Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6405/12.7TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
JUROS
TAXA LEGAL
Nº do Documento: RP202006166405/12.7TBVFR.P1
Data do Acordão: 06/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A atribuição da indemnização de clientela prevista no art. 33º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7. depende da verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: i) Angariação de novos clientes para a outra parte, ou aumento substancial de volume de negócios com a clientela já existente [al. a)]; ii) Benefício considerável para a outra parte, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente [al. b)]; iii) Deixar o agente de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos em a).
II - O benefício considerável a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 33º do Dec. Lei nº 178/86 obriga normalmente o tribunal a efetuar um juízo de prognose em relação aos benefícios que se espera verificarem-se num momento futuro, impondo-se, porém, que o ganho da outra parte revista alguma dimensão.
III - Se se comparar a posição da ré nos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, que antes da atividade desenvolvida pelo autor era inexistente, com a que esta aí tem depois da cessação do contrato com o autor, ter-se-á de concluir, num juízo de prognose, que a angariação e fidelização de clientela como resultado da atividade deste proporcionaram à ré uma importante vantagem, espelhada no potencial volume de negócios realizados e a realizar com aqueles clientes que, mesmo depois de terminado o contrato de agência aqui em causa, continuaram a manter relações comerciais com a ré, pelo que se tem como preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 33º do Dec. Lei nº 178/86.
IV - A determinação do montante da indemnização de clientela é feita com base num juízo de equidade, não podendo essa avaliação equitativa ultrapassar um valor equivalente a um ano de remuneração, de acordo com a média dos últimos cinco anos, ou do período de duração do contrato se for inferior.
V - A remissão para a equidade implica que no cálculo do montante da indemnização de clientela se tenha também em conta uma multiplicidade de situações, onde se referirão, por exemplo, a duração do contrato, a realização por parte do principal de contribuições facultativas para a segurança social do agente sem acordo das partes, as infrações contratuais que o agente tenha praticado durante o contrato, a contribuição da publicidade desenvolvida pelo principal para a atividade do agente, a força atrativa da marca dos produtos comercializados pelo principal, etc.
VI - Se na petição inicial se peticiona que as quantias pecuniárias em que se pretende a condenação da ré sejam acrescidas de juros à taxa legal, não se pode entender que com a utilização desta redação se visou apenas a consideração da taxa de juro civil.
VII - Tanto os juros comerciais como os juros civis são juros legais, de tal forma que a consideração na sentença da taxa de juro comercial, face à natureza comercial do contrato em apreciação, não consubstancia nulidade da sentença por condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido [art. 615º, nº 1, al. e) do CPC].
(da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 6405/12.7TBVFR.P1
Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1
Apelação
Recorrente: “B…, SA”
Recorrido: C…l
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e José Igreja Matos
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor C…, residente na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Ovar, instaurou a presente acção declarativa, então sob a forma de processo sumário, contra a ré “B1…, Lda.”, com sede na Rua …, n.ºs .., Apartado …, freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, pedindo que se reconheça que:
- entre o autor e a ré vigorou um contrato de agência entre 1970 e 2011;
- a comissão acordada entre a autora e a ré era de 8% sobre todos os fornecimentos intermediados pelo primeiro, e que correspondia à remuneração do autor, enquanto agente comercial da ré;
- a ré, em 28.9.2011, denunciou unilateralmente o aludido contrato de agência, sem proceder ao pré-aviso legalmente estabelecido;
- a ré ainda hoje mantém relações comerciais com os clientes angariados pelo autor, continuando a beneficiar do trabalho desenvolvido por este;
- o autor tem direito a receber da ré uma indemnização por denúncia do contrato sem pré-aviso, nos termos do disposto nos arts. 28º a 29º do Dec. Lei n.º 178/86, de 3.7.;
- o autor tem direito a receber da ré uma indemnização de clientela, nos termos do disposto nos arts. 33º e 34º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7.;
- o autor tem direito a receber as comissões vencidas relativas aos fornecimentos por si promovidos, e que são os referidos na petição inicial e que não foram pagos;
Em consequência, peticiona que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 17.320,65€ - 6.132,70€ relativos a comissões; 9.237,25€ de indemnização de clientela e 1.770,70€ de indemnização por denúncia do contrato de agência com falta de pré-aviso -, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, e em suma, alegou que a partir de 1970 por acordo verbal com a ré se comprometeu a promover, por conta e sob a orientação principal desta, a celebração de contratos, de modo autónomo, estável e mediante retribuição com base no volume de negócios que conseguisse, numa percentagem ou comissão de 8%.
Desde então até 2011 que o autor exerceu tais funções, tendo angariado diversos clientes para a ré inicialmente na Madeira, Açores, Cabo Verde e Guiné-Bissau e, posteriormente, a partir de 1990, também nas ilhas Canárias, sendo que a partir de 2004 passou, exclusivamente, a trabalhar com os mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau.
No desenvolvimento e cumprimento dessa actividade, angariou cerca de 23 clientes para a ré nos mercados de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, os quais ainda hoje se mantêm.
Contudo, a ré não pagou as comissões referentes ao ano de 2011, no valor de 2.226,94€, referente às duas faturas/recibos nºs …, de 7.10.2011 e 318 de 23.12.2011, bem como comissões no valor global de 4.085,76€ referente aos fornecimentos efectuados aos clientes identificados no art. 76.º da petição inicial, no total de 51.072,72€ e por eles integralmente liquidados.
De igual modo, viu a ré denunciar a relação contratual existente, em 28.9.2011, passando os clientes que aparentemente mantinha como agente comercial a ser visitados por outro agente entretanto contratado pela ré, colocando, desta forma, termo ao vínculo contratual existente, sem que tenha sido observado o prazo de aviso prévio.
Reclama também a indemnização de clientela, tendo por referência a margem líquida auferida pelo Autor no período quinquenal compreendido entre os anos de 2007 a 2011, no total de 46.186,28€, perfazendo, assim, a quantia de 9.237,25€, resultante da média anual das remunerações recebidas durante esse hiato temporal.
Regularmente citada, a ré ofereceu contestação e deduziu reconvenção, alegando, em síntese, a ineptidão da petição inicial e impugnando a factualidade alegada nesse articulado inicial, questionando a qualificação do contrato como sendo de agência por ausência dos seus requisitos legais, bem como a alegada denúncia do contrato – configurando-a como uma alteração no trabalho do autor -, pugnando, assim, pela improcedência da acção.
Formula, ainda, pedido reconvencional, no qual reclama a condenação do autor/reconvindo a pagar-lhe a quantia de 10.630,17€, resultante de uma assunção de dívida em relação ao fornecimento que a ré efetuou ao cliente “D…, Lda.”, o qual não foi até ao momento cobrado.
O autor/reconvindo ofereceu articulado de resposta, no qual se pronuncia pela improcedência da invocada exceção de ineptidão da petição inicial, reitera o por si alegado na petição inicial e no que concerne ao pedido reconvencional sustenta a inadmissibilidade deste, invoca a exceção da prescrição do alegado direito de crédito do réu/reconvinte, o pagamento do fornecimento ao cliente “D…, Lda.” e a ausência de qualquer assunção de responsabilidade por parte do autor quanto ao pagamento do referido fornecimento.
Conclui, assim, pela improcedência do pedido reconvencional e requer a condenação do réu/reconvinte como litigante de má-fé em multa e indemnização de montante nunca inferior a 2.500,00€.
Na sequência do convite que lhe foi endereçado o réu/reconvinte veio aperfeiçoar a sua contestação/reconvenção.
Procedeu-se à elaboração de despacho saneador, onde foi admitido o pedido reconvencional, se julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e foram enunciados os factos assentes e a base instrutória.
Posteriormente, por despacho constante de fls. 228 foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada.
Realizou-se audiência de julgamento com observância de todo o formalismo legal.
Foi depois proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Reconheceu que:
- entre o autor e a ré vigorou um contrato de agência entre o início da década de 1970 e 2011;
- a comissão acordada entre a autora e a ré era de 8% sobre todos os fornecimentos intermediados pelo primeiro, e que correspondia à remuneração do autor, enquanto agente comercial da ré;
- a ré, em 28.9.2011, denunciou unilateralmente o aludido contrato de agência, sem proceder ao pré-aviso legalmente estabelecido;
- a ré ainda hoje mantém relações comerciais com clientes angariados pelo autor, continuando a beneficiar do trabalho desenvolvido por este;
- o autor tem direito a receber da ré uma indemnização por denúncia do contrato sem pré-aviso, nos termos do disposto nos arts. 28.º a 29.º do Dec. Lei n.º 178/86, de 3.7.;
- o autor tem direito a receber da ré uma indemnização de clientela, nos termos do disposto nos arts. 33.º e 34.º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7.;
- o autor tem direito a receber as comissões vencidas relativas aos fornecimentos por si promovidos e que não foram pagos;
2. Condenou a ré a pagar ao autor as quantias de:
a) - 2.085,80€, a título de comissão, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a contar desde a citação (23-12-2013), calculados à taxa de juro comercial que vigorar ao longo de cada semestre, até efetivo e integral pagamento.
b) - 5.000,00€, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora, a contar desde a data da presente sentença, calculados às taxas de juros comerciais vigentes ao longo de cada semestre até efetivo e integral pagamento.
c) - 1.770,69€, a título de indemnização pela inobservância de pré-aviso, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
II – Absolveu a ré do demais peticionado.
III – Absolveu o autor/reconvindo do pedido reconvencional contra si deduzido.
IV – Absolveu a ré/reconvinte do pedido de litigância de má-fé contra si deduzido.
Inconformada com o decidido, interpôs recurso de apelação a ré que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
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Pretende assim a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou a ação procedente e, em consequência, reconheceu que a ré ainda hoje mantém relações comerciais com clientes angariados pelo autor, continuando a beneficiar do trabalho desenvolvido por este, e que o autor tem direito a receber da ré uma indemnização de clientela, nos termos do disposto nos arts. 33.º e 34.º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7. Pretende também a sua revogação na parte em que condenou a ré no pagamento da quantia de 5.000,00€, a título de indemnização de clientela, bem como no pagamento de juros de mora calculados às taxas de juros comerciais vigentes ao longo de cada semestre até efetivo e integral pagamento.
O autor apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
A Mmª Juíza “a quo”, para os efeitos do art. 617º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, proferiu o seguinte despacho:
“Tendo sido suscitada a nulidade da sentença com fundamento no disposto no art. 615.º, n.º 1, al.º e) do Novo Código de Processo Civil, cumpre apreciá-la no presente despacho.
Nos termos do disposto na al. e) do citado normativo legal é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Tal normativo legal refere-se à condenação ultra petitum, a qual resulta da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, de harmonia com o qual o juiz não pode ultrapassar na sentença os limites do pedido, desviando-se do pedido do dispositivo.
No caso em apreço, o apontado vício centra-se no pedido feito sob o número 8. da petição inicial, mormente no segmento em que o Autor peticiona a condenação da Ré no pagamento de “juros à taxa legal”, os quais, de acordo com o entendimento do ora recorrente apenas estariam circunscritos à taxa de juro civil, pelo que a sentença ao condenar no pagamento dos juros comerciais cometeu a invocada nulidade.
Salvo melhor opinião, não ocorre a apontada nulidade, porquanto o juiz, embora balizado na decisão das questões formuladas pelas partes ao pedido e à causa de pedir, é livre no que tange à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do Novo Código de Processo Civil).
Deste modo, o mero pedido de condenação dos “juros à taxa legal” - a que se contrapõem os juros convencionais – tanto pode configurar, nos termos do art. 559.º do Código Civil e do art. 102.º, § 3, do Código Comercial, os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo que fixa a taxa de juro (legal) em vigor, dependendo a sua aplicação em função da natureza da dívida (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2016, processo 1665/06.5TBOVR.P2.S1, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, entendemos inexistir a invocada nulidade.”
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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As questões a decidir são as seguintes:
I Atribuição e montante da indemnização de clientela;
IIFixação de juros comerciais/nulidade de sentença.
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OS FACTOS
É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comércio de ferragens, com vista à exportação.
2. Por acordo verbal realizado entre o A e a ora Ré, acordaram as partes que o A., a partir do início da década de 1970 e por tempo indeterminado, promoveria por conta e sob a orientação principal da Ré, a celebração de contratos, de modo autónomo e estável.
3. E mediante retribuição com base no volume de negócios que conseguisse, numa percentagem ou comissão de 8%.
4. Tal acordo foi mantido e o A. exerceu tais funções na Ré entre o início da década de 1970 e 2011.
5. Angariando contratos de fornecimento/venda que depois eram celebrados directamente entre a própria Ré e os clientes com quem o A. promovia os referidos contratos.
6. Cabia ao A., nos termos do acordado com a Ré, angariar clientes na Madeira, Açores, Cabo Verde e Guiné-Bissau e, posteriormente, a partir de 1990, também nas Ilhas Canárias e preparar os negócios que seriam celebrados entre a Ré e esses clientes.
7. Em 1990 o A. deixar de trabalhar os mercados da Madeira e Açores e posteriormente deixou de trabalhar o mercado das Ilhas Canárias, tendo-se dedicado, a partir de então, exclusivamente, aos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau.
8. O A. angariou para a Ré cerca de 13 clientes em Cabo Verde e Guiné-Bissau, designadamente, E…, F…, SARL, G…, Lda. e H…, SA, na Ilha da Praia, em Cabo Verde, I…., J…, K…, L…, Lda. e M…, Lda., na Ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, N… e Sociedade Comercial O…, Lda., na Ilha do Sal, em Cabo Verde, e ainda, P…, Lda. e Q…, Lda, na Guiné-Bissau.
9. Dos quais hoje ainda se mantêm clientes, F…, SARL, H…, SA, na Ilha da Praia, em Cabo Verde, N… e Sociedade Comercial O…, Lda., na Ilha do Sal, em Cabo Verde, e ainda, P…, Lda. na Guiné-Bissau, a quem a Ré passou a vender os seus produtos, o que hoje ainda acontece.
10. O Autor aumentou o volume da Ré no arquipélago de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, até então inexistente, representando numa fase inicial 5% do valor total de facturação da Ré e 1% em 2011.
11. O A. foi o principal impulsionador do crescimento e desenvolvimento da Ré junto do mercado externo, tendo conseguido a totalidade do volume de vendas daquela em Cabo Verde e Guiné-Bissau, até 2011.
12. E por força do acordo que celebrou com a Ré, esta cresceu no mercado de Cabo Verde e da Guiné Bissau.
13. A Ré enviou ao A. a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 20, datada de 28/09/2011.
14. A Ré enviou ao A. a carta referida em 13, pretendendo que o A. suportasse o valor de um fornecimento não pago pelo cliente S…, vencido há mais de 15 anos, no valor de €10.630,17.
15. Somente a partir de Janeiro de 2012, é que os vendedores/agentes da Ré passaram a ver penalizadas as suas comissões com a não regularização das facturas por parte dos clientes, nos termos do documento de fls. 22.
16. Após o envio da carta referida em 13., os clientes, F…, SARL e Sociedade Comercial O…, Lda., em Cabo Verde, e P…, Lda. na Guiné-Bissau, passaram a ser visitados pelo Sr. T…, contratado para o efeito pela Ré.
17. Não mais conseguindo o A. intermediar negócios entre tais clientes e a aqui Ré.
18. O A. promoveu vendas efectivas em 2010 e 2011, a que correspondia o pagamento das respectivas comissões ao A., no valor de 8%.
19. As comissões eram pagas pela Ré ao A por meio de cheque ou em numerário.
20. Após boa cobrança do cheque ou entrega do numerário, o A. emitia uma factura/recibo comprovativo da liquidação.
21. Em 2007 o A. recebeu da Ré, a título de comissões, a quantia de €1.368,83 (mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), tendo o A emitido os respectivos recibos comprovativos do pagamento de tal valor, incluindo IVA e IRS, que foi retido na fonte.
22. Nesse mesmo ano de 2007, além dessas comissões, o A. recebeu ainda comissões no valor de €3.208,45.
23. No ano de 2008 recebeu da Ré, a título de comissões, a quantia de €3.365,06 (três mil trezentos e sessenta e cinco euros e seis cêntimos), tendo o A emitido os respectivos recibos comprovativos do pagamento de tal valor, incluindo IVA e IRS, que foi retido na fonte.
24. Nesse mesmo ano de 2008, além dessas comissões, o A. recebeu ainda comissões no valor de €4.831,19.
25. A que acresceram as comissões montante de €8.666,90, pagas pela Ré em 14.09.2009.
26. Em 2010 o A. recebeu da Ré, a título de comissões, a quantia de €3.757,20 (três mil setecentos e cinquenta e sete euros e vinte cêntimos), correspondente a 8% do valor global das quatro facturas emitidas pela Ré, cujos fornecimentos no valor global de €46.965,02 foram intermediados pelo A.
27. A que acresceram as comissões no montante de €3.325,62, pagas pela Ré em 19.04.2010.
28. Em 2011 o A. recebeu da Ré, a título de comissões, a quantia de €1.589,80 (mil quinhentos e oitenta e nove euros e oitenta cêntimos), tendo o A. emitido o respectivo recibo comprovativo do pagamento de tal valor, incluindo IVA e IRS, que foi retido na fonte.
29. A que acresceram as comissões no montante de €1.056,87, pagas pela Ré, correspondente a 8% do valor global de duas facturas emitidas pela Ré e cujos fornecimentos no valor global de €13.210,88, foram intermediados pelo A.
30. O A. intermediou, ainda, os negócios titulados pela:
a) factura no valor de €15.450,00, emitida ao cliente P…, Lda.;
b) factura no valor de €10.622,56, emitida ao cliente N…, todas de 2011.
31. E cujos montantes equivalem a comissões no valor global de €2.085,80, acrescida de IVA e deduzida de IRS.
32. Todos os fornecimentos indicados em 30 encontram-se integralmente liquidados pelos clientes da Ré.
33. A retribuição média mensal auferida pelo A. em 2010 foi de €590,23 (quinhentos e noventa euros e vinte e três cêntimos).
34. Após o referido em 16 e 17, a Ré continuou a beneficiar da actividade do A., pois continuou a vender directamente a esses mesmos clientes.
35. Nos termos constantes do documento de fls. 95, em 19/09/1978, a R. comprometeu-se perante o A. a conceder-lhe a representação dos artigos de seu fabrico, concedendo-lhe a comissão de 8% sobre as vendas, tendo ficado estabelecido que a liquidação do produto da comissão seria efectuada logo após a cobrança do fornecimento.
36. Comprometendo-se a Ré a pagar sempre a citada comissão, sobre os pedidos, quer ele fossem transmitidos pelo A., quer directamente pelos clientes.
37. A R. dispõe de vários comissionistas.
38. O Sr. T… foi credenciado para o mercado de Cabo Verde.
39. O A. intermediou ao cliente “D…, Lda.” um fornecimento no valor de €4.128, 63, relativo à factura n.º ….., de 18/01/1993, com vencimento em 18/04/1993 e de um outro relativo à factura n.º ….., de 18/01/1994, com vencimento em 17/02/1994, no valor de €6.501,54.
40. A partir de Outubro de 2011 a Ré deixou de facultar ao A. amostras e fichas técnicas do produtos, deixou de pedir a sua colaboração nas feiras do sector, deixou de lhe dar instruções, deixou de o convocar para reuniões, deixou de o contactar telefonicamente, por email ou fax, etc, o que se mantém até hoje.
41. E os seus clientes passaram a ser visitados por outro representante daquela, o qual os informou que o A. já não era seu colaborador, o que sucedeu quer no mercado de Cabo Verde, quer no mercado da Guiné-Bissau.
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Não foram dados como provados os seguintes factos:
a) – Todos os fornecimentos que a Ré fez foram pagos por todos os clientes aludidos em 8.
b) – A Ré atinge actualmente um volume de vendas, pelo menos, de dois milhões de euros de facturação anual.
c) - O A. intermediou ainda os negócios plasmados nos documentos de fls. 69/70, do ano de 2011 e que correspondem a uma comissão a seu favor no montante de €2.226,94.
d) - As facturas/recibos atinentes à comissão devida pelos negócios plasmados nos documentos de fls. 69/70 só foram entregues pelo A. à Ré por força da confiança que o A. depositava na Ré atenta a longa relação profissional existente entre ambos e na expectativa da sua liquidação.
e) – O A. intermediou os negócios titulados pela:
a) factura no valor de €8.976,00, emitida ao cliente F…, SARL;
b) factura no valor de €4.101,16, emitida ao cliente Drogaria J…;
c) factura no valor de €3.513,00, emitida ao cliente U…, Lda.;
d) factura no valor de €8.409, 35, emitida ao cliente H…, SA, todas de 2011.
f) - Os mercados referidos em 6. já eram fornecidos pela Ré antes de ter celebrado qualquer acordo com o A..
g) - Porque o primeiro fornecimento, titulado pela factura n.º …., não havia sido pago e porque não é prática da R. continuar a fornecer os clientes que têm facturas vencidas por liquidar, a R. informou o A. que não ia efectuar o segundo fornecimento.
h) - Em 14 de Dezembro de 1993, na sede da A., perante o Sr. X…, sócio-gerente da R., e perante os funcionários V… e W…, o A. insistiu com a R. para realizar o segundo fornecimento, comprometendo-se ao pagamento da dívida de “D…, Lda.” e assegurando que se o cliente não pagasse pagava ele (A.).
i) - E só porque o A. assumiu este compromisso é que a Ré aceitou enviar o segundo dos fornecimentos.
j) - Desde Setembro de 1978 a R. ficou sem receber o montante de €120.668,87 dos clientes angariados pelo A.
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Ficou ainda consignado que não resultaram apurados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, tendo-se expurgado a demais matéria alegada por conter juízos de valor e considerações de direito.
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O DIREITO
I - Atribuição e montante da indemnização de clientela
1. No caso “sub judice”, face ao que consta da factualidade provada (nºs 2 a 8), não se mostra questionada em sede recursiva a qualificação do contrato celebrado entre o autor e a ré como contrato de agência.
A discordância da ré relativamente ao decidido em 1ª Instância centra-se, em primeira linha, na atribuição ao autor de indemnização de clientela no montante de 5.000,00€, por entender não estarem preenchidos os requisitos de verificação cumulativa previstos no art. 33º, nº 1 do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7., mais concretamente o que se mostra referido na sua alínea b).
Dispõe-se o seguinte neste artigo:
«1. Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:
a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente;
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).
(…)».
2. A indemnização de clientela no âmbito do contrato de agência tem na ordem jurídica carácter singular, na medida em que os benefícios resultantes de uma relação contratual extinta não dão normalmente origem a uma obrigação de compensação à custa da parte que auferiu esses benefícios.[1]
Com efeito, esta indemnização visa, essencialmente, compensar o agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Ou seja, é o ressarcimento de uma mais-valia acrescida colocada ao serviço do principal, criada ou incrementada pelo esforço do agente, e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar, como, por exemplo, por falta ou insuficiência de pré-aviso ou por violação do contrato pelo principal.[2]
Tal como se afirma na sentença recorrida, “pese embora o seu nome – indemnização de clientela -, esta compensação não se configura como uma verdadeira indemnização, até porque não está dependente da prova, pelo agente, dos danos sofridos, relevando, antes, os benefícios proporcionados à outra parte. Ou seja, mesmo que o agente não sofra um prejuízo específico justifica-se essa compensação pelos benefícios que a outra parte venha a conseguir, independentemente de eles já se terem verificado, bastando a possibilidade de eles virem a ocorrer.”
3. O primeiro pressuposto da atribuição da indemnização de clientela [alínea a)] é a angariação de novos clientes para a outra parte, ou aumento substancial de volume de negócios com a clientela já existente. Por isso, tem-se falado numa “transferência de clientela” do agente para o principal[3], dado que a clientela de que este beneficia vem a ser adquirida em resultado da prestação do agente.
Essa “transferência de clientela” ou aumento da procura da empresa do principal desencadeada pelo agente pode ocorrer por duas vias: ou por uma angariação de novos clientes para a outra parte, ou por um aumento substancial de volume de negócios com a clientela já existente. Em ambos os casos existe normalmente um aumento real do volume de negócios da empresa, já que o agente ou angaria novos clientes ou convence os existentes a celebrar novos contratos.[4]
4. O segundo pressuposto da indemnização de clientela [alínea b)] é a existência de um benefício considerável para a outra parte, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente. Trata-se de um pressuposto essencial, já que o fundamento da indemnização de clientela é o facto de a atividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte após a extinção dessa relação, justificando assim a compensação do agente. Se o principal não continua a obter benefícios após a extinção do contrato não se justifica atribuir indemnização de clientela ao agente.
Esta norma, no entanto, coloca um problema, que diz respeito ao facto de os benefícios consideráveis para a outra parte ainda não se terem efetivamente verificado no momento da cessação do contrato, obrigando normalmente o tribunal a efetuar um juízo de prognose em relação aos benefícios que se espera verificarem-se num momento futuro.[5] Contudo, conforme escreve Luís Menezes Leitão (in “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, Almedina, 2006, pág. 52), essa prognose “não é (…) difícil de estabelecer, já que os contratos intermediados normalmente se traduzem num benefício efectivo para o principal, permitindo-lhe obter um lucro líquido dessa relação, o qual é considerado como benefício.”
Todavia, é de salientar que para o preenchimento deste requisito não basta qualquer benefício, uma vez que se exige especificamente um benefício considerável, o que implica que o ganho do principal tem que revestir alguma dimensão.[6]
5. Por último, como terceiro pressuposto da indemnização de clientela exige-se que o agente deixe de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os referidos clientes. Explica-se este pressuposto pelo facto de que, a ser atribuída ao agente direito à comissão por estes contratos, este adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essa comissão, extravasando esta assim das suas funções de indemnização.[7]
6. Na sentença recorrida, perante a factualidade dada como provada, a Mmª Juíza “a quo” considerou preenchidos os pressupostos da atribuição da indemnização de clientela.
Escreveu esta que “tal factualidade não pode deixar de expressar que o Autor desenvolveu um importante papel na angariação de clientes para a Ré, a qual continua a colher os seus benefícios, porquanto continua a manter relações comerciais e a celebrar contratos de compra e venda com clientes angariados pelo autor. Deste modo, resultando provado que o Autor, por conta da ré, impulsionou as vendas num mercado onde, até à sua intervenção, a Ré não tinha implantação, angariando cerca de treze clientes, é possível concluir que fruto da sua actividade aumentou substancialmente o número de contratos de compra e venda, e que continuando alguns desses clientes a estabelecer relações comerciais com a Ré, não se pode deixar de considerar que a Ré beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente, verificando-se, assim, o requisito da al. b) do art. 33º do diploma legal em análise, porquanto existiu uma angariação de cliente acompanhada da sua fidelização mesmo depois da vigência do contrato.[8]
Por fim, resulta igualmente pacífico que o agente, após a cessação do contrato deixou de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com os clientes que angariou ou com a clientela já existente cujo volume de negócios aumentou.”
7. A ré, nas suas alegações de recurso, entende que o autor não alegou nem provou factos que permitam quantificar e caracterizar a clientela, diferenciar os negócios eventualmente celebrados ou perspectivados celebrar, de forma a se poder concluir que a ré teve um benefício considerável após a cessação do contrato, devido à atividade desenvolvida pelo autor, o que significa não se poder considerar como verificado o requisito da al. b) do nº 1 do art. 33º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7.
A dimensão do “benefício considerável”, conforme escreve Luís Menezes Leitão (in “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, Almedina, 2006, págs. 52/53), “é determinada por comparação da extensão e duração dos negócios angariados pelo agente com outros negócios do principal em que ele não tenha tido intervenção. Não é, no entanto, relevante o resultado final da exploração do principal, uma vez que ele pode ter prejuízos globais com o negócio, mas beneficiar especificamente da atividade do agente.”
“O benefício considerável para o principal deixará de se verificar a partir do momento em que este perca os clientes, sendo que essa perda pode mesmo ser causada pelo agente, se este se mantiver, após o contrato, em concorrência com o principal e proceder ao desvio de clientes que anteriormente tinha angariado.”[9]
Da matéria de facto dada como provada decorre o seguinte:
- Por acordo verbal realizado entre o autor e a ora ré, acordaram as partes que o autor, a partir do início da década de 1970 e por tempo indeterminado, promoveria por conta e sob a orientação principal da ré, a celebração de contratos, de modo autónomo e estável [nº 2];
- E mediante retribuição com base no volume de negócios que conseguisse, numa percentagem ou comissão de 8% [nº 3];
- Tal acordo foi mantido e o autor exerceu tais funções na ré entre o início da década de 1970 e 2011 [nº 4];
- Angariando contratos de fornecimento/venda que depois eram celebrados diretamente entre a própria ré e os clientes com quem o autor promovia os referidos contratos [nº 5];
- Cabia ao autor, nos termos do acordado com a ré, angariar clientes na Madeira, Açores, Cabo Verde e Guiné-Bissau e, posteriormente, a partir de 1990, também nas Ilhas Canárias e preparar os negócios que seriam celebrados entre a Ré e esses clientes [nº 6];
- Em 1990 o autor deixou de trabalhar os mercados da Madeira e Açores e posteriormente deixou de trabalhar o mercado das Ilhas Canárias, tendo-se dedicado, a partir de então, exclusivamente, aos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau [nº 7];
- O autor angariou para a ré cerca de 13 clientes em Cabo Verde e Guiné-Bissau, designadamente, E…, F…, SARL, G…, Lda. e H…, SA, na Ilha da Praia, em Cabo Verde, I…, Drogaria J…, Drogaria K…, L…, Lda. e M…, Lda., na Ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, N… e Sociedade Comercial O…, Lda., na Ilha do Sal, em Cabo Verde, e ainda, P…, Lda. e Q…, Lda, na Guiné-Bissau [nº 8];
- Dos quais hoje ainda se mantêm clientes, F…, SARL, H…, SA, na Ilha da Praia, em Cabo Verde, N… e Sociedade Comercial O…, Lda., na Ilha do Sal, em Cabo Verde, e ainda, P…, Lda. na Guiné-Bissau, a quem a ré passou a vender os seus produtos, o que hoje ainda acontece [nº 9];
- O autor aumentou o volume da ré no arquipélago de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, até então inexistente, representando numa fase inicial 5% do valor total de faturação da ré e 1% em 2011 [nº 10];
- O autor foi o principal impulsionador do crescimento e desenvolvimento da ré junto do mercado externo, tendo conseguido a totalidade do volume de vendas daquela em Cabo Verde e Guiné-Bissau, até 2011 [nº 11];
- E por força do acordo que celebrou com a ré, esta cresceu no mercado de Cabo Verde e da Guiné Bissau [nº 12].
Nesta factualidade, destaca-se ter o autor passado a trabalhar, em exclusivo, depois de 1990, nos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, onde angariou para a ré treze clientes, dos quais, após a cessação do contrato de agência, se mantém cinco clientes. Resulta também que o autor foi o principal impulsionador do crescimento e desenvolvimento da ré no mercado externo e mais concretamente naqueles dois mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, onde esta antes era inexistente, e que numa fase inicial o volume dos seus negócios, aí, chegou a atingir 5% do total da sua faturação, sendo em 2011 de 1%. Acresce ainda que até 2011 a totalidade do volume das vendas nestes dois mercados se deveu à atividade do autor.
Ora, destes factos transparece, de forma evidente, o papel absolutamente decisivo que o autor desempenhou no desenvolvimento dos negócios da ré no mercado externo e, em particular, nos referidos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, sendo que os efeitos dessa sua atividade subsistiram mesmo depois da cessação do contrato, uma vez que a ré continua a manter relações comerciais com alguns dos clientes angariados pelo autor, vendendo-lhes os seus produtos.
Assim, se compararmos a posição da ré nos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, que antes da atividade desenvolvida pelo autor era inexistente, com a que esta aí tem depois da cessação do contrato com o autor, teremos forçosamente de concluir, num juízo de prognose, que a angariação e fidelização de clientela como resultado da atividade deste proporcionaram à ré uma importante vantagem, espelhada no potencial volume de negócios realizados e a realizar com aqueles clientes que, mesmo depois de terminado o contrato de agência que aqui se aprecia, continuaram a manter relações comerciais com a ré.[10]
Nesse juízo de prognose, a atividade desenvolvida pelo autor, mesmo depois da cessação do seu vínculo contratual, traduz-se num benefício considerável para a ré, razão pela qual se deverá ter como preenchido o pressuposto da alínea b) do nº 1 do art. 33 do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7., único cuja verificação se mostra questionada em sede recursiva.
Como tal, em sintonia com a sentença recorrida, entendemos que assiste ao autor direito à indemnização de clientela.
8. A ré/recorrente, porém, questiona também o montante indemnizatório que, nesta sede, foi atribuído na sentença recorrida – 5.000,00€ -, pretendendo que este seja reduzido ao montante de 2.397,68€.
Reportando-se ao cálculo da indemnização o art. 34º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7. estatui o seguinte:
«A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor
Desta norma resulta simultaneamente uma remissão para a equidade e a determinação de um limite máximo de indemnização, não podendo a avaliação equitativa ultrapassar esse limite.[11]
A indemnização de clientela, conjugando esta disposição com o anteriormente apreciado art. 33º do Dec. Lei nº 178/86, deve ser calculada com base quer no cômputo das perdas sofridas pelo agente em resultado da extinção do contrato, quer na avaliação dos benefícios que o principal continua a auferir em resultado dessa actividade, devendo ser equitativamente fixada entre esses dois valores. O cálculo aponta assim para uma prognose, quer dos benefícios auferidos pelo principal, quer das perdas sofridas pelo agente.[12]
Todavia, a remissão para a equidade implica que no cálculo do montante indemnizatório, para além destes vectores, se tenha também em conta uma multiplicidade de outras situações, onde se referirão, por exemplo, a duração do contrato, a realização por parte do principal de contribuições facultativas para a segurança social do agente sem acordo das partes, as infrações contratuais que o agente tenha praticado durante o contrato, a contribuição da publicidade desenvolvida pelo principal para a atividade do agente, a força atrativa da marca dos produtos comercializados pelo principal, etc.[13]
De qualquer modo, o limite máximo da indemnização está sempre balizado por um ano de remuneração, de acordo com a média dos últimos cinco anos, ou do período de duração do contrato se for inferior. Sucede que o agente não tem automaticamente direito a tal montante, correspondendo este tão-só ao máximo que teoricamente lhe poderia ser conferido em resultado do cálculo equitativo acima referido.[14]
9. Regressando ao caso dos autos, verifica-se que a Mmª Juíza “a quo”, tendo como referência o período temporal compreendido entre 28.9.2007 e 28.9.2011 e com apoio na factualidade dada como assente nos nºs 21 a 29, concluiu que a média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos ascendeu a 6.223,98€ [31.169,92€:5].
Considerou depois que o autor angariou cerca de treze clientes em Cabo Verde e Guiné-Bissau, onde foi pioneiro, pois a ré não tinha aí implantação e que promoveu os seus produtos durante mais de três décadas, existindo ainda um leque de clientes que continuam a comprar produtos à ré.
Assim, atendendo a estes factores e tomando como limite máximo indemnizatório o valor acima indicado – 6.223,98€ -, entendeu a Mmª Juíza “a quo” ser justo e equitativo balizar a indemnização em cerca de 80% deste valor máximo, com o que fixou o seu montante em 5.000,00€.
10. Ora, a ré/recorrente, aceitando a fixação da média anual das remunerações recebidas pelo agente em 6.223,98€, considerou, porém, que no cômputo da indemnização de clientela se deveria ter em linha de conta a circunstância de apenas cinco clientes se terem mantido, o que a levou a sustentar que a importância indemnizatória em causa deveria ser reduzida a 5/13 de 6.223,98€, fixando-se assim em 2.397,68€.
Não concordamos com a posição defendida pela ré/recorrente, desde logo porque há uma multiplicidade de factores que o apelo à equidade feito no art. 34º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.7. leva a que sejam tomados em consideração.
E aí, conforme já referido na sentença recorrida, assumem o maior relevo a duração da relação contratual entre o autor e a ré que se prolongou por cerca de quarenta anos, bem como a circunstância de o autor ter sido pioneiro na angariação de clientes para a ré nos mercados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, tendo, inclusive, conseguido a totalidade do volume de vendas desta nestes dois mercados até 2011.
Neste contexto, e tendo sempre na devida conta que a fixação da indemnização de clientela se concretiza com recurso à equidade, entendemos, tal como a 1ª Instância, ser equilibrado fixá-la na importância de 5.000,00€, que corresponde a cerca de 80% do valor máximo permitido pelo art. 34º do Dec. Lei nº 178/86.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.[15]
*
II - Fixação de juros comerciais/nulidade de sentença
1. A ré/recorrente, em sede recursiva, vem ainda sustentar que ocorre nulidade de sentença por força do disposto nos arts. 609º, nº 1 e 615º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil, uma vez que nesta se verificou condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido.
Com efeito, na petição inicial foi pedida a condenação da ré em determinadas quantias pecuniárias, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento e na sentença recorrida esta foi condenada no pagamento de juros calculados à taxa de juro comercial que vigorar ao longo de cada semestre e também até efetivo e integral pagamento.
A condenação da ré no pagamento de juros comerciais, quando foram peticionados juros à taxa legal, significaria, na perspetiva da ré, condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido.
Vejamos então.
2. O art. 609º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estabelece que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir» e, verificando-se tal situação, ocorre nulidade de sentença conforme prescreve o art. 615º, nº 1, al. e) do mesmo diploma.
Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida.[16]
Assim, o juiz não pode condenar o réu a pagar quantia superior à que foi pedida, ainda que os autos forneçam prova cabal e exaustiva de que o réu deve ao autor uma quantia superior à peticionada. E também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto, se o pedido respeita à entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu.[17]
3. Regressando ao caso “sub judice”, logo se terá de concluir pela não verificação da nulidade arguida pela ré.
É certo que o autor na petição inicial, ao formular o pedido de condenação da ré no pagamento de diversas quantias pecuniárias, peticionou também que estas seriam acrescidas dos “juros à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”, pretendendo, por isso, a ré/recorrente que, ao utilizar-se esta redação, se visava apenas a consideração da taxa de juro civil, de 4%, conforme prescrito pelo art. 559º do Cód. Civil e pela Portaria nº 291/2003, de 8.4.
Contudo, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, a que se refere o art. 102º, § 3º, do Cód. Comercial, sendo ambos aprovados por portaria conjunta do Governo.
Como tal, não pode interpretar-se como limitada pelo princípio do dispositivo a referência na petição inicial aos juros legais como respeitando apenas aos juros civis correspondentes à taxa de 4%, antes constituindo boa interpretação do pedido e correta qualificação jurídica da situação, a sujeição dos montantes pecuniários objeto da condenação às taxas de juros comerciais sucessivamente aplicáveis.[18]
Solução que é, de resto, caucionada pelo art. 5º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, que estatui não estar o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e também pela circunstância, já aflorada, de no caso dos autos estarem em apreciação obrigações provenientes de um contrato celebrado entre uma sociedade comercial e um agente comercial, daí decorrendo a sua inequívoca natureza comercial.
Consequentemente, também neste segmento, improcede o recurso interposto, daí fluindo a integral confirmação do decidido em 1ª Instância.
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Sumário
(da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré “B…, SA” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da ré/recorrente.

Porto, 16.6.2020
Rodrigues Pires
Márcia Portela
José Igreja Matos
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[1] Cfr. Luís Menezes Leitão, “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, Almedina, 2006, pág. 11.
[2] Cfr. Pinto Monteiro, “Contrato de Agência”, Almedina, 8ª ed., pág. 142.
[3] Cfr. Carlos Barata, “Sobre o Contrato de Agência”, Almedina, pág. 91.
[4] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 45.
[5] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 52.
[6] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 52.
[7] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 54 e Carlos Barata, ibidem, pág. 91.
[8] Aqui, a nosso ver, quis-se escrever “…porquanto existiu uma angariação de clientes acompanhada da sua fidelização mesmo depois da cessação da vigência do contrato”
[9] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 53.
[10] Cfr. Ac. STJ de 6.12.2017, proc. 1594/10.8 TBVFR.P2.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 65.
[12] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, págs. 65/66.
[13] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, págs. 67/68.
[14] Cfr. Luís Menezes Leitão, ibidem, pág. 68.
[15] Uma nota ainda para salientar que, tal como é referido nas contra-alegações pelo autor, os dois acórdãos citados pela ré/recorrente em seu apoio referem-se a situações diferentes da dos presentes autos: i) o Ac. STJ de 7.3.2006, proc. 06A027, relator Alves Velho, disponível in www.dgsi.pt., reporta-se a um caso em que o contrato de agência foi denunciado pelo principal com justa causa, o que exclui a indemnização de clientela nos termos do art. 33º, nº 3 do Dec. Lei nº 178/86; ii) o Ac. Rel. Porto de 20.4.2017, proc. 318/05.6 TVPRT.P1, relatora Inês Moura, disponível in www.dgsi.pt, refere-se a uma situação em que manifestamente inexistiam elementos que permitissem qualquer tipo de quantificação dos benefícios obtidos pelo principal com a atividade desenvolvida pelo agente.
[16] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., págs. 714/715.
[17] Cfr. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, reimpressão, 1984, pág. 68.
[18] Cfr. Ac. STJ de 8.9.2016, proc. 1665/06.5 TBOVR.P2.S1, relator Orlando Afonso, disponível in www.dgsi.pt.