar relativamente à cessão do crédito ao ora recorrente na habilitação requerida pela «C…, SARL», quando esse crédito fora cedido a esta última pela «E…, Crl».
6ª- Todavia, tal não se mostra exacto, salvo o devido respeito, pois a ilicitude que a recorrente atribui ao negócio consiste em um Director da Cooperativa – o aqui recorrido – ter adquirido um crédito de que esta era titular, em violação dos artigos 64º do Código Cooperativo em vigor na altura da cessão à «C…, SARL» (Lei 51/96, de 7.09), e do 46º nºs 2 e 3 do que vigorava à data da cessão ao aqui recorrido (Lei 119/2015, de 31.08).
7ª- A compra do crédito pela «C…, SARL» à «E…, Crl» não enferma, em si, de qualquer ilegalidade, pois que não é por via dela que um Director da cedente fica titular do crédito em questão.
8ª- Até o negócio se ter realizado com o recorrido, nenhum efeito se pode invocar como se tendo produzido na esfera jurídica deste último, pelo que a recorrente não dispunha de qualquer fundamento para pôr em crise a cessão da «E…, Crl» à «C…, SARL», concretamente, não dispunha do fundamento que passou a ter quando a «C…, SARL» cedeu o crédito ao aqui recorrido.
9ª- Pois apenas a partir de então ocorreu que um Director da «E…, Crl» adquiriu um direito de crédito de que esta era titular – o que de maneira alguma fora o caso quando a «E…, Crl» cedeu o seu crédito à «C…, SARL».
10ª- Ao invés do referido na sentença recorrida, a causa de pedir invocada pela ora recorrente não consiste num vício de que padecesse a cessão da «E…, Crl» à «C…, SARL»; consiste, isso sim, num vício apontado à cessão feita por esta última ao recorrido – pois que pela cessão à «C…, SARL» não se verificava a violação dos preceitos citados na precedente 6ª conclusão, uma vez que a aquisição do crédito por um Director da «E…, Crl» (ainda) não se verificara.
11ª- Aliás, consoante a aqui recorrente deixou referido no art. 12º da sua contestação, citando Baptista Lopes, «Para haver fraude à lei, não é preciso que as partes tenham a intenção nem mesmo a consciência de defraudá-la; nem da parte de ambos os contraentes nem de qualquer deles apenas, pois o negócio pode ser nulo objectivamente, tal como o directamente contrário» (Compra e venda, p. 81);
12ª- o que significa que, para que efectivamente ocorra a verificação da violação dos citados preceitos, não é sequer necessário que a «C…, SARL» tenha tido o propósito e a vontade de propiciar que o recorrido, que fora Director da «E…, Crl» adquirisse um direito de crédito que pertencera a esta; basta que em termos práticos o tenha possibilitado.
13ª- Pelo que mais uma razão subsiste para se concluir que a aqui recorrente não dispunha de qualquer fundamento válido para contestar a cessão, pela «E…, Crl», do seu crédito, à «C…, SARL».
14ª- Sendo certo que, mesmo que a recorrente pudesse prever que o direito de crédito viria a ser transmitido para um Director da «E…, Crl», continuaria a não ter fundamento para impugnar a cessão do crédito à «C…, SARL», pois que não a poderia contestar invocando a perspectiva de um acontecimento futuro e incerto…
15ª- Assim, a circunstância de a ora recorrente não se ter insurgido contra a cessão de crédito da «E…, Crl» à «C…, SARL», não faz, por forma alguma, precludir o direito de se insurgir contra a cessão feita por esta última ao recorrido, pois que com aquela primeira cessão não se verificara a aquisição do crédito da Cooperativa cedente por um seu Director, tendo essa circunstância apenas ocorrido com a segunda cessão.
16ª- Os preceitos referido na 6ª conclusão supra apenas se verificaram violados e subvertidos na cessão da «C…, SARL» ao aqui recorrido, e não antes – pelo que não se verifica qualquer preclusão do direito que a recorrente veio exercer.
17ª- Em consequência, pelas razões apontadas, não deveria ter sido proferida decisão declarando o recorrido habilitado – mas sim não habilitado.
Sem prescindir:
18ª- Foi proferido despacho (refª do p.e. 109543894) determinando que a ora recorrente, querendo, arrolasse prova pessoal e concedendo ao recorrido a faculdade de alterar ou ampliar o seu requerimento probatório, na sequência do qual a recorrente efectivamente arrolou testemunhas e requereu prova por documento em poder da parte contrária.
19ª- Contudo, o Tribunal proferiu a decisão sem ter procedido a qualquer produção dessa prova.
20ª- Não terá, pois, cabimento, sempre salvo o devido respeito, ter sido emitido o referido despacho para depois ser proferida sentença sem que se tenha produzido a prova que o mesmo permitia, pois se o Tribunal entendia estar habilitado a decidir sem essa produção, o despacho tornava-se incompreensível, por inútil.
21ª- Sem prejuízo do que criteriosamente se deixou dito nas precedentes 1ª a 17ª conclusões, afigura-se que a prolação do referido despacho e o requerimento de produção de prova que se lhe seguiu deveriam ter implicado essa mesma produção.
22ª- Pois que com essa prolação se esgotou o poder jurisdicional do Mmo. Juiz (Cód. Proc. Civil, art. 613º nºs 1 e 3), não sendo lícito revogar em seguida o dito despacho, ainda que tacitamente (cfr. a citação do Prof. Alberto dos Reis citada na presente alegação).
23ª- Na sentença recorrida encontram-se interpretadas e aplicadas por forma inexacta, salvo o devido respeito, as normas referidas nas precedentes conclusões, impondo-se a revogação da respeitável sentença recorrida e a procedência da impugnação da habilitação do recorrido, nos termos das mesmas constantes.
Termina a recorrente peticionando que seja dado provimento ao recurso.
Houve contra-alegações onde se pugna pela manutenção da decisão recorrida.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Deste modo, em causa nos autos temos a questão de apurar sobre a existência de uma preclusão consumativa por falta de impugnação da transmissão do crédito exequendo e ainda, no domínio processual, sobre a prolação da sentença recorrida sem prévia produção de prova.
III – Fundamentação Aplicável
A questão central do presente recurso decorre do argumento aduzido doutamente pelo tribunal apelado ao descartar a impugnação apresentada relativa à presente habilitação, impondo-se escrutinar da validade substancial do mesmo.
O raciocínio seguido na decisão sob recurso assenta no pressuposto que a impugnante/executada D… Unipessoal. Lda. teria que ter invocado o ora alegado vício na transmissão do crédito exequendo em momento anterior, qual seja aquando da discussão prévia à decisão de habilitação já decretada e transitada em julgado, ocorrida por força da cessão de crédito entre a credora originária E…, Lda. e a cessionária C…, S.A,R.L.
Porque então nada disse ou fez, os meios de defesa que constituíam fundamento de contestação daquela cessão de créditos, consideram-se precludidos e não mais podem ser invocados.
A recorrente contrapõe que não contestou essa habilitação anterior, ocorrida num outro apenso do processo, porque não tinha de faze-lo e, em rigor, nem sequer podia faze-lo.
Cumpre apreciar e decidir.
Em síntese, temos que a Cooperativa “E…, Crl” cedeu um crédito que detinha sobre a recorrente/executada à “C…, SARL”; o ora habilitando B… foi Director daquela Cooperativa “E…”, tendo intervindo em representação dela nesse contrato e surgindo agora a adquirir, a título pessoal, aquele crédito à “C…, SARL”, entretanto já habilitada. Proibindo o Código Cooperativo que os Directores da Cooperativa negoceiem por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, com ela, tudo se passaria como se o habilitando tivesse adquirido o crédito à própria Cooperativa, a tal nada obstando a interposição da “C…, SARL”.
O Código Cooperativo vigente em 2010 é o aprovado pela Lei nº 51/96, de 7.9 e define as cooperativas como pessoas colectivas de livre constituição, de capital e composição variáveis, que através da cooperação e entreajuda dos seus membros, na obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles, podendo ainda realizar operações com terceiros (cfr. art. 2º do Código Cooperativo).
Por sua vez, o art. 64º do Código de 1996, estatui que “os directores, os gerentes e outros mandatários, bem como os membros do conselho fiscal, não podem negociar por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, com a cooperativa nem exercer pessoalmente actividade concorrente com a desta, salvo, neste último caso, mediante autorização da assembleia geral”.
Ou seja, a proibição de negociação dos diretores, gerentes e outros mandatários, ou membros do conselho fiscal, por conta própria, diretamente ou por interposta pessoa, com a cooperativa é absoluta, não podendo sequer ser autorizada pela assembleia geral; aliás, esta proibição por abranger os negócios inseridos na actividade da cooperativa e praticados em condições de mercado, é bem mais rigorosa do que o regime estabelecido para as sociedades anónimas o qual, nos termos do art. 397.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, admite que o órgão de administração da sociedade anónima autorize a celebração de contratos com os administradores quando se trate de acto compreendido no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja concedida ao contraente administrador.
O actual Código Cooperativo não difere em muito deste regime; hoje, o seu artigo 46.º, nº2, alínea a) igualmente veda aos administradores da cooperativa negociar, por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, com a cooperativa, salvaguardando, porém, a prática dos actos inerentes à qualidade de cooperador (vide Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto na redacção mais recente da Lei n.º 66/2017, de 09/08).
A cessão de créditos à “C…”, à luz desta invocação, poderá, eventualmente, configurar-se como nula por consubstanciar um negócio celebrado em fraude à lei (Cód. Civil, art. 280º nº 1) já que se trataria de um negócio destinado apenas a “encobrir” um outro efectuado posteriormente e insusceptível de ser celebrado.
Independentemente da sustentabilidade desta tese no caso concreto, que não cumpre agora discernir, a nulidade descrita não poderia, a nosso ver, ter sido alegada aquando da transmissão do crédito da dita Cooperativa para a “C…, SARL”.
Como se escreve nas conclusões das presentes alegações, a compra do crédito pela “C…” à cooperativa não enferma de qualquer ilegalidade a qual apenas emerge quando se realiza o negócio com o director daquela, B…, altura em que efectivamente se concretiza a negociação por conta própria deste com a cooperativa, negócio alegadamente nulo.
Ora, salvo o devido respeito, esta alegação recursiva parece-nos inatacável.
Ainda que se possa especular que, logo aquando da primeira cessão de créditos entre a Cooperativa E… e a C…, o recorrente já poderia antecipar que se preparava uma segunda cessão, ainda que se invoque, como faz o recorrido nas contra-alegações, que a executada acompanhou todos os actos inerentes à negociação preliminar a esta cessão realizada entre recorrido e a C…, permanece o facto incontornável segundo o qual o eventual vício alegado apenas se poderia materializar, ser efectivo perante o Direito, no momento da segunda cessão e só após esta, em bom rigor, a executada o poderia invocar.
O negócio que poderá consubstanciar uma nulidade, uma fraude à lei, é o que se discute no presente apenso; o anterior terá sido preparatório deste, interpondo, dolosamente, uma outra entidade entre a Cooperativa e o seu Director.
Neste sentido propugnado, atente-se no que alega o recorrente aquando da sua contestação, no artigo 11º: “a “sucessão” dos dois contratos de cessão de crédito permitiu o resultado, contrário à lei, de um director ter negociado com a cooperativa que representava, o que traduz que a “sucessão” dos dois contratos com a interposição temporária da «C…, SARL» consubstancia uma fraude à lei, nos termos do preceito citado.”
Ou seja, a dita fraude à lei ocorre por força da “sucessão” dos dois contratos e apenas se consuma com o segundo destes, não com o primeiro.
Julgamos, portanto, que o motivo invocado pelo tribunal apelado para descartar liminarmente a impugnação em causa, procedendo à habilitação do cessionário B…, inexiste em concreto, impondo-se, por isso, prosseguir com os presentes autos, designadamente através da produção de prova.
Eventualmente, a nulidade poderá até não ter ocorrido designadamente por não verificação das respectivas premissas face ao alegado pelo habilitando; mas sempre haveria que proceder a essa indagação. Tal circunstância exige o prosseguimento dos autos nos moldes requeridos pelos litigantes e, “prima facie”, acolhida pelo tribunal. Assim, note-se que o tribunal “a quo” proferiu um despacho datado de 15 de Janeiro de 2020 no qual entende, acertadamente, que existem factos controvertidos e, por isso, sujeitos a prova, tendo inclusivamente concedido à ora recorrente um prazo de 10 dias para “indicar, querendo, prova pessoal, e concedo idêntico direito ao Requerente para, em igual prazo, alterar ou ampliar o seu requerimento probatório já apresentado.”
Esse convite do tribunal motivou inclusivamente a apresentação de um rol de três testemunhas pela impugnante (vide requerimento de 30 de Janeiro) para além da solicitação de outras diligências probatórias.
Donde, impõe-se prosseguir com essa tramitação já iniciada, produzindo-se a prova devida.
Em síntese conclusiva: procederá o recurso deduzido devendo proceder-se às diligências probatórias já ordenadas nos autos, devendo, a final, proferir-se decisão que pondere, de facto e de direito, a bondade substancial da alegação feita pela executada/impugnante relativamente à presente habilitação.
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Resta proceder à sumariação prevista no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso deduzido, revogando-se a sentença proferida e ordenando-se que se proceda à produção de prova nos moldes acima definidos e em ordem a que se proceda a posterior nova decisão.
Custas pelo recorrido.

Porto, 8 de Setembro de 2020
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues