Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1476/15.7T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRIBUNAL DE RECURSO
CONVICÇÃO PRÓPRIA
DECISÃO PENAL PROFERIDA POR TRIBUNAL ESTRANGEIRO
MEIO DE PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO
REGRAS DE SEGURANÇA
VIOLAÇÃO PELA EMPREGADORA
DIREITO À VIDA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202106231476/15.7T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e a formação de uma convicção própria, não se limitando apenas à verificação da existência de erro notório por parte da 1ª instância
II - A decisão penal condenatória proferida por tribunal estrangeiro e que não foi revista em Portugal consubstancia um meio de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal cível, no caso, do Tribunal do Trabalho– arts. 978º, nº 2, do CPC (cfr. também art. 623º do mesmo) e 234º, nº 3, do CPP.
III - Apresentando-se tal decisão como consistente, analisando os diversos níveis de responsabilidade das diversas empresas, entre as quais a da Ré empregadora, na obra em causa e do acidente, ocorrido na Bélgica, de que resultou a morte do sinistrado, assentando em tipo legal e responsabilidade similares às vigentes em Portugal mormente, no que releva à responsabilidade da Ré empregadora, na violação de normas de protecção de quedas em altura, corroborando os depoimentos das duas testemunhas que, embora não tendo assistido ao acidente, procederam à averiguação do mesmo com base, designadamente, em documentos emitidos pelas autoridades belgas, e não tendo sido, na audiência de julgamento, feita contraprova, muito menos com algum mínimo de consistência, que abalasse a convicção assente naquela decisão, e tendo ainda em conta as regras da experiência comum e da lógica, é de atender, na livre apreciação da prova, ao circunstancialismo do acidente constante de tal decisão.
IV - Decorre da violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora o acidente ocorrido quando o sinistrado, no local e tempo de trabalho: se encontrava em cima de uma viga, a quatro metros de altura, a efectuar trabalho de cofragem, se desequilibrou e caiu ao chão, em consequência do que sofreu lesões que lhe determinaram a morte; o local onde o sinistrado se encontrava não estava dotado de guarda-corpos, andaimes ou plataforma elevatória (nem linha de vida e arnês de segurança, sendo que a instalação e utilização destes não seria possível por inexistência de pontos de fixação); a queda ficou a dever-se ao facto de não ter sido instalado qualquer um dos mencionados equipamentos contra quedas em altura e que, como tal, evitariam o sinistro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1476/15.7T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1217)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, participado acidente de trabalho de que terá sido vítima mortal B…, C…, viúva, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do mesmo, veio esta apresentar petição inicial demandando as RR, “D…, Cª de Seguros, S.A., e “E…, Lda.”, pedindo a condenação destas, na medida das respectivas responsabilidades, a pagar-lhe:
a) a pensão anual, vitalícia e actualizável, de €7.560,00;
b) subsídio por morte, no valor de €5.533,70;
c) juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as prestações e até integral e definitivo pagamento.
Mais pede que:
d) os valores peticionados deverão ser objecto do agravamento legal estipulado, caso se venha a provar que o acidente se ficou a dever à violação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte da Ré entidade patronal.
e) na hipótese de se vir a provar violação de regras de segurança, deverá a Ré entidade Patronal, a acrescer às quantias acima peticionadas, ser condenada a pagar à Autora a quantia de €70.000, a título de perda do direito à vida, privação sexual, de danos morais e de danos da própria vítima.
Alegou, para tanto e em síntese, que: é viúva do sinistrado, que faleceu aos 21.05.2015, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia as suas funções de carpinteiro, ocorrido na Bélgica nesse dia ao serviço da 2ª Ré; não presenciou, a A., o acidente, mas “tem informação de que o sinistro ocorreu quando o Sr. B… se encontrava a trabalhar ao nível do solo, a serrar madeira, e foi atingido por umas vigas de ferro que se soltaram de um camião-grua que se encontrava a descarregar.”; a ser assim, o acidente ficou a dever-se à deficiente amarração das vigas e/ou à sua desadequada forma de as movimentar, quando o camião-grua se encontrava a laborar, designadamente a descarregá-las, o que consubstancia violação das normas de segurança.

As RR contestaram alegando, em síntese, que:
A Ré “E…, Ld.” admitindo que o marido da autora era seu funcionário e à data do sinistro estava a executar uma viga de madeira, tendo-se desequilibrado e caído de uma altura de 4 metros. Mais alega que o sinistrado auferia €1.000,00x14+93,94x11 e que à data do acidente tinha a sua responsabilidade infortunística transferida integralmente para a Ré seguradora. Ademais, pese embora a Ré seguradora na fase conciliatória tenha declinado toda a sua responsabilidade, imputando as respectivas causas ao incumprimento das regras de segurança, nada é alegado na petição nem resulta dos autos qualquer violação de regras ou normas de segurança, muito menos que a haver tinham sido causais do acidente, o qual não ocorreu nas circunstâncias descritas pela A., mas sim “quando o sinistrado estava a executar uma viga de madeira, tendo-se desequilibrado e caído de uma altura de 4 metros”
Termina pedindo a sua absolvição do pedido.
A Ré “D…, Cª de Seguros, S.A.”, no que releva ao recurso, que: aceita a existência de um acidente de trabalho que ocorreu no dia 21 de maio de 2015, cerca das 7h15, na obra de construção de um edifício composto por apartamentos, com dois espaços comerciais e garagem de estacionamento subterrâneo, sito em …, n.º .., …. …, na Bélgica.
À data do sinistro B…, no âmbito das suas funções de carpinteiro de 1.ª, encontrava-se a proceder à cofragem, em madeira, de uma viga/pilar a cerca de 3,5m de altura, na zona central do edifício em construção, encontrava-se a desempenhar as aludidas funções por conta, ordem e direcção da sua empregadora e de acordo com as instruções transmitidas através do seu superior hierárquico. Mais alega que momentos antes da ocorrência do acidente o trabalhador acedeu ao local através de uma escada pré-fabricada, inacabada, e depois através da cofragem existente. Afirma ainda que tal acesso não era seguro e apresentava risco de queda em altura do topo da escada e, bem assim, ao longo de toda a faixa da ranhura da cofragem. De igual forma, no local encontravam-se barras de betão armado salientes, sem protecção em vários locais. A aludida viga apresentava, na data, uma largura de cerca de 0,80 metros e encontrava-se a cerca de 3,5 metros do solo. Ainda na circunstância descrita, no estaleiro da obra estavam, entre outros, em curso uma operação de descarregamento e transporte de vigas metálicas, e, em virtude de deficiente amarração de tais vigas, as mesmas soltaram-se, embatendo num ponto da cofragem, aproximadamente a 3 metros do local onde o trabalhador sinistrado se encontrava, o que o assustou, desequilibrando-se e caindo posteriormente no solo, de uma altura aproximada de 3,5 metros, onde ficou inanimado. Da queda resultaram para o trabalhador sinistrado diversas e graves lesões, tendo sido assistido no local pelas equipas de socorro locais e, posteriormente, transportado para o hospital, onde viria a falecer horas mais tarde, cerca das 10h37, em consequências das lesões sofridas.
Concluiu que o acidente em causa ocorreu por manifesta e grave violação das condições de segurança na prestação do trabalho, porquanto não foi colocado nenhum sistema de protecção contra quedas ou sistema de restrição de quedas, o trabalhador sinistrado estava a efectuar os trabalhos sem qualquer protecção individual para prevenir o risco de quedas, nomeadamente não havia sido instalado no local a linha de vida, nem o trabalhador se encontrava munido de arnês de segurança. De igual forma, no local onde ocorreu o acidente não haviam sido colocados guarda-corpos a fim de possibilitar a realização da tarefa em causa, sem o risco de queda em altura, nem plataforma fixa de trabalho, nem qualquer andaime, fixo ou móvel, nem tão pouco, uma plataforma elevatória. Não existindo, assim, qualquer protecção individual ou colectiva para prevenir o risco de queda em altura, em manifesta violação do Plano de Segurança de Obra e, bem assim, dos Conselhos de Segurança de Edifícios e Obras Públicas, elaboradas pela Associação de Seguros Contra Acidentes.
Referiu ainda que na sequência da acção inspectiva levada a cabo pelas autoridades belgas foram instaurados diversos processos de contraordenação. No que à Empregadora, ora Ré, diz respeito, no âmbito do aludido processo de contraordenação apurou-se que, relativamente aos seis empregados que se encontravam ao seu serviço, de acordo com as suas ordens e instruções, esta praticou três infracções, o que ocorreu em manifesta violação da Lei Belga relativamente a estaleiros temporários ou móveis e dos Regulamentos Gerais de Protecção Laboral e, bem assim, do respectivo Código Penal Belga. De igual forma, na sequência de inquérito, foi proferido despacho de acusação contra outras empresas e a Ré “E…, Lda.”, pela prática, em 21 de maio de 2015, e na sequência do falecimento do trabalhador B…, de um crime de homicídio por negligência, nos termos dos artigos 418.º e 420 do Código Penal, que se encontra pendente no Tribunal de Primeira Instância da Flandres Oriental, secção de Dendermonde, 13.º Juízo Correccional. À Empregadora “E…, Lda”, foram imputados os factos seguintes:
a. Ausência de adopção de medidas para evitar o risco de queda em altura pela colocação de guarda-corpos robustos e suficientemente altos, compostos por prancha lateral, rodapé e tábua intermédia;
b. Ausência de disponibilização, no local, de meios de protecção colectiva, designadamente plataformas fixas de trabalho e redes de segurança; e
c. Ausência de disponibilização, no local, de meios de protecção individual, designadamente arnês de segurança ou outro dispositivo de suspensão.
Afirma, assim, que o local onde o trabalhador sinistrado se encontrava a desempenhar a sua actividade profissional não apresentava meios de protecção individual e colectiva, o local de trabalho não estava, sequer, dotado das mais elementares condições de segurança. A produção do acidente em apreço deveu-se, única e exclusivamente, à culpa da entidade empregadora uma vez que não cumpriu as mais elementares regras de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Impugnou, ainda, por exagerados os danos não patrimoniais peticionados.
Mais alega que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso, pelo que, na eventualidade da Contestante ser responsável pelo pagamento de algum dos valores peticionados nos presentes autos, à mesma assistirá o direito de regresso previsto no mencionado artigo, uma vez que o acidente se ficou a dever a culpa da “E…, Lda.” na qualidade de Empregadora, por falta da observância das disposições legais sobre higiene e segurança do lugar de trabalho.
Termina concluindo que “Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada em conformidade com a prova que venha a ser produzida, sem prejuízo do direito de regresso que assiste à “D… – Companhia de Seguros, S.A.” sobre a “E…, Lda.” cujo reconhecimento, verificados os respectivos pressupostos factuais e legais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 108/2009, de 4 de Setembro, desde já se requer, com todas as consequências legais, designadamente a condenação daquela no pagamento à Contestante de todos os valores que esta venha a ser condenada a pagar nos presentes autos, e, bem assim, de todos os valores já liquidados por conta do presente acidente, a liquidar em execução de sentença. (…)”

Por despacho de 10.05.2018, na sequência de requerimento por esta apresentado, foi à A. fixada pensão provisória nos seguintes termos: “Ora, ante todo o exposto e o artº 135º, do C.P.T., condeno a 1ª R. a pagar à A. uma pensão, provisória, anual, vitalícia e atualizável, correspondente a 30 % de € 15.033,34 até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, devida a partir de 22.05.2015, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 22.05.2015 até efetivo e integral pagamento da mesma, a ser paga, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, serão pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, que, à data de 22.05.2015, correspondia a uma pensão anual de € 4.510,00 e, neste momento, corresponde a uma pensão anual de € 4.632,59 (atualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 4.528,04; atualização de 0,5% em 2017, por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 4.550,68; e atualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - € 4.632,59).”.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, aos 30.12.2019, proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
“I- Absolvo a Ré “E…, Lda.” do pedido.
II- Condeno a Ré “D…, Cª de Seguros, S.A.” a pagar à Autora C…:
2.1- a quantia de 5.533,70 euros, a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 22.05.2015 até integral e efetivo pagamento;
2.2- a pensão anual e atualizável de 4.510,00 euros, devida a partir de 22.05.2015, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de junho e novembro de cada ano, respetivamente, ordenando que às prestações já vencidas se deduza as prestações já pagas àquela Autora a título de pensão provisória, acrescendo sobre esse diferencial em relação às prestações já vencidas, juros de mora, à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento;
III - Absolvo a Ré “D…, Cª de Seguros, S.A.” do restante pedido.
Custas pela Ré seguradora e pela Autora na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 2% para a Autora e em 98% para a Ré “D…, Cª de Seguros, S.A.,”, fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa.
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Nos termos do disposto no artigo 120º, n.º 1 do Cód. Proc. Trab. fixo o valor da ação em €69.408,83 (14.163 x 4.51,00€ + 5.533,70€).”.

Inconformada, veio a Ré Seguradora recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
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A A. veio aderir ao recurso interposto pela Ré Seguradora.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, sobre o qual se pronunciou a Ré Empregadora, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
“É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
2.1. Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.º B… nasceu no dia 01.01.1963 e faleceu no dia 21.05.2015, em Sint-Niklaas, Bélgica, no estado de casado com a Autora, sendo que foi sepultado no cemitério de …, concelho de Baião (Factos assentes- A).
2.º A Autora nasceu no dia 14.09.1963 e casou catolicamente com B… no dia 12.09.1987 (Factos assentes- B)
3.º Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual estiveram representadas ambas as R.R., teve lugar no dia 23.11.2016 (Factos assentes- C).
4.º À data de 21.05.2015, a responsabilidade da 2ª R. por acidentes de trabalho em que fosse interveniente o marido da Autora encontrava-se transferida para a 1ª R. mediante o contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº …………., pela retribuição anual de €1.000,00 x 14 + € 93,94 x 11 (Factos assentes- D).
5.º B… foi vítima de um acidente na Bélgica, no dia 21.05.2015, cerca das 07h15, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª R. no exercício das suas funções de carpinteiro (Factos assentes- F).
6.º O acidente referido em 5.º ocorreu na obra de construção de um edifício sito em …, nº .., …. … (art.º 12 da BI).
7.º O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a executar uma viga de madeira, e caiu de uma altura de 4 metros (art.º 11 da BI).
8.º Aquando do acidente referido em 5.º, B… encontrava-se na zona central do edifício referido em 6.º a proceder à cofragem, em madeira, de uma viga, sendo que se encontrava em cima de tal viga (art.º 13 da BI).
9.º Do acidente referido em 5.º resultaram para B… lesões na cabeça que foram causa direta da sua morte (Factos assentes- G).
10.º B… não foi autopsiado (Factos assentes- H).
11.º As despesas de trasladação e de funeral foram pagas pela 2ª Ré (Factos assentes- E).
12.º À data de 21.05.2015, B… auferia a retribuição anual de € 1.000,00 x 14 + € 93,94 x 11 (Factos assentes- I).
13.º À data de 21.05.2015, a 2ª R. dedicava-se à atividade da construção civil e obras públicas (Factos assentes- D).
14.º À data de 21.05.2015, B… era uma pessoa saudável, tranquila, que vivia com alegria e que era estimada por familiares, amigos e colegas de trabalho (art.º 4.º da BI).
15.º B… devotava à Autora estima, amizade e carinho, pelo que esta sofreu dor quando lhe chegou a notícia de que aquele tinha sofrido o acidente referido em 5.º (art.º 5.º da BI).
16.º A Autora sofreu dor desde a chegada da notícia referida em 15.º até à data do funeral de B… e nos dias seguintes a tal funeral e ainda hoje mantém, e vai continuar a manter, desgosto e pesar pela morte de B…, sendo que o desgosto e o pesar se acentuam nas datas festivas, nomeadamente na Páscoa e no Natal (art.º 6.º da BI).
17.º Com a morte de B…, a Autora ficou privada de vida sexual, uma vez que, pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, sente-se incapaz de retomar a sua vida sexual (art.º 9 da BI).
18.º A privação a que se alude em 17.º deprime e angustia a Autora (art.º 9 da BI).
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2.2. Factos não provados
Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
a) À data de 21.05.2015, B… auferia a retribuição anual de € 1.800,00 x 14, que incluía o subsídio de refeição (art.º 1.º da BI).
b) O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a trabalhar ao nível do solo a serrar madeira e foi atingido por umas vigas de ferro que se soltaram de um camião-grua que estava a descarregar vigas de ferro (art.º 2.º da BI).
c) O acidente referido em 5.º ficou a dever-se à deficiente amarração das vigas de ferro e/ou à desadequada forma de movimentar as vigas de ferro, quando o camião-grua estava a descarregar vigas de ferro (art.º 3.º da BI).
d) B… sofreu dores entre o momento do acidente referido em 5.º e o momento da morte (artigo 7.º da BI).
e) Entre os momentos do acidente e da morte do B…, que decorreu durante várias horas, este teve a perceção do risco de poder vir a falecer (art.º 8.º da BI).
f) O acidente referido em 5.º ocorreu porque o B… se desequilibrou (art.º 11 da BI).
g) Momentos antes do acidente referido em 5.º, B… acedeu à viga referida através de uma escada pré-fabricada, inacabada, e, depois, através da cofragem existente (art.º 15 da BI).
h) Relativamente ao topo da escada referida em g) e ao longo de toda a faixa da ranhura da cofragem, existia o risco de queda em altura (art.º 16 da BI).
i) No local onde B… se encontrava não havia pavimento/plataforma de trabalho para a execução do trabalho de cofragem (art.º 17 da BI).
j) No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua (art.º 18 da BI).
l) As vigas metálicas que estavam a ser transportadas soltaram-se, em virtude de deficiente amarração, e embateram num ponto da cofragem, aproximadamente a 3 metros do local onde B… se encontrava, tendo depois caído no solo (art.º 19 da BI). m) O estrondo causado pelo embate e pela queda, das vigas metálicas, assustou B…, razão pela qual se desequilibrou e caiu no solo desde uma altura de cerca de 3,5 metros (art.º 20 da BI).
n) O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer equipamento destinado a prevenir o risco de queda em altura (art.º 23.º da BI).
o) A viga referida em 7º apresentava uma largura de cerca de 0,80 metros e encontrava-se a cerca de 3,5 metros do solo (art.º 14 da BI).
p) Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde B… se encontrava e este não usava um arnês de segurança (art.º 21 da BI).
q) No local onde B… se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória (art.º 22 da BI).”
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III. Fundamentação

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
São, assim, as questões suscitadas:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se o acidente em causa é imputável a violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora (2ª Ré).

2. Impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a resposta contida nas als. h), j), n), p) e q) dos factos dados como não provados, pretendendo que sejam dados como provados.
Sustenta a impugnação nos depoimentos das testemunhas F… e G…, bem como na sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, Flandres Oriental, que condenou, em processo de contraordenação, a Ré empregadora e outros intervenientes na obra, por infracções decorrentes de violação de regras de segurança de onde resultou a morte do sinistrado.

2.1. É o seguinte o teor de tais alíneas, que foram dadas como não provadas:
h) Relativamente ao topo da escada referida em g) e ao longo de toda a faixa da ranhura da cofragem, existia o risco de queda em altura (art.º 16 da BI).
j) No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua (art.º 18 da BI).
n) O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer equipamento destinado a prevenir o risco de queda em altura (art.º 23.º da BI).
p) Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde B… se encontrava e este não usava um arnês de segurança (art.º 21 da BI).
q) No local onde B… se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória (art.º 22 da BI).”

2.1. Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido na sentença recorrida o seguinte:
Quanto aos factos provados, no que toca à matéria relativa à ocorrência do acidente, é dito o seguinte:
“A convicção do Tribunal quanto à determinação da matéria de facto provada atrás descrita, fundou-se na análise e apreciação crítica, à luz das regras da lógica e da experiência comum, da globalidade da prova produzida, analisada, examinada e contraditada em audiência de discussão e julgamento, designadamente (…), registos fotográficos de fls. 515 e s visita de inspeção de fls. 528 e s; decisão do Tribunal de Primeira Instância Flandres Oriental, a fls. 1273 e s, de onde resulta que a Ré “E…” foi condenada a uma multa, por não ter assegurado a prevenção de quedas em altura, acompanhados de equipamentos adequados e protegidos das condições climatéricas, relatório de averiguação a fls. 309 e s. e auto de não conciliação de fls. 250.
Ademais, atendeu-se à prova testemunhal.
(…)
Relativamente ao sinistro atendeu-se, sobremaneira, ao acordo entre as partes nos seus articulados”
Quanto à matéria de facto não provada consta o seguinte:
“Vejamos, agora, quanto aos factos não provados.
(…)
Quanto à dinâmica do acidente a testemunha F…, que efetuou a peritagem e fez a averiguação do acidente de trabalho e o relatório junto aos autos, de onde resulta que aquando do sinistro o sinistrado não possuía qualquer proteção individual, nomeadamente linha de vida, a qual não era possível aplicar por inexistência de ponto de fixação superior e não existia qualquer plataforma de trabalho ou andaime. Todavia, a testemunha afirmou que não se deslocou ao local apenas à habitação do sinistrado e depois através de email, telefone, documentações belgas e operador da grua realizou o relatório, pelo que in loco nada presenciou, o que sabe é apenas de ouvir dizer e de documentos sem que dos mesmos se possa aferir da sua fidedignidade. Assim, não é possível aferir do relatório e do seu depoimento qual o motivo que fez o sinistrado ter caído, apenas se veiculando que teriam sido um desequilíbrio por terem caído umas gruas perto de si, tal como veiculou a testemunha que afirmou que dessas diligências concluiu que a vítima estava em cima duma viga a fazer uma cofragem e deveriam existir andaimes que não existiam, factos que disse ter verificado pelo registo fotográfico e com o relato das testemunhas.
A testemunha G…, que interveio junto dos familiares diretos e da mediação e efetuou a análise de documentação e recolha de elementos na Bélgica, também nada presenciou, mas adiantou que o sinistrado estava em cima de uma viga a fazer uma cofragem sem segurança, mas sem saber a razão, ao fixar-se uma grua estas caíram perto do sinistrado e ele caiu de uma altura de 3,5 metros, tendo sido socorrido e veio a falecer poucas horas depois. Assegurou que apurou que não estava em segurança por parte do dono da obra, porque era uma base instável sem proteção – estava em cima de uma viga, sem andaime e sem escada – com base esteira e sem proteção lateral. Mas a verdade é que este depoimento não tem a sua razão de ciência da presença in loco do que aconteceu.
H…, legal representante da Ré “E…”, apenas sabia que o falecido B… aquando do falecimento era funcionário da Ré, tudo o mais afirmou que não era por si tratado.
A testemunha I…, funcionário da Ré, assegurou que não viu o acidente porque estava retirado do local. Estava no contentor, mas sabe que na obra existiam todos os meios necessários para evitar as quedas.
Não podemos olvidar o relatório efetuado, porém como se salientou o seu relator não se deslocou ao local do sinistro, limitando-se a relatar o que ouviu de terceiros e de documentos que apreciou.
Ademais, não obstante as multa e contraordenações aplicadas à Ré empregadora pelas entidades Belgas, bem como sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância de Flandres sobre o acidente proferida em 16 de fevereiro de 2018, onde a Ré E… é condenada por não ter assegurado que os trabalhos em altura fossem acompanhados de equipamentos apropriados e de proteção, revestir a natureza de documento autêntico (art. 363.º, nº 2 CC), o mesmo não tem força probatória plena sobre os factos relativos às circunstâncias concretas em que se verificou o acidente pois não se destina a firmar uma versão definitiva e inatacável acerca do modo e circunstâncias como aquele acidente ocorreu pelo que, quanto a esses factos, o relatório é livremente apreciado pelo julgador de facto.
Ora, inexistindo, in casu, prova presencial do que realmente aconteceu, não pode afirmar-se que os factos ocorreram como os relatou a Ré seguradora.
(…)”.

2.2. No seu douto parecer, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto referiu o seguinte:
6. Cremos que assiste razão à recorrente. Com efeito da sentença do Tribunal belga constam factos que, a serem considerados em conjugação do que resulta dos depoimentos das testemunhas F… e G…, bem como das fotos juntas aos autos deveriam conduzir à prova dos factos impugnados pela recorrente. 7. A decisão do Tribunal Belga aprecia diversas infrações e factos objeto de acusação aos vários intervenientes no planeamento, direção e execução da construção em que teve lugar o acidente. Respeitam essencialmente às condições de segurança, nomeadamente aos meios existentes no local de trabalho para prevenir acidentes,
8. Assim, para além de outros, é abrangida, a 2.º Ré, E…, sendo o acidente mortal de que foi vítima o sinistrado dos autos, o motivo que desencadeou a investigação e veio a resultar na decisão condenatória.
9. Assim, a E… foi objeto de acusação cujos factos estão narrados nos pontos N, O e P e ainda no ponto Q (este comum a todos os RR naquele processo).
10. No que aqui é pertinente, destacamos os pontos N e O e Q donde resulta que a aqui 2º Ré estava acusada de “ N. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou a prevenção de quedas de altura elevada por meio de aplicação de balaustradas resistentes, suficientemente altas ou, pelo menos, a aplicação de uma placa lateral, corrimão e uma linha intermediária ou outra disposição adequada.
e
O. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou que os trabalhos realizados em locais elevados fossem acompanhados de equipamentos adequados e equipamentos de proteção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança e, caso o uso de tais equipamentos tenha sido excluído devido à natureza do trabalho, não garantiu a disponibilização de meios de acesso adequados e a utilização de um dispositivo de suspensão ou outro dispositivo de segurança com ancoragem.
e, assim,
Q. Devido à falta de atenção ou precaução, mas sem a intenção de lesar terceiros, causaram inadvertidamente a morte de B… (nacionalidade portuguesa, nascido em 01-01-1963)
11. Descreve-se o circunstancialismo que rodeou o acidente pela averiguação que foi feita por um Inspetor da TWW (Supervisão do Bem-Estar no Trabalho) que, nomeadamente ouviu os colegas de trabalho do sinistrado, sendo de realçar os factos que apurou de que destacamos:
Com base nessas observações, o Inspetor concluiu que o senhor B…, tal como afirmaram os seus colegas, caiu da coluna de betão (situada ao lado das paletes de pedras brancas). E ele foi embater na placa do piso de betão após uma queda de 3,6 metros de altura. O senhor B… sofreu ferimentos tão graves que acabou por falecer no hospital no final da tarde desse mesmo dia
e que (com sublinhado nosso)
Não havia qualquer pavimento para os trabalhos de cofragem executados pelo senhor B…. O senhor B… podia permanecer na cofragem, mas a mesma não recebeu proteção coletiva contra quedas. Além da falta de pavimento e da proteção coletiva contra quedas, foi estabelecido que não existia um acesso seguro ao local onde o senhor B… estava localizado para prosseguir com os trabalhos de cofragem e onde ele caiu [cfr. págs. 7 a 10 do decisão].
12. Nas considerações de direito da decisão, de somenos importância para o que aqui é relevante, passa a transcrever-se uma das normas violadas pela E…, concretamente, o art. 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001, sobre estaleiros de obras temporários ou móveis (título III, capítulo V do Código sobre o Bem-Estar no Trabalho):
«5. Queda de uma altura.
5. a. A queda de uma altura deve ser materialmente impedida por meio de, em especial, balaustradas resistentes que sejam suficientemente altas e tenham, pelo menos, uma placa lateral, um corrimão e um carril intermediário ou outra disposição equivalente. 5. b. O trabalho em altura só pode ser realizado com o uso de equipamentos adequados e equipamentos de proteção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança. Se o uso de tais equipamentos for excluído com base na natureza do trabalho, devem ser fornecidos meios de acesso adequados e deve ser utilizado um dispositivo de suspensão ou outros dispositivos de segurança com ancoragem.» [cfr. pág. 16 da decisão].
13. Relativamente às acusações imputadas a cada um dos RR menciona-se a defesa de cada um [cfr. págs. 18 e ss], incluindo a da E…, concluindo o Tribunal que:
Na qualidade de empreiteiro e entidade patronal, a E…, Lda. não assegurou um local de trabalho adequado e proteção coletiva antiquedas aquando da execução dos trabalhos de cofragem em altura.
Os factos podem ser atribuídos ao réu a nível material e moral como entidade patronal da vítima. A entidade patronal não poderia ter permitido que a vítima fosse trabalhar sem proteção coletiva adequada antiquedas para trabalhos em altura. Também não foi demonstrado que o quinto réu delegou corretamente as suas responsabilidades ao primeiro réu. O acordo com o primeiro réu não é suspeito e não é demonstrado pelo quinto réu.
O quinto réu também não pode argumentar que a própria vítima foi descuidada. Não existe qualquer responsabilidade da vitima em assegurar um local de trabalho seguro através da proteção coletiva antiquedas. Devido à natureza do trabalho, a proteção individual antiquedas não era possível.
A culpa do quinto réu quanto aos factos das acusações N, O e P é estabelecida de acordo com a lei. [cfr. págs. 28 a 30].
14. Em consonância já antes se havia referido, a propósito da defesa do 1.º Réu (a J…) que “a vítima não cometeu nenhum erro. Além disso, a entidade patronal devia ter-lhe fornecido equipamento de segurança coletiva e o primeiro réu deveria ter garantido que essa segurança coletiva era instalada pelo quinto réu. Por outro lado, o uso de proteção individual teria sido inútil: na construção da plataforma, não há um ponto de ancoragem mais alto no qual poderia ser fixado um arnês antiqueda [cfr. pág. 20], sendo que a propósito da defesa da M…, da N… e da O… (2.º, 3º e 4º RR), conclui-se sempre do mesmo modo, também com sublinhado da nossa autoria:
O senhor B… devia ter podido realizar os seus trabalhos sobre uma plataforma no local de trabalho. O senhor B… devia poder confiar na proteção coletiva antiqueda caso tropeçasse ou caísse; o senhor B… devia poder deslocar-se até à sua estação de trabalho para realizar os trabalhos de cofragem através de um acesso seguro. O senhor B… não pode fazê-lo. [cfr. págs. 23, 25 e 27].
15. Acaba o Tribunal a condenar todos os RR, incluindo a E…: O tribunal declara que o quinto réu é culpado dos factos apresentados pelas acusações N, O, P e Q.
16. Ou seja, o Tribunal num processo de natureza penal em que a E… era arguida e onde teve oportunidade de se defender e onde efetivamente exerceu o contraditório, proferiu uma decisão condenatória, devidamente fundamentada, mormente em matéria de facto, considerando que a entidade patronal não providenciou pela segurança do sinistrado.
17. Com efeito, o tribunal belga apurou que o sinistrado trabalhava na execução de cofragem numa altura de 3 a 4 metros, não existindo qualquer tipo de plataforma (inclusive móvel) onde se pudesse mover, protegida com adequados guarda corpos que impedissem a queda em altura (a lei belga menciona balaustradas, segundo a tradução). A queda e a morte do sinistrado teriam sido evitadas se existisse essa proteção. Ou seja, o acidente a violação daquelas regras de segurança foi a causa do acidente, lesões e morte do sinistrado.
(…)
19. Salvo o devido respeito, não se concorda com a apreciação que o Tribunal faz da prova que indica relativamente ao apuramento de responsabilidade da entidade empregadora.
20. Com efeito, embora a prova decorrente dos depoimentos das testemunhas não tenha sido apreendida diretamente, a verdade é que ela é apoiada, de forma insofismável, pela decisão do Tribunal Belga que, num processo equitativo e justo de natureza penal, em que foram assegurados os direitos de defesa dos RR, se concluiu com base em testemunhos de colegas de trabalho do sinistrado que efetivamente não existia qualquer proteção que evitasse a queda do sinistrado e que no caso, como ali se explica de modo perfeitamente compreensível, só poderia ser uma plataforma (fixa ou móvel) onde o sinistrado se movesse com aplicação de guarda corpos de modo a evitar a sua queda ao solo. Tal dispositivo de segurança devia ter sido providenciado pela entidade empregadora, como resulta não só da legislação belga, mas também da legislação nacional, mormente dos arts. 281º do C. de Trabalho, 15º da Lei 102/2009, de 10.09, 36º, n.º 2 e 37º, n.º 2 do DL 50/2005, de 25.02 e 11º da Portaria 101/96, de 03.04.
21. O depoimento indireto não é proibido em processo civil, devendo ser atendido em conjugação com outros meios de prova, segundo o princípio da livre apreciação e as regras da experiência.
22. É o que acontece no caso. Os depoimentos das testemunhas F… e G… não surgem isolados, sendo apoiados pela decisão do tribunal belga já analisada e pelas regras da experiência.
23. Por outro lado, não sendo aplicável o disposto no art. 623º do CPC, desde logo por não estarmos em presença de uma decisão de um tribunal português ou que tenha sido revista e confirmada para ter eficácia em Portugal, a verdade é que nela a entidade empregadora foi ali também Ré/arguida e como tal deveria ser-lhe emprestada crédito bastante para, em conjugação com os referidos depoimentos, concluir em matéria de facto: que a queda do sinistrado de uma altura de 4 metros [ponto 7 da matéria provada] foi devida à inexistência de uma plataforma devidamente protegida para impedir quedas em altura; que a colocação desse meio de protecção era responsabilidade da entidade empregadora; que a queda e consequente morte do sinistrado resultou da inobservância daquela regra de segurança. E daí retirara as devidas consequências jurídicas.
24. Por fim, se o sinistrado caiu ao solo e não tinha no seu posto de trabalho a adequada proteção contra quedas em altura deduz-se das regras da experiência que terá caído por motivos independentes da sua vontade, pouco importando se foi porque se desequilibrou os se assustou com algo ou por qualquer outra causa.” [sublinhados constantes do parecer].
Do referido parecer discorda a Recorrida empregadora, alegando, para além do mais, que:
“Ora, observado o caminho percorrido no campo da motivação do julgador, torna-se possível aferir que não houve erro na apreciação da prova e no correspondente julgamento da matéria de facto, sendo certo que, os elementos fornecidos pelo processo, nele se incluindo a sentença do Tribunal Belga, não impõem decisão diversa;
Ademais, defendemos que na reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se deverá procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido, o que no caso concreto não permitirá, salvo melhor entendimento, abalar a decisão do tribunal recorrido.
O que o controlo de facto em sede de recurso não deverá fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos princípios da imediação e da oralidade.
Não vislumbramos, pois, que a defendida valoração da prova indireta/sentença estrangeira defendida pelo MP seja suficiente para impor a modificação na decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, devendo afastar-se a existência de erro de julgamento.”.

2.3. Tendo em conta o alegado pela Recorrida Empregadora na resposta ao parecer do Ministério Público, importa clarificar que corresponde, actualmente, a posição do STJ a de que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e a formação de uma convicção própria, não se limitando apenas à verificação da existência de erro notório por parte da 1ª instância – cfr., por todos, Acórdãos do STJ de 31.05.2016, Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1 e de 09.12.2017, Proc. 8228/03.5TVLSB.L1.S2.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados: por H…, legal representante da Ré Empregadora, E…, Ldª e das testemunhas K…, filha do sinistrado, L…, genro do sinistrado, F… e G…, que trabalham para empresa de peritagem e que efectuaram, para a Ré Seguradora, a peritagem do acidente em apreço, e I… que trabalhava na obra em causa, embora para outro empregador.

2.4. Da al. h) do elenco da factualidade dada como não provada e que a Recorrente pretende que seja dada como provada, consta o seguinte: “h) Relativamente ao topo da escada referida em g) e ao longo de toda a faixa da ranhura da cofragem, existia o risco de queda em altura (art.º 16 da BI).”
Ainda que haja sido levada à base instrutória, a afirmação contida em tal alínea tem natureza conclusiva. Trata-se de uma conclusão que se retirará, ou não, de outra factualidade, designadamente das características do local onde a actividade era prestada.
À decisão da matéria de facto apenas deverão, nos termos do art. 607º, nº 4, do CPC/2013, ser levados factos e não matéria conclusiva. Assim, e mesmo que tal alínea fosse levada aos factos dados como provados, sempre deveria a mesma ter-se por não escrita.

2.4. Quanto à restante factualidade que a Recorrente pretende que seja dada como provada, relembrando, é ela a seguinte:
- j) No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua (art.º 18 da BI).
- n) O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer equipamento destinado a prevenir o risco de queda em altura (art.º 23.º da BI).
- p) Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde B… se encontrava e este não usava um arnês de segurança (art.º 21 da BI).
- q) No local onde B… se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória (art.º 22 da BI).”

2.5. Desde já se dirá que se concorda, no essencial, com o douto parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto.
Com efeito:
Começando pela prova pessoal:
O depoimento da legal representante da Ré empregadora não tem qualquer utilidade, uma vez que a mesma nada referiu quanto às circunstâncias do acidente [referiu apenas que não o presenciou, que apenas lho contaram, não tendo sido inquirida sobre o que lhe teria sido contado]. Também a testemunha K…, filha do sinistrado, nada referiu quanto às circunstâncias do acidente.
L…, genro do sinistrado, referiu que: esteve na obra em causa e na polícia, que era ao lado da obra; que lhe “deram a entender” que havia uma grua a descarregar umas vigas de ferro, que as cintas das vigas rebentaram e estas caíram, que o sinistrado estava a cortar madeira dentro de uma caixa e que “aquilo” bateu na caixa e que ele “saiu projectado” e que bateu com a cabeça.
As testemunhas F… e G… referiram, no essencial, que, na verdade, não assistiram ao acidente, nem se deslocaram ao local do mesmo, mas que elaboraram o relatório que consta do documento nº 6 junto com a contestação da Ré Seguradora, com base na análise da documentação remetida pelas autoridades belgas [a quem, segundo a testemunha F…, pediram a documentação por e-mail e receberam-na por correio] e na inquirição, por telefone, de quem esteve presente, designadamente do condutor da grua.
A testemunha F… referiu que, de acordo com o assim apurado, e em síntese, que na altura do acidente o sinistrado se encontrava em cima de uma viga a fazer a cofragem, que não existia no local onde procedia a tal tarefa qualquer andaime ou outro meio de segurança, o que é visível pelo registo fotográfico feito imediatamente após o acidente, e que isso foi também confirmado pelos relatórios e pelas testemunhas com quem falaram. Mais referiu que no local não era possível a instalação de linha de vida por não haver pontos de fixação, que o local onde o A. onde se encontrava tinha a largura de 80 cm; houve a queda de duas vigas metálicas, que não atingiram o sinistrado, mas que o poderão ter assustado e feito desequilibrar.
A testemunha G…, para além do já referido quanto ao não ter presenciado os factos, disse que o A. estava a montar uma cofragem em cima de uma viga; de acordo com os relatórios obtidos junto das autoridades belgas e entidades envolvidas, o sinistrado estava em cima de uma viga relativamente estreita, não existia andaime; terá havido a queda de 2 vigas transportadas por uma grua, que não atingiram o sinistrado, mas que coincidiu no tempo com a queda do mesmo, o que pode ter causado trepidação ou assustado o sinistrado.
A testemunha I… teve um depoimento confuso e muito pouco esclarecedor. Se é certo que o mesmo referiu que existiam todas as condições de segurança, designadamente andaime e arneses ou cintos de segurança, quanto à razão de o referir no essencial insistia que isso era obrigatório, que tudo tem que estar, que estava tudo em segurança e que quando entrou viu um andaime. Mas, por outro lado, referiu que não viu o acidente, que estava num contentor a cerca de 30 metros, apercebeu-se do acidente cerca de 5 minutos depois, que não faz ideia onde o sinistrado estava, que ficou à porta do contentor, que não viu o local, que este foi logo vedado pela polícia, que não se recorda de como estava o local.
É certo que as testemunhas F… e G… não assistiram ao acidente, nem se deslocaram ao local do mesmo. Analisaram todavia a documentação que lhes foi fornecida pelas autoridades belgas e dos autos consta vasta documentação, junta aos autos pela Ré Seguradora com a sua contestação, proveniente das autoridades belgas, designadamente “Auto sobre determinação de infracções” elaborado pela Agência Governamental Federal do Emprego, Trabalho e Diálogo Social, outra documentação, fotografias, Auto nº ……/15, de 21.05.2015, da Polícia de WAASLAND Norte e Processo do Gabinete do Procurador do Ministério Público de Dendermonde, constando designadamente do primeiro dos mencionados documentos que:
“O senhor B… não tinha um pavimento de trabalho a partir do qual ele podia executar os seus trabalhos em local elevado.
O local onde estava a trabalhar nessa manhã não tinha protecção antiqueda colectiva.
Foi disponibilizado um andaime móvel no estaleiro.
Este andaime móvel não podia ser utilizado na maioria dos locais onde os trabalhos de cofragem tinham de ser executados devido à “natureza da construção”: entre outros, devidos aos espaços pequenos e passagens estreitas. O empilhamento do material e o material próximo das estações de trabalho, assim como elementos de suporte necessários (cintas) sob a cofragem também dificultam ou impediam o uso deste andaime móvel como pavimento de trabalho para os trabalhos de cofragem. (...).
O Sr. B… não tinha um pavimento de trabalho a partir do qual ele podia executar os seus trabalhos em local elevado. O local onde estava a trabalhar nessa manhã não tinha protecção antiqueda colectiva. (…)”.
E não há qualquer razão para crer que a documentação analisada pelas mencionadas testemunhas não tenha tido a sua proveniência nas autoridades belgas, nem, apesar de alguma insistência da Mmª Juíza, que não hajam sido estas a elaborá-la e a remetê-la tal como afirmado pela testemunha F….
Mas, sobretudo, os depoimentos das referidas testemunhas F… e G… encontram sustentação na sentença que foi proferida aos 17.02.2018 pelo Tribunal de 1ª Instância de Flandres Oriental, a qual foi junta aos autos pela Ré Seguradora aos 27.09.2019 [respectiva tradução], documento esse que não foi impugnado [e dela, sentença, constando na sua parte final “carimbo: SEM RECURSOS LEGAIS], “CARIMBO: Copia autenticada entregue ao Ministério Público, Dendermonde, o Secretário-Chefe do serviço”], decisão essa proferida em processo de natureza contraordencional onde foram imputadas a diversas empresas (cinco), entre as quais a Ré empregadora, e por isso condenadas, diversas infracções em matéria de segurança no trabalho, imputando-se à ora 2ª Ré, E…, Ldª, nas als. N), O) e Q) que:
- “N. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou a prevenção de quedas de altura elevada por meio de aplicação de balaustradas resistentes, suficientemente altas ou, pelo menos, a aplicação de uma placa lateral, corrimão e uma linha intermediária ou outra disposição adequada.
Violação do artigo 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001, sobre estaleiros de obras temporários ou móveis (título III, capítulo V do Código sobre o bem-estar no trabalho) e ponto 5.a. do Anexo III, Parte B, Secção II desta decisão.
O. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou que os trabalhos realizados em locais elevados fossem acompanhados de equipamentos adequados e equipamentos de proteção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança e, caso o uso de tais equipamentos tenha sido excluído devido à natureza do trabalho, não garantiu a disponibilização de meios de acesso adequados e a utilização de um dispositivo de suspensão ou outro dispositivo de segurança com ancoragem.
Violação do artigo 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001, sobre estaleiros de obras temporários ou móveis (título III, capítulo V do Código sobre o bem-estar no trabalho) e ponto 5.b. do Anexo III, Parte B, Secção II desta decisão.
P. (…)[1]
Q. Devido à falta de atenção ou precaução, mas sem a intenção de lesar terceiros, causaram inadvertidamente a morte de B…. (nacionalidade portuguesa, nascido em 01-01-1963)
Violação dos artigos 418º e 420º do Código Penal”.
Mais consta, designadamente, que:
“3. APRECIAÇÃO EM TERMOS DE PUNIÇÃO
3.1. Os factos
Em 21 de maio de 2015, ocorreu um acidente em (…). A suposta vítima encontrava-se numa estrutura de betão com cofragem e caiu de uma altura entre 3 e 4 metros. (…). Presumivelmente, a vítima assustou-se quando uma carga de ferro de construção caiu a uma distância considerável da mesma. (…).
Pelas fotos tiradas pela polícia local, não parecia existir nenhuma forma de protecção contra quedas no local de trabalho da vítima. A vítima estava a trabalhar para o quinto réu, que trabalha para o primeiro réu em âmbito de subcontratação.
Após os factos, apareceu um inspector da P… (Agência Federal Governamental para o Emprego, Trabalho e Diálogo Social). O inspector da Q… (Supervisão de bem-estar no trabalho) fez as seguintes descobertas:
(…)
- O senhor B… deslocou-se até ao posto de trabalho pelas escadas pré-fabricadas mal acabadas e depois através da cofragem existente. Este acesso era inadequado ao risco de queda do topo da escada (também ao longo das bordas do eixo de elevação) e ao longo de todo o percurso da fissura da cofragem. (…)
- Não havia qualquer pavimento para os trabalhos de cofragem executados pelo senhor B…. O senhor B… podia permanecer na cofragem, mas a mesma não recebeu protecção colectiva contra quedas, foi estabelecido que não existia um acesso seguro ao local onde o senhor B… estava localizado para prosseguir com os trabalhos de cofragem e onde ele caiu”
Mais se diz, designadamente, o seguinte:
- “Em principio, a Lei de 4 de agosto de 1996 sobre o bem estar dos funcionários no desempenho do seu trabalho (doravante denominada de a Lei do Bem estar Social) aplica-se apenas entre a entidade laboral e os funcionários (artigo 2º, § 1, da Lei do Bem-Estar Social), mas a estrutura de aplicação é parcialmente estendida a, entre outras, pessoas envolvidas em obras temporárias ou móveis (artigo (…). Tal estaleiro de obras temporário ou móvel é qualquer estaleiro de obras no qual são executados trabalhos técnicos ou obras cuja lista foi estabelecida pelo Rei (artigo 3º, §1, nº 14, da Lei do Bem-Estar social). Não é contestado pelas partes que no âmbito do atual processo são executados trabalhos num estaleiro de obras temporário ou móvel.
As pessoas que, de alguma forma, estão envolvidas nas obrigações laborais de um estaleiro de obras temporário ou móvel devem aplicar os princípios gerais de prevenção (artigos 5º e 15º da Lei de Bem-Estar Social). [pág. 12 da mesma];
- “(…). O artigo 50º do Decreto Real[2] sobre estaleiros de obras temporários e móveis contém obrigações específicas para o empreiteiro. Sem prejuízo das obrigações que têm sob outras disposições relativas ao bem- estar dos funcionários no desempenho do seu trabalho, os empreiteiros aplicam os princípios gerais de prevenção mencionados no artigo 5º da Lei, em especial no que respeita a:
(…)
4. A manutenção, a inspecção antes do comissionamento e a inspecção periódica das instalações e equipamentos, a fim de evitar defeitos que possam comprometer a segurança e saúde dos funcionários;
(…)
Devem aplicar-se as disposições referidas no Anexo III na medida em que não haja disposições específicas ou mais rigorosas estabelecidas na aplicação da lei relativa ao Anexo III, parte B, secção II, ponto 5:
«5. Queda de uma altura
5.a. A queda de uma altura deve ser materialmente impedida por meio de, em especial, balaustradas resistentes que sejam suficientemente altas e tenham, pelo menos, uma placa lateral, um corrimão e um carril intermediário ou outra disposição equivalente.
5.b. O trabalho em altura só pode ser realizado com o uso de equipamentos adequados e equipamentos de protecção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança.
Se o usos de tais equipamentos for excluído com base na natureza do trabalho, devem ser fornecidos meios de acesso adequados e deve ser utilizado um dispositivo de suspensão ou outros dipositivos de segurança com ancoragem.»

O legislador decidiu que a vida e a integridade física não são interesses que o direito penal deve proteger apenas em caso de atentado deliberado, mas também em caso de atentado por falta de cautela ou precaução. Os elementos legais encontram-se listados abaixo (…).
1. Falta de cautela ou precaução. (…).
2. Morte, golpes e ferimentos causados a outras pessoas.
3. Uma conexão causal. Deve haver um nexo de causalidade entre a falta de cautela ou precaução e a morte de alguém ou os seus golpes e ferimentos. (…). Para avaliar a existência de um nexo de causalidade entre a falta de prudência ou precaução e a morte de uma pessoa, o tribunal deve ter em consideração a situação real em que a mesma ocorre, sem adivinhar o que poderia ter sido sem o erro. (…); o crime existe quando, sem o descuido, os factos não tivessem acontecido como realmente aconteceram.
Se o tribunal concluir que, sem a culpa usada pela parte requerente para proceder à acusação, o dano não teria ocorrido como ocorreu, a sua decisão de condenar os acusados por golpes e ferimentos não intencionais e morte é justificada por lei. No entanto, é necessário que a causalidade seja provada. (…)”. [págs. 14 a 18]
E, mais adiante, reportando-se ao sinistrado:
- “a vítima não cometeu nenhum erro. Além disso, a entidade patronal devia ter-lhe fornecido equipamento de segurança coletiva e o primeiro réu [3] deveria ter garantido que essa segurança colectiva era instalada pelo quinto réu[4]. Por outro lado, o uso de proteção individual teria sido inútil: na construção da plataforma, não há ponto de ancoragem mais alto no qual poderia ser fixado um arnês antiqueda.
(…)” [pág. 20]
- “O senhor B… devia ter podido realizar os seus trabalhos sobre uma plataforma no local de trabalho; o senhor B… devia poder confiar na protecção coletiva antiqueda caso tropeçasse ou caísse; o senhor B… devia poder deslocar-se até à sua estação de trabalho para realizar os trabalhos de cofragem através de um acesso seguro. O senhor B… não pôde fazê-lo.” [5] [págs. 23, 25, 27/28]
E, reportando-se à ora 2ª Ré, E…, Ldª, foi referido o seguinte:
“Infrações em relação à E…, LDA (N, O, P)
(…)
Na qualidade de empreiteiro e entidade patronal, a E…, Lda não assegurou um local de trabalho adequado e protecção colectiva antiquedas aquando da execução dos trabalhos de cofragem em altura. Eis as infracções em causa:
- artigo 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001, sobre estaleiros de obras temporárias ou móveis (título III, capítulo V do Código sobre o bem-estar no trabalho) e ponto 5.a. do Anexo III, Parte B, Secção II desta decisão.
- artigo 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001, sobre estaleiros de obras temporários ou móveis (título III, capítulo V do Código sobre o bem-estar no trabalho) e ponto 5.a. do Anexo III, Parte B, Secção II desta decisão.
- artigo 30º e 32º do Decreto Real de 19 de outubro de 2012 que estabelece as condições gerais básicas às quais os locais de trabalho devem atender.
Os factos podem ser atribuídos ao réu a nível material e moral como entidade patronal da vítima. A entidade patronal não poderia ter permitido que a vítima fosse trabalhar sem protecção colectiva adequada antiquedas para trabalhos em altura. (…).
O quinto réu também não pode argumentar que a própria vítima foi descuidada, Não existe qualquer responsabilidade da vítima em assegurar um local de trabalho seguro através da protecção coletiva antiquedas. Devido à natureza do trabalho, a protecção individual antiquedas não era possível.
A culpa do quinto réu quanto aos factos das acusações N, O e P é estabelecida de acordo com a lei.” [pág. 29].
- E, em sede decisória, foi referido na mencionada sentença, no que toca à ora 2ª Ré, o seguinte [pág. 35]:
“ O quinto réu, E…, LDA:
O tribunal declara que o quinto réu é culpado dos factos apresentados pelas acusações N, O, P e Q.
O tribunal condena o quinto réu pelos factos das acusações N, O, P e Q, em conjunto, ao pagamento de uma coima de 3000 euros, acrescida de 50 sobretaxas (x) até 18.000 euros.
O tribunal condena o quinto réu a UMA PRORROGAÇÃO COMUM pela metade da coima por um período de três anos.
O tribunal assinala ao quinto réu que a mesma é revogada por força da lei caso o réu cometa novo crime grave, resultando numa coima superior a 12.000 euros”

Diz-se na fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença, tão-só, que a referida decisão não faz prova plena da veracidade dos factos.
Na verdade, não faz prova plena. Aliás, nenhuma decisão penal ou contra-ordenacional condenatória, mesmo que proferida por tribunal português, faria prova plena da veracidade dos factos imputados. Em tal caso e como decorre do art. 623º do CPC/2013, a decisão penal condenatória apenas constituiria, quanto a terceiros, presunção ilidível em relação à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e do tipo legal, em quaisquer acções em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
No caso, é certo que a mencionada sentença do Tribunal da Flandres, proferida que foi por tribunal estrangeiro e que não foi revista em Portugal, não se enquadra no art. 623º do CPC/2013, não consubstanciando pois presunção [ilidível] quanto à existência dos factos que integram os pressupostos da sua punição.
Não obstante, consubstancia ela um meio de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal – arts. 978º, nº 2, do CPC e 234º, nº 3, do CPP.
Ora, nessa apreciação, tal decisão apresenta-se como consistente, analisa os diversos níveis de responsabilidade das diversas empresas, entre as quais a da Ré empregadora, na obra em causa e do acidente de que resultou a morte do sinistrado, assentando em tipo legal e responsabilidade similares às vigentes em Portugal mormente, no que releva à responsabilidade da ora 2ª Ré, na violação de normas de protecção de quedas em altura, para além de que não foi feita, na audiência de julgamento dos presentes autos, contraprova, muito menos com algum mínimo de consistência, que abalasse a convicção assente nessa decisão.
E o que consta dessa decisão corrobora as declarações prestadas pelas testemunhas F… e G…, como disso dá nota o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto nas passagens da referida decisão do Tribunal da Flandres, que transcreve no seu parecer, e nas que acima deixámos transcritas. De referir também que os depoimentos indirectos não são proibidos, devendo ser valorados em conjunto com a globalidade da prova e com as regras da experiência comum e da lógica.
A referida prova [depoimentos das testemunhas F… e G… e mencionada sentença] corrobora pois e com a necessária segurança a prova da matéria contida nos nºs 19, 20, 21 e 22 dos factos que a 1ª instância deu como não provados, devendo-se, quanto ao 19, nele deixar esclarecido que não era possível a utilização, pelo sinistrado, de linha de vida e arnês de segurança por inexistência de pontos de fixação.
E, quanto ao nexo causal enquanto facto naturalístico constante do nº 21 , importa acrescentar o seguinte: as medidas de segurança, mormente, no caso, a existência de andaime, guarda-corpos ou plataformas elevatórias, destinam-se precisamente a evitar os riscos que visam proteger, designadamente quedas em altura. A necessidade e utilidade das mesmas assenta no perigo da actividade ou das circunstâncias em que é exercida, visando prevenir o risco, e sendo aptas a essa prevenção, de ocorrência de acidentes de trabalho que sempre poderão ter lugar, concretamente, no que toca a trabalhos em altura, de queda decorrente de circunstâncias várias, designadamente desequilíbrio, tropeção, tontura, desmaio e ou outra causa não intencionalmente provocada pelo trabalhador.
Ora, no caso, tendo em conta a mencionada prova testemunhal (F… e G…) e documental (sentença do Tribunal da Flandres), aliado às concretas condições, de altura, de execução do trabalho de cofragem, à inexistência de qualquer medida de protecção de queda, às regras da experiência comum e da lógica e sendo certo que da prova produzida nada decorre em sentido contrário, impõe-se concluir que a existência de guarda-corpos, andaime ou plataforma elevatória teriam protegido o sinistrado e evitado a sua queda ou, dito de outro modo, que o acidente em apreço ocorreu porque no local onde o sinistrado se encontrava não existia nenhum dos mencionados equipamentos. Diga-se que é irrelevante, não afastando a referida causalidade, que pudesse, porventura, ter caído alguma viga, sendo que nada se provou no sentido de que a viga tivesse atingido o sinistrado. Aliás, o que resulta da prova é que as vigas que terão caído não o atingiram, caindo a uma distância de alguns metros dele. Assim como é irrelevante que tal queda pudesse ter assustado o sinistrado ou causado trepidação e, com isso, provocado a queda do sinistrado, sendo que a existência dos mencionados equipamentos têm como função prevenir as quedas.
Diga-se ainda que, no caso, a A. apresentava uma diferente versão do acidente, referindo no art. 8º da p.i., que “A A. não presenciou o fatídico evento, todavia, tem informação de que o sinistro ocorreu quando o Sr. B… se encontrava a trabalhar ao nível do solo, a serrar madeira, e foi atingido por umas vigas de ferro que se soltaram de um camião-grua que se encontrava a descarregar”, versão esta que, contudo, não resultou provada, como decorre dos nºs 7 e 8 dos factos provados e da al. b) dos factos não provados. E, o certo é que ambas as RR aceitaram, na contestação, que a queda resultou de desequilíbrio do sinistrado, como decorre dos arts. 2º da contestação da Ré Empregadora e do art. 33º da contestação da Ré Seguradora [esta questão será retomada adiante]. E o desequilíbrio é uma das causas mais frequentes de acidentes de trabalho decorrentes de quedas em altura e a cuja prevenção se destinam precisamente os equipamentos de protecção referidos no nº 19 [guarda-corpos, andaimes, plataforma elevatória] e que teria sido evitada caso existisse algum dos mencionados equipamentos.
Assim sendo, adita-se à matéria de facto provada os nºs 19, 20, 21 e 22 com a seguinte redacção, assim e nesta medida se alterando a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
19. No local onde B… se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória (resposta ao art.º 22 da BI).
20. Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde B… se encontrava e este não usava um arnês de segurança, o que, todavia, não era possível por inexistência de pontos de fixação (resposta ao art.º 21 da BI).
21. O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer do equipamento referido em 19). (resposta ao art.º 23.º da BI).
22. No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua (resposta ao art.º 18 da BI).

2.6. Por fim, no que toca à matéria de facto importa, ao abrigo do disposto nos arts. 663, nº 2 e 607º, nº 4, do CPC/2013, proceder oficiosamente às seguintes alterações:
Porque provado documentalmente, adita-se aos factos provados o nº 23 com o seguinte teor:
23. Por virtude do acidente referido em 5º correu termos no Tribunal de 1ª Instância de Flandres Oriental processo no qual foram rés cinco empresas, entre as quais a ora 2ª Ré, E…, Ldª, processo esse no âmbito do qual foi, aos 27.09.2019, proferida a sentença cuja cópia traduzida foi junta pela Ré Seguradora aos 27.09.2019, dela constando a condenação, entre outras empresas, da ora 2ª Ré em coima, pela prática das seguintes infracções descritas nas als. N), O), P) e Q) da mesma: “N. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou a prevenção de quedas de altura elevada por meio de aplicação de balaustradas resistentes, suficientemente altas ou, pelo menos, a aplicação de uma placa lateral, corrimão e uma linha intermediária ou outra disposição adequada. O. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou que os trabalhos realizados em locais elevados fossem acompanhados de equipamentos adequados e equipamentos de proteção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança e, caso o uso de tais equipamentos tenha sido excluído devido à natureza do trabalho, não garantiu a disponibilização de meios de acesso adequados e a utilização de um dispositivo de suspensão ou outro dispositivo de segurança com ancoragem. P) (…); Q. Devido à falta de atenção ou precaução, mas sem a intenção de lesar terceiros, causaram inadvertidamente a morte de B… (nacionalidade portuguesa, nascido em 01-01-1963)”.

Como já acima referido, as RR empregadora e Seguradora estão de acordo que o sinistrado se desequilibrou, em consequência do que sofreu a queda em causa. É o que decorre do art. 2º da contestação da Ré Empregadora, em que esta refere que “Sem prejuízo da impugnação que antecede, a Ré esclarece que o acidente dos autos ocorreu quando o trabalhador sinistrado estava a executar uma viga de madeira, tendo-se desequilibrado e caído de uma altura de 4 metros” e do art. 33º da contestação da Ré Seguradora, em que esta refere que “33. Razão pela qual se desequilibrou e caiu no solo, de uma altura aproximada de 3,5 metros” [sublinhados nossos]. Ou seja, o referido desequilíbrio [independentemente da causa que o originou] encontra-se assente por acordo das mencionadas RR, as quais aliás não puseram em causa que a queda se tivesse verificado da viga em que o sinistrado se encontrava e que este se desequilibrou [diga-se que era a A. quem apresentava uma versão diferente dos factos, que não resultou provada, antes se tendo provado a versão das RR de que a queda ocorreu da viga como resulta do nº 7 dos factos dados como provados pela Mmª Juiz, do qual consta que “7.º O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a executar uma viga de madeira, e caiu de uma altura de 4 metros (art.º 11 da BI)”].
Aliás, na fundamentação da decisão da matéria de facto, a Mmª Juiz referiu o seguinte: “ Relativamente ao sinistro atendeu-se, sobremaneira, ao acordo entre as partes nos seus articulados”. Os nº 7 e 8 dos factos dados como provados na sentença [7O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a executar uma viga de madeira, e caiu de uma altura de 4 metros; 8.º Aquando do acidente referido em 5.º, B… encontrava-se na zona central do edifício referido em 6.º a proceder à cofragem, em madeira, de uma viga, sendo que se encontrava em cima de tal viga] são extraídos das contestações das RR [art. 2 da Ré Empregadora e 19º da contestação da Ré Seguradora], sendo que o acordo destas incidiu não apenas sobre o que foi levado a esses nºs 7 e 8, mas também sobre o facto de que o sinistrado se desequilibrou e caiu, como decorre dos mencionados arts. 2º e 33º das suas contestações.
Daí que, dando-se como provado, como o deu a 1ª instância, por acordo das RR nos articulados o que consta dos nºs 7 e 8, não há razão para que não se dê, também, como provado que o sinistrado se desequilibrou, sobre o que igualmente existiu, como referido, das RR nas respectivas contestações.
De todo o modo, sempre se diga que é isso o que resulta da conjugação da globalidade da prova produzida, e já mencionada, com as circunstâncias do acidente e as regras da lógica e da experiência comum. O sinistrado encontrava-se em cima de uma viga a uma altura de quatro metros, sem qualquer equipamento de protecção colectiva que o protegesse de quedas em altura e, tendo-se desprendido e caído duas vigas em ferro na proximidade do local onde ele se encontrava e tendo ele caído, como caiu, natural e lógico, estando de acordo com as regras da experiência e senso comuns, é que, seja por se ter assustado, seja por alguma trepidação, o sinistrado se tenha desequilibrado e caído, como caiu.
Ora, assim sendo, entende-se ser de, na matéria de facto provada, proceder a tal esclarecimento, pelo que se altera o nº 7 dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção [aliás a que correspondia ao teor do art. 11º da BI, extraído do art. 2º da contestação da Ré empregadora]:
7.º O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a executar uma viga de madeira, se desequilibrou e caiu de uma altura de 4 metros.

2.7. Passa-se a reproduzir a matéria de facto provada com as alterações já introduzidas:
1.º B… nasceu no dia 01.01.1963 e faleceu no dia 21.05.2015, em Sint-Niklaas, Bélgica, no estado de casado com a Autora, sendo que foi sepultado no cemitério de …, concelho de Baião (Factos assentes- A).
2.º A Autora nasceu no dia 14.09.1963 e casou catolicamente com B… no dia 12.09.1987 (Factos assentes- B)
3.º Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual estiveram representadas ambas as R.R., teve lugar no dia 23.11.2016 (Factos assentes- C).
4.º À data de 21.05.2015, a responsabilidade da 2ª R. por acidentes de trabalho em que fosse interveniente o marido da Autora encontrava-se transferida para a 1ª R. mediante o contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº …………., pela retribuição anual de €1.000,00 x 14 + € 93,94 x 11 (Factos assentes- D).
5.º B… foi vítima de um acidente na Bélgica, no dia 21.05.2015, cerca das 07h15, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª R. no exercício das suas funções de carpinteiro (Factos assentes- F).
6.º O acidente referido em 5.º ocorreu na obra de construção de um edifício sito em …, nº .., …. … (art.º 12 da BI).
7.º O acidente referido em 5.º ocorreu quando B… se encontrava a executar uma viga de madeira, se desequilibrou e caiu de uma altura de 4 metros. [Alterado]
8.º Aquando do acidente referido em 5.º, B… encontrava-se na zona central do edifício referido em 6.º a proceder à cofragem, em madeira, de uma viga, sendo que se encontrava em cima de tal viga (art.º 13 da BI).
9.º Do acidente referido em 5.º resultaram para B… lesões na cabeça que foram causa direta da sua morte (Factos assentes- G).
10.º B… não foi autopsiado (Factos assentes- H).
11.º As despesas de trasladação e de funeral foram pagas pela 2ª Ré (Factos assentes- E).
12.º À data de 21.05.2015, B… auferia a retribuição anual de € 1.000,00 x 14 + € 93,94 x 11 (Factos assentes- I).
13.º À data de 21.05.2015, a 2ª R. dedicava-se à atividade da construção civil e obras públicas (Factos assentes- D).
14.º À data de 21.05.2015, B… era uma pessoa saudável, tranquila, que vivia com alegria e que era estimada por familiares, amigos e colegas de trabalho (art.º 4.º da BI).
15.º B… devotava à Autora estima, amizade e carinho, pelo que esta sofreu dor quando lhe chegou a notícia de que aquele tinha sofrido o acidente referido em 5.º (art.º 5.º da BI).
16.º A Autora sofreu dor desde a chegada da notícia referida em 15.º até à data do funeral de B… e nos dias seguintes a tal funeral e ainda hoje mantém, e vai continuar a manter, desgosto e pesar pela morte de B…, sendo que o desgosto e o pesar se acentuam nas datas festivas, nomeadamente na Páscoa e no Natal (art.º 6.º da BI).
17.º Com a morte de B…, a Autora ficou privada de vida sexual, uma vez que, pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, sente-se incapaz de retomar a sua vida sexual (art.º 9 da BI).
18.º A privação a que se alude em 17.º deprime e angustia a Autora (art.º 9 da BI).
19. No local onde B… se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória [Aditado]
20. Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde B… se encontrava e este não usava um arnês de segurança, o que, todavia, não era possível por inexistência de pontos de fixação. [Aditado]
21. O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer do equipamento referido em 19). [Aditado]
22. No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua. [Aditado]
23. Por virtude do acidente referido em 5º correu termos no Tribunal de 1ª Instância de Flandres Oriental processo no qual foram rés cinco empresas, entre as quais a ora 2ª Ré, E…, Ldª, processo esse no âmbito do qual foi, aos 27.09.2019, proferida a sentença cuja cópia traduzida foi junta pela Ré Seguradora aos 27.09.2019, dela constando a condenação, entre outras empresas, da ora 2ª Ré em coima, pela prática das seguintes infracções descritas nas als. N), O), P) e Q) da mesma: “N. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou a prevenção de quedas de altura elevada por meio de aplicação de balaustradas resistentes, suficientemente altas ou, pelo menos, a aplicação de uma placa lateral, corrimão e uma linha intermediária ou outra disposição adequada. O. Na qualidade de empreiteiro, não assegurou que os trabalhos realizados em locais elevados fossem acompanhados de equipamentos adequados e equipamentos de proteção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança e, caso o uso de tais equipamentos tenha sido excluído devido à natureza do trabalho, não garantiu a disponibilização de meios de acesso adequados e a utilização de um dispositivo de suspensão ou outro dispositivo de segurança com ancoragem. P) (…); Q. Devido à falta de atenção ou precaução, mas sem a intenção de lesar terceiros, causaram inadvertidamente a morte de B… (nacionalidade portuguesa, nascido em 01-01-1963)”. [Aditado]

3. Se o acidente em causa é imputável a violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora (2ª Ré)

Não está em causa que o acidente que vitimou o sinistrado seja, e é, qualificado como acidente de trabalho, o que se encontra assente, assim como a transferência da responsabilidade da Ré empregadora para a Ré Seguradora, mediante contrato de seguro de acidente de trabalho, dos riscos emergentes de acidente de trabalho de que aquele fosse vítima.
Está, apenas, em causa saber se, como defende a Ré Seguradora, ora Recorrente, o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado decorre da violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora, sendo que, na sentença recorrida, se entendeu não ter sido feita prova de tal violação.

3.1. Ao caso, atenta a data do acidente de trabalho em apreço nos autos (21.05.2015), é aplicável a Lei 98/2009, de 04.09 (NLAT), que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e que entrou em vigor aos 01.01.2010, dispondo o art. 6º da mesma que o trabalhador português sinistrado em acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa tem direito às prestações previstas na mencionada Lei, a qual se aplica na ausência de opção expressa do trabalhados sinistrado.
Nos termos do art.º 18º, nº 1, da citada Lei 98/2009 “1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerias”, situação esta em que é devida a reparação agravada prevista no nº 4 do preceito e dispondo o art. 79º, nº 3, do mesmo diploma que “3. Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Tais preceitos, no que importa à questão da violação, ou não, de regras de segurança por parte da empregadora e da consequente responsabilidade desta – não introduz alterações relativamente ao que dispunha o antecedente art. 18º da Lei 100/97, de 13.09, introduzindo todavia uma alteração relevante quanto à responsabilidade da seguradora pois que a responsabilidade meramente subsidiária prevista nos arts. 18º e 37º, nº 2, da então Lei 100/97, de 13.09, com a actual a Lei 98/2009, como decorre do seu art. 79º, nº 3, deixou de ser subsidiária, passando a ser responsável pela satisfação do pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo porém do direito de regresso por parte da seguradora..
Nos termos do citado art. 18º da NLAT (tal como no art. 18º da antecedente Lei 100/97), para que o acidente fique sob a sua alçada é necessário que:
a) sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança, que a(s) não haja observado e que essa inobservância lhe seja imputável;
b) entre essa conduta omissiva e o acidente ocorra um nexo de causalidade adequada, nos termos do qual é necessário, não apenas, que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do acidente, mas também que, em abstracto, ou em geral, o facto seja causa adequada do dano.
De referir ainda, quanto ao nexo de causalidade, que ele comporta duas vertentes:
Uma, naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano. A outra, jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido. E, como é jurisprudência, que julgamos pacífica, no âmbito e para efeitos do art. 18º da Lei 100/97, e de harmonia com a regra acolhida no art. 563º do Cód. Civil, haverá que se atender à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa.
Conforme Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processo factual, que caberá na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano. E não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas (citado Acórdão do STJ de 23.09.2009).
Importa também ter presente que, como foi sendo afirmado pelo STJ, ao contrário do que sucedia no âmbito da Lei 2127, de 03.08.65 e do seu Regulamento (Dec. 360/71, de 21.08 – cfr. art. 54º), em que a violação das regras de segurança determinavam apenas uma presunção de culpa, já na economia da Lei 100/07, de 30.04., e que mantém actualidade no âmbito da actual Lei 98/2009, em cujos arts. 18º se autonomizam duas situações [quais sejam (i) o acidente provocado pela entidade empregadora ou seu representante e (ii) o acidente resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde], tal violação, por parte da ré empregadora, passou a constituir um caso de culpa efectiva (cfr. Acórdãos do STJ de 12.02.09, 09.09.09 e de 23.09.2009[6]).
Por fim, conforme orientação jurisprudencial pacífica, ao sinistrado/beneficiário e/ou à Seguradora incumbe o ónus de alegação e prova do factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do citado art. 18º, nº 1, do empregador, incluindo, pois, os relativos ao nexo de causalidade – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.[7].

3.2. No que respeita à alegada violação de normas de segurança, o caso em apreço prende-se com o risco decorrente de queda em altura do sinistrado que, aquando do acidente, levava a cabo tarefa inserida no âmbito da construção civil a uma altura de 4 metros do solo [altura da qual veio a cair].
A indispensabilidade da prestação de trabalho em condições de segurança e saúde está presente em diversas disposições legais, umas de carácter mais genérico, outras de natureza mais específica, consoante a natureza do trabalho que se leve a cabo.
Assim é que, quanto às primeiras, dispõem, entre outros diplomas, o CT/2009, no art. 281º, que: “1. O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança. 2. O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção. 3. Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, da informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa. 4. Os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividade no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um. (…)”; e a Lei 102/2009, de 10.09, que entrou em vigor aos 01.10.2009, que: o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança e saúde, que deverá assentar no princípio geral de prevenção, com a eliminação, desde logo, dos factores de risco e de acidente, destacando-se a obrigação de proceder à identificação dos riscos previsíveis na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a aumentar os níveis de protecção e de dar prioridade às medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual (art. 15º, nºs 1 e 2, als. a), c) e h)).
Também o DL 50/2005, de 25.02[8], relativo às prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, dispõe que: o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho sejam adequados ao trabalho, bem como atender, na escolha desses equipamentos, às condições características e específicas do trabalho e riscos existentes e tomar as medidas adequadas a minimizar os riscos existentes (art. 3º), realçando-se: o art. 29º, relativo a equipamentos de elevação ou transporte de trabalhadores, designadamente quanto à necessidade de evitar riscos de queda do habitáculo; o art. 31º, no termo do qual os equipamentos devem ser instalados, dispostos e utilizados de modo a reduzir os riscos; o art. 33º, nºs 2 e 3, quanto aos equipamentos de elevação de trabalhadores, e arts. 36º a 42º, relativamente à utilização dos equipamentos destinados a trabalhos em altura, designadamente: deve ser utilizado o equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras (36º, nº 2); na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual (36º, nº 2); o equipamento deve permitir a circulação de trabalhadores em segurança (art. 36º, nº 3); a passagem, em qualquer sentido, entre meios de acesso a postos de trabalho em altura e plataformas e passadiços deve estar protegida contra riscos adicionais de queda (art. 36º, nº 6); as medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características do equipamento (art. 37º, nº 1); sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura (art. 37º, nº 2) e se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de protecção colectiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes (art. 37º, nº 4).
Diga-se que o citado DL 50/2005 veio transpor para a ordem jurídica interna a Directiva nº 86/655/CEE, do Conselho de 30 de Novembro, alterada pela Directiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Directiva 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, Directiva essa também aplicável aos Estados membros da União Europeia, concretamente, na Bélgica.
Releva também o disposto no artigo 11º da Portaria 101/96, de 3 de Abril ((que regulamenta as Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis), o qual dispõe que: “1. Sempre que haja risco de queda em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável”.
Sobre aberturas nos soalhos e plataformas de trabalho semelhantes regem os arts. 40º e 41º do Dec. 41.821, de 11.08.1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil) nos termos dos quais as aberturas nas plataformas de trabalho deverão ser guarnecidas com guarda corpos (art. 40º) e, quando haja vigamentos a nu ou os elementos de enchimento não tenham adquirido ainda a necessária consistência, é obrigatório o emprego de estrados e outros meios que evitem a queda de pessoas, materiais e ferramentas (art. 41º).
Também a legislação belga, como resulta da sentença proferida pela 1ª Instância do Tribunal da Flandres, dispõe sobre a necessidade, por parte do empregador (e não só) de prevenção dos riscos de acidentes de trabalho e, concretamente, no que se reporta à prevenção de riscos de quedas em altura, como dispõe o artigo 50º do Decreto Real de 25 de janeiro de 2001 (título III, capítulo V do Código sobre o bem-estar no trabalho) e pontos 5.a. e 5.b. do Anexo III, Parte B, Secção II, nos termos do qual:
«5. Queda de uma altura
5.a. A queda de uma altura deve ser materialmente impedida por meio de, em especial, balaustradas resistentes que sejam suficientemente altas e tenham, pelo menos, uma placa lateral, um corrimão e um carril intermediário ou outra disposição equivalente.
5.b. O trabalho em altura só pode ser realizado com o uso de equipamentos adequados e equipamentos de protecção geral, como balaustradas, plataformas e redes de segurança.
Se o usos de tais equipamentos for excluído com base na natureza do trabalho, devem ser fornecidos meios de acesso adequados e deve ser utilizado um dispositivo de suspensão ou outros dipositivos de segurança com ancoragem.»

3.3. Ora, revertendo ao caso em apreço, decorre da matéria de facto provada que a Ré Empregadora violou, na verdade, as regras de segurança relativas à prevenção de quedas em altura.
Com efeito, o sinistrado procedia a trabalhos de cofragem a uma altura de 4 metros, assim se encontrando exposto a um efectivo risco de queda em altura, pelo que deveria a mencionada Ré ter adoptado as necessárias medidas de prevenção a evitá-lo, sendo que, no caso, não o fez uma vez que no local onde aquele se encontrava não haviam sido colocados guarda-corpos, nem andaimes, nem uma plataforma elevatória, incumprimento esse que lhe é imputável uma vez que, sendo empregadora do sinistrado, tinha a obrigação de ter adoptado alguma das mencionadas medidas e não o fez [diga-se, quanto à não instalação de linha de vida e não utilização de arnês de segurança que não pode ser imputada à ré empregadora a violação de regra de segurança uma vez que tal instalação e utilização não seriam possíveis por inexistência de pontos de fixação].
E, por outro lado, provado ficou também o nexo causal entre a violação das regras de segurança e a ocorrência do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado pois que a queda ficou a dever-se ao facto de não ter sido instalado qualquer um dos mencionados equipamentos contra quedas em altura e que, como tal, evitariam o sinistro. Diga-se que é irrelevante que o sinistrado se tenha desequilibrado. O desequilíbrio é uma das causas mais frequentes de acidentes decorrentes de queda em altura, para além de que as normas de segurança existem precisamente para evitar tais situações, ou outras similares.
Assim sendo, e concluindo, o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado é, nos termos do art. 18º, nº 1, da Lei 98/2009, imputável à violação de regras de segurança por parte da 2ª Ré, Empregadora e, como tal, é esta responsável pela sua reparação. Não obstante, a Ré Seguradora é responsável pela satisfação do pagamento das prestações que seriam devidas caso o acidente não fosse imputável à violação das regras de segurança por parte da Ré Empregadora, sem prejuízo, todavia do direito de regresso conforme art. 79º, nº 3, da LAT.

4. Em consequência do acima decidido:
4.1. Da responsabilidade da Ré Empregadora:
A Ré empregadora é responsável pelo pagamento da pensão anual e vitalícia de montante igual ao da retribuição anual conforme dispõe a al. a) do nº 4, do citado art. 18º, nos termos do qual: “4. No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) Nos caos de (…), e de morte, igual à retribuição. (…)”.
Assim, é a 2ª Ré, Empregadora, responsável pelo pagamento à A., com efeito a partir de 22.05.2015, da pensão anual e vitalícia de €15.033,34 [€ 1.000,00 x 14 + € 93,94 x 11], actualizável, a ser paga na residência da A., em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14, acrescida de subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, nos termos do disposto nos arts. 72º e 73º, nº 1, da LAT.
A mencionada pensão é actualizada nos seguintes termos: actualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 15.093,47; actualização de 0,5% em 2017, por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 15.168,94; actualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - €15.441,98; actualização de 1,60% em 2019 por força da Portaria 23/2019- €15.689,05; e actualização de 0,70% em 2020, por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €15.798,87.
Quanto às pensões já vencidas impõe-se deduzir as pensões provisórias, e respectivos juros de mora, que a Ré Seguradora já pagou à Autora, assim como, quanto às vincendas, as que lhe venham a ser pagas, e respectivos juros de mora, pela Ré Seguradora nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, e sem prejuízo do direito de regresso, acrescendo sobre o diferencial juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento.

No que toca ao subsídio por morte, na sentença recorrida considerou-se, ainda que a propósito da responsabilidade da Ré Seguradora, ser o mesmo devido conforme a seguir transcrito:
“Dispõe o art.º 65.º, n.º1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, que “o subsídio por morte destina-se a compensar os encargos decorrentes do falecimento do sinistrado” e o seu nº 2, al. b) que “o subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor da 1,1 IAS à data da morte, sendo atribuído ao cônjuge”.
Note-se que os encargos que o subsídio por morte visa compensar são aqueles que os beneficiários desse subsídio sofram em consequência do falecimento do sinistrado, como sejam, compras de roupas de luto e outras despesas que tenham que suportar em consequência daquele falecimento.
O subsídio por morte é devido independentemente de os beneficiários suportarem ou não esses encargos na medida em que, contrariamente ao que sucede em relação ao subsídio por despesas de funeral, a lei atribui uma quantia fixa a título de subsídio por morte, a qual é devida aos beneficiários, independentemente de qualquer prova que estes façam de terem efetivamente suportado quaisquer encargos em consequência do falecimento do sinistrado.
O subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte.
A morte do sinistrado B… ocorreu em 21.05.2015, altura em que o valor do IAS encontrava-se fixado em 419,22 euros, pelo que o subsídio por morte devido à Autora ascende a 5.533,70 euros - (419,22 x 1,1 x 12).
O subsídio por morte vence-se no dia seguinte à morte do sinistrado, ou seja, em 22.05.2015, pelo que sobre a quantia devida à Autora a título de subsídio por morte são devidos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 22.05.2015 até integral pagamento – cfr. arts. 804º, 805º, n.º 2, al. a), 806º, n.ºs 1 e 2, 559º do Cód. Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08/04.2.”.
Tal subsídio encontra-se correctamente calculado, sendo a Ré empregadora responsável por tal prestação, pelo que nele deverá ser condenada nos termos acima transcritos, sendo porém de descontar o que a esse título venha a ser satisfeito pela Ré Seguradora nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, sem prejuízo, todavia, do direito de regresso desta sobre a Ré Empregadora.

4.2. Da responsabilidade da Ré Seguradora:
Como já referido, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009 “3. Verificando-se alguma das situações referidas no art. 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Cabe assim à Ré Seguradora satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa da Ré empregadora, sem prejuízo do direito de regresso contra esta, quais sejam, como já fixado na sentença recorrida:
i) com efeitos a partir de 22.05.2015, a pensão anual e vitalícia, nos termos do disposto no art. 59º, n.º 1, al. a), correspondente a 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade da reforma por velhice e a 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, pensão essa no montante de €4.510,00 (15.033,34x30%), actualizável nos termos referidos na sentença recorrida: actualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 4.528,04; actualização de 0,5% em 2017, por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 4.550,68; actualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - € 4.632,59, e actualização em 1,60 % em 2019 por força da Portaria 23/2019- €4.706,71, a que acresce a actualização de 0,70% em 2020, por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €4.739,66.
Sobre as quantias em dívida são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
Quanto às pensões já vencidas impõe-se deduzir as pensões provisórias que a Ré Seguradora já haja pago à Autora nos termos da decisão da 1ª instância de 10.05.2018 que fixou à A. a pensão provisória.
ii) O subsídio por morte no montante acima referido, de €5.533,70 (419,22 x 1,1 x 12).
Sobre o mesmo são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento (22.05.2015) até efectivo e integral pagamento.

4.3. Do direito da Ré Seguradora ao reembolso das prestações cujo pagamento efectuou:

4.3.1. Conforme despacho da 1ª instância de 10.05.2018 foi à A. fixada pensão provisória, cujo pagamento, e respectivos juros de mora, foi determinado à Ré Seguradora.
A pensão provisória é devida até ao trânsito em julgado do presente acórdão, sendo que, nos termos dos arts. 122º, nº 4, e 123º, nº 2, do CPT, depois de apurada a entidade responsável, a obrigação do pagamento da pensão provisória, se estiver a cargo de outro, deve ser para aquele transferida, mais se condenando a entidade responsável a reembolsar a entidade que até aí suportou a obrigação, com juros de mora.
E, assim, seria de transferir a obrigação do pagamento da pensão provisória, que está a cargo da Ré Seguradora para a Ré empregadora e condená-la no pagamento de juros de mora.
Acontece porém que, nos termos do já citado art. 79º, nº 3, embora a Ré Seguradora não seja a responsável pela reparação do sinistro dado o caso se enquadrar na situação do art. 18º, tem ela todavia a obrigação de satisfazer o pagamento da pensão que seria devida não fosse o agravamento e cujo montante, no caso, corresponde ao montante da pensão provisória que foi fixada.
Ora, assim sendo, entende-se que a Ré Seguradora deve, até ao trânsito em julgado do presente acórdão, continuar a pagar à A. a pensão provisória nos termos determinados pela 1ª instância na decisão de 10.05.2018, devendo todavia a Ré Empregadora ser condenada a pagar àquela as pensões provisórias, e respectivos juros de mora, que hajam sido e venham a ser pagas à A. até ao referido trânsito, acrescidas de juros de mora desde a data do pagamento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, a liquidar em incidente de liquidação, nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013.

4.3.2. Quanto às prestações que, após o referido trânsito, venham a ser satisfeitas à A. pela Ré Seguradora nos termos do art. 79º, nº 3, da LAT e do referido no ponto III. 4.2. do presente acórdão, tem a Ré Seguradora direito de regresso sobre o que venha a pagar à A. no âmbito da reparação pelo acidente de trabalho em apreço, devendo, em consequência, ser a Ré Empregadora condenada a pagar à Ré Seguradora todos os valores que, nos termos do referido no mencionado III.4.2., esta venha a pagar à A. tal como requerido na contestação, a liquidar em incidente de liquidação, nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013.

5. Da indemnização pelos danos não patrimoniais

A A. pediu ainda a condenação da Ré empregadora no pagamento da quantia global de €70.000,00 a título de perda do direito à vida, de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado, e de danos não patrimoniais sofridos pela A., incluindo privação sexual, assim discriminada:
“27º atento o alegado e a jurisprudência "mais recente", pela perda do direito à vida, a A. reclama um terço do valor global de €75.000, a imputar à efetiva perda em apreço, no montante de €25.000;
28º e, a título de dano moral, a quantia de €25.000.
29º Por último, tendo em conta que o Sr. B… não faleceu logo, que sofreu intensamente até ao momento da morte e que entre o momento das lesões e o da morte decorreram várias horas – período de tempo durante o qual teve clara perceção do risco de poder vir a falecer, a título de danos próprios da própria vítima a A. reclama o pagamento da quantia de €5.000;
30º E, por outro lado, a morte do Sr. B…, com quem a A. mantinha uma muito boa relação conjugal, deixou a A. numa situação de privação de vida sexual, uma vez que a A., pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, se sente absolutamente incapaz de reatar a sua vida conjugal – situação que a deprime profundamente e que a angustia – dano pelo qual a A. reclama o pagamento da quantia de €15.000.”

Em caso de acidente de trabalho decorrente da violação de regras de segurança ao beneficiário do direito à reparação infortunística assiste também o direito à indemnização pelos prejuízos não patrimoniais nos termos gerais de direito – art. 18º, nº 4, da Lei 98/2009.
Dispõe o art. 483º do Cód. Civil que “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” e, o art. 496º do mesmo diploma, na redacção introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto [9][10] , que:
“1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 – Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela ou aos filhos ou outros descendentes.
4 – O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. (anterior n.º 3).
A alteração introduzida pela citada Lei não tem repercussão no caso em apreço [ela visa, no essencial, contemplar a situação da união de facto].

5.1. Como questão prévia importa dizer que, na querela jurídica sobre a questão de saber se o direito à indemnização pela perda do direito à vida consagrado no art 496º, nº 2, do Cód. Civil tem natureza hereditária ou se é de qualificar como um direito próprio e originário, que nasce na titularidade dos familiares designados no referido preceito, o acórdão do Acórdão do STJ de 09.03.2017, Proc. 582/05.0TASTR.E2.S1, in www.dgsi.pt, apreciou de forma exaustiva tal questão, bem como a da existência, ou não, de um litisconsórcio necessário activo relativamente à classe de beneficiários previstos na mencionada norma, tendo entendido e concluído conforme pontos XI e XII do respectivo sumário: “XI – Excepcionalmente, a indemnização, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também (no caso de lesão corporal), ou apenas (no caso de morte) a terceiros, e no que tange a danos não patrimoniais, no caso de morte da vítima, apenas a terceiros, sendo os arts. 495.º, n.º 3 e 496.º, n.º 2, do CC, justamente esses casos excepcionais. Como decorre do art. 496.º, do CC, a indemnização pelo dano morte é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares ali indicados. Há quem extraia da norma uma situação de litisconsórcio necessário activo, identificando outros uma regra de direito material que não impede uma actuação ut singuli. XII – O direito a indemnização pelo dano morte é um direito originário, não havendo que proceder a habilitação de herdeiros. A ausência da lide de um outro filho do falecido, pai dos demandantes, não determina ilegitimidade por infracção das regras do litisconsórcio necessário, que se não aplicam no caso.”.
Para maiores desenvolvimentos remete-se para a consulta de tal aresto, do qual resulta que o mencionado entendimento corresponde à posição jurisprudencial maioritária.
Também no mesmo sentido, já o Acórdão do STJ de 09.05.1996, www.dgsi.pt, Proc. 088357 se pronunciava, nele se referindo que “propendemos para a orientação que os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nasce, por direito próprio, na titularidade das pessoas designadas no nº. 2 do artigo 496, segundo a ordem e nos termos em que nesta disposição legal são chamadas. Esta adesão radica-se na argumentação utilizada quer por Antunes Varela - obra citada, página 585 - quer por Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume I, 3. edição, páginas 298 a 304 - argumentação esta sólida no que se refere aos trabalhos preparatórios do Código, os quais revelam, em termos inequívocos, que o artigo 496, na sua redacção definitiva, tem a intenção de afastar a natureza hereditária do direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (Capelo de Sousa, obra citada, página 298, nota 433)”.
Serve o referido para esclarecer que, pese embora o sinistrado tivesse, à data do acidente de trabalho, dois filhos maiores e já não beneficiários do direito à reparação, prevista na Lei 98/2009, pelos danos emergentes do acidente de trabalho em apreço [como decorre das certidões de nascimento dos mesmos juntas aos autos, razão pela qual aliás não foram chamados à tentativa de conciliação conforme despacho do MP proferido aos 11.11.2016 na fase conciliatória do processo], tal não obsta ao pedido de indemnização pela perda do direito à vida do sinistrado formulado pela A., desacompanhada daqueles, não consubstanciando situação de preterição de litisconsórcio necessário, indemnização aquela que, diga-se, embora tendo por reporte o valor global de €75.000,00, foi peticionada pelo valor correspondente à quota parte da A. de 1/3.

5.2. Refere-se no Acórdão do STJ de 28.05.2020, em situação em que a vítima mortal tinha 33 anos, era casado e tinha um filho, a propósito da indemnização devida pelo dano morte, o seguinte:
“(…)
Está consolidada na jurisprudência do STJ a orientação de que, em caso de morte, podem ser atendidos, além de danos patrimoniais, o dano perda do direito à vida, o dano sofrido pela vítima no lapso temporal que antecedeu o seu falecimento e os danos próprios sofridos pelos familiares.[1]
(…)
Quanto ao dano não patrimonial, pela perda do direito à vida, o acórdão recorrido fixou a indemnização em € 90.000,00.
Na sua revista, a ré insurge-se contra o assim decidido, por considerar aquele valor “desfasado da realidade indemnizatória nacional”, pugnando pela sua redução.
Por seu turno, no recurso subordinado, os autores entendem que o valor adequado a ressarcir o mesmo dano deve ascender a € 100.000,00.
Vejamos.
A tutela do direito à vida, material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto[6], encontra-se reconhecida no art. 70º, do CC e no art. 24.º da Constituição da República Portuguesa. Compreende-se, assim, que a nossa ordem jurídica imponha a terceiros deveres de omissão, e nalguns casos deveres de ação, de molde a evitar a lesão ou o risco de lesão desse bem fundamental e que a lesão desse direito absoluto deva implicar a indemnização do dano correspondente.
Nesta conformidade, pela morte da vítima, e sem prejuízo do direito de indemnização por danos não patrimoniais suportados em vida pelo falecido, a jurisprudência, sobretudo a partir do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971[7], vem reconhecendo um direito de indemnização autónomo, nos termos consignados no art. 496º, do CC, abarcando, por um lado, a indemnização pela perda da vida, e, por outro, a indemnização pelos danos não patrimoniais que a morte é suscetível de provocar aos titulares do direito referidos nos nº2 e 3, daquele normativo.[8]
Na aferição do quantum a atribuir, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso – já o dissemos - deve apreciar, essencialmente, se foram observados os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, de molde a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, dando assim satisfação ao comando legal do art. 8º, nº3, do CC.
Ora, da análise da jurisprudência deste Supremo Tribunal colhe-se a orientação de que a indemnização do dano pela perda do direito à vida se situa, em regra, em valores que oscilam entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00 (v., entre outros, os acs. do STJ de 4/6/2020, processo nº 2732/17, de 11.4.2019, processo nº 465/11.5TBAMR,G1.S1, de 21.3.2019, processo nº 20121/16.7T8PRT.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e a jurisprudência aí citada).
Nesta conformidade, afigura-se-nos mais consentâneo com os padrões jurisprudenciais adotados fixar em € 80.000,00, a indemnização pela perda do direito à vida.
Procede, assim, nesta parte, o recurso da ré, improcedendo, por sua vez, o recurso subordinado dos autores.”.
Como já referido, a A., no que toca à perda do direito à vida, reclamou a quantia de €25.000,00, o correspondente a 1/3 tendo como referência uma indemnização global de €75.000,00.
Da matéria de facto provada decorre que o sinistrado, à data do seu falecimento, tinha 52 anos de idade e que era uma pessoa saudável, tranquila, que vivia com alegria e que era estimada por familiares, amigos e colegas de trabalho.
Tendo em conta o referido e os parâmetros fornecidos pelo mencionado aresto do STJ que, considerou como valor do dano morte o de €80.000,00 para vítima de 33 anos, afigura-se-nos razoável ter como referência, no caso, €60.000,00, assim se fixando à A., a tal título e tendo em conta a quota parte pela mesma indicada, o valor de €20.000,00.

No que concerne ao dano não patrimonial pelo sofrimento da vítima antes de morrer, a A. havia reclamado a quantia de €5.000,00.
Acontece porém que a matéria de facto que, para tanto, a A. havia alegado foi dada como não provada, como resulta das als. d) e e) dos factos dados como não provados [d) B… sofreu dores entre o momento do acidente referido em 5.º e o momento da morte e e) Entre os momentos do acidente e da morte do B…, que decorreu durante várias horas, este teve a perceção do risco de poder vir a falecer].
Assim, e nesta parte, improcede o pedido.

Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela A., reclamou a mesma as quantias de €25.000 e a de €15.000,00 invocando que mantinha uma muito boa relação conjugal, deixou a A. numa situação de privação de vida sexual, uma vez que a A., pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, se sente absolutamente incapaz de reatar a sua vida conjugal – situação que a deprime profundamente e que a angustia – dano pelo qual a A. reclama o pagamento da quantia de €15.000.”
Da matéria de facto provada decorre que: a A. e o sinistrado eram casados desde 12.09.1987, ou seja, há 27 anos tendo como referência a data do seu falecimento; o sinistrado devotava à Autora estima, amizade e carinho, pelo que esta sofreu dor quando lhe chegou a notícia de que aquele tinha sofrido o acidente referido em 5.º; a A. Autora sofreu dor desde a chegada da notícia referida em 15.º até à data do funeral de B… e nos dias seguintes a tal funeral e ainda hoje mantém, e vai continuar a manter, desgosto e pesar pela morte de B…, sendo que o desgosto e o pesar se acentuam nas datas festivas, nomeadamente na Páscoa e no Natal; com a morte de B…, a Autora ficou privada de vida sexual, uma vez que, pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, sente-se incapaz de retomar a sua vida sexual; tal privação deprime e angustia a Autora.
Tendo em conta a referida factualidade, afiguram-se-nos equilibrados os montantes peticionados, pelo que, a título de indemnização pelos mencionados danos não patrimoniais sofridos pela A., se fixa a quantia global de €40.000,00.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide:

A. Condenar a Ré E…, Ldª, a pagar à A., C…, na residência desta:
a.1. Com efeitos a partir de 22.05.2015, a pensão anual e vitalícia de €15.033,34, actualizável, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14, acrescida de subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual.
A mencionada pensão é actualizada nos seguintes termos: actualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 15.093,47; actualização de 0,5% em 2017, por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 15.168,94; actualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - €15.441,98; actualização de 1,60% em 2019 por força da Portaria 23/2019- €15.689,05; e actualização de 0,70% em 2020, por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €15.798,87.
Às quantias já vencidas e vincendas devidas a título de pensão e juros de mora, serão descontadas as quantias pagas, a esses mesmos títulos, pela Ré Seguradora à A. no âmbito quer da pensão provisória, quer nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09, acrescendo sobre o diferencial juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento.

a.2. A quantia de €5.533,70 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 22.05.2015 até efectivo e integral pagamento, sobre o que deverá ser descontado o que, a esse título, venha a ser satisfeito pela Ré Seguradora nos termos do art. 79º Lei 98/2009, de 04.09.

a.3. A quantia global de €60.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, dos quais €20.000,00 pelo dano decorrente da morte do sinistrado e €40.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela A.

B. Condenar a Ré, D…, Companhia de Seguros, SA, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09 e sem prejuízo do seu direito de regresso sobre a Ré E…, Ldª , a satisfazer à Autora, na sua residência, o pagamento:
b.1. Com efeitos a partir de 22.05.2015, da pensão anual e vitalícia, actualizável, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade da reforma por velhice e a 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, pensão essa no montante de €4.510,00 euros, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14, acrescida de subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
A mencionada pensão é actualizada nos seguintes termos: actualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 4.528,04; actualização de 0,5% em 2017, por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 4.550,68; actualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - € 4.632,59, e actualização em 1,60 % em 2019 por força da Portaria 23/2019- €4.706,71, a que acresce a actualização de 0,70% em 2020, por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €4.739,66.
Às pensões já vencidas serão deduzidas as pensões provisórias, e respectivos juros de mora, que a Ré Seguradora já haja pago à Autora nos termos da decisão da 1ª instância de 10.05.2018.

b.2. A quantia de €5.533,70 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 22.05.2015 até efectivo e integral pagamento.

C. Condenar a Ré, E…, Ldª a reembolsar a Ré, D…, Companhia de Seguros, SA, de todas as quantias por esta pagas à A. a título de pensão, subsídio de morte e respectivos juros de mora, quer no âmbito da pensão provisória, quer no âmbito do disposto no art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do pagamento à A., pela Ré Seguradora, das mesmas, a liquidar em incidente de liquidação nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013.

D. Até ao trânsito em julgado do presente acórdão a pensão provisória cujo pagamento foi determinado por decisão da 1ª instância de 10.05.2018 deverá continuar a ser paga pela Ré Seguradora.
Nos termos do disposto no art. 120º, nº 3, do CPT, fixa-se à acção o valor de €278.450,89 [€15.033,34 x 14,163 + €5.533,70 + €60.000,00] – nºs 1 e 2 do citado preceito.
Custas em ambas as instâncias pela Ré E…, Ldª.

Porto, 23.06.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Imputou-se-lhe na al. P) uma outra acusação, mas que não releva ao caso em apreço.
[2] Reporta-se ao Decreto Real de 25.01.2001, Código sobre o Bem Estar no Trabalho.
[3] Reporta-se à empresa J….
[4] Este a ora 2ª Ré, E…, Unipessoal, Ldª.
[5] A propósito da responsabilidade de outras RR desse processo.
[6] In www.dgsi.pt, respectivamente, Processo nº 08S3082, 09S0619 e 107/05.8TTLRA.C1.
[7] No sentido quer da exigência de verificação do nexo causal entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente, quer do ónus prova a cargo do beneficiário e/ou seguradora vejam-se também, para além dos Acórdãos já citados, os arestos do mesmo Tribunal de 10.10.07 (Proc. 07S2368), 02.07.08 (Proc. 08S1428), 12.02.09 (Proc. 08S3082), in www.dgsi.pt.
[8] Que revogou o DL 82/99, de 16.03.
[9] A qual procedeu à primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, 53.ª alteração ao Código Civil e 11.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência).
[10] Era a seguinte a redacção original: 1 – Na fixação da indemnização deve atender-se sãos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.