Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109/13.0GTAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CRIME DE CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
ORDEM LEGÍTIMA
EXAME DE ALCOOLEMIA
Nº do Documento: RP20150513109/13.0GTAVR.P1
Data do Acordão: 05/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para submissão do condutor à prova de detecção do estado de influenciado pelo álcool é necessária a actualidade da condução no momento da submissão ao exame.
II - Tal não ocorre se a arguida não estava nem se aprestava para conduzir no momento da interpelação pela entidade fiscalizadora para efectuar o exame.
III - Não preenche tal actualidade o facto de a arguida ter sido vista a conduzir o veiculo 20 minutos antes da interpelação pela entidade fiscalizadora, não se sabendo onde esteve ou o que fez durante esse tempo.
IV - Nessas condições, ao entrar no veículo como passageira não está sujeita à obrigação legal de se submeter às provas para detecção do estado de influenciado pelo álcool, pela que a ordem dada pela autoridade policial é ilegítima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº109/13.0GTAVR.P1
_______________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º 109/13.0GTAVR.P1, do Juízo de Média Instância Criminal –Aveiro-Juiz 3 da Comarca do Baixo Vouga a arguida B… foi submetido a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Pelo exposto, julgando procedente a acusação, decide-se condenar B… pela prática em 12.10.2013 de um crime de desobediência mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, previsto e punido pelos artigos 348°, n.º1 , al. a), e 69°, n."}, al. c), ambos do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 152°, n.º1 , al. a), e n.03, do Código da Estrada:
a) na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo assim a pena de multa o total de €390,00, sendo a arguida advertida de que o não pagamento da multa ou, a requerimento seu no prazo de pagamento voluntário, a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, poderá implicar o cumprimento de prisão subsidiária (artigos 49° e 48° do Código Penal) e
b) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses, sendo que para cumprimento da pena acessória deverá a arguida entregar as licenças de condução de que seja titular no prazo de dez dias após trânsito em julgado desta sentença, neste Tribunal ou em qualquer Posto Policial, sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência (artigo 348°, n.º1, do Código Penal e artigo 5°, n.º4, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03.01) e de ser ordenada a apreensão das referidas licenças (artigo 49°, n.º3, do Código Penal e artigo 500°, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Penal).
É devido pela arguida o pagamento de custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal; artigo 8° do Regulamento das Custas Judiciais).
(…)
*
Inconformada a arguida interpôs recurso, no qual retira da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
1-Vem a arguida condenada por, no exercício da condução, ter desobedecido à ordem emanada por Agente da Autoridade para se submeter ao teste de álcool por ar expirado.
2- Todavia, o Tribunal a quo reconhece na sua fundamentação que a arguida não exercia a condução no momento em que aquela ordem é dada. Na verdade,
3- O Tribunal a quo na sua fundamentação reconhece que entre o exercício da condução por parte da arguida e o momento da ordem dada pelos Srs. Guardas da GNR decorrem entre 15 a 20 minutos. Acresce que,
4- Durante esse lapso de tempo a arguida não esteve ao alcance visual dos Srs. guardas desconhecendo estes porque se ausentou, para onde se dirigiu, apenas sabendo que regressou acompanhada por uma terceira pessoa que foi quem, de facto, conduzia a viatura no momento da operação stop. Ora,
5- Se a arguida nem sequer conduzia não lhe pode ser imputado o crime previsto no Artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada.
6- Mais, se a arguida não conduzia, como o Tribunal a quo reconhece então não podia dar como provado o facto elencado em 1. dos factos provados.
7- Pelo exposto resulta patente que a ordem emanada pelos Srs. Guardas não era legítima. Na verdade,
8- A previsão do Artigo 152.º, n.º1, a) do Código da Estrada refere-se expressamente aos condutores dos veículos, sendo certo que, como resulta inequívoco a arguida, no momento da ordem a si dirigida não conduzia. Com efeito,
9- A arguida, às 03:50 horas, não conduzia como o Tribunal reconhece, pelo que, existe contradição insanável entre a decisão e a sua fundamentação, impondo-se a revogação da sentença recorrida, absolvendo-se a arguida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA
(…)
A Magistrada do Ministério Público respondeu, pugnando pela procedência do recurso e consequente absolvição da arguida.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
No dia 12 de Outubro de 2013, pelas 03.50 horas, na estrada …, em Aveiro, a arguida conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-LB.
2.
No âmbito de uma operação de fiscalização rodoviária, foi abordada por um Militar da Guarda Nacional Republicana, que lhe ordenou que procedesse à realização do teste de detecção de álcool no sangue por ar expirado.
3.
A arguida recusou realizar o teste de detecção de álcool no sangue mediante pesquisa no ar expirado.
4.
Foi então advertida que, caso não o fizesse, incorria na prática de um crime de desobediência, do que a arguida ficou ciente.
5.
Não obstante, a arguida manteve a sua recusa a submeter-se a qualquer teste de alcoolemia.
6.
A arguida bem sabia que era obrigada a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue.
7.
Bem sabia também que a ordem de sujeição a exame era legítima, lhe fora regularmente comunicada e que devia obediência a tal ordem.
8.
A arguida quis recusar-se, como efectivamente se recusou, a efectuar o teste, apesar de saber que incorria num crime de desobediência.
9
A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente.
10
Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
11
A arguida tem doze anos de escolaridade.
12
Reside e trabalha em Portugal há cerca de dez anos.
13
Actualmente trabalha para o "C…" como coordenadora de lojas e vitrinista, desenvolvendo o seu trabalho em lojas situadas em diversas cidades do país, entre as quais se desloca de automóvel.
14
É considerada por pessoas que com a mesma convivem profissional e socialmente como pessoa responsável, trabalhadora e cautelosa.
15
Aufere retribuição mensal no valor de cerca de oitocentos euros.
16
Na sua actividade profissional utiliza automóvel fornecido pela empresa para que trabalha.
17
Não tem filhos ou outros dependentes a seu cargo, mas envia quando pode auxílio económico aos seus familiares que permanecem na Roménia.
18
Do certificado de registo criminal da arguida não consta qualquer condenação.
Não foram alegados nem resultaram da audiência outros factos relevantes para a decisão.
Motivação:
Em audiência a arguida exerceu o direito de não prestar declarações acerca dos factos por que vinha acusada, referindo-se apenas à sua situação económica.
Não obstante, a prova dos factos que vinham imputados à arguida resultou inequívoca dos depoimentos dos Militares da Guarda Nacional Republicana que procederam às diligências documentadas no auto de notícia de fls. 7 e nos termos de notificação de fls. 10 e 11, realizadas no local que pode visualizar-se no documento de fls. 129, ali observando claramente a arguida conduzir o carro, pará-lo a alguma distância do local onde se encontravam vários Militares da GNR (entre os quais as duas testemunhas) em operação de fiscalização de trânsito, sair do automóvel e encaminhar-se, a pé, no sentido inverso ao que levava quando conduzia, para regressar cerca de quinze ou vinte minutos depois acompanhada por outra pessoa, sendo esta quem então conduziu o automóvel até ao local onde uma das testemunhas deu ordem de paragem, seguindo-se as diligências de fiscalização rodoviária, designadamente ordenando à arguida (que não tinham qualquer dúvida que era a pessoa que cerca de 15 ou 20 minutos antes tinham observado a conduzir) que realizasse o teste de pesquisa de álcool no ar expirado, advertindo-a que a recusa de submissão a tal teste constituiria crime, não obstante persistindo a arguida na recusa.
Acerca da situação pessoal da arguida e consideração que lhe é votada, para além das declarações da própria relevaram os depoimentos das testemunhas D… e E…, que com a arguida convivem em contexto profissional e de quem são também amigos, acerca da situação laboral atentando-se ainda no teor do documento de fls. 49.
Certificado de registo criminal da arguida consta de fls. 16.
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Saber se a sentença recorrida enferma de contradição insanável da fundamentação;
Saber se a ordem dada à arguida para que procedesse à realização do teste não foi legítima;
Saber se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de desobediência pelo qual a arguida foi condenada.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
A recorrente alega que a sentença recorrida enferma do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artº 410º nº 2 alínea b) do CPP, quando dá como provado sob os pontos 1 e 2 da matéria de facto que “No dia 12 de Outubro de 2013, pelas 05.50 horas, na estrada …, em Aveiro a arguida conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-LB” e que “ No âmbito de uma operação de fiscalização da Guarda Nacional Republicana, que lhe ordenou que procedesse à realização do teste de detecção de álcool no sangue por ar expirado” e simultaneamente em sede de fundamentação se escreveu:
“.resultou inequívoca dos depoimentos dos Militares da Guarda Nacional Republicana que procederam às diligências documentadas no auto de notícia de fls. 7 e nos termos de notificação de fls. 10 e 11, realizadas no local que pode visualizar-se no documento de fls. 129, ali observando claramente a arguida conduzir o carro, pará-lo a alguma distância do local onde se encontravam vários Militares da GNR (entre os quais as duas testemunhas) em operação de fiscalização de trânsito, sair do automóvel e encaminhar-se, a pé, no sentido inverso ao que levava quando conduzia, para regressar cerca de quinze ou vinte minutos depois acompanhada por outra pessoa, sendo esta quem então conduziu o automóvel até ao local onde uma das testemunhas deu ordem de paragem, seguindo-se as diligências de fiscalização rodoviária, designadamente ordenando à arguida (que não tinham qualquer dúvida que era a pessoa que cerca de 15 ou 20 minutos antes tinham observado a conduzir) que realizasse o teste de pesquisa de álcool no ar expirado, advertindo-a que a recusa de submissão a tal teste constituiria crime, não obstante persistindo a arguida na recusa. .”
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ocorre “(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo III, p. 184.
Ou nas palavras de M.Simas Santos e M.Leal Henriques, “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al.b) do nº2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.” Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol, pág.379
Como todos os vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida. – cfr., por todos, ac. do STJ, de 19/12/90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este preceito
Lendo a decisão da matéria de faço e a fundamentação, temos de concordar com a recorrente quando diz que a matéria provada e a fundamentação são contraditórias entre si.
Na verdade não é compatível afirmar que a arguida às 3h50 conduzia o veículo ligeiro de passageiros e que “foi abordada por um Militar da GNR, que lhe ordenou que procedesse à realização do teste de detecção de álcool no sangue expirado” e afirmar-se a arguida parou o carro saiu dele e se encaminhou em sentido inverso só voltou cerca de 20 minutos depois acompanhada de outra pessoa, sendo esta quem então conduziu o automóvel até ao local onde uma das testemunhas deu ordem de paragem.
Porém, afigura-se que esta contradição tem génese no vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artº 410nº2 al.b) o qual se detecta no texto da decisão recorrida quando na fundamentação da mesma supra extratada se escreveu claramente que a arguida só foi interceptada cerca de 20 minutos depois de ter sido vista a conduzir e quando seguia como passageira e não como condutora.
O vício do erro notório na apreciação da prova, ocorre quando se detecta um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores da decisão recorrida e que se traduza em uma conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, 200.
Ora é precisamente o que ocorre no caso dos autos, pois que o facto dado como provado sob o ponto 1 está notoriamente em contradição com a fundamentação.
Porém afigura-se ser possível decidir da causa sem ordenar o reenvio nos termos do artº 426º nº1 do CPP, já que a contradição e o erro notório em causa mostram-se sanáveis face ao teor da fundamentação e às regras da experiência, pois se no auto de notícia de fls. 7 referido na fundamentação consta que a arguida às 3h 50m recusou ser submetida às provas de detecção do estado influenciado pelo álcool, e se na fundamentação se afirmou que tal recusa ocorreu cerca de 15 ou 20 minutos depois de a mesma ter sido avistada a conduzir pelos agentes, e quando a mesma já não estava a conduzir, então e sem recurso a elementos exteriores à sentença – embora a louvável transcrição da prova efectuada pelo MP, não existiu impugnação da matéria de facto por parte da recorrente - mostra-se possível sanar aquele vício alterando a matéria de facto nos termos do artº 431ºa) do CPP, passando a constar do ponto 1 da matéria provada que:
No dia 12 de Outubro a hora não concretamente apurada mas antes entre as 3h e as 3h30, na estrada …, em Aveiro, a arguida conduziu o veículo automóvel de passageiros de matrícula ..-..-LB.”
E sob o ponto 2 da matéria provada que:
No âmbito de uma operação de fiscalização rodoviária, pelas 3,50h e quando seguia como passageira no referido veículo e no mesmo local foi abordada por um Militar da Guarda Nacional Republicana, que lhe ordenou que procedesse à realização de um teste de detecção de álcool no sangue por ar expirado.”
Passando a constar como não factos não provados que:
“Quando foi abordada pelas 3h50 pelos agentes da GNR a arguida fosse a conduzir o veículo referido sob o ponto 1 dos factos provados.”
Face à alteração da matéria de facto efectuada, vejamos agora se como pretende a recorrente, e em uníssono pugna o MP em ambas as instâncias, a ordem dada à arguida não era legítima e como tal a mesma não praticou o crime pelo qual foi acusada e condenada.
Dispõe o artº 348º nº 1 al.a) do CP “ Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar no caso, a punição de desobediência simples, ou
(…)”.
Por sua vez estabelece o artº 152º nº1 al.a), e nº3 do Código da Estrada que:
“Devem submeter-se às provas estabelecidas para detecção dos estados de influenciado pelo álcool, ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2.(…)
3. As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
(…)”
Como refere Cristina Líbano Monteiro,[1] exige-se para que a conduta tenha dignidade penal, que o dever de desobediência que se incumpriu resulte de uma dessas duas fontes, disposição legal ou cominação. E o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado. [2]
Ainda segundo a mesma autora, os elementos objectivos do ilícito em causa, são a existência de uma ordem ou mandado, substancial e formalmente legítima, que provenha da autoridade ou funcionário competente, e que a mesma seja regularmente comunicada ao destinatário,
A nível subjectivo, exige-se o dolo em qualquer uma das suas modalidades: directo, necessário ou eventual, não se exigindo pois um dolo específico. [3]
A conduta imputada à arguida é cominada com a punição do crime de desobediência simples no nº3 do artº 152 do CE.
Como escreve Tolda Pinto [4] “Agentes do crime de desobediência são (a) Os condutores; b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito (nº1); e o médico ou paramédico (nº5).”
E ainda segundo o mesmo autor[5] “É indispensável ao preenchimento do tipo legal de crime de recusa a provas para detecção de álcool a actualidade da condução no momento da convocação do condutor para fazer o exame de alcoolemia,” como se decidiu já no ac. de do TRL, de 17/12/2002 [6]
Este juízo de actualidade compreende-se na medida em que a punição da conduta de recusa a submissão de provas de detecção de álcool, pelas entidades fiscalizadoras competentes, radica nas mesmas razões que determinaram o legislador a criminalizar a conduta dos condutores que exercem a condução em estado de embriaguez, porquanto e mais uma vez citando Tolda Pinto [7] “O exercício da condução automóvel, como actividade perigosa que é, postula o acatamento e observância de um conjunto de regras, algumas das quais, para além de meras finalidades de ordenamento do trânsito automóvel e da circulação rodoviária, visam garantir a segurança da vida, da integridade física e Universidade Católica Editora do património do condutor e de terceiros, utentes das vias de circulação rodoviária. Avultam entre estas, as normas relativas ao exercício da condução sob o efeito do álcool. A obrigatoriedade de submissão dos condutores ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, quando interpelados para o efeito pelas autoridades competentes é plenamente justificada pelo fenómeno da sinistralidade estradal associado ao consumo de bebidas alcoólicas, atingindo proporções tais e consequências sociais de tal modo graves que de há muito vem reclamando uma intervenção eficaz tanto no âmbito da fiscalização como no da repressão. Daí que o legislador tenha entendido como censurável e punível não só a condução na via pública das pessoas que apresentem taxas de álcool no sangue superiores a determinado limite mínimo, mas também a conduta daqueles que, tripulando um veículo, se recusem a submeter-se à acção fiscalizadora das entidades competentes, através da submissão a provas de detecção de álcool ou de substâncias psicotrópicas.”
Tudo para dizermos, e revertendo ao caso dos autos, que não pode ser considerado agente do crime, uma pessoa que foi vista a conduzir, cerca de 20 minutos antes da abordagem das entidades fiscalizadoras para fazer o teste, não se sabendo onde esteve ou o que fez durante esse período de tempo e que quando foi abordada pelas forças policiais era passageira do veículo, que na ocasião era conduzido por outra pessoa.
Efectivamente a arguida não estava a conduzir no momento em que ocorreu a acção de fiscalização, e o facto de ter conduzido cerca de 20 minutos antes de tal acção, não permitem atento o lapso de tempo decorrido, afirmar que tinha acabado de conduzir.
E não sendo agente do crime não podia ser sujeita à obrigação legal de se submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, pelo que a ordem dada não foi uma ordem legítima como alega a arguida e concorda o MP.
No sentido de que “Uma vez que o arguido não se encontrava a conduzir, não tinha acabado de conduzir, nem existia qualquer sinal de que ele o tivesse feito momentos antes, não tendo também a qualidade de peão interveniente num acidente de trânsito –alíneas a) e b) do nº1 do artigo 152º e artigo 156º do Código da Estrada – não impendia sobre ele a obrigação legal de se submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool”, pronunciou-se o ac. da RL de 28/9/2011.[8]
Como tal, não se encontram verificados os elementos do crime previsto no artº 348 nº1 al.a) do CP por referência ao disposto no artº 152, nº1 al.a) e 3 do CE, não integrando a recusa da arguida o crime pelo qual foi condenada.
*
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em no provimento do recurso interposto pela arguida B…, revogar a sentença recorrida que se substitui por acórdão em que absolvem a arguida da prática de um crime de desobediência p.p. pelo artº 348º, nº1, al.a, do Cód. Penal (por referência ao artº152º nºs1, al.a) e 3 do Código da Estrada).

Sem tributação

Porto, 13/5/2015
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
__________
[1] Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora 2001, pág.351.
[2] Ibidem pág.350
[3] Ainda Cristina Líbano Monteiro ob.cit. pág.357.
[4] Tolda Pinto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, coord. De Pinto de Albuquerque, José Branco, volume I, pág. 395 Universidade Católica Editora.
[5] Ob.cit.pág.394.
[6] Ac.do TRL, de 1712/2002, prof. no proc. nº 0057725 (relator Santos Rita), sumariado in dgsi.pt.
[7] Ob. cit. pág. 392.
[8] Ac. RL de 28/9/2011, proferido no proc. nº302/10.8PTSNT 3ª secção, Jurisprudência Relação de Lisboa, www.pgdllisboa.pt.