Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
782/19.6T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP20220321782/19.6T8PVZ.P1
Data do Acordão: 03/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG) também regula as cláusulas pré-elaboradas para um contrato individual, cujo conteúdo o destinatário não pôde influenciar, e porque os contratos de mediação imobiliária podem conter cláusulas desse tipo, devem submeter-se ao regime da LCCG.
II - Como resulta claro do disposto no n.º 2 do artigo 19 do RJAMI (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária) a empresa mediadora tem direito à remuneração contratada, mesmo que o contrato visado não se concretize, desde que essa não concretização resulte de causa imputável ao cliente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 782/19.6T8PVZ.P1

Recorrentes - AA e BB
Recorrida - S..., Lda.
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
S..., Lda. veio instaurar a presente ação contra AA e BB e pediu que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 7.995,00€, a título de preço devido pelos serviços de mediação imobiliária na venda do imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária em discussão, e juros vencidos e vincendos sobre a quantia de capital 6.500,00€, desde 7 de dezembro de 2017 e até efetivo e integral pagamento, ou, subsidiariamente, se assim não se entender, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

A autora, fundamentando a sua pretensão, veio alegar, em síntese, que, a 19.03.2017, celebrou com os réus o “contrato de mediação imobiliária”, válido por 12 meses, em regime de exclusividade, documentado nos autos. Desenvolveu ações de promoção da venda e mostrou o imóvel a vários interessados, tendo dois deles assinado um acordo de reserva do imóvel, que os réus aceitaram, e posteriormente um contrato-promessa nos escritórios da autora. Só que, quando a autora transmitiu a data de realização da escritura, foi surpreendida com a recusa dos réus na sua realização.

Citados, os réus contestaram a ação, concluindo pela sua improcedência. Invocam a nulidade do contrato de mediação imobiliária e impugnam a versão fáctica apresentada pela autora.

Teve lugar a audiência prévia e, nela, a autora respondeu à exceção da nulidade do contrato, invocada pelos réus. Foi fixado o valor da [7.995,00€], o objeto do litígio e os temas de prova. Teve lugar a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou os réus no pagamento da “quantia de 7.995,00€, acrescida dos juros vencidos e vincendos sobre a quantia de capital 6.500,00€, desde 07 de dezembro de 2017 até efetivo e integral pagamento”.

II – Do Recurso
Inconformados, os réus vieram apelar, requerendo “a revogação da sentença e a substituição por outra que julga a ação integralmente improcedente, absolvendo os réus do pedido “. Formulam, para tanto, as seguintes (extensas) Conclusões:
………………………
………………………
………………………

Não houve resposta ao recurso e o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a invocada nulidade da sentença [(...) considera-se não incorrer a sentença proferida nas invocadas nulidades, pronunciando-se o Tribunal de acordo com o estatuído na Lei n.º 15/2013, de 08-02. Com efeito, a nulidade por omissão de pronúncia não decorre, por si só, do facto de não ter respondido a algum dos argumentos da parte e, entre outros, quando a questão se mostre prejudicada em face do conhecimento doutra questão. Por todo o exposto, salvo o devido respeito, entende-se não se verificar a invocada nulidade.] tendo, igualmente, recebido o recurso nos termos legais. Nesta Relação, não se tendo alterado o sentido do despacho que recebeu o recurso, os autos correram Vistos e nada observamos que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, definido pelos apelantes e decorrente das conclusões apresentadas, se traduz em saber se:
a) ocorre nulidade de sentença (artigos 608, n.º2 e 615, n.º 1, al. b) e d) e n.º 4 do CPC), por falta de especificação dos fundamentos da decisão relativa à matéria de facto e por omissão de pronúncia sobre questão essencial que devia ter apreciada: a cláusula 5.ª b) do contrato de mediação imobiliária;
b) Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, alterando-se a mesma nos seguintes pontos: - estipulação da obrigação remuneratória no contrato de mediação imobiliária (alteração do ponto 8 da matéria provada); - comunicação, pelos réus à autora, das condições para efetivação do negócio de venda, consistentes na necessidade de aprovação de um crédito para aquisição de outra moradia (alteração da matéria não provada para a matéria provada); - visita pela ré a uma moradia angariada pela autora (alteração dos pontos 26 e 27 da matéria provada); - transmissão pela ré à autora que se recusava a vender por querer um imóvel para se mudar (alteração dos pontos 24 e 25 da matéria provada); - falta de indicação de efetivo pagamento pelos réus do sinal em dobro aos interessados (alteração do ponto 28 da matéria provada); - autoria do pré-preenchimento do contrato de mediação imobiliária (alteração do ponto 32 da matéria provada); - manutenção do anúncio de venda da casa dos réus findo o contrato e por um valor superior ao anteriormente contratado (alteração do ponto 34 da matéria provada); - informação e explicação das cláusulas aos réus (da remoção ou, se assim se não entender, mas sem prescindir, alteração dos pontos 36 e 37 da matéria provada).
c) nulidade de sentença por falta de fundamentação quanto à condenação no pagamento da obrigação remuneratória e juros baseada no conteúdo integral do contrato de mediação imobiliária (artigo 615, n.º 1, al. b) e n.º 4 do CPC); - preterição de meios de prova a produzir que haviam sido deferidos (artigo 615, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC).
d) Errada aplicação do Direito: - exclusão da cláusula que assinala a exclusividade do contrato de mediação imobiliária (arts. 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro); - nulidade do contrato de mediação imobiliária (arts. 286 e 334 do Código Civil; art. 16, n.º 2, al. g) e n.º 5 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro) e - desadequada interpretação do art. 19, n.º 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (arts. 236, 238, 294 e 334 do Código Civil).

III - Fundamentação
III.I – Das nulidades invocadas.
Ainda que de modo algo repetitivo, os apelantes invocam diversas nulidades da sentença, ainda que, em rigor, as identificadas na alínea c) do objeto do recurso [nulidade de sentença por falta de fundamentação quanto à condenação no pagamento da obrigação remuneratória e juros baseada no conteúdo integral do contrato de mediação imobiliária (artigo 615, n.º 1, al. b) e n.º 4 do CPC); - preterição de meios de prova a produzir que haviam sido deferidos (artigo 615, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC)] não nos pareça que tenham o sentido jurídico que os recorrentes lhes atribuem.

Em primeiro lugar, a alegada falta de fundamentação relativamente à condenação no pagamento da remuneração e juros constitui o próprio mérito da causa, a pretensão formulada pela demandante e, ainda que com a discordância dos apelantes, decorre do raciocínio lógico da sentença, não podendo confundir-se aquela discordância, relativa ao mérito da causa, com a nulidade tipificada na alínea b) do n.º 1 do artigo 615 do Código de Processo Civil (CPC).

Em segundo lugar, a alegada preterição de meios de prova admitidos, referem-na os recorrentes (conclusões 34 a 38) às declarações de parte do réu marido, “pois, por ser este embarcadiço na Mauritânia e só regressar a terra, em Portugal, em junho de 2021, não foi este ouvido, dando o tribunal recorrido como produzida a prova e a palavra para alegações”. Os apelantes consideram que esta “omissão poderia considerar-se irrelevante se, apesar de ser prejudicial para os réus, o tribunal recorrido o tivesse feito porque iria proferir uma decisão favorável a estes, o que não aconteceu”. Ora, não resulta dos autos – e nem sequer os apelantes o alegam – que tenha havido qualquer oposição à não inquirição do réu marido; aliás, e como decorre do que se transcreveu, os réus parecem considerar relevante a omissão, apenas porque a decisão lhes foi desfavorável. Sucede que a admissão ou rejeição de algum meio de prova, impõe a interposição de recurso autónomo (artigo 644, n.º 2, alínea d) do CPC), o que os apelantes não fizeram e, por isso, a questão estaria precludida. No entanto, consultando minuciosamente os autos, parece que nada foi dito, ou seja, não foi proferido qualquer despacho relativamente à não prestação de depoimento pelo réu. Só que, por ser assim, o que verdadeiramente está em causa é uma nulidade processual, a qual tinha de ser arguida no momento, uma vez que os réus estiveram representados nas diversas sessões de julgamento, o que os réus não fizeram.

Os apelantes invocam também como nulidade da sentença (alínea a) do objeto do recurso) a falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto e a omissão de pronúncia sobre a cláusula 5.ª, al. b) do contrato de mediação imobiliária e citam, em suporte legal do seu entendimento, o disposto nos artigos 608, n.º2, 615, n.º 1, als. b) e d) e n.º 4, todos co CPC.

Em primeiro lugar, a alínea b) do n.º 1, antes citado, inquina, efetivamente, com nulidade a sentença que “não especifique os fundamentos de facto” e de direito, correspondendo tal vício à falta de fundamentação da sentença, ou seja, à “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os n.ºs 3 e 4 do art. 607.º impõem ao julgador”[1], não podendo esquecer-se que este último número, impõe a declaração dos factos julgados provados e julgados não provados, mas igualmente, uma análise crítica das provas. E se, no caso presente, decorre do alegado pelos apelantes que o que estará viciada ou, pelo menos, deficiente, é a fundamentação da fundamentação de facto, parece-nos evidente que a nulidade não ocorre. Se os factos foram descritos, também é certo que a fundamentação da decisão de facto se mostra suficiente, como melhor constataremos aquando a apreciação da impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto. Acrescente-se, como decorre do disposto no artigo 662, n.º 2, alínea d) do CPC, a falta de devida fundamentação da decisão proferida em sede de facto – e desde que o ponto em causa seja essencial – não constitui nulidade da sentença, apenas determinando nova fundamentação, como correção da omissão ou deficiência.

Em segundo lugar, a omissão de pronúncia não pode confundir-se com os argumentos e motivos invocados pelo demandante ou pelo contestante e não há que conhecer as questões prejudicadas pelo conhecimento de outros. No caso presente – e sem prejuízo da nossa própria pronúncia – resulta dos autos que o entendimento da sentença afasta implicitamente a relevância da cláusula 5.ª, alínea b) do contrato, por efeito da interpretação dada ao n.º 2 do artigo 19 do regime jurídico aplicável à mediação imobiliária com cláusula de exclusividade. Por isso, entendemos que a nulidade invocada não se verifica.

III.II – Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
No seu recurso, os apelantes identificam a matéria de facto que pretendem ver alterada ou complementada. Concretamente:
- Relativamente ao ponto 8 dos factos dados como provados, entendem que o mesmo é omisso quanto à alínea b) da cláusula 5.ª do Contrato de Mediação Imobiliária [doravante, CMI] e apenas faz referência à alínea a) da mesma cláusula contratual. Sustentam que a redação correta e completa daquele facto deve ser “Os réus obrigaram-se, por força deste contrato, “a pagar à Mediadora a título de remuneração” “a quantia de 6.500,00€, acrescida de IVA à taxa legal em vigor”, que “deverá ser paga na sua totalidade, no momento da celebração do contrato-promessa, se o sinal recebido pelo segundo contratante for igual ou superior a 10% do valor pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, caso contrário, a remuneração será devida no momento da celebração da escritura pública”.
- No que respeita aos factos dados como não provados - alíneas a), b) e c) – entendem os recorrentes que os mesmos devem ser integralmente considerados como provados, tendo em conta “i) Declarações da ré aquando da acareação; ii) Depoimento da testemunha CC; iii) Depoimento da testemunha DD, prestado em 30-04-2021, que explicou o porquê de os réus não terem tentado comprar a casa através da Autora, conforme resulta da seguinte transcrição, localizada entre os minutos 7 e 8:
«Advogado: Sr. Dr. Juiz, se V. Exa. consente. Olhe, a Sra. consegue-nos justificar, ou explicar, por que motivo é que a Sra. D. BB quis comprar a casa noutra agência que não na Lar ...? DD: Não. Porque ela, na altura, disse que numa ia meter à venda e que não tinha, na altura, nenhuma expectativa de nenhuma casa que ela quisesse e ela foi à procura de outras agências. Como na N... eles deram-lhe aquela oportunidade, arranjou-lhe uma casa em ...»; iv) Depoimento da testemunha EE, que confirma a intervenção da segunda agência e a necessidade de crédito, nos termos já transcritos e v) Documento do Banco ... e da agência “N...”, juntos aos autos com o requerimento de 19-04-2021, que demonstram a necessidade do crédito e a intervenção de outra agência”.
- Quanto aos pontos 24 e 25 da matéria de facto dada como provada [24 - Os réus recusaram celebrar a escritura pública de compra e venda agendada para 6.12.2017. 25 - A ré transmitiu à autora que se recusava a vender pois queria um imóvel para se mudar] os apelantes sustentam que os mesmos devem ser reformulados, eliminando-se o ponto 25 e redigindo o ponto 24 nos seguintes termos: “Os réus recusaram-se celebrar a escritura pública de compra e venda agendada para 06-12-2017, em virtude de o crédito solicitado para a compra de outra moradia não ter sido aprovado pelo Banco ...”. Sustentam que da prova testemunhal e da documental resulta que estavam dependentes da aprovação do crédito, que se o mesmo tivesse sido aprovado, ter-se-iam mudado para a moradia que haviam escolhido, e “de acordo com as regras de experiência comum, nem sequer é razoável admitir que os réus nada tivessem dito sobre a necessidade de obter crédito para comprar outra casa, até porque o mencionado “acordo de reserva de imóvel, entrega de pré-sinal e princípio de pagamento” – junto aos autos com a petição inicial – elaborado pela autora, refere-se à necessidade de um crédito, o que prova que a autora sabia dessa dependência”.
- Relativamente aos pontos 26 e 27 dos factos dados como provados [26 - A ré visitou um imóvel angariado pela autora, sito em ..., concelho de Vila do Conde. 27 - Aquando do referido em 26., a ré subscreveu o documento denominado “Acordo de reserva de imóvel, entrega de pré-sinal e princípio de pagamento”, datado de 28.11.2017], entendem que devia ser diversa a redação, concretamente: “Ponto 26: A ré visitou um imóvel angariado pela autora, acompanhada da testemunha DD, sito em ..., concelho de Vila do Conde, tendo imediatamente manifestado não gostar da moradia por ser demasiado pequena. Ponto 27: Aquando do referido em 26., a ré subscreveu o documento denominado “acordo de reserva de imóvel, entrega de pré-sinal e princípio de pagamento”, datado de 28.11.2017, estando este em branco e tendo sido informada de que era somente um formalismo inerente à realização da visita”, tendo em conta a análise do próprio documento e o depoimento da testemunha DD.
- Quanto ao ponto 28 dos factos dados como provados [Os réus e os interessados FF e GG subscreveram o documento denominado confissão de dívida e acordo de pagamento, datado de 6 de dezembro de 2017, em que os Réus se declaravam devedores aos interessados da quantia de 2.500€, acompanhado por termo de autenticação] entendem que deve ser ampliado: “Os Réus e os interessados FF e GG subscreveram o documento denominado confissão de dívida e acordo de pagamento, datado de 6 de dezembro de 2017, em que os réus se declaravam devedores aos interessados, da quantia de 2500€, acompanhado por termo de autenticação, tendo os réus procedido ao pagamento integral e voluntário desta dívida”, como decorre do depoimento de GG.
- Relativamente ao ponto 32 [O documento referido em 4. estava pré-preenchido], pretendem que seja esclarecido, atento o depoimento da ré, no seguinte sentido: “O documento referido em 4. estava pré-preenchido pela autora quando foi assinado pelos réus”.
- Quanto ao ponto 34 [A autora manteve anunciada a casa dos réus para venda pelo valor de 135.000,00€], entendem que o mesmo deve ter a seguinte redação: “A autora manteve anunciada a casa dos réus para venda pelo valor de 135.000,00, pelo menos até 2019, estando já pendente a presente ação”.
- Relativamente aos pontos 36 e 37 dos factos dados como provados [Os réus foram informados do conteúdo das cláusulas do escrito referido em 4. e O conteúdo do escrito referido em 4. foi explicado aos réus], e porquanto os mesmos não resultam de qualquer depoimento, tendo sido contrariados pelo depoimento da testemunha CC e pelo da ré, devem ser eliminados ou unificados num único ponto, com a seguinte redação: “Os réus foram informados da cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária referido no ponto 4 e, no que concerne à existência da obrigação remuneratória, foi-lhes explicado que ele estipula que estariam obrigados a remunerar a Autora se o negócio da venda se concretizasse”.

Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do CPC, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Com a atual redação deste preceito fica claro que “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” e mantém-se, mas “agora com mais vigor e clareza, a possibilidade de sindicar a decisão assente em prova que foi oralmente produzida e que tenha ficado gravada, afastando-se definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para os casos de “erro manifesto” ou de que não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação.[2] E a nova formulação do preceito não afasta, naturalmente, e ainda que se tenha deixado de especificamente prever “a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer provas”, a alteração que decorre, nomeadamente, do desrespeito da “força plena de certo meio de prova” ou de ter “sido desatendida determinada declaração confessória”: nestes casos, “a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material[3], deve integrar na decisão o facto que a 1.ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte”.[4]

A modificabilidade da decisão de facto, desde logo se pretendida pelo recorrente, exige a este um determinado ónus. Efetivamente, o artigo 640 do CPC, como decorre das várias alíneas do seu n.º 1, impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” e ainda “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Acrescenta a alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Tendo em conta as considerações anteriores, importa saber se os apelantes recorrem efetivamente da decisão relativa à matéria de facto, de que pontos (provados ou não provados) recorrem e, além disso, se a apreciação da sua impugnação se justifica, uma vez que, como se sumaria no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2020[5], “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC”.

Tendo em conta que os apelantes dão cumprimento ao disposto no artigo 640 do CPC, importa agora reapreciar a prova produzida. Sem embargo, desde já se diga que, relativamente ao ponto n.º 8 dos factos dados como provados, o tribunal deu como assente o montante da contraprestação acordada com os apelantes. A omissão da referência à alínea b) da cláusula 5.ª, perfeitamente documentada, uma vez que constante do contrato aqui em causa, não afasta a apreciação da mesma, que os réus suscitam, independentemente de constar ou não da matéria de facto dada como provada. Sem embargo, mas para melhor esclarecimento e clareza, acrescentar-se-á o conteúdo da mesma. Por outro lado, e agora relativamente ao ponto 32 dos factos dados como provados, o acrescento pretendido pelos recorrentes não tem qualquer relevância: é óbvio que, estando dado como provado que o documento que consubstancia o contrato estava pré-preenchido e foi assinado pelos réus, estava pré-prenchido pela autora.

Na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, o tribunal recorrido deixou escrito o que ora se transcreve e sublinha: “(...) O Tribunal atendeu, igualmente, ao teor da descrição do prédio descrito em 3. (...), bem como ao teor do contrato de mediação imobiliária e respetivas cláusulas de fls. 17 dos autos, datado de 19 de março de 2017 e subscrito pelos Réus, do qual resulta, entre outros, convencionado o regime de exclusividade; as fichas de visita, aos documentos denominados acordo de reserva de imóvel e à correspondência eletrónica cuja cópia se encontra junta aos autos. O Tribunal atendeu também ao teor do contrato-promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 20 e seguintes e respetivas cláusulas, datado de 18 de julho de 2017, no qual os Réus prometem vender a FF e a GG o prédio referido em 3. dos factos provados e à confissão de divida e acordo de pagamento de fls. 29 dos autos, datada de 06 de dezembro de 2017, na qual os Réus se confessam solidariamente devedores a FF e a GG da quantia de 2.500,00 – quantia que se deve ao pagamento da compensação devida pelo incumprimento do contrato-promessa celebrado entre os outorgantes em 18 de julho de 2017 – cláusula primeira; à carta de fls. 30 verso solicitando o pagamento da fatura n.º ...; à publicidade de fls. 46 verso e seguintes – Moradia em banda T3, pelo preço de €135.000.00; à correspondência eletrónica datada de 17 de março de 2014 relativa à validação do projeto de contrato de mediação imobiliária; à proposta de compra datada de 20 de julho de 2017, subscrita pelos Réus da Agência Imobiliária N...; ao acordo de revogação datado de 15 de dezembro de 2017, no qual os ora Réus e HH e II acordam na revogação do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 11 de novembro de 2017, no qual os aqui Réus figuravam na qualidade de promitentes compradores e considerando a não obtenção de aprovação do crédito bancário por parte destes e ao documento de fls. 48 dirigido pelo Banco ... ao Réu e no qual o Réu é informado não ter sido considerada favoravelmente a proposta de crédito apresentada. Por seu turno, em depoimento e declarações de parte, a Ré confirmou a celebração do contrato de mediação imobiliária, esclarecendo que a venda estaria sempre dependente da obtenção de crédito bancário para a compra de um novo imóvel na zona de Póvoa de Varzim, Vila do Conde, tendo desistido do negócio (venda) porque o crédito bancário para a aquisição da nova moradia não foi aprovado. Afirmou, ainda, a Ré, em declarações de parte, ter sido estipulada, desde o início, com a Autora, como condição que o negócio definitivo não seria celebrado caso não conseguissem obter crédito para a aquisição de uma nova morada. Mostrou-se, contudo, a restante prova produzida insuficiente para concluir ter sido acordada a referida condição entre as partes aquando da celebração do contrato de mediação imobiliária. Com efeito, em depoimento e declarações de parte o Legal Representante da Autora, JJ, reportou-se ao contrato de mediação imobiliária celebrado em março 2017; ao contrato-promessa celebrado entre os Réus e os interessados FF e GG que entregaram um cheque no valor de €2.500,00, angariados pela Autora e à desistência pelos Réus da celebração do contrato definitivo, mantendo, essencialmente, o vertido na respetiva Petição Inicial. A testemunha KK esclareceu que aquando dos factos era casada com LL, entretanto falecido. Reportou-se, de forma que se mostrou sincera, por coerente com a respetiva razão de ciência, à circunstância do seu marido ter trabalhado para a Autora, sendo habitual acompanha-lo nas visitas que fazia, entre outras nas visitas que efetuou à casa dos Réus, quer aquando da angariação do imóvel pelo seu marido, quer com visitas a potenciais interessados. Mais, esclareceu que a letra que consta das partes manuscritas do contrato de mediação imobiliária pertencia ao marido, o qual explicitou o respetivo teor. As testemunhas, MM e NN, esclareceram serem funcionárias da Autora, tendo a seu cargo o tratamento da parte processual – classificação de clientes, reunião de documentos, preparação de contratos, não demostrando qualquer conhecimento direto dos factos em causa nos presentes autos. As testemunhas FF e GG, reportaram-se, essencialmente, de forma coerente entre ambos, bem como com os documentos juntos aos autos, à circunstância de não terem adquirido o imóvel pretendido em virtude de os Réus se terem negado a vendê-lo, tendo lhes sido devolvido o cheque entregue à imobiliária no valor de €2.500,00 e acordado o pagamento de €2.500,00 pelos Réus. A testemunha CC, irmã da Ré, esclareceu ter acompanhado os Réus numa manhã de março de 2017 na deslocação ao estabelecimento da Autora. Resultou do respetivo depoimento ter sido lido aos Réus o contrato de mediação imobiliária. Declarou a testemunha que a irmã e cunhado, aquando da deslocação aos escritórios da Autora, afirmaram não pretender vender a sua moradia caso não tivessem crédito aprovado para comprar uma nova moradia. Contudo, não esclareceu cabalmente a testemunha o motivo pelo qual a mencionada condição não foi exarada no documento escrito celebrado entre as partes ou sequer que nessa altura os Réus tivessem já em vista a aquisição de uma concreta moradia. Não permitindo o seu depoimento, por demasiado vago e interessado, concluir ter sido essa, efetivamente, a vontade das partes aquando da celebração do contrato de mediação imobiliária. A testemunha DD, esclareceu ter acompanhado a Ré numa visita a uma possível moradia para ser adquirida pelos Réus e que lhe foi mostrada pelo Senhor LL, mas da qual a Ré não gostou por ser mais pequena que a sua casa. Por fim, a testemunha EE, esclareceu ser gestora de clientes no Banco ..., reportando-se, de forma coerente com a respetiva razão de ciência à circunstância de ter sido solicitada pelos Réus uma simulação de crédito à habitação, há cerca de 3/4 anos, crédito esse que não obteve aprovação”.

Começamos por dizer que a fundamentação que transcrevemos no antecedente parágrafo, traduz, na sua essência e relevância, o sentido dos depoimentos prestados, bem como o sentido que se retira dos documentos relevantes que as partes juntaram aos autos. Mais concretamente, na reapreciação da prova, tivemos em conta o que seguidamente se escreve.

As declarações de parte e o depoimento de parte produzidos pela ré BB [Ficheiro n.º 20210409104232] deram origem à assentada que consta dos autos, a fls. 266/267 do processo eletrónico (p.e.)[6]. A ré referiu também que quis desfazer o negócio de venda do seu imóvel aos interessados, quando veio a resposta do Banco e que a autora, na sequência, lhe chegou a mostrar uma casa, mas era muito pequena, não a tendo reservado porque não gostou dela (min. 20,30). Quem lhes deu o contrato foi a Sra. NN, leu-o “pautadamente” e foi explicada também a comissão, só que “assinaram a pensar que estava escrita a condição de obterem crédito bancário para compra de outra casa” (27,00), que já tinha visto e ia comprar noutra imobiliária. Chegou a visitar duas casas por iniciativa da autora e, numa delas, esteve presente a esposa do Sr. LL (36,00). Precisava do empréstimo porque a casa que queria vender ainda estava hipotecada. A outra casa seria adquirida na agência N..., mas não conseguiu crédito bancário (42,00). Depois do depoimento de NN, que trabalhou na autora “aí por 2017, 2018” [Ficheiro n.º 20210409154119] e referiu não conhecer os réus, só tratar da parte burocrática e não de angariação e não acompanhou a situação em causa nos autos, foi realizada a acareação entre esta testemunha a ré [Ficheiro n.º 20210409155820], não tendo havido alteração dos depoimentos.

As declarações de parte e depoimento de parte de JJ, legal representante da autora [Ficheiros n.ºs 202110409120108, 20210409143316 e 20210409143758 e 20210409145012] originaram a assentada que consta de fls. 271 do p.e.,[7] e o mesmo referiu também que o contrato de mediação foi celebrado com o Sr. LL, entretanto falecido, e não diretamente consigo e que, se o contrato fosse também para compra teriam feito visitas. Nunca tiveram qualquer reclamação do Sr. LL e o contrato foi enviado para o Instituto do Consumidor em 19.03.2014. Normalmente os contrato são assinados depois do primeiro contacto e em cada do cliente, pois são precisos vários dados e precisam de previamente verem o imóvel (min. 8,00). Acha que é mentira a alegada dependência do negócio de venda à obtenção de crédito bancário, porque perguntam sempre se há alguma condição, porque pode haver troca de casas e só em finais de novembro é que a ré disse que precisa também de comprar casa. Admite que o imóvel pode ter estado anunciado mais um mês ou dois, depois da rutura do negócio e a diferença do valor anunciado tem a ver com a avaliação, entretanto feita (34,00). O contrato não ficou sujeito a qualquer condição e, assim fosse, tinha espaço para observações, pois fazem acrescentos e aditamentos ao documento. A minuta usada é a habitual. Pediram a remuneração aos réus porque tinha feito tudo e eles não quiseram vender. É habitual nos contratos com exclusividade dar mais atenção ao cliente (min. 8,00, ficheiro 4.º).

KK é viúva de LL, funcionário da autora, entretanto falecido, e referiu [Ficheiro n.º 20210409150406] que era costume acompanhar o marido na sua atividade e foi nessas circunstâncias que conheceu a ré: foi ao local tirar fotografias e também com pessoas para visitar o imóvel. Era normal a angariação coincidir com a ocasião em que eram tiradas as fotografias. O seu marido explicava pormenorizadamente as cláusulas dos contratos e não conhece qualquer reclamação que lhe tenham feito. “Quase juraria que [o contrato] foi assinado em casa da ré, mas..,. foi em 2017. Confirma que a letra do documento que lhe é mostrado (doc. n.º 5) é a do seu marido.

A testemunha MM é funcionária da autora e conhece os réus. Trabalhou quer em Vila Nova de Famalicão quer em Vila do Conde. Referiu [Ficheiro n.º 20210409151506] que a funcionária NN só trabalhou na agência de Vila Nova de Famalicão e na parte processual: contratos promessa, financiamentos e escrituras, pois eram essa a divisão de funções (min. 4,30). Esta angariação não foi consigo, mas conhece a situação. O Sr. LL era a “pessoa mais pacífica que conheci” e não conhece qualquer reclamação ao seu trabalho; chegou a vê-lo atender clientes e ele explicava tudo. Recorda dos réus na agência “para assinarem a compra e venda”, mas durante o tempo em que esteve com eles, nada disseram. Quando os clientes querem vender e comprar isso é referido no contrato de mediação. No caso concreto, era um contrato com exclusividade e é habitual nestes contratos a agência investir mais (9,00).

A testemunha FF, recorda-se de ter pretendido comprar a casa dos réus. Em rigor, no entanto, nada mais recorda: o preço, o cheque entregue, o distrate ou o porquê de os réus não terem querido vender. No entanto, a também interessada GG [Ficheiro n.º 20210409161320], com outra e melhor lembrança, esclareceu que visitou o imóvel dos réus, através da imobiliária e acordaram no preço; foi ao Banco do FF [FF] e conseguiu empréstimo. Celebraram contrato-promessa, não recorda perante que funcionária, mas o conteúdo foi-lhes explicado. Já sabiam que iam ter financiamento. Depois, mais tarde, a imobiliária ligou para uma reunião e, nela, os réus estiveram presentes e disseram que não podiam vender porque não tinham empréstimo para [comprarem] outra casa. Não podiam fazer nada, eles tinham que dar dois mil e quinhentos euros “por causa da cláusula” (min. 7,30) Que se lembre, não disseram que a culpa fosse da imobiliária. A senhora da imobiliária “não ficou feliz, mas não foi agressiva”. Foram a um advogado, a imobiliária devolveu o cheque e eles, os réus, pagaram dois mil e quinhentos euros. A Dra. NN tratou inicialmente da venda, mas terá sido com a Dra. OO que fizeram o contrato-promessa. O contrato foi-lhe lido e explicado. “Não sabe quem é a NN” e uma MM... conhece por MM. A ré disse que não tinha crédito e pagou-lhes o que estava no contrato, e “ficou por aí”: disse que o que tivesse que pagar, pagava (20,00).

A irmã da ré, CC [Ficheiro n.º 2021049163611] disse que a ré procurava casa e, num sábado de março, entraram na agência, em Vila do Conde e falou com o Sr. LL, que a encaminhou para a D. NN. Esta leu os documentos e a irmã assinou sem ler, “unicamente pegou naquilo sem os ler e meteu na bolsa”. Os réus “só podiam vender” se tivessem crédito aprovado pelo Banco e a compra não era na mesma agência, era noutra, que não recorda. A condição de obterem crédito foi falada à Sra. NN e ao Sr. LL (min. 5,30). Ia ser fiadora da sua irmã na compra da casa, se fosse para uma que ela escolhesse e acha que o crédito para a compra era no Banco ..., a irmã queria muito sair dali e já tinha tudo preparado, mas nunca acompanhou a irmã em visitas a casas. Sabe que houve um casal interessado na compra da casa dela, mas depois teve de pagar ao casal interessado. Mais tarde, a irmã mostrou-lhe que a agência ainda tinha a casa à venda e por um preço superior, e “fiquei chocada, não queria acreditar” (11,30). A casa foi comprada pelo cunhado, era ainda solteiro. Quando prometeu vender... acho que ainda não tinha a casa, para comprar, em vista. Foi pedir o empréstimo para a compra de casa, queria uma casa melhor, mas não sabe onde era. Não chegou a ver casa nenhuma, seria fiadora porque confiava na irmã, mas o Banco não aprovou. Porque escolheu outra imobiliária para a compra, isso não sabe. Esteve presente quando a irmã e o cunhado falaram com o Sr. LL e a NN, mas não sabe se eles deram os dados do imóvel. Foi entregue uma cópia do contrato, isso sim. A irmã guardou na bolsa e confiou. Mais tarde, quando pediram a comissão, foi ver e... [não estava a condição de obterem crédito bancário]: “foste burra, lesses antes de assinar” (26,00).

A testemunha DD, de quem os réus são compadres, referiu [Ficheiro n.º 20210430143935] que os réus, para comprar, tinham a agência N... e para venderem a Lar ... e que havia uma casa já escolhida, para comprar, mas a compra estava dependente de empréstimo do Banco ... e a venda do empréstimo para a compra, sendo que a testemunha seria uma das fiadoras. Não acompanhou os réus quando celebraram o contrato com a autora, mas acompanhou a ré na visita a uma casa, com o Sr. LL, mas era uma casa pequena e a ré não gostou, “saiu de lá a chorar todo o caminho” (min. 3,30). Quanto desfizeram o negócio com os interessados na compra não esteve presente; disse-lhe a ré que foi procurar o casal e dobrou o sinal. Ainda hoje a ré quer mudar de casa, mas não consegue. A casa dos réus continuou à venda, mas não sabe por que preço. Não sabe a razão pela qual os réus queriam comprar noutra agência. Acha que foi de terem arranjado compradores para a deles: encontrou a casa, mais tarde, na agência N... (min. 9,00) e a casa ia custar cento e setenta e tal mil euros. Vendiam a casa e davam entrada para a outra, pedindo a diferença, mas não viu contrato-promessa da compra e o sinal devia depender da venda da casa deles (12,30).
Por fim, prestou depoimento testemunhal EE, bancária no Banco ... e gestora de clientes, sendo gestora dos réus, que ali têm conta. A testemunha referiu [Ficheiro n.º 20210430145553] que foi procurada pela ré com vista à simulação de um crédito à habitação e apresentou a pertinente documentação e fiadores, primeiro os cunhados e, depois, outros que pensa não serem familiares. Não sabe a morada da casa pretendida comprar, mas sabe que a agência não era a mesma da que ia vender a casa dos réus (min. 5,30). Isso aconteceu há 3 ou 4 anos, pelo final do ano e foi emitida uma carta, tendo-lhe sido solicitada segunda via da mesma, porque a ré disse que o original ficara com a agência vendedora, sendo o documento que consta dos autos, a qual não está datada, mas a primeira tinha data. A aprovação do crédito estaria condicionada à liquidação do crédito anterior, embora não saiba precisar os valores, mas não havia capacidade financeira, pois só o réu estava a trabalhar, os fiadores também não tinham capacidade e o crédito não foi aprovado (14,00). Não sabe por quanto iam vender a deles, tratou-se apenas de uma consulta, uma prévia aprovação e, com os critérios de então, o crédito não foi aprovado (18,00).

Além dos depoimentos a que anteriormente fizemos referência, tivemos em atenção os diversos documentos juntos aos autos e, em especial, no que releva à apreciação da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, os constantes do processo eletrónico a fls. 639 (contrato de mediação imobiliária, assinado pelos réus e datado de 19 de março de 2017), a fls. 645/648 (contrato-promessa de compra e venda, assinado entre os réus e os interessados FF e GG – testemunhas nos autos -, datado de 18.07.2017, a fls. 253 (documento a que se refere o depoimento da testemunha EE, gestora de conta no Banco ..., documento não datado, dirigido ao réu e informando, relativamente a proposta de crédito apresentada, que “após análise detalhada, não foi possível considerá-la favoravelmente, uma vez que a mesma não se enquadra nos nossos atuais critérios de concessão de crédito), a fls. 249 (“Proposta de Compra” da “N...”, assinada pelos réus enquanto compradores de um imóvel, propriedade de PP e QQ, pelo valor de 170.000,00€ e datada de 20.07.2017) e a fls. 250/252 (“Acordo de Revogação” datado de 15.12.2017, celebrado entre os réus e HH e marido II, assinado por estes e pela ré e referente à revogação de um contrato- promessa celebrado entre os mesmos a 11.11.2017 para aquisição de uma fração autónoma pelo preço de 172.000,00€, e onde havia sido convencionado que a falta de aprovação bancária e avaliação suficiente dava por findo o processo de venda).

Numa análise crítica da prova, e sem prejuízo do que anteriormente já se referiu a propósito dos pontos n.º 8 e n.º 32 dos factos provados, entendemos dizer que a matéria dada como provada e dada como não provada não nos merece relevante reparo. Com efeito, da análise e conjugação dos documentos que referimos e dos depoimentos ouvidos não podemos concluir que a condição alegada pelos réus (aquisição de outra moradia, dependente da obtenção de outro crédito bancário) tenha existido ou sido transmitida pelos réus à autora, aquando da celebração do contrato de mediação imobiliária. Tal condição não foi levada ao documento em que se consubstancia o aludido contrato nem ao contrato-promessa posteriormente celebrado, nem decorre de qualquer elemento documental. É certo que a ré a refere, a irmã da ré a corrobora e a testemunha DD – ainda que em razão do que a ré lhe transmitiu – o afirma. Mas com significativas incongruências ou distante de um juízo de normalidade. Efetivamente, a ré, confundindo ou não o Sr. LL e a Sra. NN, ouviu as explicações sobre o contrato de mediação, mas não leu o mesmo, segundo acentua a testemunha, sua irmã; nem então, nem em julho, aquando da celebração do contrato- promessa. A irmã da ré, por outro lado, afirma que o contrato foi explicado e assinado a um sábado, mas a data do contrato corresponde a um domingo e foi assinado pelo, entretanto falecido, Sr. LL, sendo tal realidade coincidente com a deslocação a casa dos réus, como “quase jura” a testemunha KK, viúva daquele. A insistente precisão testemunhal relativamente à aludida condição, por parte da ré e das aludidas duas testemunhas também se revela excessiva, quando desconhecem, entre outros pormenores, a casa que os réus pretendiam adquirir. Por outro lado, também resulta da conjugação dos depoimentos da ré e da sua irmã, bem como do da viúva do Sr. LL que foram explicadas/esclarecidas aos réus as cláusulas do contrato de mediação imobiliária, não se revelando qualquer dúvida por parte destes, naturalmente sem prejuízo do que referimos quanto àquela condição. Finalmente, e no que respeita à matéria impugnada, do depoimento da testemunha GG resulta que os réus pagaram o valor de 2.500,00€, dobrando o sinal e, por outro lado, não resulta demonstrado até que ocasião a autora manteve o imóvel dos réus à venda.

Em conformidade com o que antes ficou dito, mantém-se como não provados os factos das alíneas a) a c), os factos provados 24 a 27, 32, 36 e 37, completando-se os factos provados 8, 28 e 34.

III.III – Fundamentação de facto[8]
III.III.I – Factos provados:
1 - A autora é uma sociedade por quotas que se dedica à atividade de mediação imobiliária.
2 - É titular da licença número 9118, emitida pelo "IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção".
3 - Os réus são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, constituído por casa de habitação, com rés do chão e andar, com quintal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º ..., com alvará de licença de utilização.
4 - No dia 19 de março de 2017, a autora e os réus celebraram um acordo que foi designado por "Contrato de Mediação Imobiliária".
5 - Através deste acordo, a autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio de que os réus eram donos.
6 - Para cumprimento da diligência no sentido de conseguir interessado na compra do referido prédio, a autora obrigou-se a desenvolver as ações de promoção e de recolha de informações do referido prédio, e do negócio imobiliário que os réus pretendiam realizar.
7 - O negócio imobiliário que os réus pretendiam realizar era a venda do aludido prédio pelo preço global de 117.500,00€ (cento e dezassete e quinhentos mil euros).
8 - Como contraprestação, a título de remuneração pelos respetivos serviços, os réus obrigaram-se a pagar à autora, a quantia de 6 500,00€ - seis mil e quinhentos euros- acrescida do IVA à taxa legal, estabelecendo-se na alínea b) da mesma cláusula 5.ª que “A remuneração referida na alínea anterior deverá ser paga na sua totalidade no momento da celebração do contrato-promessa se o sinal recebido pelo segundo contratante for igual ou superior a 10% do valor pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, caso contrário, a remuneração será devida no momento da celebração da escritura pública. A remuneração será devida mesmo que o negócio visado pelo presente contrato de mediação, com o cliente angariado pela mediadora se venha a concretizar após a cessação ou denúncia do mesmo”.
9 - O contrato acima aludido foi celebrado em regime de exclusividade.
10 - A autora desenvolveu ações de promoção do prédio dos réus. 11 - Divulgou a vontade dos réus em vender o prédio e as condições do negócio que pretendiam realizar.
12 - Divulgou o prédio e a venda em vários sítios da Internet.
13 - Divulgou as características do prédio - Moradia em banda, V3 - e do negócio imobiliário, oralmente, perante clientes e interessados que para a compra de imóveis, procuraram os serviços da autora no seu local de atendimento ao público.
14 - Colocou uma placa no prédio com os dizeres "Vende-se", a identificação da firma da autora, número de telefone, sítio da internet e o número de licença respetiva.
15 - Divulgou as características do prédio e do negócio imobiliário que os réus pretendiam realizar através da colocação de uma folha na montra dos seus estabelecimentos comerciais: Lar ... e mediante a publicitação do imóvel e do negócio em revistas e folhetos que distribuiu e afixou nas suas montras e ainda noutras publicidades.
16 - A autora realizou visitas ao prédio com os seus colaboradores.
17 - Na sequência de tais diligências de promoção da venda do referido imóvel, a autora mostrou o imóvel a interessados.
18 - Sendo que os interessados FF e GG, visitaram o imóvel em 12.07.2017, às 12H30, e propuseram-se adquirir o prédio pelo preço de 113.500,00€ (cento e treze mil e quinhentos euros).
19 - Os interessados FF e GG assinaram um acordo de reserva de imóvel, onde evidenciavam a vontade de adquirir o imóvel pelo preço de 113.500,00€, entregando a quantia de 2 500€, por cheque bancário (Banco 1 ...), com o número ..., à ordem do réu marido.
20 - Os réus aceitaram tal proposta pelo correspondente valor.
21 - No dia 18 de julho de 2017, os interessados dirigiram-se aos escritórios da autora e assinaram um acordo designado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”.
22 - A autora diligenciou pelo financiamento bancário para os interessados.
23 - A autora articulou com o Banco ... o processo de financiamento, acompanhou a avaliação do imóvel com o perito avaliador junto daquela instituição bancária, agendando para o dia 6 de dezembro de 2017 a escritura pública de compra e venda.
24 - Os réus recusaram celebrar a escritura pública de compra e venda agendada para 6.12.2017.
25 - A ré transmitiu à autora que se recusava a vender pois queria um imóvel para se mudar.
26 - A ré visitou um imóvel angariado pela autora, sito em ..., concelho de Vila do Conde.
27 - Aquando do referido em 26., a ré subscreveu o documento denominado “Acordo de reserva de imóvel, entrega de pré-sinal e princípio de pagamento”, datado de 28.11.2017.
28 - Os réus e os interessados FF e GG subscreveram o documento denominado confissão de dívida e acordo de pagamento, datado de 6 de dezembro de 2017, em que os réus se declaravam devedores aos interessados da quantia de 2.500€, acompanhado por termo de autenticação, tendo-lhe pago o aludido montante.
29 - A autora emitiu a fatura datada de a 7 de dezembro de 2017 no valor de 7.995,00€ (sete mil novecentos e noventa e cinco euros), correspondendo ao montante de 6 500€, acrescido do IVA.
30 - Por carta datada de 9 de janeiro de 2018, a autora solicitou aos réus o pagamento da fatura n.º ..., no montante de 7 995,00€.
31 - O réu é embarcado na Mauritânia e a ré tem a seu cargo os dois filhos gémeos, sentindo necessidade de estar mais próximo dos seus familiares, todos residentes na área da Póvoa de Varzim - Vila do Conde, para que estes lhe possam conceder o seu auxílio.
32 - O documento referido em 4. estava pré-preenchido.
33 - O crédito solicitado pelos réus para a compra de uma nova moradia foi negado pela instituição bancária.
34 - A autora manteve anunciada a casa dos réus para venda pelo valor de 135.000,00€ e até data não concretamente apurada.
35 - A autora dirigiu os projetos de contrato de mediação imobiliária à Direção Geral do Consumidor e foram aprovados por aquela entidade.
36 - Os réus foram informados do conteúdo das cláusulas do escrito referido em 4.
37 - O conteúdo do escrito referido em 4. foi explicado aos réus.

III.III.II - Factos Não Provados:
a) Aquando do referido em 4. os réus advertiram a autora que a venda da sua moradia estava dependente da obtenção de um outro crédito bancário para compra de outra casa com condições semelhantes àquela onde habitam em ... (Barcelos), mas localizada na área da Póvoa de Varzim – Vila do Conde.
b) Perante a formalização por escrito, o réu frisou, por três vezes, que apenas venderia a sua casa se o crédito a pedir junto do seu Banco fosse aprovado de modo a poderem adquirir previamente nova moradia na área da Póvoa de Varzim – Vila do Conde em condições semelhantes àquela onde habitavam e a ré afirmou que não pretendia vender a sua casa sem previamente adquirir uma outra moradia para se instalar com os seus filhos gémeos, com cinco anos de idade na época, e onde pudesse acomodar todos os bens móveis de que dispunham, pese embora não pretendessem que este negócio da compra de nova moradia fosse tratado através da autora.
c) Aquando do referido em 4. a funcionária da autora assegurou aos réus que o documento previa que apenas venderiam a sua casa se pudessem garantir que teriam previamente uma nova habitação.

III.IV – Fundamentação de Direito
A sentença recorrida, depois de definir o contrato celebrado entre as partes, conclui pela procedência da ação com os fundamentos que, com síntese, se transcrevem e sublinham: “Nos autos, alegam os Réus ter sido estabelecido com a Autora a condição de que não venderiam a sua casa sem previamente adquirir uma outra moradia para se instalarem, tendo advertido a Autora que a venda da sua moradia estava dependente da obtenção de um outro crédito bancário para compra de outra casa com condições semelhantes àquela onde habitam em ... (Barcelos), mas localizada na área da Póvoa de Varzim – Vila do Conde. Não resulta, contudo, provado tal circunstancialismo, nem tão pouco foi exarada qualquer cláusula nesse sentido no contrato de mediação imobiliária. Por outro lado, alegam a nulidade do contrato de mediação imobiliária por fazer uso de cláusulas contratuais gerais, sem que a Autora tenha enviado uma cópia dos respetivos projetos à Direção-Geral do Consumidor. Mais, alegam que as clausulas contratuais gerais devem ser excluídas do contrato de mediação imobiliária celebrado com os Réus, porquanto não cumpriram com a obrigação de comunicação, nem com o dever de informação legalmente impostos. Tal, contudo, não decorre da factualidade provada nos autos. Com efeito, resultou provado, entre outros, que os Réus foram informados do conteúdo das clausulas do escrito celebrado com a Autora, tendo-lhe sido explicado. Por outro lado, e tal como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 2439/07.1TBPTM.E1, datado de 15-09-2010, a “cláusula de exclusividade, ínsita num contrato de mediação imobiliária, não está abrangida pelo regime das cláusulas contratuais gerais, pois tem um regime próprio definido no regime jurídico do contrato de mediação imobiliária, que não limita a capacidade negocial das partes envolvidas.” Assim e na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade, o cliente pode desistir da venda sem prejuízo de ter de pagar a comissão ajustada com a mediadora caso esta angarie um interessado - sério e genuíno - na compra, ainda dentro do prazo de vigência do contrato de mediação imobiliária – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7, datado de 05-06-2018”.

Invocam os apelantes a nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado, por violação do disposto nos artigos 5.º [1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais], 6.º [1 – O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 – devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados] e 8.º [Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo; c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes] do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro (Cláusulas Contratuais Gerais).

Ainda que não haja unanimidade sobre a aplicação ao contrato de mediação imobiliária da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), como aliás resulta da sentença recorrida, devemos ter presente que a aludida Lei não deixa de regular “as cláusulas pré-elaboradas para um contrato individual, cujo conteúdo o destinatário não pôde influenciar” e podendo o contrato de mediação imobiliária conter cláusulas deste tipo, devem submeter-se ao regime da LCCG”[9]. No entanto, ao contrário do sustentado pelos apelantes, a factualidade apurada e mantida é no sentido de as cláusulas constantes do contrato aqui em causa terem sido informadas e explicadas aos réus, não ocorrendo, por isso e com o fundamento invocado, qualquer nulidade do contrato ou de algumas das suas cláusulas.

Sustentam também os demandados outro fundamento para a nulidade do contrato, decorrente do disposto no artigo 16, n.º 2, alínea g) e n.º 7 da lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária – RJAMI). Segundo este normativo e sob pena de nulidade – ainda que não invocável pela empresa de mediação – deve obrigatoriamente constar do contrato de mediação imobiliária “A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente”.

Do contrato celebrado entre as partes consta a aludida referência, mas parece ser entendimento dos apelantes que a mesma não especifica os efeitos do aludido regime de exclusividade. Sem razão, no entanto, e salvo o devido respeito. A especificação constante do contrato aqui em causa – contrato comunicado e aprovado pela IDC – não pode considerar-se insuficiente, mormente depois da publicação da Portaria n.º 228/2018, de 13 de agosto, a qual, ainda que publicada depois da celebração do contrato aqui em causa, não pode deixar de ter um sentido interpretativo relativamente à questão da exclusividade e às especificações legalmente exigíveis. Esta Portaria aprova o modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais e, a propósito do regime de exclusividade, esclarece ou clarifica que o mesmo “implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência”, o que corresponde, precisamente ao conteúdo levado ao contrato celebrado entre a autora e os réus.

Sustentam os réus, por outro lado, que a retribuição pretendida pela recorrida não é devida, uma vez que resulta, no sentido da sentença, de uma incorreta interpretação do disposto no artigo 19, n.º 2 do RJAMI, interpretação essa que esqueceu o vertido na cláusula 5.ª, alínea b) do contrato celebrado e a qual, no entendimento dos recorrentes, determina que a retribuição só será devida se o contrato-promessa celebrado estipular sinal de valor igual ou superior a 10% ou se o contrato (definitivo) for efetivamente celebrado.

Importa ter presente que, no contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, a remuneração da mediadora depende apenas do cumprimento da sua obrigação, ou seja, “de procurar, para os seus clientes, destinatários (interessados) para a efetivação de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis”[10], o que sucedeu no caso presente. E a cláusula 5.ª, alíneas b) do contrato, bastamente invocada pelos apelantes, não pode nem pretende alterar a obrigação decorrente do artigo 19, n.º 2 do RJAMI. A obrigação de pagamento vence-se nos termos previstos na cláusula, mas não deixa de ser devida se, perante um contrato com a cláusula de exclusividade, o negócio definitivo não vem a ser celebrado, por culpa do cliente e, no caso presente, essa culpa, a imputação do facto (não celebração do contrato de compra e venda) aos réus é inequívoca, independentemente das razões dessa recusa, que os mesmos réus deviam ter antecipadamente acautelado. Note-se que outro entendimento, seria a desvirtuação do aludido n.º 2 do artigo 19, transformando o contrato oneroso em gratuito e independentemente das diligências feitas e dos encargos tidos pela mediadora.

De tudo quanto se disse, resulta que nenhum dos fundamentos do recurso se mostra procedente e, por isso, a sentença deve ser confirmada, sendo os recorrentes, atento o decaimento, responsáveis pelas custas.

IV – Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença proferida em primeira instância.

Custas pelos apelantes.

Porto, 21.03.2022
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
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[1] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 435.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, pág. 331.
[3] V. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, em especial págs. 84 e ss. e 111 e ss.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos..., 6.ª Edição, cit., pág. 333.
[5] Relator, Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, Processo n.º 4172/16.4TFNC.L1.S1, in Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXVII, Tomo I/2020, págs. 13/16.
[6] “A depoente confirma que celebrou contrato de mediação imobiliária com a Autora obrigando-se a Autora a diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra do prédio de que os Réus eram donos, identificados em 6 da petição inicial. Pretendiam vender o prédio pelo valor de €117.500,00 (cento e dezassete mil e quinhentos euros). Esclarece que a venda estaria sempre dependente da obtenção de crédito bancário para a compra de um novo imóvel na zona de Póvoa de Varzim, Vila do Conde. Confirma a comissão acordada. Confirma que o negócio da venda fosse concretizado a comissão a pagar à Autora seria de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), acrescida de IVA. Confirma que a Autora efetuou diligências no sentido de vender o imóvel, efetuando visitas e publicitando a venda. Confirma que a Autora mostrou o imóvel a interessados, tendo os interessados FF e GG, visitaram o imóvel em 12-07-2017 pelas 12:30 horas apresentando proposta para o adquirir pelo valor de €113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos euros). Confirma que lhe foi dito que foi assinada uma reserva do imóvel pelo indicado preço, esclarecendo que nem a si, nem ao seu marido foi entregue qualquer cheque. Confirma que aceitaram a proposta apresentada no valor de €113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos euros). Confirma que assinou o contrato de promessa de compra e venda. Foram informados que o casal tinha entregue na agência o valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), para reservar a casa. Confirma que não apareceram à escritura pública, esclarece que pediram o adiamento porque estavam dependentes da aprovação do crédito bancário para aquisição de um novo imóvel. Esclarece que o sinal foi devolvido ou que dobrou o sinal ao casal interessado na aquisição do imóvel. Desistiu do negócio porque o crédito bancário para a aquisição da nova moradia não foi aprovado. Confirma que recusou celebrar o negócio definitivo, mas esclarece que desde o início foi estipulado a condição de que o negócio não seria celebrado caso não conseguissem obter crédito para a aquisição de uma nova morada”.
[7] “Confirma que os Réus se deslocaram à agência de Vila do Conde, em março 2017, tendo na altura mencionado que pretendiam residir mais próximo dos familiares na zona de Póvoa de Varzim/Vila do Conde. Confirma que foi celebrado o contrato de promessa de compra e venda e que os interessados FF e GG entregaram um cheque no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de sinal, cheque esse, que ficou na posse da Autora, mas que estava em nome dos proprietários”.
[8] Deixando-se a itálico a matéria de facto que foi alterada.
[9] Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, Almedina, 2020, págs. 105/106.
[10] Fernando Baptista de Oliveira, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, 2021, reimpressão, pág. 29.