Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
805/15.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
CÔMPUTO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20161011805/15.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 734 A FLS 31-39)
Área Temática: .
Sumário: I - Quando, em resultado de acidente de viação, a vítima sofre lesões que afectam a sua condição psicossomática, determinando-lhe 5% de IPG, verifica-se um dano biológico.
Se o dano biológico sofrido não afecta a capacidade de ganho da vítima, nem torna previsível que, no futuro, ela venha a ter prejuízos em virtude de uma menor capacidade para o trabalho e, por essa via, para a angariação de rendimentos, designadamente por já se encontrar em situação de reforma por invalidez, será impossível identificar, um prejuízo patrimonial decorrente desse dano biológico.
II - Tal dano biológico poderá, não obstante, qualificar-se como dano de natureza não patrimonial, obtendo tutela jurídica à luz do respectivo regime indemnizatório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. 805/15.8T8PNF.P1
Comarca do Porto Este - Penafiel
Inst. Central - Secção Cível - J2

REL. N.º 358
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

B…, residente na Rua …, …, …, Paredes, veio propor acção sob a forma de processo comum contra C…, S.A., com sede no …, Avenida …, …, Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 150.251,13 €, acrescida das quantias que se vierem a liquidar ulteriormente e de juros de mora, quantia aquela a título de indemnização pelos danos que lhe advieram de um acidente de viação de que foi vítima e cuja culpa atribui em exclusivo ao condutor de um veículo seguro na ré.
Alegou que, no dia 24 de Novembro de 2012, quando seguia tripulando um velocípede sem motor, por uma estrada e na metade direita da respectiva faixa de rodagem, aí foi atingido pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-RU, que circulava em sentido oposto, mas que saiu da respectiva hemiataxia de rodagem, mercê do excesso de velocidade e desatenção com que o seu condutor o tripulava.
Regularmente citada, a R. contestou, impugnando a matéria de facto aduzida pelo A. quanto aos danos, mas admitindo a sua responsabilidade pela indemnização daqueles que se venha a apurar terem resultado do sinistro. Mais alegou já ter pago € 1000 ao A., por conta disso mesmo.
O processo foi saneado e preparado para julgamento. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela procedência parcial da acção, condenando a R. C…, S.A. a pagar ao A. as quantias de € 8.766,13 (oito mil, setecentos e sessenta e seis euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano, desde 19 de Março de 2015, para compensação dos danos patrimoniais sofridos, incluindo 8.000,00€ para compensação do dano biológico; de € 9.000, igualmente acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano desde a data da sentença e até efectivo e integral, para indemnização dos danos não patrimoniais.
Mais determinou que a tais quantias fosse deduzida a quantia de 1.000,00€ entretanto paga.
É desta decisão que vem interposto recurso pelo autor, pretendendo a reapreciação da decisão no tocante a duas questões:
- o valor da indemnização fixada a propósito do dano patrimonial futuro, correspondente à IPG que passou a afectar o autor, que deverá ser revista para 25.000,00€
- o valor fixado para a indemnização dos danos não patrimoniais, que deverá ser revisto para 30.000,00€.
Terminou o seu recurso elencando as seguintes conclusões:
“1ª – O montante fixado na douta sentença (€ 8.000,00) como indemnização devida ao A. pelo dano patrimonial decorrente da Incapacidade Permanente Geral de este ficou a padecer (5 pontos), é escasso e não valoriza conveniente mencionado dano;
2ª – A indemnização destinada a compensar o dano resultante da IPG deve, tal como tem sido entendimento dominante na jurisprudência dos nosso Tribunais, representar um capital que proporcione o rendimento, em abstrato, perdido e se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado;
3ª – Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma;
4ª – É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares;
5ª – Será adequado, na esteira do que tem sido decidido pelo nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material emergente da IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II;
6ª – Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais;
7ª – Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade;
8ª – Através da mencionada fórmula, considerando o salário mínimo nacional, de € 530,00, visto que o recorrente não provou que, à data do sinistro, tivesse ocupação profissional, que tinha 36 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 5 pontos, e o período de vida até aos 85 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, inferior a 2%) encontramos um capital de aproximadamente € 20.000,00;
9ª – Haverá, porém, que levar em conta que o recorrente por virtude das lesões e sequelas de acidente que sofreu aos 18 anos, com TCE grave e limitações de ordem psicológico, tem, em concreto, o leque das profissões possíveis reduzido àquelas em que é exigido grande esforço físico, designadamente, braçal, para o desempenho das quais está fortemente limitado;
10ª – Afigura-se-nos, pois, que será justo e equilibrado, temperar o valor encontrado por aplicação da citada fórmula matemática e atribuir ao recorrente, como compensação pela IPG de 5 pontos, que o afeta (incompatível com atividades que exijam grandes esforços físicos com os membros superiores) e inerente dano patrimonial, a indemnização de € 25.000,00;
11ª – Em relação ao valor fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a douta sentença recorrida, fixou a indemnização de € 9.000,00, a qual entendemos ser manifestamente exígua, atendendo à gravidade dos danos que o recorrente padeceu e às suas sequelas permanentes;
12ª – Deve, neste particular, atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente, sendo aqui manifestamente relevante que tinha apenas 36 anos à data do evento, ao elevado grau do quantum doloris e que foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, uma das quais com anestesia geral;
13ª – Recorrendo, pois e uma vez mais, à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço, temos que a justa e equilibrada indemnização, adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos, deverá corresponder ao montante de € 30.000,00;
14ª – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 483.º, 496.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
NESTES TERMOS, Concedendo provimento ao presente recurso, alterando a douta sentença recorrida em conformidade e fixando os montantes indemnizatórios nos valores preconizados, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
A ré/recorrida ofereceu resposta ao recurso e interpôs recurso subordinado, onde sustentou, em suma, não ser devida qualquer indemnização por danos patrimoniais futuros, correspondentes a qualquer IGP, designadamente os 8.000,00€ fixados na sentença, pois que o autor já se encontrava reformado por invalidez. No mais, entendeu por adequados os montantes indemnizatórios fixados.
Concluiu pelo seguinte:
1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações sendo que, no caso deste recurso subordinado, apenas está em discussão a condenação da Ré / Recorrente a pagar ao Autor / Recorrido a quantia de € 8.000,00 a título de danos patrimoniais.
2. O Autor / Recorrido não logrou provar que, na altura do acidente, fazia “biscates” como trabalhador na construção civil, que nessa actividade profissional auferia um rendimento médio mensal de € 750,00 e que a sua actividade profissional na construção civil exige grande vigor físico e é muito cansativa, visto que exige movimentação constante, nomeadamente a descer e subir escadas e andaimes e a manipulação / carregamento de objectos pesados – cfr. alíneas d), e) e f) dos factos não provados.
3. É à luz da decisão de facto que deve ser determinada a forma de ressarcimento do dano biológico mas o que é importante, no caso em apreço, é saber se esse dano deve ser considerado e indemnizado em sede de danos patrimoniais ou enquanto dano não patrimonial.
4. O dano patrimonial, que consiste na lesão de interesses materiais, mede-se pela diferença entre o valor actual do património da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não tivesse havido a lesão e, como tal, corresponde à perda de um valor patrimonial pecuniariamente determinado.
5. Integram o conceito de danos não patrimoniais os prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais e as sequelas de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde e o bem estar) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
6. O Autor / Recorrido não conseguiu provar a existência quaisquer prejuízos de natureza patrimonial nem perdas na capacidade de ganho, sendo ainda de referir que está reformado por invalidez e que, independentemente do acidente de que foi vítima, continuou e vai continuar a receber a pensão de reforma a que tem direito.
7. Resultando provado que o demandante, em consequência do acidente, ficou com uma incapacidade permanente geral de 5% (hoje designada por défice funcional permanente), que não o vai afectar directamente em perda de rendimentos do trabalho, não subsistem dúvidas de que sofreu um dano corporal, em sentido estrito, também chamado dano biológico.
8. Por não se repercutir directamente na esfera patrimonial do lesado mas antes na sua saúde, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o artigo 496 do Código Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.
9. No caso dos autos verifica-se que foi fixada uma indemnização a pagar ao Autor / Recorrido a título de danos não patrimoniais, no montante de € 9.000,00 que a Ré / Recorrente aceita como correcto e adequado.
10. O facto de não terem resultado provados quaisquer prejuízos de natureza patrimonial nem perdas na capacidade de ganho, sendo que o Autor / Recorrido está reformado por invalidez e que, independentemente do acidente de que foi vítima, continuou e vai continuar a receber a pensão de reforma a que tem direito, justifica e impõe que não tenha direito a receber qualquer indemnização a título de danos patrimoniais.
11. A douta sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização cível condenando a Ré / Recorrente a pagar, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 8.000,00 com fundamento na violação do dano biológico, desconsiderou a decisão de facto, tendo sido violados, entre outras, os artigos 562º e 564º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso interposto ser julgado totalmente procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida na parte que diz respeito à condenação da Ré / Recorrente a pagar ao Autor / Recorrido a quantia de € 8.000,00, a título de danos patrimoniais, confirmando-se me tudo o mais que foi decidido, por tal ser de Justiça.”
O autor respondeu, defendendo a improcedência do recurso subordinado da ré.
O recurso do autor e o recurso subordinado da ré foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram, depois, recebidos, nesta Relação, considerando-se os mesmos devidamente admitidos, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).
No caso, apresentam-se as seguintes questões a decidir, no tocante ao recurso principal:
- se o valor da indemnização fixada a propósito do dano patrimonial futuro deve ser elevado para 25.000,00€;
- se o valor da indemnização fixada a propósito dos danos não patrimoniais deve ser elevado para 30.000,00€.
No tocante ao recurso subordinado, a questão a decidir respeita igualmente à quantificação da indemnização a atribuir em função do dano biológico sofrido pelo autor, cabendo resolver se, em face da sua condição de reformado por invalidez, nenhum dano patrimonial futuro deve ser considerado. Tal questão é, pois, em certa medida, o reverso da que o autor colocou sobre a mesma matéria, nada impedindo o seu tratamento conjunto.
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A solução das questões apontadas impõe a ponderação da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto em discussão que, na parte relevante, se passa a transcrever. Dela se exclui, por falta de interesse, a respeitante à dinâmica do acidente, pois não se mostra controvertida a questão da imputação da respectiva responsabilidade.
1) No dia 24 de Novembro de 2012, pelas 05h20, ocorreu um embate entre um velocípede e um veículo automóvel na Avenida …, nas proximidades do prédio com o número de polícia …., na freguesia …, concelho de Paredes.
(…)
13) Logo após o embate, o A. foi assistido, no local, pelo INEM que lhe prestou os primeiros socorros.
14) Foi imobilizado em plano duro e com colar cervical e foi transportado ao Hospital …, em Penafiel, onde deu entrada nos serviços de urgência.
15) Queixava-se então o A. de dores a nível do ombro direito, do cotovelo e antebraço esquerdos (imobilizado com tala) e do joelho esquerdo e, ainda, deformação do ombro direito.
16) Após vários exames médicos aí realizados, foram diagnosticadas fractura - luxação de Monteggia à esquerda, Bado tipo III e luxação acrómio clavicular direita, grau II.
17) Por isso, foi o A. internado no serviço de ortopedia do acima aludido hospital.
18) Aí foi submetido a uma intervenção cirúrgica, consistente em redução incruenta e osteossíntese do cúbito, com placa AxSOS de 10 furos e 2 PIFs.
19) Também aí foi submetido a uma outra intervenção cirúrgica para imobilização do ombro direito com suspensor de braço.
20) O A. permaneceu internado no Hospital … até 27 de Novembro de 2012, data em que lhe foi dada alta, não curado, para o domicílio, com indicação para seguimento posterior em consulta externa de ortopedia.
21) Foi o A seguido na consulta externa de ortopedia do Hospital … até Março de 2013, altura em que lhe foi data alta da consulta e foi orientado para prosseguir tratamentos nos serviços clínicos da R.
22) O A foi tratado pela R no Hospital …, na cidade do Porto.
23) E realizou igualmente vários tratamentos de fisioterapia no Hospital …, em Valongo.
24) Em 22/05/2013 é que as lesões sofridas pelo A atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar.
25) Sendo, aliás, certo que foi nesta data que os serviços clínicos da R lhe deram alta definitiva.
26) Todavia, apesar de curado, o A, em resultado das lesões que sofreu no acidente ficou a padecer de:
a. No ombro direito:
i. Tumefacção ao nível da articulação acrómio-clavicular;
ii. -- ombro doloroso nos últimos graus de abdução.
b. No antebraço e cotovelo esquerdos:
i. -- cicatriz cirúrgica na região posterior do antebraço com 15 cm;
ii. – dores no terço superior da face posterior do antebraço.
c. No joelho esquerdo:
i. -- joelho doloroso à palpação na face anterior da rótula;
ii. -- dificuldade em ajoelhar.
27) O A. não consegue realizar tarefas que impliquem a movimentação e transporte de objectos pesados, principalmente quando usa o membro superior direito.
28) Tem dificuldades em correr.
29) Não consegue permanecer muito tempo consecutivamente de pé.
30) As descritas sequelas que afectam o A. implicam que ele seja portador de uma incapacidade permanente geral (IPG), que lhe diminui a capacidade física e de ganho, de 5 pontos, que obrigam a esforços acrescidos em actividades que exijam grandes esforços com os membros superiores.
31) O A. nasceu em 18 de Dezembro de 1975, pelo que tinha 36 anos, à data do acidente.
32) O A esteve impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente 24/11/2012 – até 22/05/2013, data em que teve alta definitiva.
33) O A. padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas.
34) Sujeitou-se a tratamentos.
35) Foi submetido a uma intervenção cirúrgica, com anestesia geral.
36) Esteve internado em hospital durante 4 dias, e privado do convívio com familiares, colegas e amigos.
37) As dores que padeceu são quantificáveis num grau 4, numa escala crescente de O a 7.
38) Sofreu grandes incómodos e privações.
39) Após a alta definitiva, o A. continua com dores.
40) Era o A. uma pessoa alegre, sendo que as 18 anos de idade foi atropelado por um comboio, sofrendo TCE grave e escoriações múltiplas, tendo ficado incapacitado para o trabalho, auferindo pensão de reforma por invalidez que, nos anos de 2010, 2011 e 2012 se cifrou em € 2.692,48 anuais.
41) Hoje vê-se marcado por cicatrizes, sendo o dano estético fixável no grau 3, numa escala de 0 a 7.
42) O A sente complexos e desgosto.
(…)
49) Em virtude das lesões, o A. ficou, após a alta hospitalar e durante os 60 dias do período de ITA impossibilitado de realizar as suas tarefas pessoais, tais como deitar-se, levantar-se, vestir, calçar, alimentar-se e impossibilitado até de tratar da sua higiene diária, tendo tido a ajuda da irmã para realizar as referidas tarefas, sendo que um sobrinho o acompanhou aos tratamentos, não despendendo o A nenhuma quantia, a esse título.
50) A Ré, a pedido do Autor, efectuou uma transferência bancária para a conta deste no valor de € 1.000,00.
51) À data do embate o identificado dono da viatura automóvel com a matricula RU, tinha transferida para a Ré, a responsabilidade civil emergente da circulação da mesma, através do contrato de seguro titulado pela apólice .........
Factos não provados
Os demais factos alegados ou não obtiveram adesão de prova ou eram conclusivos ou continham matéria de direito.
Designadamente, teve-se por não provada a seguinte matéria:
a) O A claudica na marcha, principalmente quando percorre trajectos longos.
b) Tem dificuldades em dormir e descansar, por causa das dores que sente.
c) E vê igualmente afectada a sua vida sexual, por virtude da presença de dores, mormente ao nível do ombro e membro superior esquerdo.
d) Na altura do acidente, o A. fazia biscates como trabalhador na construção civil.
e) Nessa actividade, auferia um rendimento médio mensal de € 750,00.
f) A actividade profissional do A. na construção civil, exige, como se sabe, grande vigor físico e é muito cansativa, visto que exige movimentação constante, nomeadamente a descer e subir escadas e andaimes e a manipulação/carregamento de objectos pesados.
g) O A. carece de submeter-se a uma futura intervenção cirúrgica, a qual se mostra necessária para afastar ou, pelo menos, debelar as dores intensas que continua a sentir ao nível do ombro direito.
h) Para atenuar as referidas dores, o A. é obrigado a recorrer frequentemente a medicação álgica.
i) O A não pode praticar desporto, nem consegue fazer caminhadas
j) Tem dificuldades no sono, acordando amiudadas vezes com dores.
k) A mesma sintomatologia dolorosa terá reflexos negativos na sua actividade sexual, visto que a constante presença da dor diminui a libido.
l) O A. tem tendência para isolar-se e evita o convívio com familiares e amigos.
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A primeira questão a resolver refere-se à justeza da indemnização fixada para o dano corporal que resultou para o autor, do acidente de viação de que foi vítima, por referência às regras gerais do direito civil.
Segundo os pontos 16 e 29 da matéria provada, o autor sofreu uma fractura - luxação de Monteggia à esquerda, Bado tipo III e luxação acrómio clavicular direita, grau II, o que, após alta clínica, lhe determinou uma IPG de 5%.
Ainda que não se tenha apurado qualquer facto que permita concluir pela verificação de um rebate profissional da lesão apresentada pelo autor, pois que se encontrava, já ao tempo do acidente, reformado por invalidez, sem que tenha logrado provar, como alegara, que se dedicava a “biscates” que lhe proporcionavam algum rendimento, o tribunal a quo classificou este dano como um incontroverso dano patrimonial, considerando que o mesmo se traduz, ainda assim, numa perda de capacidade de ganho. Por isso, procedeu ao cálculo da indemnização devida por via da aplicação do factor de 5% a um valor que ficcionou como potencial rendimento para uma pessoa nas suas condições, para além da ponderação de outros factores tidos por pertinentes.
Nos recursos principal e subordinado, o autor e a ré, respectivamente, impugnam a quantificação da indemnização de tal dano:
- o autor, porque defende que deve ser considerado um salário mensal de 530€ como passível de ser por si angariado em trabalhos de construção civil, trabalhos esses ao seu alcance, para além de outros factores, tudo redundando numa indemnização de 25.000,00€;
- a ré, porque defende que estando o autor incapacitado para o trabalho, remunerado com uma reforma por invalidez e não tendo demonstrado a sua alegação de obtenção de rendimentos com quaisquer trabalhos, nenhuma perda de ganho e nenhum dano patrimonial ( a esse título) se identificam, pelo que nenhuma indemnização deve ser atribuída. O dano biológico verificado, traduzido numa IPG de 5%, só enquanto dano não patrimonial deve ser indemnizado.
É discutida frequentemente a qualificação do dano biológico. A reprodução dos vectores dessa discussão não deixaria de ser excessiva nesta sede. Sem prejuízo, não deixamos de afirmar que em decisões anteriores, e obviamente na ponderação de diferentes circunstâncias concretas, já este Tribunal tem admitido que o dano biológico pode obter tutela exclusivamente enquanto dano não patrimonial; como também se pode justificar uma tutela sob ambas as vertentes, patrimonial e não patrimonial; como, ainda, essa tutela se pode justificar apenas sob a vertente patrimonial, se a preponderância dos interesses correspondentes for tal que torne descartável a atenção a outros.
Nas concretas circunstâncias do caso, face à inexistência de qualquer facto provado a partir do qual se possa concluir que a referida IPG constituirá, para o autor/recorrido, um factor de diminuição da sua capacidade aquisitiva de rendimentos por via do trabalho, entendemos ser inviável a respectiva qualificação sob a categoria dos danos patrimoniais. Com efeito, não dispomos sequer de qualquer facto a partir do qual, com um mínimo de legitimidade, se possa especular que o autor, por ter sofrido a lesão em causa, ao nível dos membros superiores e inferior esquerdo, determinante de uma IPG de tão limitado grau, possa ter aí uma causa que venha a constituir um factor de limitação dos rendimentos a obter, quer em relação a qualquer actividade que viesse exercendo, quer em relação à possibilidade de alcançar outra profissão. E isso em função da circunstância de ele, por acidente passado, já ter sofrido lesões que determinaram a sua invalidez permanente, o que implica a sua incapacidade laboral total e justifica a pensão de invalidez que lhe é paga.
É certo que o autor alegou que, mesmo assim, não deixava de se dedicar a uma actividade profissional que, mais ou menos regularmente, lhe proporcionava rendimentos de 750,00€ por mês. Mas o que não se reveste de qualquer controvérsia, desde logo porquanto o autor não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, é que isso não se provou. Não se provou que, a par da sua situação de invalidez, executasse quaisquer trabalhos e angariasse a esse título quaisquer rendimentos. E, como factos constitutivos do seu direito, só a ele competia a respectiva prova, nos termos do nº 1 do art. 342º do C. Civil. Não pode, por isso, admitir-se a tese constante da resposta ao recurso subordinado nos termos da qual, por não ter demonstrado tais factos, não se pode ter por certo que os mesmos se não verificam. Pelo contrário, não podemos é admitir que tal factualidade seja real e nela sustentar a pretensão indemnizatória.
Tal como não será legítimo especular que o autor poderia receber o salário mínimo nacional, em resultado de trabalho que poderia vir a desenvolver, pois que não só alegou tal factualidade e não a demonstrou, como a situação de invalidez que o afecta é de ordem a impedir a consideração dessa hipótese.
Forçoso é concluir então, em concordância com a tese da apelante C… no recurso subordinado que interpôs, que as lesões que advieram ao autor do acidente que é causa de pedir nesta acção, e que não deixam de afectar a sua condição psicossomática, não afectam, todavia, a sua capacidade de ganho, nem tornam previsível que, no futuro, ele venha a ter prejuízos em virtude de uma menor capacidade para o trabalho e, por essa via, para a angariação de rendimentos.
Em suma, é impossível identificar, nesta situação, um prejuízo patrimonial decorrente do dano biológico inequivocamente sofrido. Este haverá, então, qualificar-se como dano de natureza não patrimonial.
Nesta medida, improcederá esse argumento da apelação do autor, procedendo, pelo contrário, a correspondente arguição da ré C…, no recurso subordinado que deduziu.
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A qualificação do dano biológico sofrido pelo autor como dano de natureza não patrimonial não implica, porém, que ele não deva ser indemnizado.
A regra que fundamenta a indemnização dos danos não patrimoniais é o art. 496º do Código Civil, dispondo:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (...)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”.
Como ensina Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l°, pg. 571): “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (…) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. (...) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” – cita-se, pela clareza do exposto, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °, pg. 571.
A este propósito, parece-nos ainda pertinente considerar o descrito no Ac. do STJ de 23-02-2012, (proc. nº 31/05.4TAALQ.L2.S1), que reflecte a essência do fundamento da indemnização de danos como aquele que nos encontramos a analisar: “Sendo certo que, nestes casos, a indemnização não visa propriamente ressarcir o lesado mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister que tal compensação seja significativa e não meramente simbólica. A jurisprudência do Supremo Tribunal vem acentuando, cada vez mais, a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, todavia, sublinhar que a indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias já enunciadas, referidas no artigo 494.º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.
Com efeito, embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado”.
No caso sub judice, e não se podendo reconduzir o problema a uma representação patrimonial correspondente a uma hipotética perda de capacidade de ganho, é inequívoco que a afectação do autor por uma lesão permanente, redutora da capacidade funcional em 5%, constitui um dano, motivador de superiores dificuldades na execução de tarefas e movimentos, de sacrifícios nessa execução, de resistência à execução de tarefas que permitam antecipar tais dificuldades.
Com efeito, apesar de curado, o A, em resultado das lesões que sofreu no acidente, ficou a padecer, no ombro direito, de tumefacção ao nível da articulação acrómio-clavicular e de ombro doloroso nos últimos graus de abdução; no antebraço e cotovelo esquerdos, de dores no terço superior da face posterior do antebraço; no joelho esquerdo, de dor à palpação na face anterior da rótula e dificuldade em ajoelhar. Não consegue realizar tarefas que impliquem a movimentação e transporte de objectos pesados, principalmente quando usa o membro superior direito, tem dificuldades em correr e não consegue permanecer muito tempo consecutivamente de pé.
Tais consequências são conaturais às lesões sofridas e, mesmo que não assumam relevo patrimonial, são suficientemente graves para justificarem a tutela do direito. Esta tutela ocorre em sede de indemnização definida segundo critérios de equidade, nos termos do disposto no nº 3 do art. 496º do C. Civil citado.
Com efeito, ponderando toda a factualidade descrita, à luz das regras indemnizatórias citadas, afigura-se-nos que a indemnização a atribuir para compensação do dano biológico em questão haverá de realizar-se em razão da sua concreta natureza de dano não patrimonial, e não enquanto dano patrimonial. E isso parece-nos tão mais compreensível quanto se atente em que a solução constante da sentença recorrida foi definida partindo do princípio que o autor, ora recorrido, sofrerá, ao longo de todo o período da sua vida útil, uma efectiva perda de remuneração, equivalente a 5% de um rendimento hipotético, quando nada se provou que permita admitir que isso pode vir a acontecer, mesmo em sede de um juízo de prognose que a ponderação de danos futuros sempre exige.
Na definição e aplicação dos referidos critérios de equidade é útil ter presente o tratamento jurisprudencial de situações congéneres, em ordem a conseguir uma tendencial homogeneidade na administração da justiça, como forma de respeitar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. Nessa tarefa, recordamos uma breve resenha jurisprudencial transposta para o proc. nº 725/11.5TVPRT.P1, em acórdão de 11/11/2014, deste Tribunal da Relação, relatado pelo Sr. Desembargador João Diogo Rodrigues, onde se mencionaram os seguintes Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 06/06/2013, proferido no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1, que confirmou a compensação anteriormente atribuída de cento e dez mil euros para os danos não patrimoniais sofridos, a um lesado com 30 anos de idade, que ficou afectado com uma incapacidade permanente genérica de 52,025 pontos;
- de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi.pt), onde foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
– de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 [ ] (www.dgsi,pt),onde foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 [ ] a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis;
– de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), onde foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;
– de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037) onde se fixou em € 40.000 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 33 anos de idade à data do acidentes, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (mas que, no caso, se traduziu em incapacidade total para o trabalho, o que também releva do ponto de vista da indemnização por danos não patrimoniais), que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo;
– de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234), no qual foi atribuída uma indemnização de € 40.000 por danos não patrimoniais a uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsto de 3%.;
– de 5 de Julho de 2007 (www.dgsi.pt, proc. nº 07A1734), onde se fixou “uma indemnização de 85 mil euros por danos morais ao lesado que, bombeiro de profissão, ficou aos 42 anos de idade definitivamente impossibilitado de exercer essa actividade por causa dum acidente de viação de que não foi culpado e cujas consequências foram, entre outras de gravidade paralela, deixar-lhe o braço esquerdo de todo inutilizado (dependurado, preso por uma cinta) até ao final dos seus dias, impossibilitando-lhe a realização, sozinho, de tarefas como vestir-se e lavar-se, e tornar-lhe o andar notoriamente claudicante por virtude da fractura duma rótula” (sumário respectivo)”.
Por todo o exposto, a título de danos não patrimoniais e à luz de critérios de equidade, sem perder de vista o tratamento jurisprudencial de situações congéneres, nos termos do nº 3 do art. 496º do C. Civil, concluímos que a indemnização do dano em causa será mais justamente conseguido por via da atribuição de uma indemnização de 12.500€.
Será, pois, esse o valor que se fixará a título de indemnização pelo dano em causa, consubstanciado pela afectação do autor por uma IPG de 5%, com base em diferente fundamentação da utilizada pelo tribunal a quo.
Cabe, por último, deixar claro que esta indemnização não compreende – não poderá compreender - antes se distinguirá e acrescerá à indemnização de outros danos morais identificados e tidos por merecedores de tutela, na sentença recorrida. Esses outros danos não patrimoniais, bem como os termos da sua indemnização, constituem igualmente objecto deste recurso, em termos que se passam a analisar, cabendo, todavia, prevenir a dupla tutela do mesmo dano.
Ao valor indemnizatório fixado acrescerão juros contados desde a presente data.
*
No tocante aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, o tribunal a quo ponderou um vasto elenco de factos, de entre os provados, que se podem resumir nos termos seguintes:
- assistência e transporte para o hospital
- dores sofridas nessa fase, inerentes às lesões que apresentava;
- sujeição a intervenções cirúrgicas e internamento por mais três dias (24 a 27/11)
- seguimento em consulta externa de ortopedia do Hospital … até Março de 2013 e sucessão de tratamentos nos serviços clínicos da R., com fisioterapia, até consolidação médico-legal das lesões, em 22/5/2013
- lesões físicas consolidadas, incluindo cicatriz cirúrgica na região posterior do antebraço com 15 cm no antebraço e cotovelo esquerdos, sendo o dano estético fixável no grau 3, numa escala de 0 a 7.
- o A. nasceu em 18 de Dezembro de 1975, pelo que tinha 36 anos, à data do acidente.
- o A. padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas, quantificáveis num grau 4, numa escala crescente de 0 a 7.
- sofreu grandes incómodos e privações.
- após a alta definitiva, o A. contínua com dores.
- era o A. uma pessoa alegre, sendo que as 18 anos de idade foi atropelado por um combóio sofrendo TCE grave e escoriações múltiplas, tendo ficado incapacitado para o trabalho
- o A sente complexos e desgosto.
- após a alta hospitalar e durante os 60 dias do período de ITA impossibilitado de realizar as suas tarefas pessoais, tais como deitar-se, levantar-se, vestir, calçar, alimentar-se e impossibilitado até de tratar da sua higiene diária, tendo tido a ajuda da irmã para realizar as referidas tarefas, sendo que um sobrinho o acompanhou aos tratamentos.
Neste segmento da decisão, o tribunal recorrido levou obviamente em conta que o dano correspondente à perda funcional do organismo do autor já fora tutelado. Assim, na vertente de dano não patrimonial, o tribunal ponderou unicamente a componente imaterial dessa mesma perda de capacidade funcional, para além de outros danos que dispensam qualquer esclarecimento, genericamente referíveis como “dores”, “dano estético”, “incómodos e privações” ou “desgosto” computando a correspondente indemnização em 9.000,00€.
Ora o apelante considera ser insuficiente essa verba, propondo como adequado o valor de 30.000,00€ para compensação desta categoria de danos na qual, repete-se, não cumpre ponderar o dano biológico inerente à IPG de 5% que, na sentença recorrida, obteve tutela enquanto dano patrimonial e que aqui obteve igualmente tutela, embora também na categoria de dano não patrimonial.
Será, pois, perante a realidade concretamente apurada nestes autos que cabe sindicar a quantificação da indemnização operada pelo tribunal recorrido.
Dessa realidade sobressai o longo período de recuperação do autor, não apenas em situação de internamento hospitalar (de 4 dias), mas em processo terapêutico, num total de cerca de seis meses. Foi sujeito a intervenção cirúrgica e fisioterapia e ficou dependente de assistência básica durante 60 dias; sofreu dores fortes, quer no momento do acidente, quer no período de recuperação, quer ainda na sua condição actual. Tem cicatrizes que lhe provocam um dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7.
Os factos que vêm de se enunciar, extraídos do conjunto mais amplo daqueles que resultaram provados, revelam uma realidade dramática, cuja subsunção à categoria de danos não patrimoniais não está minimamente posta em causa, sendo que a própria ré aceitaria a quantificação da correspondente indemnização em 9.000,00€, como fixado na sentença.
Em qualquer caso, a fixação dos valores indemnizatórios por danos não patrimoniais ocorre segundo um juízo de equidade, tal como disposto no nº 4 do art. 496º do C.Civil, sendo, a esse propósito, paradigmática a afirmação constante do Ac. do TRP de 17/7/2009 (proc. nº 1943/05.0TJVNF.P1, disponível em dgsi.pt): “O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser proporcionado à gravidade dos danos, apreciados objectivamente, sem consideração de critérios meramente subjectivos, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem estar, etc., que se pretende defender.”
Assim, no tocante aos danos não patrimoniais sob escrutínio, a ponderação de toda a factualidade provada leva-nos a ter por adequado o valor indemnizatório de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros).
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Como resulta do exposto, apreciado está já o recurso subordinado deduzido pela ré C…, S.A., que pretendia a alteração da sentença no sentido de ser absolvida quanto à indemnização de um dano patrimonial, quantificada em 8.000,00€
A discussão dessa questão mostra-se, com efeito, já realizada supra, a propósito do recurso que, sobre a mesma matéria, o autor havia oferecido.
Ora apesar de se ter considerado, em linha com o argumento da ré também recorrente, que inexistia um dano patrimonial a indemnizar, como alegado pelo autor mesmo em sede de recurso, veio a concluir-se que o teor dos prejuízos que a esse título haviam sido considerados se devia subsumir à categoria de danos não patrimoniais. Sucessivamente, o valor da correspondente indemnização foi elevado de 8.000,00€ para 12.500,00€.
Verifica-se, assim, que apesar da diferente fundamentação jurídica, não deixa de proceder parcialmente, em substância, o recurso do autor, improcedendo, pelo contrário, o recurso subordinado oferecido pela ré. Restará, tão só, enunciá-lo.
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Pelo exposto, julgar-se-á parcialmente procedente o recurso deduzido pelo autor B…, em razão do que se alterará a decisão recorrida, condenando-se a ré a pagar-lhe a quantia de 25.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, no que se compreende já a indemnização que antes havia sido conferida, pela quantia de 8.0000,00€, a título de danos patrimoniais. Sobre tal valor contar-se-ão juros desde a data deste acórdão, até integral pagamento, à taxa anual de 4%.
No mais improcederão quer o recurso do autor, quer o recurso interposto subordinadamente pela ré, em tudo o restante cabendo confirmar a decisão recorrida, incluindo o ali determinado quanto ao desconto da quantia de 1.000,00€ já paga pela ré, e o decidido quanto à indemnização de outros danos, cujos termos se não incluíam no objecto de qualquer dos recursos.
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Sumariando:
Quando, em resultado de acidente de viação, a vítima sofre lesões que afectam a sua condição psicossomática, determinando-lhe 5% de IPG, verifica-se um dano biológico.
Se o dano biológico sofrido não afecta a capacidade de ganho da vítima, nem torna previsível que, no futuro, ela venha a ter prejuízos em virtude de uma menor capacidade para o trabalho e, por essa via, para a angariação de rendimentos, designadamente por já se encontrar em situação de reforma por invalidez, será impossível identificar, um prejuízo patrimonial decorrente desse dano biológico.
Tal dano biológico poderá, não obstante, qualificar-se como dano de natureza não patrimonial, obtendo tutela jurídica à luz do respectivo regime indemnizatório.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso deduzido pelo autor B…, em razão do que, alterando em conformidade a decisão recorrida, condenam a ré a pagar-lhe a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, valor esse que, em substância, já compreende a indemnização que antes havia sido conferida, pela quantia de 8.0000,00€, a título de danos patrimoniais. Sobre tal valor contar-se-ão juros desde a data deste acórdão, até integral pagamento, à taxa anual de 4%.
No mais, julgam improcedentes quer o recurso do autor, quer o recurso interposto subordinadamente pela ré, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação do autor por este e pela ré, na proporção do decaimento; custas, no recurso subordinado, pela ré.
Registe e notifique.

Porto, 11/10/2016
Rui Moreira
Fernando Samões
Vieira e Cunha