Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
220/16.6T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: RELAÇÃO BANCÁRIA
PAPEL COMERCIAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
BANCO DE TRANSIÇÃO
SUCESSÃO NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DA INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO ORIGINÁRIA
Nº do Documento: RP201706220/16.6T8PVZ.P1
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 772, FLS 191-213)
Área Temática: .
Sumário: I - O julgamento de mérito no despacho saneador só pode ocorrer quando o processo fornece já os elementos suficientes para que o litígio em causa possa ser decidido com segurança, inexistindo prova a produzir quanto a factos essenciais para a pronúncia da decisão.
II - O denominado papel comercial é um valor mobiliário de natureza monetária e quando a sua aquisição é levada a cabo por uma entidade bancária, que a vende aos seus clientes, age como intermediária financeira.
III - Os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência e devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
IV - Um banco de transição, criado por força de uma resolução do Banco de Portugal, não pode ser considerado como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária quanto a ativos ou passivos excluídos da transferência deste para aquele, por deliberação do Banco de Portugal, entidade com competência para decretar a medida de resolução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 220/16.6T8PVZ
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Póvoa de Varzim, instância central, 2ª secção cível – J4

I. RELATÓRIO
B..., viúva, reformada, residente na Rua ..., nº .., ....-... ...; C..., divorciada, doméstica, residente na Rua ..., nº ... - 1º, em ....-... Matosinhos; e D..., casado, reformado, residente na Rua ..., nº .., ..., ....-... Matosinhos, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra E..., S.A., com sede na Avenida ..., nº ..., ....-... Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de 327.341,10 €, sendo 300.000,00 € de capital, 13.500,00 € de juros remuneratórios e 13.841,10 € de juros moratórios vencidos à taxa supletiva legal de 4%, sem prejuízo dos juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.
Alegaram que, entre o ano de 2000 e maio de 2011, a 1ª A. manteve um montante de cerca de 275.000,00 €, que recebera como indemnização por expropriação, aplicado em certificados de aforro. Em maio 2011, as taxas de juro oferecidas pelo F..., SA (F...) em depósitos a prazo excediam as proporcionadas pelos certificados de aforro e decidiu-se a abrir nele conta de depósitos para constituir um depósito a prazo que lhe permitisse colher taxa de juro favorável. Também os 2º e 3º AA. ficaram titulares da conta que abriram em 13-05-2011 conta de depósitos à ordem com o nº ........... , que qualquer um podia isoladamente movimentar. Foi depositado nessa conta o montante de 276.289,05 € para constituição do depósito a prazo com igual montante, início em 16-05-2012 e vencimento em 10-05-2012 e taxa de juro bruta de 5,100% ao ano. Foi entregue à 1ª A. uma carteira de cheques para movimentação da conta de depósitos à ordem e o F... passou a enviar, mensalmente, extratos de conta, que continua a receber do R. No vencimento (anual) do depósito a prazo foram renovando o depósito e aplicando os juros vencidos em novos depósitos a prazo, pelo que o seu capital, pela acumulação de juros, atingiu o montante de 300.000,00 € e os juros passaram a ser depositados na conta à ordem. O F... propôs-lhes, então, uma aplicação do capital diferente, a 1ª A. recusou, mas foi-lhe garantido que a referida aplicação tinha rigorosamente as mesmas características e segurança do depósito a prazo e assegurado que poderia obter uma remuneração superior para o capital, com segurança igual à de um depósito a prazo, através da subscrição de obrigações emitidas pela sucursal do F... em Londres (“F1...”), que pagavam juros anuais a uma taxa nominal bruta de 5%. Operação que foi apresentada à 1ª A. como análoga ao depósito a prazo no Banco, por provir de entidade pertencente ao mesmo universo do F... e que o seu dinheiro não correria qualquer risco, nem quanto ao capital nem quanto a os juros. Assim, subscreveu 319.000 das referidas obrigações do “F1...”, ao preço de 89,37739464 €, cada uma, perfazendo 286.000,00 €. Em dezembro de 2013, o gerente de conta do F... propôs nova operação com papel comercial emitido, por oferta particular de subscrição, pela sociedade F2..., S.A., que seria em tudo idêntica e de risco nulo, uma vez que se estava perante uma entidade do grupo F3... e o F... garantiria capital e juros. No entanto, o documento contém uma declaração que, além de falsa, não lhe foi explicada aludida e nem leu, com a menção de foi informada e advertida de que aquela ordem se enquadra na prestação de serviços de mera execução de ordens em relação a instrumentos financeiros não complexos, aceitando que o F... não é obrigado a determinar a adequação da operação às suas circunstâncias, por dispor dos conhecimentos e experiência necessários para compreender os riscos inerentes à operação. Entretanto, a F2..., S.A. foi declarada em situação de falência pelo Tribunal d’Arrondissement de Luxembourg, em 27-10-2014, no P.º 593/14 do Greffe de la 15ème section, e, em 03-08-2014, já o E..., nascido da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03-08-2014, sucedera ao F... na relação contratual com os AA., continuando a prestar-lhe os serviços enumerados. Foi com a colaboração do R. que reclamaram o seu crédito no processo de falência da F2..., S.A., mas nenhum pagamento receberam ou perspetivam receber.
Contestando, o demandado excecionou a ilegitimidade ativa, opondo que a 1ª A., em 03-12-2013, deu ordem de subscrição de seis títulos, do valor nominal de 50.000,00 €, cada um, emitidos pela F2..., S.A., alegando que o dinheiro investido nos referidos títulos provém de indemnização por si recebida, pelo que os restantes réus não têm interesse em demandar. Mais evocou a sua ilegitimidade passiva em face das deliberações do Banco de Portugal (BdP) de 03-08-2014 e 11-08-2014). O E..., S.A. foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 03-08-2014, nos termos do n.° 5 do art. 145°-G do RGICSF, como uma nova pessoa jurídica, uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a atividade bancária, completamente autónoma, independente e, sobretudo, distinta do “F..., SA”. Neste contexto foram transferidos do F..., S.A. – que mantém a sua personalidade jurídica para o E..., S.A., determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sobre a gestão daquele. E por deliberação de 11-08-2014 foi clarificado e ajustado o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do F..., S.A. transferidos para o E..., S.A., que excetuou do âmbito da transferência “quaisquer responsabilidades ou contingências do F..., nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais”. Também a Deliberação perímetro de 29-12-2015 excluiu da transferência “(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do F... relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o F..., S.A.; (vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do F... e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do F..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas. As responsabilidades do F... que não são objeto de transferência, estas permanecem na esfera jurídica do F....” Acresce que essa deliberação cabe na esfera de competência Conselho de Administração do BdP, qual pode selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição. Como as responsabilidades em causa, a existirem, integram os passivos que não foram transferidos do F..., S.A. para o E..., S.A. é patente a sua ilegitimidade.
Em resposta, os autores pugnaram pela improcedência das exceções e defenderam que o demandado é responsável pelos prejuízos que lhe causou, por para ele ter sido transferida essa responsabilidade, pelo que entendem que a ação deve prosseguir para julgamento para apuramentos dos factos em que fundaram o seu pedido.
Considerando que os autos continham assentes os factos necessários ao conhecimento de mérito, foi proferido despacho saneador-sentença que decidiu que o réu E..., S.A. possui legitimidade processual para intervir na lide, mas carece de legitimidade substantiva, porque as Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal expressamente excluem da transmissão do F... para o E... todas as responsabilidades que, no entender dos autores, fundamentam a sua pretensão. Situação que enquadra a ilegitimidade material ou substantiva, que constitui uma exceção perentória que implica a absolvição do pedido, assim ditando decisão com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, declara-se o aqui réu “E..., S.A.” parte substancialmente ilegítima e, em consequência, absolve-se o mesmo do pedido contra si deduzido pelos autores

Irresignados, recorreram os autores, cuja alegação assim concluíram:
«1. A acção funda-se, em primeira linha, na relação contratual complexa que ligou o F... aos AA., por virtude da celebração do contrato de abertura de conta, e que integrava obrigações expressamente assumidas e deveres resultantes da boa fé.
2. Foi no quadro dessa relação que o F... recomendou aos AA. a subscrição de papel comercial da F2..., apresentando a operação como de risco nulo e com garantia de capital e juros dada pelo próprio Banco, o que os levou a tomar seis títulos, de 50.000,00 €, cada um, com um juro de 4,50% ao ano.
3. O F..., com esse comportamento, violou deveres de lealdade, diligência, cuidado, informação e alerta, decorrentes do princípio geral da boa fé, consagrado nos artigos 227º, nº 1, e 762º, nº 2, do Código Civil, e concretizados nos artigos 73º, 74º e 75º e 77º do RGICSF e nos artigos 309º a 309º-B do CVM.
4. E tornou-se contratualmente responsável, por via do artigo 798º do Código Civil, pelo dano que adveio aos AA., com a declaração de insolvência da F2..., que lhes ficou a dever a importância de 313.500,00 €, sem que o seu património ofereça perspectivas de ressarcimento.
5. A obrigação de indemnização resultante dessa responsabilidade, integrou-se na relação contratual complexa que ligou o F... aos AA., na qual teve origem, e que se transmitiu na totalidade para o R.. Na verdade,
6. Pela deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 que criou o R., foi-lhe transferida toda a actividade prosseguida pelo F..., com um conjunto dos seus
“ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão”, que deveria “permitir aos... depositantes manter um relacionamento estável com a instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados”.
7. A deliberação não excluiu as responsabilidades contraídas pelo F... perante os seus clientes, com violação dos deveres emergentes das relações contratuais constituídas com as aberturas das contas, através de factos como os que rodearam a subscrição do papel comercial da F2... pelos AA..
8. Perante quem já era seu cliente, por força de relação contratual duradoura, constituída com a abertura da conta, enriquecida com uma prestação continuada de serviços diversos e geradora de fortíssima confiança, o F... tinha mais e mais fortes deveres do que aqueles que lhe incumbiriam se fosse puro intermediário financeiro.
9. Tendo as relações contratuais com tais clientes sido transferidas para o R., com “a totalidade da actividade prosseguida” pelo F..., para “manter um relacionamento estável com a instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados” – como sucedeu no caso concreto, com os AA. –, transferiram-se todas as obrigações que nelas se incluíam, designadamente as emergentes da violação dos deveres contratuais nelas inseridas, por via do princípio da boa fé.
10. A tese de que a responsabilidade pela recomendação de subscrição do papel comercial da F2... seria excluída da transferência para o R. pela subalínea (v), da alínea (b), do ponto 1. do Anexo 2 à deliberação de 03.08.2014, na redacção que lhe foi dada em 11.08.2014, é desmentida pelo seu texto, que mostra que só visa “responsabilidades ou contingências” assimiláveis às que decorrem de “fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”.
11. Se o trecho inicial da subalínea (v) fosse interpretado sem atender à natureza dos casos exemplificados, ficaria afastada a transferência para o R. de um sem número de obrigações – perante fornecedores, senhorios, depositantes – incompatível com a pretendida transmissão global de activo e passivo, do mesmo passo que se abrangeriam responsabilidades previstas nas subalíneas (vi) e (vii).
12. Além disso, no que ao caso dos autos respeita, é uma interpretação que tem contra si o facto de a responsabilidade perante os clientes que subscreveram títulos como aqueles que foram impingidos aos AA. ser bem conhecida do Banco de Portugal, que impôs ao F... que a acautelasse com a constituição, nas contas do 2º semestre de 2014, de uma provisão de 446 milhões de euros.
13. Também é de rejeitar a ideia de que a transferência para o R. da responsabilidade perante os AA. estaria excluída pela subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 da deliberação 03.08.2014, consideradas as suas várias alterações e esclarecimentos, por respeitar à comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por outras entidades.
14. Uma deliberação que excluísse a transferência das responsabilidades do F... perante os seus clientes depositantes, não só seria contraditória, posto que a deliberação de 03.08.2014 quis transferir para o R. as relações contratuais que o F... mantinha com quem celebrou contratos de depósitos, como não seria lícita.
15. Ao tempo dessa deliberação, o artigo 145º-H, nº 13, do RGICSF exprimia o princípio de que a “transferência parcial dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária...”
16. Sendo certo que, de acordo com o artigo 145º-B, nº 1, alínea b), do RGICSF, o Banco de Portugal não podia deixar de garantir que os credores assumissem (após os accionistas) em condições equitativas os prejuízos do F..., de acordo com a hierarquia de prioridade das suas várias classes.
17. Mas mais: desmembrar a posição do F... nos contratos com os clientes depositantes, para deixar no banco mau as obrigações contraídas por ocasião da colocação de títulos emitidos por outras entidades e transferir o remanescente da relação contratual para o banco bom, contrariaria a própria CRP.
18. Pois não se encontra justificação para uma medida que sujeitasse os clientes à transferência para o R. da relação contratual com o F..., amputada de direitos que em nada diferem de outros que a integram aquela, posto que todos – tanto direitos à restituição do dinheiro depositado, à sua movimentação e aos serviços bancários, como direitos de indemnização pela violação de garantias prestadas ou de deveres emergentes da boa fé, aquando da colocação de instrumentos financeiros – são créditos que emergem da mesma fonte contratual.
19. Tal como não se vê justificação para reter no banco mau, não lhes assegurando o ressarcimento, responsabilidades que são créditos comuns, da mesma categoria que muitos outros de que o F... assumia o lado passivo, tanto emergentes de típicas relações bancárias, como de contratos de arrendamento, de compra e venda ou de prestação de serviços, que passam para o banco bom.
20. De tal forma que, a entender-se que as deliberações do Banco de Portugal quiseram excluir da transferência para o R. a responsabilidade que os AA. exigem nos presentes autos, estar-se-ia perante uma discriminação arbitrária, que configuraria um claro atentado ao princípio da igualdade.
21. Mas não só, também ao direito de propriedade, tal como consagrado no artigo 62º da CRP, pois este cobra aí um o sentido que abrange, nomeadamente, direitos de valor patrimonial, como os direitos de crédito.
22. As deliberações do Banco de Portugal afectariam o direito dos AA. a não serem privados dos seus bens, pois ao não ser transferida para o R. a totalidade da relação contratual com o F..., a parte mais relevante dos seus créditos ficaria privada, sem suporte legal, da garantia geral conferida pelo artigo 601º do Código Civil.
23. A interpretação que não considera abrangidas pelas limitações colocadas pelo Banco de Portugal à transferência de responsabilidades para o R. – ou pelas ulteriores deliberações de retransmissão – as obrigações do F... emergentes da colocação de títulos emitidos por outras entidades, junto de clientes ligados por uma relação fundada num contrato de abertura de conta, é a única conforme com a lei e a CRP.
24. É a única que não envolve infracção do artigo 145º-B, nº 1, alínea b)8, do RGICSF, e que evita fraccionar uma relação contratual, repartindo-a entre banco mau e banco bom, em violação do disposto no artigo 145º-H, nº 139, do RGICSF, e impõe-se também como aquela que se harmoniza com os artigos 13º e 62º, nº 1, da CRP. 8Hoje no artigo 145º-D, nº 1, do RGICSF. 9 Hoje artigo 145º-O, nº 6, do RGICSF.
25. Com a interpretação contrária, que vingou na decisão recorrida, as deliberações do Banco de Portugal, pela sua natureza discriminatória e desmedida amputação do direito de propriedade, ofendem os artigos 13º e 62º, nº 1, da CRP. Ora,
26. O direito de propriedade é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, que compartilha do seu regime específico e que vincula directamente todas as entidades públicas e privadas, nos termos dos artigos 17º e 18º da CRP – é um direito fundamental e os actos administrativos que afectem o seu conteúdo essencial são nulos, de acordo com o artigo 161º, nº 2, alínea d), do CPA.
27. De acordo com o artigo 162º, nºs 1 e 2, do CPA, os actos administrativos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo esta susceptível de ser conhecida a todo o tempo por qualquer autoridade – o que inclui os tribunais comuns.
28. Assim, cabia à 1ª Instância debruçar-se sobre os pontos das deliberações do Banco de Portugal que, no seu entender, obstam à transmissão para o R. da responsabilidade que os AA. pretendem efectivar através da acção e conhecer do vício da nulidade que estes arguiram para a hipótese de tal interpretação prevalecer.
29. Sendo certo que esse vício conduz à desaplicação das limitações colocadas pelo Banco de Portugal à transmissão para o R. de obrigações contraídas por ocasião da colocação de títulos emitidos por outras entidades e à consequente viabilização da responsabilidade que lhe é imputada na presente acção.
30. Nem o artigo 39º da LOBP, nem os artigos 12º, nº 2, e 145º AR, nºs 1 e 3, do RGICSF se opõem ou sobrepõem ao artigo 162º, nºs 1 e 2, do CPA: são simplesmente inaplicáveis aos casos de nulidade dos actos administrativos. Aliás,
31. Qualquer dessas normas, interpretada no sentido de vedar aos tribunais comuns o conhecimento da nulidade dos actos administrativos, seria inconstitucional, por violação do direito à resistência e do princípio da subordinação da administração à Constituição, consagrados, respectivamente, nos artigos 21º e 266º, nº 2, da CRP e de que emanam os artigos 161º, nº 2, alínea d), e 162º do CPA.
32. A douta decisão recorrida violou os artigos 145º-B, nº 1, alínea b), e 145º- H, nº 13, do RGICSF, os artigos 161º, nº 2, alínea d), e 162º do CPA, e os artigos 13º, 21º 62º, nº 1, e 266º, nº 2, da CRP.
Termos em que deve ser revogada a douta sentença recorrida e ordenado o prosseguimento dos autos.»

Em resposta, aduziu o recorrido as seguintes conclusões:
«1. O Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de supervisão, exerce atribuições e competências determinadas na sua Lei Orgânica e no RGICSF, configurando de igual modo uma pessoa coletiva de direito público, titular de poder administrativo que se traduz nas competências regulamentares legalmente atribuídas, cujo exercício é sindicável pelos meios próprios estabelecidos, inclusive quando destinadas a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares (cfr. W. T. Cunha, in Mercado Monetário e a Supervisão do Sistema Financeiro do Banco Central de Angola, págs. 57-58; Reforma da Supervisão Financeira em Portugal – Consulta Pública; Saraiva Matias, in ROA, Jan. 2001, pág. 298).
2. Nestes termos, constitui corolário do poder regulamentar a independência da administração perante a Justiça, patente na incompetência dos Tribunais Comuns para se pronunciarem sobre questões administrativas, da exclusiva competência dos Tribunais Administrativos (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Maio de 2009 e de 30 de Abril de 2009).
3. Compete ao Banco de Portugal o exercício das suas exclusivas competências legais, até que sejam julgadas ilegais pelo foro administrativo, sob pena de violação dos artigos 203.º e 111.º da CRP e 8.º do CC, bem como, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer atos praticados, invocar causa legítima de inexecução, ao abrigo do disposto nos artigos 175.º, n.º 2, e 163.º do CPTA, havendo lugar, neste caso, a uma indemnização a arbitrar nos termos dos artigos 166.º e 178.º do CPTA.
4. O Banco de Portugal, na qualidade de banco central nacional, no uso dos poderes que o RGICSF lhe confere, tem competência para intervir em instituições em situação de potencial ou efetivo desequilíbrio, a fim de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro e os interesses dos depositantes, motivo pelo qual se considera a medida de resolução bancária aplicada ao F..., S.A. vinculativa.
5. Pode o Banco de Portugal adotar medidas atinentes à salvaguarda da solidez financeira das instituições de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro – artigo 140.º do RGICSF – tendo, no caso do F..., S.A., optado por uma medida de resolução na qual foi transferida a totalidade da atividade prosseguida pela entidade bancária, bem como um conjunto dos seus ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão para o E..., S.A., entidade criada transitoriamente para esse efeito, exclusivamente detida pelo Fundo de Resolução.
6. Não sucedeu in casu a celebração de contrato de depósito bancário, mas antes a celebração de um contrato de investimento direto, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários. De resto, advém dos documentos carreados para os autos, remetidos periodicamente aos Recorrentes, que o F..., S.A. sempre foi absolutamente claro na informação prestada aos Recorrentes, inexistindo qualquer referência a um depósito a prazo, porquanto a terminologia utilizada é alusiva a valores imobiliários, sendo que em momento algum os Recorrentes questionaram a clareza ou incompatibilidade dos documentos remetidos, porquanto tinha amplo conhecimento do investimento por si ordenado.
7. Porquanto foram prestadas aos Recorrentes todas as informações necessárias aquando a subscrição do produto financeiro, inexistiu a violação da obrigação de informação, constante do artigo 312.º do CVM.
8. Somente as entidades autorizadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários podem operar directamente na Bolsa, motivo pelo qual a aquisição do produto financeiro em causa jamais poderia ter sido efetuada pelos Recorrentes diretamente, sendo que a ordem de compra dada pelos Recorrentes ao F..., S.A. constitui, inegavelmente, um investimento direto, inexistindo qualquer poder discricionário por parte do F..., S.A..
9. Os Recorrentes somente poderiam reclamar o crédito de que se arrogam, salvo melhor entendimento, perante a autoridade que emitiu o papel comercial, conforme sucedeu, ao terem reclamado créditos no respectivo processo de insolvência, onde poderão ainda receber a quantia peticionada.
10. É inequívoco que o Banco de Portugal, no uso dos poderes que o RGICSF lhe confere, determinou quais as responsabilidades e contingências do E..., S.A. que não deveriam ser transferidas para o E..., S.A, não obstante a transferência de determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão, designadamente através das suas deliberações de 3 e 11 de Agosto de 2014, assim ajustando o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos transferidos.
11. Ainda nesse âmbito, o E..., S.A. foi constituído pela referida deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do n.° 5 do artigo 145.°-G do RGICSF, como uma nova pessoa jurídica, uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a atividade bancária, completamente autónoma, independente e, sobretudo, distinta do “F..., SA”.
12. Tais deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal desde logo excetuaram de forma clara do âmbito da transferência do F..., S.A. para o E..., S.A., “quaisquer responsabilidades ou contingências do F..., nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (vide subalínea (v), da alínea (b), do ponto 1., do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3.08.2014, na redação que lhe foi dada pela deliberação do mesmo Conselho de 11/08/2014).
13. Acresce que, ulteriormente, o Banco de Portugal tomou as Deliberações de 29/12/2015 publicadas no seu site, em 13 de janeiro de 2016, com as retificações formais aprovadas em 12/01/2016.
14. Da Deliberação relativa às “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)” ressalta a parte em que é clarificado no Ponto 11 que “O disposto nas subalíneas a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C.” do qual expressamente consta – aliás, nos exatos termos também constantes das diversas alíneas da parte final (pág. 5, in fine, a 7) da Deliberação Contingências vir o Banco de Portugal “Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do F... para o E... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do F... que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F...;
15. Em particular, mais ali consta, que se clarificou não terem sido transferidos do F..., S.A. para o E...., S.A. os seguintes passivos do F...: “(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo F... e vendidas pelo F...; (…) C)Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o E... quaisquer passivos do F... que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do E... para o F..., com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto 2014;”.
16. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, em douto Acórdão de 30.03.2017, também já se pronunciou sobre a questão em causa, julgando que: “I – O banco de Portugal dispõe, por força da lei, do poder de transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, produzindo a decisão de transferência efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário (artigos 139º, 140º e 145º-O do r4egime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro). II - Actuando o banco de Portugal no exercício dos poderes que lhe estão conferidos pro lei enquanto entidade supervisora, que é autoridade pública de resolução, as suas decisões, salvo se afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente o contencioso administrativo, são vinculativas para os seus destinatários. III – Proferida pelo Banco de Portugal 29-12-2015, na pendência dos presente atos, deliberação segundo a qual: - “não foram transferidos do F... par o E... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do F... que, às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas reativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil) ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F...” designadamente “quaisquer responsabilidades que sejam objeto de qualquer dos processos referidos no Anexo I” - “na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuada, se verifique terem sido efetivamente transferidas para o E... quaisquer passivos do F..., que, nos termos das alíneas e da deliberações de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do E... para o F..., com efeito às 24 horas do dia 3 de agosto de 2014”, Impõe-se considerar que o crédito reclamado pela autora se retransmitiu par o F...” (sic.).
17. Atento o exposto é manifesto que a ação tinha necessariamente de improceder porquanto a alegada responsabilidade aqui em causa integra pretensos passivos que não foram transferidos do F..., S.A. para o E..., S.A. porque estavam em causa nos presentes autos papel comercial do Anexo 2C da Deliberação Perímetro – aliás, nos exatos termos também constantes das diversas alíneas da parte final (pág. 5, in fine, a 7) da Deliberação Contingências –, alínea B, subalínea (i) (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Janeiro de 2017 e de 6 de Outubro de 2010).
18. Na sua alegação, e nas conclusões, invocam os Recorrentes pretensas inconstitucionalidades, de modo marcadamente conclusivo e abstrato.
19. As pretensas inconstitucionalidades jamais poderiam ser conhecidas nos presentes autos, pois que as deliberações em causa são atos jurídicos administrativos, praticados em conformidade com o estabelecido no RGICSF como resulta do disposto nos artigos 120.º e 148.º do CPTA (respetivamente na redação de 1991 e na de 2015), sendo que nos termos do disposto nos artigos 212.º, n.º 3 da CRP e 4.º, n.º 1, alínea b) do ETAF a apreciação jurisdicional dos mesmos compete, exclusivamente, aos Tribunais Administrativos, mediante o processo previsto nos artigos 35.º e ss. do CPTA.
Nestes termos, e nos que V. Ex.as muito doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto Saneador Sentença recorrido, com as legais consequências.»

II. OBJETO DO RECURSO
O âmbito recursivo é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, salvo o conhecimento oficioso de outras que a matéria possa levantar [artigo 635º/4, 636º e 639º/1 do Código de Processo Civil (CPC)]. Portanto, são as seguintes as questões solvendas:
1. A relação bancária;
2. O conhecimento de mérito no despacho saneador;
3. A resolução do Banco de Portugal;
4. A inconstitucionalidade da medida de resolução.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Em 13-05-2011, os AA. abriram, junto do F..., uma conta de depósitos à ordem com o nº ..........., que qualquer um podia isoladamente movimentar, tendo sido depositado nessa conta o montante de 276.289,05 € e depois procederam à constituição do depósito a prazo, com igual montante, início em 16-05-2011 e vencimento em 10-05-2012 e a render uma taxa de juro bruta de 5,100% ao ano.
2. O F... entregou à 1.º A. uma carteira de cheques para movimentação da conta de depósitos à ordem e passou a enviar-lhe, mensalmente, extratos de conta, que continua a receber do R.
3. No princípio de Junho de 2012 subscreveu 319.000 das obrigações do “F1...”, ao preço de 89,37739464 €, cada uma, perfazendo 286.000,00 €.
4. Em 14-05-2013 recebeu 12.184,03 €, a título de juros, e, em 25-11-2013, recebeu 296.296,76 €, a título de capital e juros, sempre por crédito em conta.
5. Em 03-12-2013, deu ordem de subscrição de seis títulos, do valor nominal de 50.000,00 € cada um, emitidos pela F2..., S.A., por um prazo de um ano e que deveriam render um juro de 4,50% ao ano.
6. A 1ª A. não viu creditados na sua conta, nem pagos, o capital e os juros, fosse no vencimento do papel comercial, em 10-12-2014, fosse posteriormente.
7. A F2..., S.A. entrou em incumprimento da generalidade das suas obrigações e foi declarada em falência, pelo Tribunal d’Arrondissement de Luxembourg, em 27-10-2014, no P.º 593/14 do Greffe de la 15ème section, no qual os AA. reclamaram o seu crédito, sem receberem qualquer pagamento.
8. Em 03-08-2014 foi proferida deliberação do Banco de Portugal com o seguinte teor:
«Ponto Um
Constituição do E..., SA
É constituído o E..., SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o E..., SA, de ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão do F..., SA São transferidos para o E..., SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do G..., SA que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.
Nos termos do artigo 1º dos Estatutos do "E..., SA.", que constam do Anexo 1, "o E..., SA é um banco constituído nos termos do nº 3 do artigo 145º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. 298/92, de 31 de Dezembro.
Dispõe o artigo 3.º dos mesmos Estatutos que “O E..., SA tem por objeto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do F..., SA para o E..., SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito".
Por sua vez, no referido Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 que determinou a transferência de ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão do "F..., SA.", para o "E..., SA.", são referidos os critérios que presidirão à aludida transferência:
«[a}Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do F... serão transferidos na sua totalidade para o E..., SA com exceção dos seguintes:
( ... )
(b) As responsabilidades do F... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o E..., SA, com exceção dos seguintes “Passivos Excluídos”):
(i) ( ... )
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) ( ... )
No que concerne às responsabilidades do F... que não serão objeto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do F....
(d) Os ativos sob gestão do F... ficam sob gestão do E..., S.A. ( ... ).
Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o F... e o E..., SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º.H, número 5 (...)».
Em 11-08-2014, o Banco de Portugal emitiu nova deliberação com vista a clarificar e ajustar o “perímetro” do E..., S.A. e, consequentemente, também, do F..., introduzindo diversas alterações e retificações ao texto da aludida deliberação de 03-08-2014.
Consta do texto consolidado do Anexo 2 da deliberação de 03-08-2014, com as alterações introduzidas pela deliberação de 11-08-2014, nomeadamente, o seguinte: «(...)1.Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do F..., AS (F...), registados na contabilidade, que são objeto de transferência para o E..., S.A, de acordo com os seguintes critérios:
(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do F... são transferidos na sua totalidade para o E..., S.A com exceção dos seguintes: (...).
(b) As responsabilidades do F... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o E..., S.A, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos"):
(i) Passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do F..., membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do E..., S.A., e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidas nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal;
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integrem o Grupo F3... e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção das entidades integradas no Grupo F3... cujas responsabilidades perante o F... foram transferidas para o E..., sem prejuízo, quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea (v);
(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo F3..., com exceção das entidades integradas no Grupo F3... cujas participações sociais tenham sido transferidas para o E..., S.A.;
(iv) Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que seja, ou em algum momento tenham sido, elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do F... e cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do F... relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o F...;
(vi) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo F3..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do F..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(c) No que concerne às responsabilidades do F... que não sejam objeto de transferência, estas permanecem na esfera jurídica do F... ( ... ).
(e) Os ativos sob gestão do F... ficam sob gestão do E..., S.A. ( .. .).
2. Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o F... e o E..., S.A., ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, número 5.º. (...).
9.A transferência decretada (…) não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou com relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do F..., assim transferidos, incluindo quaisquer direitos de denúncia, resolução ou de decretar o vencimento antecipado ou de compensar {netting/set-off}, nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, ou (iii) sujeição a aprovações ou (iv) direito a executar garantias, (v) direito a efetuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos».
Em 29 de Dezembro de 2015, o Banco de Portugal emitiu três novas deliberações, denominadas “Contingência”, “Perímetro” e "Retransmissão”.
Na deliberação “CONTINGÊNCIA” pode ler-se que a mesma é adotada relativamente ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação da Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”.
Do teor da deliberação “CONTINGÊNCIA” lê-se em particular:
«(...) 1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a "Deliberação de 3 de agosto", para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do E..., S.A. ("E..."), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do F..., S.A. ("F..." ou "F...") para o E..., descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.
2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objeto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
3.Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do F... para o exercício da atividade ou da venda do E..., para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o E... e o F... (o "Poder de Retransmissão"). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
Fundamentos para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão:
1. A versão original da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do F... perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o E..., SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) ... (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais."
2. A versão alterada da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do nº 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do F... perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o E..., SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos):
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do F... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F... nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo E... e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo F....
8. A legitimidade processual do F... tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o E... das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o F... era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao F... e por efeito da aplicação desta.
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do F... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F..., estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o E....
10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do F... para o E..., ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n. 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.
11. Esses pedidos não foram efetuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal, que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o E.... 12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do F... para o E... (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao F..., a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o E..., e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do E... responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o E... seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao F...).
17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18. Decisões de tribunais judiciais que, direta ou indiretamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.
19. Tem a presente deliberação o seguinte objetivo:
a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do F... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F..., nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto;
b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do F... à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F... e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao E..., proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o F...; e
c. Determinar que, de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 145.º-P e nos nºs 2,3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o F... e o E... tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.
20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo E..., encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício da Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável. O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do F... para o E... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do F... que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F...;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do F... para o E... os seguintes passivos do F...:
(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo F... e vendidas pelo F...;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o E...;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o F... - Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o F... era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo F... enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I. C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o E... quaisquer passivos do F... que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do E... para o F..., com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;
D) O Conselho de Administração do F... e o Conselho de Administração do E... praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 145.º-P e nos nºs 2,3 e 4 do artigo 145º-G do RGICSF, o E... e o F... devem:
(a) Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao F..., bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente Deliberação;
(b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...).
Por sua vez, na mesma data - 29-12-2015 - foi emitida pelo Banco de Portugal a denominada Deliberação "PERÍMETRO" de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
"(...) 1. A Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a "deliberação de 3 de agosto" para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do E..., S.A. ("E..."), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do F..., S.A. ("F..." ou "F...") para o E..., descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de agosto.
2. Após 3 de agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do E....
3. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores de uma instituição objeto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição.
4. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente estabelecido que poderá ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do F... para exercício da atividade ou da venda do E..., para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o E... e o F... (o "Poder de Retransmissão"). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente previsto no número 2 do anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
5. São necessárias clarificações adicionais quanto aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do F... para o E... e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto para refletir estas clarificações.
7. É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do F....
8. Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do F..., pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao E..., tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o F....
9. Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta Deliberação, um ativo ou passivo tenha sido transferido para o E... que devesse ter permanecido na esfera jurídica do F..., ou tenha permanecido na esfera jurídica do F..., mas que devesse ter sido transferido para o E..., o Poder de Retransmissão é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação.
10. Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao F... e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o E..., a qual estava originalmente expressa no Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, atualizando o referido Anexo 2 às mencionadas Deliberações.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, delibera o seguinte:
A) A subalínea (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação:
"Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do F... e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do F..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas."
B) A alínea (d) do nº 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação:
"São transferidos na sua totalidade para o E..., SA todos os restantes elementos extrapatrimoniais do F..., com exceção dos relativos ao F6..., SA, ao F7... (Miami), ao F8... (Líbia) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o F... não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do nº 1 e, com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2015, ao F9..., limited;"
C) É aditado um n.º 10, com a seguinte redação:
“Transferem-se ainda para o E... quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportadas a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de estarem ou não registados na contabilidade do F....”
D) A Administração do F... deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os atos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o E... decorrentes das contingências fiscais ativos, atualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou por constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade.
E) É aditado um novo nº 11, com a seguinte redação:
"O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C".
F) É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de agosto, com a redação constante da deliberação relativa à "Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)", adotada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal na presente data; G) Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal determina adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do F..., pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.o 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao E..., tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o F...;
H) É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao nº 1 do Anexo 2, com a seguinte redação: “'Responsabilidade Oak Finance”.
I) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o E..., mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica no F... são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais transferidos do F... para o E..., com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);
J) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do F... mas que foram, de facto, transferidos para o E..., são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do E... para o F..., com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);
K) O Conselho de Administração do F... e o Conselho de Administração do E... devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos na presente deliberação.
L) É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto de 2014, a qual incorpora:
a. As clarificações e alterações constantes da presente deliberação;
b. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, adotadas na presente data, relativas à "Retransmissão de obrigações não subordinadas do E..., S.A., para o F..., S.A. e à "Retransmissão das ações representativas da totalidade do capital social do F9..., Limited do E..., S.A., para o F..., S.A. ":
c. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e 15 de setembro de 2015, todas relativas à Responsabilidade Oak Finance, e de 13 de maio de 2015, relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo F..., relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do F3...;
d. O Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto será alterado e retificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C (...).
Anexo 2C DELIBERAÇÃO
Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas alíneas (v) a (vii) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas).
O Conselho de Administração do Banco de Portugal - ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do F... para o E... quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do F... que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F...;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do F... para o E... os seguintes passivos do F...: (i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedade veículo estabelecidas pelo F... e vendidas pelo F...; (ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o E...; (iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o F... - Companhia de Seguros de Vida, S.A.; (v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o F... era o mutuante; (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo F... enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e (vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o E... quaisquer passivos do F... que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do E... para o F..., com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;
D) O Conselho de Administração do F... e o Conselho de Administração do E... praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 145º -P e nos nºs 2,3 e 4 do artigo 145º-6 do R6ICSF, o E... e o F... devem:
(a) Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao F..., bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atas anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...)».

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Respigando os termos da lide, vemos que os demandantes alicerçam a sua pretensão indemnizatória na subscrição, a um dos balcões do F..., de seis títulos emitidos pela F2..., S.A. (F2...), no valor total de € 300.000,00, e como a sociedade emitente foi declarada em falência, não receberam qualquer pagamento. Alegando que tal subscrição só ocorreu por recomendação do gerente de conta do F..., com recurso a informações falsas, designadamente assegurando não haver qualquer risco para o capital, o E..., que demanda, é o responsável pela reparação dos danos.
A decisão recorrida, enjeitando a ilegitimidade processual do E..., S.A., defendeu que o mesmo carece de legitimidade substantiva, em face das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal que, expressamente, excluíram da transmissão do F... para o E... todas as responsabilidades da natureza daquelas em que os AA. fundamentam a sua pretensão, o que implica a absolvição do RR. do pedido.
O sentenciado é impugnado pelos AA. recorrentes com a alegação de que a ação se funda na relação contratual complexa que desenvolveram com o F... por virtude da celebração do contrato de abertura de conta. Como foi no quadro dessa relação que o F... lhes recomendou a subscrição de papel comercial da F2..., apresentando a operação sem qualquer risco e com garantia de capital e juros, ele violou os deveres de lealdade, diligência, cuidado, informação e alerta decorrentes do princípio geral da boa fé, consagrados nos artigos 227º/1 e 762º/2 do Código Civil e concretizados nos artigos 73º/77º do RGICSF e nos artigos 309º/309º-B do CVM. Por essa via é contratualmente responsável pelo dano que adveio aos AA. com a declaração de falência da F2.... Decantando as questões colocadas pelos recorrentes, começamos por apreciar a conexão da subscrição dos títulos com a relação contratual dos AA. com o F....

1. A relação bancária
A 1.ª A. celebrou com o F... um contrato de abertura de conta que constitui o negócio bancário nuclear, através do qual se institui, disciplina e baliza a respetiva relação jurídica bancária. Não obstante o cariz facultativo de toda a ulterior atividade jurídica, tem-se como um contrato normativo que inicia uma relação jurídica complexa entre banco e cliente, em que assentam os diferentes e sucessivos contratos[1]. É uma relação de clientela obrigacional, complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais em novos contratos que, a par de prestações primárias ou secundárias, gerarão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradoura de negócios assentes em ligações de especial confiança e lealdade mútua das partes[2].
Já neste âmbito da relação bancária em geral se exige do Banco as informações ou conselhos a evitar os prejuízos da contraparte ou, ao menos, uma atuação de boa fé e consequente responsabilidade por informações ou conselhos inexatos, se violadores de deveres de conduta de que resultem danos”[3]. Aliás, isso mesmo resulta dos artigos 73º a 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[4], que impõe às instituições de crédito, em todas as atividades que exerçam, que assegurem aos seus clientes elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
Essa relação bancária geral pode ser, per se, geradora da obrigação de indemnizar os danos gerados por défice no dever de informação, mas os AA. alegam que aceitaram investir o capital ali depositado, sob proposta do F..., em papel comercial da F2.... Subscrição que vieram a efetuar em 03-012-2013 porque o F... lhe assegurou estar em causa uma operação de risco nulo, que lhe garantia o capital investido e os juros. Só que a F2... veio, entretanto, a ser declarada falida por Tribunal luxemburguês, sem que tal risco lhe tivesse sido exposto.
O regime jurídico dos valores representativos de dívida de curto prazo, comummente denominados “papel comercial”, foi revisto pelo decreto-lei n.º 69/2004, de 25 de março, com subsequentes alterações, mormente as introduzidas pelo decreto-lei n.º 52/2006, de 15 de março. São valores mobiliários de natureza monetária, representativos de dívida emitidos por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado que reúnam as condições legalmente definidas (artigos 1º/3º). Foi papel comercial emitido pela F2... que o F... propôs aos AA. subscrever no âmbito da relação bancária em curso.
Esta proposta e aceitação de subscrição de papel comercial consubstancia da parte do F... uma atividade de intermediação financeira, submetida a rigorosos deveres de informação ao investidor, em função do seu perfil, e regulada pelo Código dos Valores Mobiliários[5]. Atividade que pode ser juridicamente enquadrada no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de proteção (artigo 483º do Código Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações derivadas do contrato ou ainda na responsabilidade pré-contratual ou na responsabilidade por informações[6].
É no apelo a uma destas vias de responsabilidade civil que os AA. defendem a condenação do R. na indemnização dos danos que o F... lhe causou, que concretizam no capital investido, acrescido de juros. Questão que parece aportar uma solução linear, se alcançada prova da atribuída conduta ilícita do F..., mas que se complexifica porque a demanda não é dirigida ao F..., mas ao E... que, na ótica dos AA., sucedeu ao F... nessas responsabilidades, o que nos remete para os efeitos jurídicos da Resolução do Banco de Portugal (BdP).

2. O conhecimento de mérito no despacho saneador
Mesmo admitindo que o F... infringiu os deveres de lealdade, diligência, cuidado, informação e alerta decorrentes do princípio geral da boa fé, reforçados pelos elevados níveis de competência técnica e de organização empresarial dos bancos, como propugnam os recorrentes, a problemática que subjaz à questão solvenda é que a eventual responsabilidade civil do F... não foi transferida para o E..., aqui demandado.
É insofismável que, no quadro do relacionamento banco/cliente, se sucedem diversas operações bancárias que enformam uma relação de clientela e contínua de negócios entre a instituição bancária e o cliente, que configura “uma relação obrigacional complexa e duradoura assente em estreita confiança pessoal entre as partes (uberrima fides)[7]. Especial relação intuitus personae que impõe à instituição bancária padrões de conduta profissionais e padrões éticos elevados que se traduzem em deveres de prestação, mas também em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, cuja inobservância é suscetível de originar a responsabilidade civil da instituição bancária. Voltamos, contudo, a enfrentar a mesma dificuldade: o E..., por força da resolução, não recebeu a transferência das responsabilidades dessa natureza e o F..., que poderá ter infringido tais deveres, não foi sequer demandado; compreensivelmente, por estar reclamado o correspondente crédito no âmbito do processo de falência. Donde a patente irrelevância do pretendido prosseguimento da lide para julgamento. Como adiantámos, ainda que provassem que o F... os induziu a subscrever aqueles títulos, violando todos os deveres que assinalámos, nunca o E... poderia ser responsabilizado por não ser transmissário de responsabilidades dessa natureza. Daí que a decisão recorrida, acertadamente, tenha optado por sentenciar em sede de saneador, uma vez que o estado do processo permitia o imediato conhecimento do mérito da causa, prescindindo da produção de outras provas, como deflui do artigo 595º/1, b), do CPC, como a subscrição foi intermediada pelo F... era uma sociedade que, à luz do disposto no artigo 21º/ 1, do CdVM, se encontrava em relação de domínio com o F..., razão pela qual o destino da F2... não era indiferente ao F..., pois a sua insolvência sempre se refletiria negativamente sobre a sua imagem e aviamento, prejudicando os seus próprios negócios. Havia, portanto, um conflito de interesses na sua atuação como intermediário financeiro torna aplicáveis ao F... as normas dos artigos 309º/309º-B do CVM.
Os apelantes aduzem um outro argumento para fundar a responsabilidade do F..., focalizando-o na imanência do F... e da F2... pertencerem ao mesmo grupo empresarial e manterem uma relação de domínio.
A noção legal de sociedade em relação de domínio assenta no conceito de influência dominante [artigo 486º/1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC)]. Porém, o regime jurídico associado às relações de domínio, embora reflita a especificidade dos interesses em jogo numa coligação societária, edifica as sociedades em relação de domínio como uma figura marginal, confinada à consecução de objetivos pontuais e heterogéneos[8]. Todavia, o conceito chave da definição destas sociedades em relação de domínio é a influência dominante, mas parece ser suficiente a existência da mera possibilidade do exercício da influência dominante. Como resulta da própria norma, existe uma relação de domínio sempre que uma sociedade, direta ou indiretamente, possa exercer sobre outra uma influência dominante (artigo 486º/1 do CSC)[9]. Nesta linha de análise, aceitando que o F... e a F2... são sociedades que estão numa relação de domínio, sendo aquele intermediário financeiro desta para a venda do seu papel comercial, podemos dizer que há um conflito de interesses potencialmente prejudiciais para os clientes, designadamente para os demandantes, porque o F..., ao prestar o serviço de intermediação, pode tê-los encaminhado para aquele concreto instrumento financeiro, a fim de beneficiar uma empresa do grupo. Independentemente deste juízo, cuja matéria base se encontra controvertida, é certo caber ao F... a identificação dos conflitos de interesses, por via da prestação de atividades de intermediação financeira com sociedades do grupo (artigo 309º-B do CdVM). Por isso, o artigo 309º-A do CdVM impõe a adoção de determinadas condutas em matéria de conflitos de interesses, designadamente, identificando, relativamente a atividades de intermediação financeira específicas prestadas por ou em nome do intermediário financeiro, as circunstâncias que constituem ou podem dar origem a um conflito de interesses. Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo e dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos (artigo 309º/1 a 3 do CdVM). Ainda que o F... não tenha assumido a transparência legalmente imposta, sempre teria deveres reforçados de informar os AA. sobre a real situação da F2... e iminente insolvência, nomeadamente a natureza e os riscos do instrumento financeiro proposto, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo do papel comercial a subscrever (artigo 312º do CdVM).
Nestas negociações, reconduzíveis aos chamados negócios de execução (não de cobertura), o intermediário financeiro age, por conta do seu cliente, junto do investidor, também seu cliente, para a efetivação de operações sobre instrumentos financeiros[10]. É nesta relação com o cliente investidor que o intermediário financeiro tem especiais deveres de informação, prestando todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, mormente estando em causa um investidor não qualificado, ao qual deve ser dada uma indicação correta e clara de quaisquer riscos relevantes (artigos 312º e 312º-A do CdVM).
Acolhemos que não tivesse sido prestada essa clarificada informação dos riscos de um investimento em papel comercial da F2..., S.A. (F2...), designadamente da sua situação quase insolvencial: os AA. subscreveram os títulos da F2... em 03-12-2013 e a sua falência foi declarada em 27-10-2014.
Em verdade, intuímos que o intermediário financeiro é diariamente, na prestação de serviços financeiros, tentado a favorecer os seus interesses em detrimento dos clientes por conta de quem intervém, designadamente quando o intermediário financeiro tenha interesse em transacionar valores mobiliários de emitentes com quem esteja em relação de domínio ou de grupo ou dele próprio[11]. É neste quadro que, nas relações com os intervenientes do mercado financeiro, os intermediários financeiros, apesar de vinculados à observância dos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (artigo 304º / 2 do CdVM), resvalam para a proteção dos seus interesses particulares ou das sociedades do seu grupo, se for caso disso. Poder-se-ia enquadrar um eventual direito a indemnização com fundamento em responsabilidade pela confiança, com base na prestação de informações incorretas, geradoras de uma confiança normativamente justificada[12].
Mesmo a constatação desta realidade, em que os AA. alicerçam também o seu pedido de responsabilização do F..., já estará contemplada no quadro do processo de insolvência. Quanto à responsabilização do E..., ela é recusada por força da resolução do BdP, como acentuámos, a tornar patente, também por esta via de análise, a bondade da decisão sindicada. Com efeito, qualquer responsabilidade que pudesse ser imputada ao F..., que os AA. não demandaram, não foi transferida para o E..., pelo que o pedido sempre estará votado ao insucesso, prescindindo da produção da prova da correspondente factualidade, legitimando a decisão em despacho saneador.
A única proteção que pode advir aos credores da instituição é a realização de uma avaliação para calcular quanto é que cada credor receberia caso o banco fosse liquidado no momento da resolução e, consequentemente, os prejuízos que assumiria, por forma a dar cumprimento à regra de que nenhum credor pode assumir um prejuízo superior ao que ficou estimado (artigo 145º do RGICSF)[13]. Todavia, a avaliação em causa foi já realizada, consoante resulta do ponto três da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014. Ainda no âmbito da proteção dos investidores, foi instituído o Sistema de Indemnização de Investidores (artigo 10º/1 do decreto-lei n.º 222/1999, de 22 de junho) para proteger os pequenos investidores, tendo como limite de indemnização o valor de € 25.000. Afora tais situações, a reparação dos prejuízos está condicionada pela medida de resolução do BdP.

3. A Resolução do Banco de Portugal
Defendem os demandantes que todas as relações contratuais do F... com os clientes de relação contratual duradoura foram transferidas para o E... com “a totalidade da atividade prosseguida”, “para manter um relacionamento estável com a instituição e a continuidade de acesso aos serviços por ela prestados”. Ao invés, entendeu a decisão recorrida que estas responsabilidades não foram transferidas para o E....
Os Estatutos do E..., SA, criado ao abrigo do artigo 145º/3 do RGICSF, definem o seu objeto como a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do F... e o desenvolvimento das atividades transferidas, com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito. Por seu turno, a Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 determinou a transferência de ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão do F... para o E..., SA, incluindo todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade, mas excecionou: «(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais», clarificando que «permanecerão na esfera jurídica do F...». Nessa Deliberação foi logo prevista a possibilidade de o BdP, após a transferência inicial, transferir ou retransmitir, entre o F... e o E..., SA, a todo o tempo, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão. Em 11-08-2014, nova Deliberação do BdP para ajustar o “perímetro” do E..., S.A. e do F..., introduzindo alterações e retificações ao texto da Deliberação inicial, excluiu da transferência para o E... «b) (i) Passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do F..., membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do E..., S.A., e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidas nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal;
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integrem o F3... e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção das entidades integradas no Grupo F3... cujas responsabilidades perante o F... foram transferidas para o E..., sem prejuízo, quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea (v);
(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo F3..., com exceção das entidades integradas no Grupo F... cujas participações sociais tenham sido transferidas para o E..., S.A.;
(iv) Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que seja, ou em algum momento tenham sido, elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do F... e cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do F... relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o F...;
(vi) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo F3..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do F..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.» E reiterou que «as responsabilidades do F... que não sejam objeto de transferência (…) permanecem na esfera jurídica do F...».
Destas Deliberações é patente a exclusão da transferência para o E... da responsabilidade reclamada pelos AA., sendo certo que as Deliberações do BdP na matéria não se quedam pelo exposto, porque, em 29 de dezembro de 2015, foram emitidas três novas Deliberações sob a designação “Contingência”, “Perímetro” e "Retransmissão". A Deliberação apelidada de “Contingência”, a propósito da Deliberação de 3 de agosto de 2014 estabelece que, em conformidade com a legislação europeia na matéria, os acionistas e credores da instituição objeto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição, desde logo porque os recursos do fundo de resolução não serão utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução. Além do mais, assinalou que o BdP dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do F... para o exercício da atividade ou da venda do E..., para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o E... e o F... (o “Poder de Retransmissão”). Por seu turno, demarcou que o BdP considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do F... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo E... e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo F.... E adita, clarificando, que alguns tribunais solicitaram ao BdP que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do F... para o E..., pedidos que não foram efetuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal e que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o E.... A decisão sobre o «perímetro de transferência» pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao F..., a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. Critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital do E..., com base no qual o Fundo de Resolução realizou o seu capital. E acrescenta (n.º 14) que se vierem a materializar-se na esfera jurídica do E... responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais e que o E... seja chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao F...).
Esta Deliberação procurou esbater as dúvidas surgidas nos tribunais comuns acerca dos efeitos e da abrangência das deliberações do BdP, por forma a deixar clarificado que estas responsabilidades foram excluídas da transferência para o E..., assim justificando a “ilegitimidade substantiva” assacada pela decisão recorrida ao E... para assegurar a responsabilidade aqui exercitada pelos AA.
Esta mesma Deliberação declara que o âmbito do perímetro de transferência só pode ser questionado no contencioso administrativo e que a Deliberação tem em vista clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do F... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do F.... Mais assevera que se apesar da Deliberação inicial se transmitiram ao E... tais responsabilidades, então reafirma proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o F.... E, de novo, sinaliza que não foram transferidos do F... para o E... os seguintes passivos do F...: «(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo F... e vendidas pelo F...; (…) (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo F... enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento”. Voltou a asseverar: «C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o E... quaisquer passivos do F... que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do E... para o F..., com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014.» E nessa mesma data de 29-12-2015, o BdP emitiu nova Deliberação, designada “Perímetro” com a reafirmação de que o RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores de uma instituição objeto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição, sendo vedado que os recursos do fundo de resolução sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução. Mais aditando que, não obstante as clarificações e alterações constantes dessa Deliberação, um ativo ou passivo que tenha sido transferido para o E... e que devesse ter permanecido na esfera jurídica do F..., ou tenha permanecido na esfera jurídica do F..., mas que devesse ter sido transferido para o E..., o Poder de Retransmissão é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes da Deliberação. E especifica que «Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do F... e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do F..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomada».
Como vemos, o E... foi criado pela medida de resolução do BdP e, como tal, é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, com um capital social detido pelo Fundo de Resolução, autorizada a exercer a sua atividade sem prévio cumprimento dos requisitos legais e procedimentos formais com vista a futura alienação, mas apenas sucedeu aos direitos e obrigações do F... nas precisas condições resultantes da Deliberação do BdP[14].
Ora, as Deliberações do BdP deixaram na esfera jurídica do F... as responsabilidades da natureza daquelas que os AA. disporiam e, não tendo sido transmitidas para o E..., ressalta evidente a declarada improcedência da ação. Aliás, em comunicado de 23-03-2015, isso mesmo asseverou o BdP, reafirmando que o E... não tem quaisquer responsabilidades decorrentes da intermediação financeira do F... em obrigações ou outros títulos representativos de dívida emitidos por entidades do F3....
Ademais, a Deliberação do Banco Central Europeu de 15-07-2016 revogou ao F... a autorização para o exercício da atividade bancária. Os obrigacionistas da instituição tentaram a anulação da medida de resolução aplicada ao F..., mas o Tribunal Geral da União Europeia recusou o pedido por decisão de 25-02-2015.
Antevemos que houvesse soluções alternativas, quiçá menos prejudiciais para os acionistas e investidores, mas a medida aplicada teve como principal finalidade, para além da proteção do sistema financeiro, a continuação e preservação da atividade da instituição em causa, isolando os ativos tóxicos na instituição intervencionada[15]. Com efeito, as medidas de resolução assentam na proteção e no reforço da atividade bancária e consequente estabilização do sistema financeiro, objetivos expressos pelo artigo 145º-A do RGICSF, que lhes inscreve como principais finalidades: «a) assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais; b) acautelar o risco sistémico; c) salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário publico e d) salvaguardar a confiança dos depositantes». No fundo, procuram reduzir o impacto e as negativas repercussões que uma instituição de crédito em dificuldades acarreta para o sistema bancário e financeiro, evitando a sua contaminação. Foram estas exigências de interesse público que justificaram esta medida de resolução, porque considerado o F... como um banco com impacto sistémico na economia, anteviu-se que o colapso financeiro originaria um efeito too big to fail [16].
Não obstante as dificuldades criadas no património dos acionistas e demais investidores, cremos não caber, nesta concreta sede, a discussão das decisões tomadas pelo BdP. Desde logo, estatui o artigo 145.º-N do RGICSF (convocável à data da resolução) que as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução, face os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção, estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, concretizando algumas especificidades processuais, a significar que essa discussão terá de ser feita, necessariamente, na jurisdição administrativa. De facto, através da ação administrativa especial de impugnação da legalidade da Deliberação do BdP será admissível questionar a validade da resolução[17].
De todo o modo, nesta sede e tal como a ação vem configurada, carecem os autores de tutela jurídica para a sua pretensão, naquilo que a decisão apelada designa de “ilegitimidade substantiva”, que se reconduz a uma questão de mérito, por falecer direito material suscetível de sustentar o pedido. No fundo, ao entender-se que o autor não tem legitimatio ad causam, denega-se-lhe o bem jurídico cuja proteção formula em juízo.

7. A inconstitucionalidade da medida de resolução
Como vimos, a operação questionada nucleariza-se na divisão do F... em dois bancos: o F..., que suportou o passivo e os ativos tóxicos, cujas perdas serão comportadas pelos acionistas e credores, o E..., cujo capital social foi custeado pelo Fundo de Resolução, que foi criado com expurgação de passivo e dos ativos tóxicos. Trata-se de uma operação que anula os direitos fundamentais dos cidadãos e apenas pode ser compreendida no âmbito de uma situação financeira de emergência e que infringe, de uma penada, o direito constitucional, administrativo e comercial. Diríamos, por isso, que a Deliberação, encorpada no ato administrativo do BdP, padece de inconstitucionalidade material, porque afeta o conteúdo essencial do direito constitucional da propriedade privada e transporta a apropriação sem a devida indemnização (artigo 83º)[18]. Mas sendo as medidas de resolução atos administrativos é aos tribunais administrativos que cabe o respetivo contencioso, porque a violação direta da Constituição pode corporizar ilegalidade do ato administrativo a título de violação de lei. Donde seja contenciosamente impugnável por vício que transporta a sua invalidade, em concreto a sua nulidade.
Violação constitucional que deve ser conhecida pelos tribunais administrativos, porque a resolução constitui um ato administrativo suscetível de afetar diretamente direitos fundamentais[19].
Não obstante esta proposição, sempre diremos que as normas ao abrigo das quais o BdP exerceu a resolução são de fonte europeia, mas isso parece não enjeitar a inconstitucionalidade, porque as normas europeias só prevalecem sobre o direito nacional se respeitarem os princípios fundamentais do Estado de Direito democrático (artigo 8º/4 da CRP).
Também a circunstância da resolução inviabilizar um processo falimentar normal, retirando do património do F... todos os ativos não tóxicos e desvalorizando a massa falida em prejuízo dos credores, pode levar a concluir que a resolução viola o artigo 145º-B do RJICSF segundo o qual nenhum credor pode assumir prejuízo maior do que aquele que assumiria caso o F... tivesse entrado em liquidação. Ora, face à nudez da massa falida, é seguro que os credores ficaram em pior situação do que aquela em que ficariam se o F... tivesse entrado em insolvência, o que sempre transportaria a ilegalidade da deliberação a título de violação de lei[20].
Apesar destes considerandos, a resolução do BdP foi deliberada por razões de interesse público, particularmente com vista à prevenção do risco sistémico, atendendo à importância da atividade bancária para o equilíbrio do sistema financeiro e até para garantir o interesse público subjacente às funções que desenvolve, como sejam o financiamento da economia e a gestão dos serviços de pagamentos, obstando ao colapso financeiro do F... e a consequente contaminação de todo o sistema financeiro nacional com as consequentes perdas para a economia em geral.
A nível comunitário, as finalidades da resolução, que vêm descritas nos considerandos 1 a 6 e artigo 31º da Diretiva 2014/59EU, não se distanciam do assinalado. As medidas tomadas visam proteger as instituições de processos de insolvência que ponham em risco a preservação dos serviços bancários e financeiros das instituições em causa, evitando esses procedimentos de intervenção e as repercussões negativas de eventuais impactos sistémicos. Procuram, assim, assegurar o bom funcionamento e estabilidade dos mercados financeiros, ao reconhecer a importância do sistema bancário para essa mesma estabilidade, dada a sua interligação e integração com os mercados financeiros, sendo que o impacto de uma instituição em dificuldades poderá ter repercussões negativas noutras. Ideia central reforçada pela Diretiva, que justifica a criação destas medidas na aceitação da inevitabilidade das crises bancárias e na consideração de que a única forma de as atenuar ou prevenir é regulando procedimentos de recuperação e resolução de forma a preparar os Estados para lidarem, de forma precoce e rápida, com estas situações. Isto porque já se reconheceu que os processos normais de insolvência aplicados às empresas, nem sempre são os mais apropriados para as instituições de crédito, por lhes falecer rapidez suficiente e não preservarem a continuidade das funções críticas dos bancos. Há, de facto, uma contraposição de interesses: enquanto a medida de liquidação da instituição bancária visa, em primeira linha, a salvaguarda dos interesses dos credores, a medida de resolução cumpre as finalidades sinalizadas, essencialmente a salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público. É que um dos elementos básicos da medida de resolução é evitar o uso de fundos públicos para suprir as falhas bancárias de instituições privadas. A injeção de capitais no banco de transição é efetuada através do Fundo de Resolução e do Fundo de Garantia de Depósitos, que são financiados apenas pelo sistema financeiro. Daí que possamos afirmar que a medida de resolução visou, em primeira linha, evitar a afetação de fundos públicos para proteção dos contribuintes e do erário público[21].
É nesta base que nos parece haver um conflito de interesses na resolução do BdP que tenderá a ser resolvido à luz da supremacia do interesse público. A medida de resolução implica, é certo, uma intromissão do poder público no tecido empresarial privado num contexto económico de crise no intuito de evitar, tanto quanto possível, que os bancos sejam resgatados por capitais públicos, mas no intuito de obstar a que se permaneça «num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos»[22]. Portanto, esta solução de garantir a minimização das perdas para o Estado poderá reconduzir-se a um interesse superior à proteção da propriedade privada.
Ademais, embora a resolução do BdP, ao proceder à segregação dos ativos e à expurgação dos ativos não tóxicos do F... pareça representar uma expropriação ex lege das posições dos acionistas e dos credores, a verdade é que o seu direito de propriedade não incide sobre direitos reais clássicos e, por isso, gozam de mais débil proteção constitucional, desfrutando o legislador de grande margem de discricionariedade na matéria[23].
Entende-se que o direito de propriedade tem uma natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, mas tem de ser compatibilizado com outras exigências constitucionais. Não é um direito absoluto; está sujeito a restrições, embora dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional. Porém, o direito de propriedade sobre direitos mobiliários tem um conteúdo mais frágil do que sobre bens imobiliários e o projeto económico, social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito de poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de restrições, quer a favor do Estado ou da coletividade, quer a favor de terceiros, à liberdade de uso, fruição e disposição[24]. Porém, a resolução não pode deixar de observar o princípio da proporcionalidade, como princípio geral de limitação do poder público, ancorado no princípio geral do Estado de Direito (artigo 18º/2 da CRP).
O princípio da proporcionalidade surge associado às ideias de justa medida, adequação e proibição do excesso na prossecução de um determinado fim. Por isso, surge como uma diretiva estruturante da ordem constitucional, condicionando as atuações do Estado com impacto nas esferas privadas e funcionando como limite material do legislador e do exercício dos poderes públicos[25].
Princípio que se desdobra em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação de meios, o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da proporcionalidade sem sentido estrito[26]. Subprincípios que, segundo a ordenação enunciada, significam que as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos; essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato; e o princípio da justa medida, no sentido de que não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos[27].
No fundo, trata-se de apreciar se a intervenção do BdP, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontra numa relação de justa medida com os fins públicos prosseguidos, sem descurar que os Estados detêm larga margem de apreciação na definição do interesse geral.
A propósito do sistema financeiro, o artigo 101º da CRP dispõe que é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social. As atividades financeiras estão vocacionadas para um denso sistema de regulação e supervisão pública para prevenir os riscos sistémicos que abalem a confiança no sistema e para suprir as falhas de mercado, designadamente para assegurar uma regulação tendente a garantir o máximo de informação aos operadores e consumidores[28]. Preceito constitucional que representa «uma típica norma-tarefa, contendo uma obrigação constitucional de legislação, com vista à consecução de certos objetivos, deixando ao legislador uma ampla margem de escolha dos meios e mecanismos para os atingir»[29].
Mesmo neste âmbito, a Constituição não consagra uma tutela de intangibilidade absoluta das poupanças, dando ampla margem de liberdade ao legislador ordinário para escolher os meios adequados aos fins que institui. Donde nos pareça que a limitação dos interesses privados dos credores do banco submetido a resolução cai na alçada do considerável espaço de liberdade de conformação do Estado na ponderação dos bens em conflito. Tanto mais que o BdP não se encontra vinculado a uma ordem de precedência na escolha das medidas, apesar da sua atuação não ser absolutamente livre. Dispõe de verdadeiros poderes funcionais, que devem ser exercidos sempre que se verifiquem os pressupostos objetivos que levam ao seu desencadeamento para salvaguarda do interesse público[30]. É sabido que a determinação da relação entre uma certa medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objetivo envolve avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico), se existir um fundamento racional ou sustentabilidade da medida, justifica-se alguma contenção judicial na aferição da sua inconstitucionalidade[31]. Ora, à luz do enquadramento da medida de resolução ela surge abonada pela necessidade de proteção do interesse geral e de minimização de perdas, sem embargo de qualquer pessoa singular ou coletiva ter direito ao respeito dos seus bens.
Em suma, tudo a apontar para, na ponderação dos interesses em jogo, a supremacia do interesse público fundar a proporcionalidade da medida de resolução.
Também não parece haver violação do princípio da igualdade, porque ele não proíbe ao Estado que faça distinções; apenas proíbe diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos e relevantes. A liberdade e a igualdade encontram-se numa relação que é simultaneamente de tensão e de convergência, tanto mais que a função do catálogo dos direitos fundamentais não se esgota na proclamação de valore isolados, antes exigindo a ponderação da garantia da propriedade e o princípio da vinculação social, tudo devendo ser graduado à realização das aspirações de todos os cidadãos[32]. Foi nessa função de Estado protetor e pacificador que a resolução foi emitida, para salvaguarda dos contribuintes e do erário público, o que parece aportar uma justa medida de ponderação dos interesses em jogo, afastando a inconstitucionalidade material, designadamente das normas do RGICS que suportam a medida de resolução tomada pelo BdP.
Digamos que o BdP recorreu ao princípio da concordância prática dos interesses em conflito, distribuindo os custos do conflito e escolhendo entre os modos de resolução da situação aquela que menos comprime os valores em causa – o direito de propriedade dos acionistas e dos credores do F... e o interesse geral dos cidadãos. As coordenadas essenciais são a necessidade de um juízo de ponderação dos interesses em jogo, tendo presente que nenhum direito e nenhuma restrição podem ser encarados isoladamente, à margem dos outros direitos e dos princípios constitucionais que lhes subjazem. De sorte que as restrições dos direitos têm de ser dilucidadas à luz das regras básicas da concordância prática e da proporcionalidade para alcançar a harmonização e a otimização dos direitos, liberdades e garantias de cada pessoa[33].
O Tribunal Constitucional também não focaliza o direito de propriedade sem condicionamentos, afastando a conceção de que os únicos atos ablativos do direito de propriedade são os consentidos pela Constituição (artigo 62º/2) e admitindo outros, desde que encontrem cobertura constitucional[34].
Reconhecemos as dificuldades práticas em alcançar soluções que não restrinjam os direitos e interesses dos acionistas e credores do F... e, por isso, estamos em crer que a sobrelevação do interesse público encontrou a adequação dos direitos em conflito.

Regime de custas: decaindo no recurso são os autores que suportam as respetivas custas (artigo 527º/1 do CPC).

IV. Dispositivo
Na defluência do exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Porto, 20 de junho de 2017.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
___________
[1] Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág. 484; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., pág. 510; in www.dgsit.pt: Ac. do STJ de 14-12-2016, processo 1063/12.1TVLSB.L1.S1.
[2] Calvão da Silva, Direito Bancário, pág. 335.
[3] Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil, in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988 a págs., 147/148.
[4] Aprovado pelo decreto-lei 298/1992, de 31 de dezembro, sujeito a sucessivas alterações, aqui consideradas, doravante denominado “RGICS”F.
[5] Aprovado pelo decreto-lei nº 486/1999, de 13 de novembro, na redação dada pelo decreto-lei nº 18/2013, de 06 de fevereiro, vigente à data da subscrição de papel comercial F2... Código, doravante, denominado “CdVM”.
[6] Menezes Leitão, Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, pág. 230.
[7] Calvão da Silva, in RLJ nº 3991, ano 144º, pág. 310.
[8] José A. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, Almedina, 1993, págs. 355/356.
[9] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 359.
[10] José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2011, pág. 581.
[11] Sofia Leite Borges, O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira, Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, 2010, pág. 407.
[12] Ana Mafalda Miranda Barbosa, A Propósito do Caso F.... Algumas Notas acerca da Medida de Resolução, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 58 (2015), pág. 238.
[13] Ana Mafalda Miranda Barbosa, A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), pág. 79.
[14] Pedro Lobo Xavier, Das Medidas de Resolução das Instituições de Crédito, in Revista de Concorrência e Regulação, ano V, 18, abril – junho 2014, pág. 178.
[15] Joana Rocio, Tese de Mestrado em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa), in repositorio.ucp.pt/.../TESE%20-%20A%20MEDIDA%20DE%20 RESOLUÇÃO% 20N págs. 21 e 22.
[16] Joana Rocio, ibidem, págs. 37 a 39.
[17] Luís Cabral de Moncada, Os poderes de resolução do Banco de Portugal e o F..., in http://hdl.handle.net/10437/6755, pág. 118; www.dsgi.pt: Ac. da RL de 07-03-2017, processo 48/16.3T8LSB-L1-7.
[18] Luís Cabral de Moncada, ibidem, pág. 116.
[19] Luís Cabral de Moncada, ibidem, pág. 118.
[20] Luís Cabral de Moncada, ibidem, pág. 123.
[21] Pedro Lobo Xavier, ibidem, pág. 159.
[22] Ana Mafalda Miranda Barbosa, citada A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução, ibidem, pág. 69, nota 7.
[23] Lourenço Vilhena de Freitas, Da Constitucionalidade e Ilegalidade da Medida de Resolução do Banco de Portugal Relativamente ao F..., in Liber Amicorum Manuel Simas Santos, pág. 824.
[24] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, págs. 163/164; Jorge Reis Novais, Os princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, Reimpressão, pág. 197.
[25] André Figueiredo, O Princípio da Proporcionalidade e a sua Expansão para o Direito Privado, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da FDUNL, pág. 23.
[26] Anabela Leão, Notas sobre o Princípio da Proporcionalidade ou da Proibição do Excesso, Separata de Estudos em Comemoração dos Cinco Anos (1995-2000) da FDUP, Coimbra Editora, págs. 1004/1006.
[27] In www.tribunalconstitucional.pt: Ac. TC n.º 693/1993, de 04-11-1993.
[28] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª ed. revista, reimpressão, pág. 1081.
[29] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem, pág. 1082.
[30] Tiago Manuel de Sousa Freitas e Costa, Da Nova Arquitetura de Supervisão Bancária - Considerações a Propósito da Medida de Resolução, tese de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, pág. 26, in http://hdl.handle.net/10316/28700.
[31] Jorge Reis Novais, ibidem, págs. 198 e 199.
[32] Reinhold Zippelins, Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, pág. 249.
[33] Anabela Leão, ibidem, págs. 1028 e 1029.
[34] In www.tribunalconstitucional.pt: Acórdão n.º 425/2000, de 11-10-2000.