Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4509/16.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
JUSTIFICAÇÃO
FACTOS CONCRETOS
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
Nº do Documento: RP201703024509/16.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 252, FLS.263-270)
Área Temática: .
Sumário: I - Na celebração de contrato de trabalho a termo, a justificação da necessidade de aposição do termo deverá, de harmonia com o art. 141º, nºs 1, al. e), e 3, do CT/2009, ser feita através da menção, no próprio texto do contrato, dos concretos factos que integram o seu motivo justificativo e que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre essa justificação e o termo estipulado, não bastando, para o efeito, a referência vaga e genérica relativa à necessidade da aposição do termo.
II - O requisito formal referido em I tem natureza ad substantiam.
III - Não satisfaz tal exigência, na contratação a termo certo de 6 meses de trabalhador para exercer funções de empregado de mesa em estabelecimento de restauração sito no aeroporto …, a seguinte justificação: “Nos termos e para os efeitos do disposto no art.141º, nº 1, al. e) do Código do Trabalho, a estipulação do prazo definido no nº 1 desta cláusula tem como motivos justificativos, o acréscimo da actividade que se verifica em alguns períodos do ano e, consequentemente, o facto de o ramo a que se dedica a PRIMEIRA CONTRAENTE apresentar um ciclo de funcionamento que não é regular nem previsível. Desta forma a PRIMEIRA CONTRAENTE dispõe-se a assumir o risco de, no referido contexto, contratar um novo trabalhador por 6 meses, sem que possa estar certa de necessitar da actividade do mesmo durante todo aquele período, tendo sobretudo em atenção os ciclos irregulares e picos de actividade a que já se aludiu. Todavia, caso se venha a verificar que, durante o referido prazo de 6 meses, foram mais os períodos em que o SEGUNDO CONTRAENTE esteve inativo ou praticamente inactivo do que aqueles em que a sua força de trabalho foi totalmente absorvida pela entidade empregadora, caso em que se deverá concluir que houve sub-aproveitamento da sua actividade e, consequentemente, deficiente gestão de recursos humanos da PRIMEIRA CONTRAENTE, ver-se-á na contingência de não poder renovar contrato. A resposta a esta dúvida só poderá possível após a vigência do contrato pelo período de 6 meses (i.e. após passar por mais do que um ciclo de mercado). Assim, assumindo-se como possível este cenário de excesso de mão de obra - em termos médios anuais- a conscienciosa gestão dos recursos humanos impede a contratação de um novo trabalhador a título definitivo.”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 4509/16.6T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 954)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, residente em Vila Nova de Gaia, aos 25.05.2016 e litigando com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Lda, com sede no Aeroporto …, …, pedindo: a declaração da nulidade do termo do contrato de trabalho celebrado entre A. e R., considerando o contrato de trabalho sem termo; considerar-se ilícita a denúncia do contrato operado pela entidade patronal e consequentemente, considerar-se o despedimento ilícito porque sem justa causa, condenando-se a ré a reintegrar imediatamente o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e salário (ou, caso opte, pela indemnização pelo despedimento ilícito, no montante de 30 dias de retribuição por cada ano completo de serviço até à data da sentença) bem como a pagar-lhe as prestações vencidas e vincendas que este deixou de auferir desde 01.12.2015 até à data da sentença no montante de €520,20/mês, bem como os respetivos juros, à taxa legal, a incidirem sobre as prestações vencidas e vincendas desde o vencimento de cada uma delas até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que que celebrou um contrato de trabalho a termo certo cuja cópia nunca lhe foi entregue para, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, exercer as funções de empregado de snack de 2º; como contrapartida do seu trabalho auferia a remuneração mensal de €520,20; que, aquando da comunicação da intenção de não renovação do contrato, a Ré incumpriu o aviso-prévio a que estava obrigada. Invoca ainda que o motivo do termo é nulo e também falso, não existindo acréscimo de atividade que justifique a contratação do A., nem tal é referido expressamente no contrato como justificação.

A Ré contestou pugnando, em síntese, pela licitude da aposição do termo na medida em que a comunicação de caducidade foi feita em prazo, não se tendo esgotado o número de renovações do contrato permitidas por lei, tendo ainda junto ao processo cópia do contrato.
Alega ainda que a motivação invocada para a aposição do termo ao contrato é verdadeira e suficiente, tendo deixado de subsistir a situação que originou a celebração do contrato e que determinou, por isso, a cessação do contrato.
Pugna ainda pela condenação do A. como litigante de má fé em indemnização não inferior a €2.000,00.

O A. respondeu concluindo no sentido da procedência do pedido por si formulado e pedindo ainda a condenação da Ré como litigante de má fé em quantia não inferior a €2.000,00.

Foi fixado o valor da ação em €13.215,00 e proferido despacho saneador-sentença, que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente por provada e, em conformidade:
I- declara-se:
a) nula a estipulação do termo aposta no contrato celebrado entre o Autor e Ré e, em consequência, sem termo, o respectivo contrato;
b) ilícito o despedimento do Autor;
II- condena-se a Ré:
a) a pagar ao A a retribuição mensal desde 25.04.2016 (considerando que o vencimento mensal da Ré é de €520,50) até à data do trânsito em julgado da decisão final, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento,
b) a reintegrar o Autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade ou caso este opte até ao trânsito em julgado da decisão, por documento escrito trazido ao processo, no pagamento da indemnização por antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, o que equivale ao valor de €1.560,60 (520,20 x 3), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
III- julgo improcedentes os pedidos de condenação como litigante de má fé deduzidos respectivamente, pela Ré e pelo Autor.
Absolvendo-se no mais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário concedido ao A.”.

Inconformada, a Ré veio recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“(i) Independentemente da falta de audição das testemunhas, certo é que a douta sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento na interpretação e apreciação da validade do termo inscrito no contrato celebrado entre Recorrente e Recorrido;
(ii) Na verdade, conforme amplamente sublinhado pela jurisprudência, se no contrato figuram dados que, analisados no seu todo, atestam a razão de ser da contratação a termo, revelando-a de modo razoavelmente percetível e objetivado, e se tais dados satisfazem um dos motivos legalmente justificativos da contratação a termo, tornando-a compreensível, a exigência legal é de considerar satisfeita;
(iii) Com efeito, analisando o contrato como um todo, é suficientemente claro que entre Recorrente e Recorrido foi celebrado um contrato a termo precisamente para fazer face a um acréscimo da atividade por aquela desenvolvida ao nível da restauração, nomeadamente no atendimento a um número maior de clientes e na preparação de um número maior de refeições, resultante do (notório e conhecido) aumento do número de passageiros que, no período inicial de vigência do contrato, correspondente ao denominado período de época alta, se fazia sentir no Aeroporto ….
(iv) Ou seja, resulta da análise do contrato como um todo que a contração a termo do Recorrido era essencial para fazer face a um acréscimo de atividade resultante do próprio contexto comercial do local onde a recorrente desenvolve a sua atividade, estando, por isso, justificada tal contratação;
(v) Mal andou, por isso, a douta sentença recorrida ao decidir como decidiu, porquanto todos os elementos constantes do contrato sob apreciação conduziam à conclusão que, de facto, o termo aposto no contrato se encontrava justificado e fundamentado, motivo pelo qual deve a decisão recorrida ser revogada, por a mesma representar uma interpretação que viola o disposto nos artigos 140º, nºs 1 e 2, alínea f), e 141º, nºs 1, alínea e), e 3, todos do CT, e substituída por outra que adote tal sentido decisório, tudo com as legais consequências;
(vi) De resto, competindo á entidade empregadora, nos termos do disposto no artigo 140º, nº 5, do CT, a prova dos factos quanto aos motivos que justificam a contratação a termo, sempre o Tribunal a quo, ao considerar que as expressões constantes do contrato não eram suficientes para efeitos de fundamentação do termo, deveria, ao abrigo do disposto no artigo 72º, do Código de Processo de Trabalho, e com vista a uma boa decisão da causa, ter determinada a produção da prova testemunhal arrolada pelo Recorrente, o que não se verificou, tudo em clara violação de tal preceito.
Termos em que ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, (,,,)”.

O Recorrido contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual apenas a Recorrente se pronunciou, dele discordando.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 1, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
“Com interesse para a questão, são de dar por assentes, por acordo das partes e prova documental não impugnada, os seguintes factos:
1. O Autor foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direcção da Ré no dia 1/06/2014, através da celebração de um contrato de trabalho com termo e duração de seis meses, documento que se mostra junta aos autos a fls. 41 a 44 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 1º da p.i.)
2. Com a categoria de empregado de Snack de 2ª e para prestar 40 horas de trabalho semanais distribuídas por seis dias da semana com carácter rotativo (artigo 2º da p.i.)
3. Recebendo uma retribuição mensal base actual de €520,50 (artigo 3º da p.i.)
4. Nos termos da cláusula 8 do aludido contrato com a Epigrafe «Prazo do contrato e justificação do termo» foi estabelecido que:
“O presente contrato é celebrado pelo prazo de 6 meses, iniciando a sua vigência no dia 01-06-2014 e renovado por iguais períodos até ao limite máximo de renovações legalmente admissíveis, desde que a PRIMEIRA CONTRAENTE ou o SEGUNDO CONTRAENTE comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar.
2. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.141º, nº 1, al. e) do Código do Trabalho, a estipulação do prazo definido no nº 1 desta cláusula tem como motivos justificativos, o acréscimo da actividade que se verifica em alguns períodos do ano e, consequentemente, o facto de o ramo a que se dedica a PRIMEIRA CONTRAENTE apresentar um ciclo de funcionamento que não é regular nem previsível. Desta forma a PRIMEIRA CONTRAENTE dispõe-se a assumir o risco de, no referido contexto, contratar um novo trabalhador por 6 meses, sem que possa estar certa de necessitar da actividade do mesmo durante todo aquele período, tendo sobretudo em atenção os ciclos irregulares e picos de actividade a que já se aludiu. Todavia, caso se venha a verificar que, durante o referido prazo de 6 meses, foram mais os períodos em que o SEGUNDO CONTRAENTE esteve inativo ou praticamente inactivo do que aqueles em que a sua força de trabalho foi totalmente absorvida pela entidade empregadora, caso em que se deverá concluir que houve sub-aproveitamento da sua actividade e, consequentemente, deficiente gestão de recursos humanos da PRIMEIRA CONTRAENTE, ver-se-á na contingência de não poder renovar contrato. A resposta a esta dúvida só poderá possível após a vigência do contrato pelo período de 6 meses (i.e. após passar por mais do que um ciclo de mercado). Assim, assumindo-se como possível este cenário de excesso de mão de obra - em termos médios anuais- a conscienciosa gestão dos recursos humanos impede a contratação de um novo trabalhador a título definitivo.
3. O presente contrato caduca data referida em 1. desde que a PRIMEIRA CONTRAENTE comunique à contraparte, respectivamente, quinze ou oito dias antes do prazo expirar, por forma escrita a vontade de o fazer cessar.”
5. Por carta registada de 16.11.2015, a Ré comunicou a não renovação do contrato de trabalho ao A. com efeitos a partir de 30.11.2015, conforme teor de doc. junto a fls. 9 que aqui se dá por integralmente reproduzido.”.
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Dá-se ainda como provado que da Clª 4ª, nº 1, do “contrato de trabalho a termo certo” referido no nº 1 dos factos provados consta o seguinte: “1. O SEGUNDO OUTROGANTE prestará o seu trabalho em Aeroporto … – Lj …, Apartado …, (…), …, ou em qualquer outro local para o qual a PRIMEIRA CONTRATANTE desloque as suas instalações, sem que haja lugar, neste último caso, ao pagamento de compensação por mudança de local de trabalho.”
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III. Do objeto do recurso

Com é sabido, nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelos recorrentes delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão em apreço consiste em apreciar da validade formal do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes.
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IV. Fundamentação

1. Da validade do contrato de trabalho a termo

Na sentença recorrida concluiu-se, em síntese, no sentido da invalidade formal da contratação a termo do A., por insuficiente fundamentação da aposição do termo que dele consta e impossibilidade de estabelecer o nexo de causalidade entre a fundamentação invocada e o prazo pelo qual foi celebrado.
Do assim decidido discorda a Recorrente, defendendo que o contrato de trabalho a termo se encontra devidamente fundamentado, sendo compreensível a necessidade da aposição do termo, devendo ser tido em conta todo o contexto comercial que do mesmo resulta face ao acréscimo da atividade por si desenvolvida a nível da restauração, nomeadamente no atendimento de um número maior de clientes e de preparação de refeições decorrente do notório e conhecido aumento do número de passageiros que, no período inicial da vigência do contrato, corresponde ao denominado período de época alta e que se fazia sentir no Aeroporto …. Mais diz que se o Tribunal a quo considerava que as expressões constantes do contrato não eram suficientes para a fundamentação do termo, com vista a uma boa decisão da causa deveria, nos termos do disposto no art. 72º do CPT, ter determinado a produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente.

1.1. Havendo o contrato de trabalho a termo sido celebrado aos 01.06.2014, é aplicável o CT/2009 [o regime deste constante, no que se reporta aos requisitos de validade fornal do contrato de trabalho a termo é, no essencial, similar ao que já constava do CT/2003].
Como é sabido, a contratação a termo, no nosso ordenamento jurídico, tinha e tem, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 ou do actual CT/2009, natureza excecional, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem dois requisitos, a saber:
- O primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações referidas no art. 141º, nº 1, do CT/2009, entre as quais, no que ora poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
- O segundo, de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no art. 140º do CT/2009.
A inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, determina que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo – art. 147º, nº 1, als. b) e c), do CT/2009.
Acrescente-se que a fundamentação formal do contrato constitui formalidade de natureza ad substantiam, a qual bem se compreende considerando a ratio que a ela preside - permitir, seja ao trabalhador, seja ao tribunal, sindicar das razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo- e da qual decorre que:
(a) qualquer contrato a termo em que, nele e por escrito, não seja mencionado o motivo que o justifica nos termos prescritos na lei, é considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial , assim como irrelevante é que, do ponto de vista material, pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo;
(b) apenas o motivo justificativo invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo absolutamente irrelevante que, caso ele não se prove, outro possa ou pudesse existir e que, substantivamente, justificasse a contratação; ainda que assim fosse, não se poderia igualmente a ele atender, havendo então que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em sem termo.

1.2. No caso em apreço, o A., aos 01.06.2014, foi contratado, a termo certo de 6 meses, para exercer as suas funções de empregado de mesa no estabelecimento de restauração da Ré sito no aeroporto …, havendo o motivo invocado na clª 8ª do mesmo sido o seguinte:
“2. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.141º, nº 1, al. e) do Código do Trabalho, a estipulação do prazo definido no nº 1 desta cláusula tem como motivos justificativos, o acréscimo da actividade que se verifica em alguns períodos do ano e, consequentemente, o facto de o ramo a que se dedica a PRIMEIRA CONTRAENTE apresentar um ciclo de funcionamento que não é regular nem previsível. Desta forma a PRIMEIRA CONTRAENTE dispõe-se a assumir o risco de, no referido contexto, contratar um novo trabalhador por 6 meses, sem que possa estar certa de necessitar da actividade do mesmo durante todo aquele período, tendo sobretudo em atenção os ciclos irregulares e picos de actividade a que já se aludiu. Todavia, caso se venha a verificar que, durante o referido prazo de 6 meses, foram mais os períodos em que o SEGUNDO CONTRAENTE esteve inativo ou praticamente inactivo do que aqueles em que a sua força de trabalho foi totalmente absorvida pela entidade empregadora, caso em que se deverá concluir que houve sub-aproveitamento da sua actividade e, consequentemente, deficiente gestão de recursos humanos da PRIMEIRA CONTRAENTE, ver-se-á na contingência de não poder renovar contrato. A resposta a esta dúvida só poderá possível após a vigência do contrato pelo período de 6 meses (i.e. após passar por mais do que um ciclo de mercado). Assim, assumindo-se como possível este cenário de excesso de mão de obra - em termos médios anuais- a conscienciosa gestão dos recursos humanos impede a contratação de um novo trabalhador a título definitivo.”.
Certamente por lapso, a Ré fez menção, no contrato, ao art. 141º do CT/2009, quando se pretenderia reportar ao art. 140º, preceito este que, no seu nº 2, al. e), dispõe que se considera, “nomeadamente, necessidade temporária da empresa: e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima.”. De referir que, para que a contratação a termo seja, com base nesse motivo, admissível é sempre necessário a verificação do pressuposto previsto na norma geral constante do nº 1 desse preceito, nos termos da qual “1. O contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”.
No art. 140º, nº 1, al. e), a invocada pela Ré no contrato para sustentar a aposição do termo, não se prevê uma única situação.
Na 1ª parte do preceito, estão previstas as atividades de natureza sazonal, quais sejam aquelas em que o aspeto climatérico ou a estação do ano são determinantes, como ocorre na agricultura (colheitas, sementeiras) ou na época balnear. E se é sazonal não parece poder abranger aquelas atividades em que o próprio ciclo produtivo seja demasiado longo, sendo que, subjacente à possibilidade da contratação a termo está a transitoriedade da necessidade a satisfazer e a conformidade entre esse período e o termo aposto.
Na segunda parte do preceito estão previstas as atividades cujo ciclo anual de produção apresenta irregularidades de natureza estrutural, que não conjuntural, do mercado, visando responder a necessidades de determinados sectores de actividades que laboram todo o ano, mas em que determinadas épocas se deparam com picos de produção (caso, por exemplo, dos CTT no período de Natal e unidades hoteleiras em zonas balneares no verão), abrangendo situações cíclicas de aumento de procura – citando Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, 1º vol., 2007, pág. 595, nota 1518 e Susana Sousa Machado, in Contrato de Trabalho a Termo, Coimbra Editora, pág. 170.
Sobre esta questão, realça-se, pelo seu interesse, o acórdão do STJ de 10.07.2008, in www.dgsi.pt, Processo 08S0325, em que, para além do mais, se refere que:
- O preceito contempla duas situações diferenciadas: por um lado, o carácter sazonal da própria atividade a que a empresa se dedica; de outra banda, o carácter regular do ciclo anual da sua produção, decorrente da estrutura do respetivo mercado;
- A atividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade;
- Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural - que não conjuntural - do respetivo mercado.
- Ambas as situações pressupõem uma natureza cíclica, previsível e regular;
- Falar-se em actividade sazonal impõe a obrigatória referência, no contrato, à época do ano durante a qual se desenvolve a atividade, uma vez que tal conceito é incompatível com o exercício da atividade durante todo o ciclo anual.
De referir que dessas situações, ainda que possam apresentar alguns pontos de contacto, se distingue o acréscimo excecional da atividade da empresa a que se reporta a al. f) do nº 2 do mencionado art. 140º, referindo Susana Sousa Machado, in ob. citada, pág. 171, que “os contratos previstos nestas situações correspondem, geralmente, a trabalhos inseridos no âmbito da atividade da empresa, mas que por motivos excecionais ou condições cíclicas potencialmente relacionadas com certas épocas do ano, excedem o seu volume normal; ou assumem um caráter ocasional no seio da empresa”.
Certo é que a motivação invocada tem de ser devidamente concretizada no contrato através da indicação dos concretos factos que a integram por forma a se poder concluir no sentido da verificação do fundamento invocado, da transitoriedade da necessidade da contratação a termo do trabalhador e do nexo de causalidade entre essa transitoriedade e o termo aposto, pois que este tem de ser pelo tempo necessário a essa transitoriedade.

No caso, a fundamentação invocada é efetivamente vaga, genérica e insuficiente quanto aos motivos que justificam a contratação, dela não constando os concretos factos que permitam concluir no sentido quer da sazonalidade, quer da irregularidade e imprevisibilidade, quer dos “picos de atividade”, que são, todas elas, expressões vagas e genéricas, não permitindo também concluir no sentido da transitoriedade da necessidade justificativa da contratação do A., nem tão pouco estabelecer a relação entre a motivação invocada e o prazo - 6 meses e que duraria até final de novembro - estipulado.
É certo que o A. foi contratado, no mês de junho e por seis meses, para exercer as suas funções em estabelecimento de restauração sito no aeroporto …. Realça-se que, no contrato, não se concretiza o período em relação ao qual a atividade seria sazonal; mas, mesmo admitindo-se que parte do período dessa contratação recaia em alguns meses em que se poderá verificar um acréscimo, “pico”, de atividade decorrente de maior afluência de viajantes, dada a natureza ad substantiam não estava a Ré, desde logo, dispensada de concretizar os períodos dos alegados “picos”, tanto mais que o que refere no contrato é que o acréscimo se “verifica em alguns períodos do ano”, não se concretizando esses períodos, nem fazendo a relação com o concreto período da contratação do A. que, diga-se, não se limita aos meses em que se poderia, eventualmente e de acordo com as regras da experiência, considerar como notória a sazonalidade ou os “picos” do acréscimo da atividade em alguns dos meses (meses de julho e agosto ou, até mesmo, setembro), mas não todos, sendo que a contratação do A. o foi por seis meses, abrangendo também os meses de outubro e novembro, em que, pelo menos quanto a estes, tal necessidade carecia de ser traduzida, no contrato, em factualidade concreta que permitisse estabelecer o nexo de causalidade entre a motivação e o termo pelo qual o contrato foi celebrado.
Por outro lado, para que se pudesse também concluir no sentido da transitoriedade da necessidade da contratação do A., necessário seria a concretização, no contrato, do volume normal ou habitual da atividade e do previsivelmente verificado durante o alegado “pico” (de junho a novembro se é que, porventura, tal período corresponderia a um “pico”), para além de que nada se esclarece quanto “ao ciclo de funcionamento”, nem quanto à “irregularidade” e imprevisibilidade” do mesmo; necessário seria também a indicação no contrato do número de trabalhadores ao serviço no estabelecimento, pois que, só assim, se poderia concluir que a necessidade de contratação da A. corresponderia, efetivamente, a uma necessidade transitória, e por seis meses, não resultando da justificação constante do contrato o necessário nexo causal entre a motivação invocada e o termo aposto ao contrato.
Concorda-se, pois, com a sentença recorrida quando refere que as expressões constantes da motivação invocada no contrato são “conclusivas e vagas, não ficando esclarecido em que se manifesta o acréscimo excecional da atividade da Ré, os motivos do mesmo, porque tem esse acréscimo natureza temporária, qual o tempo de duração do mesmo, porque é insuficiente o número de funcionários existentes para o satisfazer para se poder concluir pela invocada insuficiência e porque foi o autor contrato nestes moldes.”.
Entendemos, pois e tal como na sentença recorrida, que a fundamentação invocada para a aposição do termo ao contrato de trabalho é insuficiente, sendo a aposição do termo inválida e, assim e desde logo, determinando que o contrato deva ser considerado, como o foi na decisão recorrida, como tendo sido celebrado por tempo indeterminado (art. 147º, nº 1, al. c), do CT/2009.
Diga-se que, ao contrário do também alegado pela Recorrente, não há que prosseguir com a tramitação dos autos até à audiência de julgamento pois que, como acima referido, o requisito, de natureza formal, previsto no art. 141º, nºs 1, al. e) e 3, do CT/2009 tem natureza ad substantiam, devendo a motivação, devida e suficientemente concretizada, constar do próprio contrato e não podendo ser suprida seja pela alegação, na contestação, de factualidade que concretizasse a motivação invocada, seja pela sua prova em julgamento.
De nada serve, pois, a posterior concretização, em sede de contestação e da eventual matéria de facto que pudesse resultar da audiência de julgamento, nem tendo cabimento, por isso, a invocação do art. 72º do CPT.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 02.03.2017
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes