Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
234/18.1IDAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
VANTAGEM PATRIMONIAL
PERDA DE BENS
PATRIMÓNIO INCONGRUENTE
PERDA DE VANTAGENS
Nº do Documento: RP20230517234/18.1IDAVR.P1
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS INTERPOSTOS PELO ARGUIDO E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não é confundível a falta de fundamentação com a mera insuficiência ou mediocridade desta, pois este é vício de índole material, de julgamento, atinente ao mérito da decisão proferida, escrutinável por via do recurso, quer tal insuficiência ou até mediocridade digam respeito à motivação da decisão de facto, quer à própria aplicação do direito aos factos, enquanto que o vício de falta de fundamentação, nos vários segmentos referidos na conjugação dos art.ºs 379º, nº 1 al, a), e 374º, nº 2, do CPP, é um vício de índole formal, de elaboração da própria sentença, na qual se omite uma das partes essenciais que a constituem.
II – O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pressupõe a indicação de um qualquer facto que devesse ter sido investigado pelo tribunal a quo, considerado relevante para a decisão do mérito da causa, e que o mesmo não o tivesse sido, inquinando assim tal omissão o julgamento efetuado, não podendo ser esse o caso quando o tribunal, no âmbito dos poderes de cognição que lhe competiam, face aos factos que constituíam o objeto do processo, e nessa medida também o objeto da prova, nos termos previstos no art.º 124º do CPP, não deixou de fora da sua apreciação nenhum deles, não tendo ficado fora do seu julgamento nenhum dos factos que importava conhecer
III – Tudo o que se traduza numa discutível avaliação da prova, por via da análise do texto da decisão, mas que não possa considerar-se correspondente a um erro notório na apreciação da prova, ou que o caráter notório de um tal erro só possa ser aferido com recurso à prova registada no processo, então uma tal avaliação da prova, nesses casos, só será descortinável por via da impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos previstos no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP, e não com fundamento no art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP.
IV – É no pressuposto da existência de uma vantagem patrimonial, titulada por um determinado sujeito, que se dá fundamento à concretização da finalidade do regime legal da perda de bens, que é subtrair a esse sujeito, que poderá ser o arguido ou um terceiro, os proventos que para ele advieram da prática de um determinado ilícito típico.
V – Sendo a neutralização do benefício patrimonial obtido pelo agente que fundamenta o instituto da perda de bens, tal como o mesmo se encontra previsto no Código Penal, porquanto com ele se visa pôr fim à situação patrimonial ilicitamente conseguida com o crime, num primeiro momento através do decretamento da perda em espécie, da coisa ou do direito ou “inclusivamente a de benefícios de uso ou a de evitação de dispêndios” , ou, em suma, “tudo aquilo que possa ser objeto de uma pretensão de enriquecimento”, e, num segundo momento, se os direitos, as coisas ou as vantagens referidas, e referidas também quanto ao sujeito que as obteve (cf. nº 4 do art.º 111º do CP na data em vigor à data dos factos), não puderem ser apropriadas em espécie, a perda em substituição através do pagamento ao Estado do respetivo valor.
VI – Entendimento contrário, além de não ter acolhimento na letra e no espírito da lei, tal como foi concebida na parte geral do Código Penal, isto é (citando o Professor Jorge de Figueiredo Dias), como uma sanção análoga a uma medida de segurança, visando primariamente “um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o ‘crime’ não compensa», transformaria o instituto da perda de vantagens numa verdadeira pena, ressuscitando os temores associados ao velho “confisco”, desde logo na oneração que representaria para o património da pessoa visada, caso não tivesse sido ela o beneficiário, que assim também se transmitira aos próprios herdeiros, porquanto acabaria por atingir as “forças da herança”, em clara violação do princípio da pessoalidade e da intransmissibilidade da pena, que tem assento no art.º 30º, nº 3, da CRP, e em violação também do princípio da proporcionalidade.

[Sumário da responsabilidade do Relator[
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 234/18.1IDAVR.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro

Sumário
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1 Após realização da audiência de julgamento no Proc.º n.º 234/18.1IDAVR, que corre termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 16/09/2022, depositada na secretaria do tribunal na mesma data, foi decidido o seguinte:
“Face ao exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, o tribunal decide:
- julgar extinto o procedimento criminal movido contra a sociedade arguida A... UNIPESSOAL, LDA.;
- condenar o arguido AA pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 7º e 103.º, nº 1, alínea c), e 104º, nºs 1 e 2, alínea a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 3 (três anos) de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de o arguido pagar à Administração tributária, nesse mesmo prazo, a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros);
- condenar a arguida BB pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 7.º e 103.º nº 1, alínea c), e 104º, nºs 1 e 2, alínea a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de a arguida pagar à Administração tributária, nesse mesmo prazo, a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros);
- condenar o arguido CC pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 7.º e 103º, n.º 1, alínea c), e 104º, nºs 1 e 2, alínea a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 2 (dois) e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de o arguido pagar à Administração tributária, nesse mesmo prazo, a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros);
- absolver os arguidos AA, BB e CC do pedido de perda das vantagens do crime deduzido pelo Ministério Público.
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Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s em face da atividade processual desenvolvida – cfr. art.º 513º, nº 3, do C.P.P. e art.º 8º, nº 9, do R.C.P., por referência à Tabela III anexa àquele diploma.”
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram recursos o Ministério Público e o arguido CC, apresentando motivações que terminam com as seguintes conclusões:
1.2.1. Do Ministério Público
“I. A perda de vantagens do crime não tem a natureza de uma pena criminal; trata-se de um instituto que constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, com intuitos exclusivamente preventivos e não punitivos;
II. Com a perda de vantagens o que o legislador pretendeu foi consagrar um sistema de reposição da situação que existia antes da prática do crime, impedindo que os seus autores retirem algum proveito disso ou proporcionem benefícios económicos indevidos a terceiros, ainda que essa vantagem reverta diretamente apenas a favor de um dos agentes;
III. No domínio civil, que tem repercussões diretas no foro penal no que toca à convivência processual entre a declaração de perda de vantagens e a dedução de pedidos de indemnização civil pelos ofendidos, na coautoria material é solidária a responsabilidade de todos os autores pela obrigação de indemnização fundada na prática do respetivo crime, independentemente da diversa intervenção de cada um deles para a produção do resultado, cf. art.ºs 497º, n.º 1 e 483º, n.º 1 do C.C.;
IV. Pela proximidade dos fins que prosseguem, à semelhança do que sucede no instituto da responsabilidade civil extracontratual, também no confisco de vantagens a perda deverá ser decretado solidariamente em relação a todos os agentes do crime, independente da sua maior ou menor intervenção na prática do ilícito ou dos ganhos que concretamente cada um deles teve ou não;
V. A perda de vantagens é um mecanismo civil, enxertado no processo penal que visa a reposição de uma situação patrimonial contrária ao direito;
VI. A responsabilidade criminal da pessoa coletiva resulta da culpa da pessoa física que atuou em seu nome e no seu interesse;
VII. No caso, resulta da matéria de facto provada, que o arguido AA atuou em representação da sociedade B..., Lda. e utilizou quantias monetárias em seu proveito próprio, apesar de saber que não lhes pertenciam;
VIII. São vários os Acórdãos dos Tribunais da Relação em que a declaração de perda de vantagens abrangeu o gerente da sociedade arguida sem que resultasse sequer da matéria de facto provada qualquer benefício pessoal para o gerente, pessoa singular;
IX. A perda de vantagens é declarada contra todos os agentes/coarguidos do facto ilícito-típico, independentemente da vantagem patrimonial ilícita ter ingressado apenas na esfera patrimonial de apenas um deles;
X. Sendo mensurável o contributo que cada coarguido deu para a criação de uma vantagem económica que resultou da prática do crime, a declaração da perda de vantagens deverá ser proporcional e corresponder à sua concreta atuação – valor do IVA das faturas falsas que emitiram e que foi deduzido indevidamente;
XI. A fazer valer a douta posição preconizada na sentença, a mesma representará um novo paradigma na jurisprudência até então sedimentada nesta matéria, deixando de fora do âmbito de aplicação do instituto da perda de vantagens do crime os gerentes das sociedades arguidas (por ex.: em crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, abuso de confiança à Segurança Social, entre outros) bem como todos os coautores do crime que participaram com as suas condutas para a obtenção da vantagem patrimonial ilícita desde que a mesma seja canalizada por via direta ou indireta apenas para um dos coarguidos ou, no limite e na maior parte das vezes, desde que não se lograsse em julgamento fazer prova em que esfera patrimonial concretamente reverteu essa vantagem patrimonial;
XII. E se assim for, não se descortina como, possa tal instituto cumprir as suas finalidades preventivas de dissuasão junto dos agentes do crime e da comunidade em geral (possíveis delinquentes);
XIII. Ao não declarar a perda de vantagens do crime, solidariamente, em relação a todos os arguidos, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação do art.º 111º, n.º 2 do C.P.”
1.2.2. Do arguido CC
“1) Não resulta minimamente provado o Ponto 38 dos factos provados na Douta Sentença, uma vez que nenhum Inspetor Tributário analisou as faturas em causa, não podendo confirmar a falsidade das mesmas.
2) Mais, resultou explícito a falta de conhecimento da existência das faturas que constam da Acusação e elencadas no Ponto 38 dos factos provados, desconhecendo todos os Inspetores o seu teor, uma vez que nenhum analisou tais faturas, sendo que ambos os Inspetores, DD e Inspetora EE remeteram tal questão para o Inspetor FF, último Inspetor Tributário a ser ouvido em audiência de Julgamento. Contudo o mesmo Inspetor FF foi explicito no seu depoimento que não analisou nenhuma das faturas constantes nos autos. Pelo que, a Juiz do Tribunal a quo nunca poderia dar como provado o Ponto 38 e consequentemente, os Pontos 14 e 15, 39 a 51 e 58, 62 a 65 da Matéria dada como provada.
3) Não poderia in casu o digno tribunal a quo ter proferido Sentença condenatória do arguido, com base na prova testemunhal produzida, antes se impondo outra solução: a absolvição integral do recorrente da acusação contra si formulada.
4) O recorrente impugna a Douta Sentença proferida sobre toda a matéria de facto, e concretamente os factos constantes dos Pontos 38 e consequentemente, os Pontos 14 e 15, 39 a 51 e 58, 62 a 65 dos factos dados como provados, indicando supra nas suas alegações os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impunham notoriamente uma decisão completamente diversa da recorrida.
5) Para isso, ao longo do presente recurso transcreveu parte dos depoimentos gravados das Declarações prestadas pelas testemunhas Inspetores Tributários ouvidos em Audiência de Julgamento e como nenhum confirmou ou declarou que as faturas constantes do Ponto 38 são falsas, a defesa prescindiu da inquirição de todas as suas testemunhas arroladas.
6) A Exma. Juiz do Tribunal a quo dá como provado que todas as transações constantes do Ponto 38 dos factos provados não ocorreram, com base em rigorosamente prova nenhuma, nem tão pouco documental, uma vez que do Relatório Inspetivo elaborado pelo Inspetor FF à Sociedade C..., não constam nenhuma das faturas elencadas no Ponto 38 dos factos dados como provados. Pelo contrário, do Relatório Inspetivo elaborado pelo Inspetor FF à Sociedade C... resulta que a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou as vendas, ou seja, o volume de negócios declarado da C... em 2014 no valor de 1.690.953,77 € (Um milhão seiscentos e noventa mil novecentos e cinquenta e três euros e setenta cêntimos) e em 2015 no valor de 4.508.930,52 € (Quatro milhões quinhentos e oito mil novecentos e trinta euros e cinquenta e dois cêntimos).
7) Ou seja, aceita essas faturas como verdadeiras quanto às vendas (não faz correção absolutamente nenhuma à matéria coletável em termos de IRC, tributando o imposto declarado), mas essas mesmas faturas de fornecimentos de mercadoria à Sociedade B... já são falsas ???!!!
8) Faz a tributação das vendas da C..., arrecadando imposto, não fazendo nenhuma correção técnica ao IRC a pagar ao Estado por parte da Sociedade C..., mas depois não aceita essas mesmas vendas na qualidade de fornecedor dos seus clientes ???!!!
9) Ora, é lógico que não tem qualquer cabimento este procedimento da Autoridade Tributária e Aduaneira. E de tão descabido que é esta Acusação de que as faturas são verdadeiras como vendas da C... à B..., mas essas mesmas faturas já não são consideradas verdadeiras como fornecimentos de mercadoria à B..., que nenhum Inspetor Tributário ouvido em audiência explicou tal fenómeno!!!
10) Mais, pelos duzentos e tal documentos juntos (Faturas, Recibos, Cheques, transferências bancárias, extratos de conta corrente) já no Requerimento de Abertura da Instrução, se provou que todas as transações foram verdadeiras, existindo apenas casos isolados de recibos com data anterior ao vencimento da fatura em virtude de ter sido passado cheques pré-datados. Daí emitir a fatura, o recibo e o cheque na mesma ocasião, sendo um procedimento normalíssimo no sector comercial.
11) Pelo que, a Juiz do Tribunal a quo devia ter dado como provado o facto de todas as faturas elencadas no Ponto 38 serem verdadeiras, uma vez que se trata de verdadeiras vendas de mercadoria da Sociedade C... para a Sociedade B....
12) A Exma. Juiz do Tribunal a quo deliberadamente na Douta Sentença não valoriza corretamente o depoimento das testemunhas Inspetores Tributários, que concretamente nada analisaram relativamente a cada uma das faturas emitidas pela C... à empresa B....
13) Assim, é notório que a Juíza do Tribunal a quo dá como provado o ponto 38, ou seja, que as transações não ocorreram, sustentando a sua posição apenas em indícios, que em audiência de Julgamento não foram confirmados por testemunha nenhuma, que nem sequer fazem referência ou identificam qualquer uma das faturas em causa nos presentes autos.
14) E aqui chegados, cumpre dar conta de duas notas, em relação ao caso concreto: em primeiro lugar, não houve corroboração da Acusação nas declarações dos Inspetores ouvidos em audiência, nem sabiam de que faturas se tratavam, qual o valor das mesmas, datas, etc., pelo que as declarações prestadas por tais testemunhas não podem, nem são suficientes para alicerçar a convicção de um Tribunal.
15) Pelo que, a convicção do Tribunal se mostra não fundamentada, aliás notoriamente não fundamentada, e violadora das regras da experiência comum, da lógica e da normalidade do acontecer.
16) Assim, os Serviços de Inspeção Tributária lançaram a suspeição que se tratavam de "faturas falsas", contudo não concretizam coisa alguma, nem tão pouco analisaram as faturas em causa e consideradas erradamente como falsas no Ponto 38 pela Juiz do Tribunal a quo. A falta de fundamentação e de provas é flagrante e notória, pois não basta alegar que "tudo é falso" sem concretizar minimamente os pontos em que assenta a sua conclusão.
17) Mais, o Inspetor Tributário FF declarou que não analisou nenhuma das faturas de venda da C..., não apontando qualquer nexo de causalidade.
18) Nesta conformidade, existe clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois a matéria de facto dada como provada, designadamente, Ponto 14 e 15, 38 a 51 e 58, 62 a 65, além de manifestamente errada, existindo notoriamente falta de fundamentação da condenação do recorrente, verificando-se o vício constante da al. a) do n° 2 do art.º 410º do CPP.
19) Errada interpretação da prova produzida e consequente erro de julgamento da matéria de facto, relativamente ao ponto 38 e consequentemente, dos Pontos 14 e 15, 39 a 51 e 58, 62 a 65, da matéria de facto provada, conforme já transcrito supra dos depoimentos dos senhores inspetores.
20) Mais, existe Erro notório na apreciação da prova, pois a Juíza do Tribunal "a quo" dá como provado os factos constantes nos pontos 14 e 15, 38, 39 a 51 e 58, 62 a 65, da matéria dada como provada na Douta Sentença, quando não foi realizada a mínima prova que possibilitasse alicerçar uma condenação.
21) Pelo que, tendo a Juíza do Tribunal " a quo" considerado falsas essas faturas, quando não existe nenhuma prova concreta, salvo o devido respeito, andou muito mal ao considerar provado tais factos na Douta Sentença.
22) Existe no caso sub judice violação expressa do princípio in dubio pro reo, não existe uma única prova concreta ou indício sério, seguro e forte de que a sociedade C..., na pessoa do arguido CC não tenha vendido a mercadoria constante das faturas postas em causa.
23) Pelo contrário, reitera-se, a autoridade tributária não pós em causa as vendas da Sociedade C... no procedimento inspetivo realizado aquela Sociedade.
24) Pelo contrário, pelo Relatório elaborado à Sociedade C... resulta que todas as faturas de venda foram aceites e por isso consideradas para tributação em sede de IRC.
25) Assim sendo, a douta Decisão recorrida, quanto à factualidade considerada provada, não se encontra devidamente fundamentada, com o que infringe o preceituado nos artigos 379, nº 1, al. a), e 374.°, n.° 2.
26) Por tudo isto, no presente caso, devemos atender ao princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual perante a incerteza dos factos, o Tribunal tem de absolver o arguido por falta de provas e por conseguinte rejeitar a posição da acusação.
27) Pelo exposto, deve o Tribunal "Ad Quem" concluir que o Tribunal "A Quo" fez uma errada interpretação e aplicação de Direito e dos factos, alterando-se a douta Decisão recorrida e, consequentemente, absolver o arguido.”
1.3. O Ministério respondeu ao recurso interposto pelo arguido CC, concluindo pela sua improcedência, nos seguintes termos:
“I. Embora se tenha socorrido não só, mas também, a presunções judiciais, resulta da fundamentação da sentença que as mesmas se basearam em factos estabelecidos por prova direta, seja documental seja testemunhal;
II. Factos esses dos quais decorreram necessária e logicamente as conclusões extraídas pelo Tribunal, tendo em conta a ausência de explicações alternativas minimamente credíveis a partir das quais pudessem resultar dúvidas acerca da correção de tais presunções;
III. Quando a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não há lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do arguido;
IV. O Tribunal “a quo” em momento algum denotou na motivação qualquer dúvida no processo de decisão;
V. A sentença recorrida revelou adequadamente e com suficiência como chegou à fixação da matéria de facto provada e não provada, tendo apreciado todos os elementos de prova, analisando-os criteriosa e exaustivamente, conciliando-os e extraindo conclusões lógicas, válidas e admissíveis;
VI. Por conseguinte, o Tribunal “a quo” não incorreu num erro de julgamento da matéria de facto por violação do art.º 127º do C.P.P. nem violou o princípio in dubio pro reo previsto no art.º 32º, n.ºs 2 e 5, da C.R.P.;
VII. O “erro notório na apreciação da prova” tem de resultar do texto da decisão e ser ostensivo, ou seja, que não escapa ao homem com uma cultura média, e nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida em audiência de julgamento;
VIII. Analisando a motivação da sentença, facilmente se percebe que os elementos de prova que foram avaliados criticamente, por si só ou quando colocados sob o olhar do homem médio e conjugados com o senso comum, jamais resultariam numa decisão absolutória do arguido, pois eles apontam todos em sentido contrário;
IX. Por outro lado, não se verifica no texto da sentença qualquer lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação da matéria de provada que sustentou a solução de direito preconizada;
X. Como também a matéria de facto provada é bastante para sustentar a solução de direito almejada, ou seja, permite por si só dar por verificado o crime de fraude fiscal e a necessária sentença condenatória;
XI. O vício da “insuficiência da matéria de facto provada” não se confunde com a insuficiência da prova produzida em julgamento para dar como provada a matéria de facto, a qual se insere na impugnação da matéria de facto;
XII. A sentença é autossuficiente em termos de fundamentação, pois explica de forma profícua o processo de formação da convicção do julgador, indicando os meios de prova que foram tidos em consideração no “iter” decisório, examinando criticamente a prova que serviu para formar a sua convicção e evidenciando de modo claro, pormenorizado e completo o percurso lógico e racional efetuado em sede de apreciação e valoração da prova que conduziu à verificação da prática do crime de fraude fiscal e consequente condenação;
XIII. A sentença não padece dos vícios da insuficiência para a matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, previstos no art.º 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.P. nem da nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2 do C.P.P.”
1.5. Respondeu por seu turno a arguida BB ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo pela sua improcedência, nos seguintes termos:
“1 - Vem o recurso a que se responde interposto da parte da douta sentença proferida com a Refª 122885749 que absolveu a Arguida, aqui Respondente, BB e os seus coarguidos do pedido de perda das vantagens do crime deduzido pelo Ministério Público, com o qual se discorda.
2 - A sentença recorrida constituiu um douto exercício intelectual, lúcido e independente, a que nenhum vício ou fragilidade podem ser apontados e que não merece qualquer reparo.
3 – São diversas as divisões funcionais, jurisprudenciais e doutrinais sobre o entendimento das circunstâncias da aplicação da perda de vantagens do crime.
4 - Sendo a “finalidade do instituto da perda de vantagens (…) restaurativa/preventiva e não punitiva” e se com “o instituto da perda de vantagens, o legislador pretendeu consagrar um sistema que permitisse repor a situação que existia antes da prática do crime, impedindo que os seus autores retirassem alguma proveito disso ou proporcionassem esses benefícios económicos indevidos a terceiros”, então, não se tendo provado a ocorrência de qualquer benefício económico para a arguida BB, é absoluta e inteiramente justo que esta não tenha sido nem venha a ser, definitivamente, condenada na perda de uma vantagem patrimonial (de que não usufruiu), ainda que no valor de € 79.018,48.
5 – Pelo exposto se entende que não deve ser dado provimento ao douto recurso apresentado pelo Ministério Público, mantendo-se inalterada a douta sentença recorrida.”
1.6. O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer, no qual concluiu dever o recurso do arguido ser julgado improcedente e procedente o recurso interposto pelo Ministério Público.
1.7. Foi cumprido o art.º 417º, nº 2, do CPP, tendo a arguida BB respondido ao parecer, concluindo no sentido da manutenção da sentença recorrida, como havia pugnado na resposta que deduziu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
1.8. Tendo em conta os fundamentos dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido e ademais os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.8.1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação;
1.8.2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação e/ou entre a fundamentação e a decisão;
1.8.3. Erro notório na apreciação da prova;
1.8.4. Impugnação da decisão de facto;
1.8.5. Possibilidade de determinação da perda de vantagens do crime.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte factualidade:
“1. A sociedade B... Unipessoal, Lda. (doravante B...), foi constituída em 31.01.2013, tendo como objeto social a transformação de cortiça e venda de rolhas, situando-se a sua sede na Rua ...
2. Desde a data da sua constituição era seu gerente o arguido AA, tendo-se o mesmo mantido nessa qualidade até à dissolução e encerramento da liquidação daquela sociedade em 15.03.2016.
3. Incumbia ao arguido AA a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade B..., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contactos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e ao mesmo incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.
4. A sociedade B..., em termos fiscais, era contribuinte n.º ... e coletada no serviço de Finanças Feira 2 para o exercício da atividade de “fabricação de rolhas de cortiça”, com o CAE 016294, estando enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal de periodicidade trimestral até ao ano de 2014 e no ano de 2015 no regime normal de periodicidade mensal e em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas no regime geral de tributação.
5. A sociedade D... Unipessoal, Lda. (doravante mencionada apenas por D...) foi constituída em 16.05.2011, tendo como objeto social a fabricação de rolhas de cortiça, situando-se a sua sede na Rua ..., em ....
6. Desde a data da sua constituição era sua única sócia e sua gerente, de facto e de direito, a arguida BB, tendo-se a mesma mantido nessa qualidade até à dissolução e encerramento da liquidação daquela sociedade em 10.09.2014.
7. De facto, incumbia à arguida BB, em exclusivo a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade D..., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, emitindo e recebendo faturas e recibos em seu nome e à mesma incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.
8. A sociedade A... Unipessoal, Lda. (doravante mencionada apenas por A...) foi constituída em 06.02.2014, tendo como objeto social a indústria de rolhas de cortiça e de produtos de cortiça, situando-se a sua sede na Rua ..., em ....
9. Desde a data da sua constituição era sua gerente, de facto e de direito, a arguida BB, tendo-se a mesma mantido nessa qualidade.
10. De facto, incumbia à arguida BB, em exclusivo a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade A..., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, emitindo e recebendo faturas e recibos em seu nome e à mesma incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.
11. A sociedade C..., Unipessoal Lda. (doravante mencionada apenas por C...) foi constituída em 28.02.2012, tendo como objeto social a fabricação de rolhas de cortiça e comércio por grosso de cortiça e seus derivados, situando-se a sua sede na Rua ..., em ....
12. Desde a data da sua constituição era seu único sócio e seu gerente, de facto e de direito, o arguido CC, tendo-se o mesmo mantido nessa qualidade até à extinção daquela sociedade em 30.05.2016.
13. De facto, incumbia ao arguido CC, em exclusivo a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade C..., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, emitindo e recebendo faturas e recibos em seu nome e à mesma incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.
14. Nos anos de 2014 e 2015, o arguido AA decidiu que iria inscrever na contabilidade da sociedade B... diversas faturas, que não correspondiam a qualquer transação real, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a essas transações, o que na realidade não sucedia, para, desse modo, beneficiar da dedução do IVA respetivo, como se o tivesse pago, o que, por não ter sido celebrado qualquer negócio, efetivamente não sucedeu.
15. Para tanto, nesse período temporal, o arguido AA acordou com os arguidos BB e CC que estes, através das sociedades A..., D... e C..., iriam emitir faturas como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a transações ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que o arguido AA as introduzisse na contabilidade da sociedade B... e, desse modo, beneficiasse da dedução do IVA respetivo, como se o tivesse pago.
16. Em cumprimento deste plano, no ano de 2014, a arguida BB, através da sociedade D... emitiu as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transação real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam que entregou ao arguido AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade B...:
a. Respeitantes ao 1º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
103-01-2014D... Unipessoal, Lda14.350,00 €3.300,50 €17.650,50 €
710-01-2014D... Unipessoal, Lda18.060,00 €4.153,80 €22.213,80 €
813-01-2014D... Unipessoal, Lda13.440,00 €3.091,20 €16.531,20 €
1014-01-2014D... Unipessoal, Lda10.800,00 €2.484,00 €13.284,00 €
1417-01-2014D... Unipessoal, Lda9.690,00 €2.228,70 €11.918,70 €
2004-02-2014D... Unipessoal, Lda15.400,00 €3.542,00 €18.942,00 €
2307-02-2014D... Unipessoal, Lda15.400,00 €3.542,00 €18.942,00 €
2510-02-2014D... Unipessoal, Lda15.400,00 €3.542,00 €18.942,00 €
3017-02-2014D... Unipessoal, Lda9.498,60 €2.184,68 €11.683,28 €
3604-03-2014D... Unipessoal, Lda11.400,00 €2.622,00 €14.022,00 €
3705-03-2014D... Unipessoal, Lda9.900,00 €2.277,00 €12.177,00 €
4007-03-2014D... Unipessoal, Lda7.050,00 €1.621,50 €8.671,50 €
4720-03-2014D... Unipessoal, Lda13.000,00 €2.990,00 €15.990,00 €
4821-03-2014D... Unipessoal, Lda8.800,00 €2.024,00 €10.824,00 €
5327-03-2014D... Unipessoal, Lda12.800,00 €2.944,00 €15.744,00 €
Total184.988,60 42.547,38 227.535,98
b. Respeitantes ao 2º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
5504-04-2014D... Unipessoal, Lda12.350,00 €2.840,50 €15.190,50 €
5811-04-2014D... Unipessoal, Lda9.900,00 €2.277,00 €12.177,00 €
6014-04-2014D... Unipessoal, Lda9.240,00 €2.125,20 €11.365,20 €
6121-04-2014D... Unipessoal, Lda12.600,00 €2.898,00 €15.498,00 €
6421-05-2014D... Unipessoal, Lda10.500,00 €2.415,00 €12.915,00 €
Total54.590,00 12.555,70 67.145,70
17. A sociedade B... inseriu na sua contabilidade as facturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respetivas, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago a título de IVA em troca das transações nelas descritas.
18. Porém, os valores de IVA declarados e acima diferenciados não foram pagos pela sociedade B... à sociedade D... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem D... entregou aqueles bens, nem a sociedade B... pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.
19. A D... nunca teve uma estrutura empresarial ou meios logísticos ou humanos que lhe permitissem exercer uma atividade compatível com a produção que decorre da faturação emitida.
20. Nunca teve equipamentos que fossem capazes de alcançar o nível de produtividade do volume de faturação que apresentava.
21. Apesar disso, nunca teve qualquer subcontratação de serviços.
22. A sociedade apresentou gastos de reduzido valor com combustíveis, manutenção e reparações de viaturas e não tinha contratação de serviços de transporte ou alugueres de viaturas que permitissem o transporte do volume de mercadoria transacionada.
23. Não existiu nenhum operador económico a declarar vendas de cortiça ou seus derivados para a D....
24. Apesar das faturas, não foram registados quaisquer recebimentos da D... relativos àqueles montantes.
25. Na fatura n.º10/F1 de 03.01.2014, a D... emitiu a primeira fatura para a B... alegadamente vendendo 35 fardos de cortiça, em momento em que a D... apenas tinha um stock de 10 fardos, sem que tenha adquirido nenhum entretanto, pelo que não possuía sequer 35 fardos para vender.
26. De novo, em 13.01.2014, a D... faturou à B... 32 fardos de cortiça que não tinha em stock.
27. Efetivamente, a arguida BB tem vindo, para além da sociedade D... e A..., a constituir e encerrar atividade em sociedades sucessivas como é exemplo, para além das aqui referidas as sociedades E..., Lda., F..., Lda., G... Unipessoal, Lda, H..., Lda., I..., Lda., todas elas suspeitas de usarem e/ou emitirem faturas falsas.
28. Em cumprimento deste plano, no ano de 2014, a arguida BB, através da arguida A... emitiu as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transação real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam que entregou ao arguido AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade B...:
a. Respeitantes ao 1.º trimestre de 2014:
FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
1020-03-2014A..., Unipessoal, Lda9.750,00 €2.242,50 €11.992,50 €
Total9.750,00 2.242,50 11.992,50
b. Respeitantes ao 2.º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
1807-04-2014A..., Unipessoal, Lda9.680,00 €2.226,40 €11.906,40 €
2411-04-2014A..., Unipessoal, Lda9.000,00 €2.070,00 €11.070,00 €
2714-04-2014A..., Unipessoal, Lda13.200,00 €3.036,00 €16.236,00 €
2821-04-2014A..., Unipessoal, Lda13.200,00 €3.036,00 €16.236,00 €
3713-05-2014A..., Unipessoal, Lda8.550,00 €1.966,50 €10.516,50 €
3914-05-2014A..., Unipessoal, Lda13.200,00 €3.036,00 €16.236,00 €
4216-05-2014A..., Unipessoal, Lda9.000,00 €2.070,00 €11.070,00 €
4420-05-2014A..., Unipessoal, Lda13.750,00 €3.162,50 €16.912,50 €
4722-05-2014A..., Unipessoal, Lda14.400,00 €3.312,00 €17.712,00 €
Total103.980,00 23.915,40 127.895,40
29. A sociedade B... inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respetivas, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago a título de IVA em troca das transações nelas descritas.
30. Porém, os valores de IVA declarados e acima diferenciados não foram pagos pela sociedade B... à sociedade A... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem A... entregou aqueles bens, nem a sociedade B... pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.
31. A A... nunca teve uma estrutura empresarial ou meios logísticos ou humanos que lhe permitissem exercer uma atividade compatível com a produção que decorre da faturação emitida.
32. Nunca teve equipamentos que fossem capazes de alcançar o nível de produtividade do volume de faturação que apresentava.
33. Apesar disso, nunca teve qualquer subcontratação de serviços, pelo que não seria possível à A... produzir as rolhas, nem a apara que declarou ter vendido, tanto que não possui compras para justificar essas vendas.
34. A sociedade apresentou gastos de reduzido valor com combustíveis e não tinha contratação de serviços de transporte ou alugueres de viaturas que permitissem o transporte do volume de mercadoria transacionada.
35. Não existiu nenhum operador económico a declarar vendas de cortiça ou seus derivados para a A....
36. Apesar das faturas, não foram registados quaisquer recebimentos da A... relativos àqueles montantes, verificando-se, quando existem depósitos, levantamentos quase de imediato de caixa em valor aproximado.
37. Quando em 07.04.2014 a A... emitiu fatura para a B... alegadamente vendendo 22 fardos de cortiça, não possuía esses bens para vender.
38. Em cumprimento deste plano, no ano de 2014 e 2015, o arguido CC, através da sociedade C... emitiu as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transação real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam que entregou ao arguido AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade B...:
a. Facturas respeitantes ao 2.º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
3603-04-2014C..., Unipessoal, Lda6.000,00 €1.380,00 €7.380,00 €
3704-04-2014C..., Unipessoal, Lda5.250,00 €1.207,50 €6.457,50 €
4311-04-2014C..., Unipessoal, Lda6.195,00 €1.424,85 €7.619,85 €
4411-04-2014C..., Unipessoal, Lda6.243,00 €1.435,89 €7.678,89 €
4512-04-2014C..., Unipessoal, Lda24.000,00 €5.520,00 €29.520,00 €
4614-04-2014C..., Unipessoal, Lda23.040,00 €5.299,20 €28.339,20 €
4714-04-2014C..., Unipessoal, Lda24.000,00 €5.520,00 €29.520,00 €
5729-04-2014C..., Unipessoal, Lda2.740,50 €630,32 €3.370,82 €
5829-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.150,00 €724,50 €3.874,50 €
5929-04-2014C..., Unipessoal, Lda2.995,50 €688,97 €3.684,47 €
6029-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.120,00 €717,60 €3.837,60 €
6129-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.180,00 €731,40 €3.911,40 €
6230-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.015,00 €693,45 €3.708,45 €
6330-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.225,00 €741,75 €3.966,75 €
6430-04-2014C..., Unipessoal, Lda3.450,00 €793,50 €4.243,50 €
6530-04-2014C..., Unipessoal, Lda5.274,00 €1.213,02 €6.487,02 €
6802-05-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
6902-05-2014C..., Unipessoal, Lda11.040,00 €2.539,20 €13.579,20 €
7002-05-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
7105-05-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
7205-05-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
7305-05-2014C..., Unipessoal, Lda11.040,00 €2.539,20 €13.579,20 €
7405-05-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
7605-05-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
7706-05-2014C..., Unipessoal, Lda11.040,00 €2.539,20 €13.579,20 €
7806-05-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
7906-05-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
9002-06-2014C..., Unipessoal, Lda4.800,00 €1.104,00 €5.904,00 €
9002-06-2014C..., Unipessoal, Lda1.395,00 €320,85 €1.715,85 €
9202-06-2014C..., Unipessoal, Lda2.565,00 €589,95 €3.154,95 €
9202-06-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
9303-06-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
Total277.158,00 63.746,35 340.904,35
b. Facturas respeitantes ao 3.º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
10801-07-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
11002-07-2014C..., Unipessoal, Lda8.640,00 €1.987,20 €10.627,20 €
11102-07-2014C..., Unipessoal, Lda8.640,00 €1.987,20 €10.627,20 €
11303-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.375,00 €776,25 €4.151,25 €
11403-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.225,00 €741,75 €3.966,75 €
11504-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.450,00 €793,50 €4.243,50 €
11604-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.330,00 €765,90 €4.095,90 €
11804-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.225,00 €741,75 €3.966,75 €
11907-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.315,00 €762,45 €4.077,45 €
12107-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.105,00 €714,15 €3.819,15 €
12618-07-2014C..., Unipessoal, Lda4.800,00 €1.104,00 €5.904,00 €
13123-07-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
13223-07-2014C..., Unipessoal, Lda10.080,00 €2.318,40 €12.398,40 €
13324-07-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
13424-07-2014C..., Unipessoal, Lda7.200,00 €1.656,00 €8.856,00 €
13525-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.750,00 €862,50 €4.612,50 €
13628-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.675,00 €845,25 €4.520,25 €
13728-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.712,50 €853,88 €4.566,38 €
13828-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.600,00 €828,00 €4.428,00 €
13929-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.787,50 €871,13 €4.658,63 €
14029-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.375,00 €776,25 €4.151,25 €
14129-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.487,50 €802,13 €4.289,63 €
14229-07-2014C..., Unipessoal, Lda3.637,50 €836,63 €4.474,13 €
14804-09-2014C..., Unipessoal, Lda12.480,00 €2.870,40 €15.350,40 €
14904-09-2014C..., Unipessoal, Lda12.480,00 €2.870,40 €15.350,40 €
15912-09-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
16012-09-2014C..., Unipessoal, Lda9.600,00 €2.208,00 €11.808,00 €
16115-09-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
16215-09-2014C..., Unipessoal, Lda10.080,00 €2.318,40 €12.398,40 €
16315-09-2014C..., Unipessoal, Lda9.600,00 €2.208,00 €11.808,00 €
16416-09-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
16516-09-2014C..., Unipessoal, Lda8.640,00 €1.987,20 €10.627,20 €
16616-09-2014C..., Unipessoal, Lda10.080,00 €2.318,40 €12.398,40 €
17422-09-2014C..., Unipessoal, Lda4.800,00 €1.104,00 €5.904,00 €
17623-09-2014C..., Unipessoal, Lda6.240,00 €1.435,20 €7.675,20 €
Total237.330,00 54.585,92 291.915,92
201409T237.330,00 54.585,90 291.915,90
c. Facturas respeitantes ao 4º trimestre de 2014:

FacturaData FacturaEmitentePreço praticadoIVAPreço Final
18401-10-2014C..., Unipessoal, Lda13.000,00 €2.990,00 €15.990,00 €
18902-10-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
19102-10-2014C..., Unipessoal, Lda10.080,00 €2.318,40 €12.398,40 €
19203-10-2014C..., Unipessoal, Lda8.640,00 €1.987,20 €10.627,20 €
19503-10-2014C..., Unipessoal, Lda9.600,00 €2.208,00 €11.808,00 €
19606-10-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
19706-10-2014C..., Unipessoal, Lda9.600,00 €2.208,00 €11.808,00 €
19806-10-2014C..., Unipessoal, Lda8.640,00 €1.987,20 €10.627,20 €
19906-10-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
20006-10-2014C..., Unipessoal, Lda16.900,00 €3.887,00 €20.787,00 €
20307-10-2014C..., Unipessoal, Lda15.600,00 €3.588,00 €19.188,00 €
20407-10-2014C..., Unipessoal, Lda7.200,00 €1.656,00 €8.856,00 €
21317-10-2014C..., Unipessoal, Lda7.680,00 €1.766,40 €9.446,40 €
21417-10-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
21621-10-2014C..., Unipessoal, Lda6.720,00 €1.545,60 €8.265,60 €
21721-10-2014C..., Unipessoal, Lda7.680,00 €1.766,40 €9.446,40 €
21922-10-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
22022-10-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
22122-10-2014C..., Unipessoal, Lda11.040,00 €2.539,20 €13.579,20 €
22222-10-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
22623-10-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
22723-10-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
22823-10-2014C..., Unipessoal, Lda11.040,00 €2.539,20 €13.579,20 €
23227-10-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
23327-10-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
23728-10-2014C..., Unipessoal, Lda10.942,50 €2.516,78 €13.459,28 €
23828-10-2014C..., Unipessoal, Lda10.590,00 €2.435,70 €13.025,70 €
24029-10-2014C..., Unipessoal, Lda11.313,00 €2.601,99 €13.914,99 €
24129-10-2014C..., Unipessoal, Lda13.654,50 €3.140,54 €16.795,04 €
24403-11-2014C..., Unipessoal, Lda5.760,00 €1.324,80 €7.084,80 €
24706-11-2014C..., Unipessoal, Lda12.480,00 €2.870,40 €15.350,40 €
24806-11-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
24906-11-2014C..., Unipessoal, Lda9.600,00 €2.208,00 €11.808,00 €
25107-11-2014C..., Unipessoal, Lda10.560,00 €2.428,80 €12.988,80 €
25207-11-2014C..., Unipessoal, Lda10.080,00 €2.318,40 €12.398,40 €
25613-11-2014C..., Unipessoal, Lda16.250,00 €3.737,50 €19.987,50 €
26014-11-2014C..., Unipessoal, Lda16.250,00 €3.737,50 €19.987,50 €
26318-11-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
26418-11-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
26519-11-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
26619-11-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
26719-11-2014C..., Unipessoal, Lda11.520,00 €2.649,60 €14.169,60 €
26820-11-2014C..., Unipessoal, Lda12.000,00 €2.760,00 €14.760,00 €
26920-11-2014C..., Unipessoal, Lda9.120,00 €2.097,60 €11.217,60 €
28515-12-2014C..., Unipessoal, Lda12.750,00 €2.932,50 €15.682,50 €
28916-12-2014C..., Unipessoal, Lda15.000,00 €3.450,00 €18.450,00 €
29016-12-2014C..., Unipessoal, Lda28.500,00 €6.555,00 €35.055,00 €
29218-12-2014C..., Unipessoal, Lda7.680,00 €1.766,40 €9.446,40 €
29318-12-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
29619-12-2014C..., Unipessoal, Lda8.160,00 €1.876,80 €10.036,80 €
201412T553.230,00 127.242,91 680.472,90
d. Faturas respeitantes ao exercício de 2015 – Meses de Janeiro a Dezembro:







39. A sociedade B... inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respetivas, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago a título de IVA em troca das transações nelas descritas.
40. Porém, os valores de IVA declarados e acima diferenciados não foram pagos pela sociedade B... à sociedade C... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem C... entregou aqueles bens, nem a sociedade B... pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.
41. De acordo com a contabilidade da sociedade C..., esta estaria, sistematicamente, a comprar mercadoria para a vender a um valor inferior, o que contraria a lógica empresarial.
42. Da análise da produção e mercadorias da C... verificou-se que:
- em 2012 declarou vender mais apara de broca do que aquela que, de acordo com as compras, possuía;
- em 2012, declarou ter comprado 7.820.700 rolhas, tendo mais de 3.500.000 desaparecido, dado que, nem foram vendidas, nem inventariadas;
- em 2013 declarou ter comprado cerca de 14,5 toneladas de cortiça e vendido cerca de 17,5toneladas, mas no inventário inicial desse ano dispunha de apenas 400kg e no final desse ano 2.500kg, ou seja, vendeu o que não tinha;
- em 2013 há cerca de 8,5 toneladas de apara de cortiça que desapareceram tendo em conta as compras declaradas e a variação de stocks;
- no ano de 2013 declarou ter comprado 3.503.100 rolhas e ter vendido 4.527.200 rolhas, mas no stock inicial declarou possuir 280.000 rolhas e no stock final declarou não possuir nenhuma, pelo que teria de ter produzido 744.100 rolhas, mas não tinha cortiça suficiente para introduzir nesse processo de fabrico;
- em 2014 declarou ter comprado cerca de 379 toneladas de cortiça e declarou ter vendido cerca de 395 toneladas, mas no inventário inicial desse ano dispunha apenas de 2,5 toneladas e no final desse ano declarou possuir 26,415 toneladas de cortiça, ou seja, de novo declarou ter vendido cortiça de que não dispunha;
- no ano de 2014 declarou ter comprado 11.125.500 rolhas e ter vendido 9.864.400 rolhas, mas no stock inicial declarou não possuir rolhas e no stock final declarou possuir 522.000 rolhas;
- em 2015, por comparação entre as rolhas compradas e vendidas, teriam de ser produzidas cerca de 15 milhões de rolhas, capacidade que a empresa não tinha, nem adquiriu.
43. Para além disso, a viatura indiciada nas guias de remessa relativas às faturas acima indicadas, de matrícula ..-..-IP, se tivesse percorrido os km ali indicados, teria necessariamente de ter mais km do que os que foram verificados nas suas inspeções periódicas.
44. Na fatura 2014/241 de 9.103kg de cortiça, é mencionado que o transporte foi efetuado pelo veículo acima identificado em 3 guias de remessa com 3.253 kg, 3350kg e 2500kg, isto é, em valores muito superiores à capacidade de carga da viatura em causa (1.485kg), quer em peso, quer em volume, não sendo possível o seu acondicionamento, naquelas quantidades no veículo em causa.
45. A C... nunca teve uma estrutura empresarial ou meios logísticos ou humanos que lhe permitissem exercer uma atividade compatível com a produção que decorre da faturação emitida.
46. Nunca teve equipamentos que fossem capazes de alcançar o nível de produtividade do volume de faturação que apresentava, nem instalações que permitissem armazenar aquela mercadoria.
47. O capital social da empresa era insuficiente para sustentar a empresa no nível de atividade declarado.
48. A sociedade B..., nos anos de 2014 e 2015, nunca teve qualquer estrutura empresarial para exercer a sua atividade com a dimensão que as faturas determinariam (compras de matéria prima no valor de €1.767.461,42 no ano de 2014 e de €3.882.890 no ano de 2015), quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações, quer de pessoal, dado que naquele período de tempo apenas teve como trabalhador dependente o arguido AA, seu gerente (que seria incapaz de realizar todas as tarefas que aquela faturação implicava), quer ainda de liquidez para pagamento daqueles valores e investir em volumes tão avultados de stock.
49. De facto, caso aquelas faturas correspondessem a negócios reais, a sociedade B... teria adquirido:
- no ano de 2014 à sociedade D... 352 fardos, 9 paletes e 9.677 kg de cortiça amadia com um peso total aproximado de 41.027 kg de cortiça e ainda 1067,5 milheiros de rolhas;
- no ano de 2014 à sociedade A... 202 fardos de cortiça com um peso total aproximado de 15.150kg e ainda 1080 milheiros de rolhas;
- no ano de 2014 e 2015 à sociedade C... 7.137 fardos, 35 paletes e 161.732 kg de bocados, com um peso aproximado de 716.257 kg de cortiça, 11.000 kg de apara e 7.197 milheiros de cortiça.
50. Ou seja, no ano de 2014, a sociedade teria mais de 65.000 kg de cortiça em stock e no ano de 2015 mais de 180.000 Kg, compras desnecessárias e para as quais posteriormente não foi dado destino.
51. Da análise da contabilidade e faturação da sociedade B... verifica-se que no ano de 2014 as compras à D..., C... e A... integram 98,88% do total das suas compras e no ano de 2015 as compras acima referidas à C... integram um total de 99% do total das suas compras.
52. Ademais, nestes autos, a sociedade B..., nas suas declarações periódicas de IVA apurou sempre imposto a recuperar, nomeadamente no final do ano de 2015, sem, no entanto, solicitar o reembolso desse dinheiro à autoridade tributária.
53. De acordo com a contabilidade da sociedade B..., quer ao nível das rolhas, quer ao nível da cortiça, estaria depois, alegadamente, a vender essas matérias a um preço inferior ao preço de custa, o que contraria a lógica empresarial.
54. Acresce que, tendo em consideração que a cortiça comprada só pode ter um dos dois destinos: ou vendida enquanto tal ou consumida no processo produtivo, do qual resultam dois produtos, sendo um as rolhas e o outro a aparam concluir-se-ia, tomando igualmente em consideração as existências iniciais [de cortiça, apara e rolhas], as vendas e as existências finais [de cortiça, apara e rolhas], que no exercício de 2014 a empresa deveria ter existências finais de 34.775,77Kg e no exercício de 2015 150.793,22Kg.
55. No entanto, na contabilidade apresenta como inventário final, de cortiça e seus derivados, os montantes de 4.298,30kg e de 66.159,00Kg, respetivamente.
56. Apesar de terem sido emitidos alguns cheques das contas bancárias tituladas pela B... no Banco 1... e no Banco 2... identificadas pelo nº ... e pelo nº ..., respetivamente, na maioria dos casos, os cheques não foram depositados, mas sim levantados ao balcão e, nas poucas situações em que os cheques foram depositados, verifica-se que as respetivas quantias foram de imediato levantadas através de cheques de caixa.
57. Para além disso, o arguido AA, juntamente com a sua esposa GG, tem vindo sucessivamente, para além da sociedade B... a constituir e encerrar atividade em sociedades sucessivas como é exemplo, para além da aqui referida as sociedades J...– Unipessoal, Lda., K... unipessoal, Lda. e L..., Lda.
58. Apesar de estarem cientes da falsidade destas faturas, o arguido AA inseriu aquelas faturas na contabilidade da sociedade B... como se fossem verdadeiras, deduzindo o IVA nelas mencionado nas declarações periódicas de IVA, nos moldes acima referidos, com o objetivo de receber benefícios fiscais que não lhe eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Fazenda Nacional, como veio efetivamente a suceder, o que os arguidos sabiam e quiseram.
59. Em suma, por força dos actos acima descritos, a sociedade B... obteve, nos períodos tributários que a seguir se indica as seguintes vantagens patrimoniais relativas a imposto indevidamente deduzido e que nunca foi pago:
a. Vantagem Patrimonial referente ao Exercício de 2014 – 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres:

Período TributárioVantagem Patrimonial -IVA Indevidamente deduzido
(campo 22 da Declaração)
Trimestre [2014.03T]44.789,88 €
Trimestre [2014.06T]100.217,45 €
Trimestre [2014.09T]54.585,92 €
Trimestre [2014.12T]127.242,90 €
Total326.836,15

b. Vantagem Patrimonial referente ao Exercício de 2015 – janeiro a dezembro:

Período TributárioVantagem Patrimonial -IVA Indevidamente deduzido (campo 22 da Declaração)
Janeiro de 2015 [2015.01]17.325,90 €
Fevereiro de 2015 [2015.02]53.231,20 €
Março de 2015 [2015.03]48.714,00 €
Abril de 2015 [2015.04]36.211,20 €
Maio de 2015 [2015.05]35.405,63 €
Junho de 2015 [2015.06]49.132,60 €
Julho de 2015 [2015.07]77.335,20 €
Agosto de 2015 [2015.08]29.918,40 €
Setembro de 2015 [2015.09]56.193,60 €
Outubro de 2015 [2015.10]130.630,80 €
Novembro de 2015 [2015.11]66.453,90 €
Dezembro de 2015 [2015.12]114.980,45 €
Total715.532,88

60. Os arguidos sabiam que, em sede de IVA, o apuramento do montante de imposto devido em cada período é efetuado pela dedução ao imposto liquidado do imposto suportado no pagamento das aquisições, isto é, que o operador económico pode deduzir em cada período o IVA que consta mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços, sendo o imposto a entregar ao Estado o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas faturas de venda e o IVA mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços.
61. Assim, sabia o arguido AA que se apresentasse na contabilidade da sociedade B... que geria, aquelas faturas documentando o pagamento de valores que na realidade não tinha suportado, como efetivamente fez, assim agindo fazia com que, tratando-se de montantes superiores ao IVA que a sociedade tinha recebido em transações que efetuou, pela diferença anularia o valor que tinha recebido a título de IVA e que devia entregar ao Estado ou mesmo excedendo-o e assim não teria de entregar esse valor, ainda recebendo em caso de excesso, sabendo que assim agindo induzia em erro a Administração Fiscal e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebia vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida do referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.
62. O arguido AA através da sociedade B... agiu de forma livre, voluntária e consciente, no seguimento de plano que traçou em conjunto com os arguidos BB e CC, emitentes das faturas através das sociedades D..., A... e C..., introduzindo-as na contabilidade da empresa que geria e nas declarações periódicas de IVA, não obstante saber que as mencionadas faturas não correspondiam a transações ou a prestações de serviços efetivas, titulando tão-só negócios simulados, com o objetivo de obter, como obteve, benefícios fiscais e patrimoniais indevidos, por a sociedade B... ter deixado de entregar nos cofres do Estado o montante de IVA que deveria pagar, após utilizando as importâncias monetárias assim obtidas em seu proveito, não obstante saber que não lhes pertenciam o que representou e quis.
63. O arguido AA através da sociedade B... atuou de modo concertado e em conjugação de esforços, meios e intenções com os arguidos BB e CC, enquanto representantes das sociedades D..., A... e C..., que conscientemente emitiram e facultaram as faturas, assim permitindo ao arguido AA através da sociedade B... obter aquelas vantagens ilícitas.
64. Os arguidos BB e CC, enquanto representantes das sociedades D..., A... e C..., agiram de foram livre, voluntária e consciente, sabendo que tinham emitido e entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transações reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objetivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Fazenda Nacional, como veio efetivamente a suceder, cientes que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a € 15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.
65. Mais sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
66. As sociedades D..., Unipessoal Lda. e A..., Unipessoal Lda. tinham trabalhadores ao seu serviço, dispunham de instalações e da maquinaria e veículos necessários ao exercício da sua atividade.
67. As sociedades D..., Unipessoal Lda. e A..., Unipessoal Lda. compravam cortiça, a transformavam em forma de rolhas e discos e os vendiam aos seus clientes.
68. Igualmente compravam aparas e refugo que, juntamente com aquele que resultava da sua própria atividade de transformação de cortiça acima referida, vendiam a clientes.
69. O arguido AA é o 6º descendente de uma fratria de 9 elementos, oriundo de um agregado familiar de modesta condição económico-cultural.
70. Ingressou o ensinou em idade considerada normal, concluindo o 6.º ano de escolaridade do ensino básico.
71. Posteriormente, foi obrigado pelo progenitor a ingressar no mundo laboral, começando a trabalhar na empresa “M...” aos 14 anos de idade.
72. Nesta altura da sua vida iniciou consumos de drogas e, posteriormente, consumos etílicos excessivos, situação que se manteve até cerca dos 35 anos de idade, tendo-se submetido a vários processos de desintoxicação.
73. Dos 21 aos 23 anos trabalhou na empresa “N...”, onde conheceu a sua atual esposa e com quem contraiu matrimónio.
74. O casal emigrou para a Suíça, onde permaneceram cerca de 5 anos.
75. O arguido AA trabalhou na área da construção civil e a esposa como empregada de limpeza.
76. Neste país nasceu a filha de ambos, HH.
77. Após o regresso da Suíça, o casal dedicou-se/lançou-se na área da produção corticeira/rolhas, com exploração de varias empresas neste sector, designadamente “J..., Unipessoal, Lda.”, “K..., Unipessoal, Lda.”, “B... Unipessoal, Lda.” e “L...”, que já se encontram encerradas.
78. À data dos factos descritos nos autos, bem como, no presente, o arguido AA reside com a esposa, GG (56 anos de idade) e com a filha do casal, HH (31 anos de idade), num meio habitacional sem conexão a problemáticas sociais relevantes.
79. Trata-se de uma moradia com boas condições de habitabilidade, que era pertença dos seus sogros, entretanto doada a duas netas desta (filha e sobrinha de AA).
80. Profissionalmente, há cerca de quatro anos, é gerente da empresa “O..., Unipessoal Lda.”.
81. Aufere o salário mínimo nacional, bem como a sua esposa, ambos trabalhar para a empresa “O..., Unipessoal Lda.”.
82. A filha, HH, aufere cerca de 1,000€ mensais, como professora de Geografia.
83. O arguido encontra-se há vários anos em acompanhamento psicológico, no Hospital ... (Centro Hospitalar ...), devido ao seu historial de excesso de consumos de álcool e drogas, consumos que não manterá há vários anos.
84. Foram detetados ao arguido sintomas precoces de Alzheimer, com medicação prescrita. Das condições económicas da arguida BB
85. A arguida BB descende de núcleo familiar de condição socioeconómica baixa, sendo o seu processo de desenvolvimento moldado por modelos relacionais de dominação e exposição à agressividade e conflitualidade, protagonizada pela figura paterna e agravada pela sua problemática alcoólica.
86. Filha de pai operário fabril da indústria da cortiça e mãe, vendedeira de peixe, a arguida e seus 9 irmãos, foram criados mediante a necessidade de encontrar rapidamente meios de trabalho par apoiar a economia doméstica.
87. Assim, após terminar a então 4ª Classe, a arguida iniciou-se no mundo do trabalho, aos 13 anos, e passou a trabalhar em unidade fabril de produção de rolhas de cortiça, localizada em ....
88. Entretanto, casou aos 18 anos com II, tendo dois filhos, de agora 39 e 31 anos. Viria a divorciar-se e a assumir os cuidados dos dois filhos menores, mantendo esta situação durante 10 anos, após os quais voltaria a casar com o pai de seus filhos.
89. Em 2005 assumiu a tutela de três sobrinhos, que criou, e que, entretanto se autonomizaram. 90. Profissionalmente, em 1989, estabeleceu-se por conta própria com unidade fabril da cortiça, juntamente com os filhos e sobrinhos.
91. Após o fecho da empresa em 2002, BB passou a trabalhar à hora, como operária em outras empresas locais do ramo da cortiça e deixou a moradia unifamiliar que tinha arrendada, em ... e onde vivia com os filhos e sobrinhos, passando a morar em apartamento inserido em empreendimento social, na Travª ..., em ....
92. Todavia, há cerca de 9 anos atrás mudou para a actual morada, na Rua ..., ....
93. Presentemente, BB reside numa moradia unifamiliar, de tipologia 3, com pequeno jardim e terreno envolvente, imóvel do descendente, pelo que não pagam renda e localiza-se em zona residencial semi-urbana.
94. A arguida encontra-se separada de facto de II, 62 anos, corticeiro, sendo que divide a habitação com este, ocupando cada um uma parte da casa (r/c e 1º andar), com vivências e rotinas autónomas.
95. A arguida exerce actividade profissional com a categoria de sócio-gerente na empresa “P..., Lda.”, auferindo o vencimento de 665€; o cônjuge também trabalha na mesma empresa como sócio-gerente e auferindo o salário de 665€.
96. A arguida exerce as funções de “escolhedeira de rolhas”, com o horário das 08:00h às 17:00h, de segunda a sexta-feira.
97. A situação económica é percecionada como razoável, apesar dos gastos judiciais e das dívidas à Autoridade Tributária.
98. A arguida realiza ações de voluntariado nos Estabelecimentos Prisionais levando bens materiais (vestuário), através da sua integração em instituição de cariz religioso.
99. O arguido CC advém de uma estrutura familiar de modesta condição cultural e económica, socialmente inserido e com dinâmicas afetivas e relacionais estabelecidas.
100. Tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade, que concluiu entre os 7 anos e os 12 anos, com duas retenções no seu percurso, pelo que, logo após deixada a escola iniciou o seu trajeto profissional, passando a acompanhar/auxiliar os pais na venda de fruta, o que aconteceu até cerca dos 18 anos, altura em que iniciou o serviço militar, tendo-se também casado catolicamente com aquela idade com JJ.
101. O arguido interrompeu o serviço militar que estava a cumprir em Tomar na especialidade de atirador por causa de problemas de saúde que nesse entretanto a sua já esposa estava a passar, terminando posteriormente o cumprimento da mencionada obrigação para com o Estado aos 21 anos.
102. O arguido e JJ (falecida há cerca de 2 anos) estiveram casados cerca de 10 anos, tendo a relação de ambos terminou de forma regular, via divórcio judicial.
103. Deste relacionamento, resultou o nascimento de um descendente, KK, com 30 anos, autonomizado.
104. Cerca dos 29 anos, CC iniciou o seu envolvimento afectivo com LL, com quem entretanto casou civilmente.
105. Desta união, nasceram 3 filhos – CC, com 18 anos, MM, com 14 anos, e NN, com 11 anos.
106. Também esta união acabou por ser dissolvida por divórcio, há cerca de 4 anos e meio.
107. Devido a alegada impossibilidade de CC e LL procederem à partilha da casa de habitação, dada a necessidade de ou um ou outro dar tornas à contraparte, mantiveram-se ambos na casa, que foi doada aos filhos.
108. Após cumprido o serviço militar, passou a laborar na construção civil, nas artes de pedreiro e trolha. Depois, granjeou experiência no sector corticeiro, como broquista, atividade que exerceu ao longo de vários anos, além de ter sido bombeiro voluntário ao serviço dos Bombeiros Voluntários ..., St. Mª da Feira, segundo ele, aproximadamente durante 25 anos.
109. No ramo corticeiro CC lançou-se também em nome próprio e fundou a sociedade C... Unipessoal, Lda. em fevereiro 2012, que tinha por objeto a fabricação e comércio de rolhas de cortiça e seus derivados, estando a matrícula desta firma cancelada desde 30/05/2016.
110. O arguido sinalizou problemas de depressão nervosa, continuando a tomar medicação ansiolítica e antidepressiva, o que acontece de há vários anos a esta parte.
111. CC vive na casa que foi e continua a ser casa de morada de família; a sua ex-mulher ocupa o 1.º andar com os filhos e nos rés-do-chão permanece o arguido, mantendo separação de vida íntima de casal.
112. O arguido encontra-se em situação de baixa médica não remunerada, tem-se dedicado à construção civil, assumindo as jornas que se lhe proporcionam neste sector e aufere entre 400/500 euros mensais desta atividade, comparticipando com a ex-cônjuge no pagamento das despesas fixas da casa, nas quais despendem cada qual cerca de 60 euros mensais.
113. Dedica-se também ao cultivo do quintal para obter produtos hortícolas, além da criação de bovinos, ovinos, suínos e galináceos para consumo/reforço da sua situação económica.
114. O arguido AA não tem antecedentes criminais.
115. A arguida BB sofreu já a seguinte condenação transitada em julgado:
a. PCS 660/16.0GAVFR, foi condenada por sentença transitada em julgado em 6/12/2021, pela prática em 10/2016, de um crime de falsificação de documento, na pena de 140 dias de multa, extinta pelo cumprimento.
116. O arguido CC não tem antecedentes criminais.”
2.1.3. O Tribunal a quo motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:
“O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art.º 127.º do C.P.P.
Desde logo, quanto à constituição e dissolução/extinção das sociedades em causa nos autos, bem como a atribuição da gerência de direito a cada um dos arguidos, tal resultou da análise das certidões comerciais atualizadas juntas aos autos por referência a cada uma das sociedades, não tendo sido impugnado o seu teor.
Quanto aos demais factos em causa nos autos, cumpre referir que os arguidos AA, BB e CC se recusaram validamente a prestar declarações ao abrigo do seu direito ao silêncio.
Assim, para prova dos factos em julgamento, foram relevantes os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, designadamente: DD, Inspetor Tributário, EE, Inspetora Tributária; OO, Inspetor Tributário e coordenador do procedimento inspetivo; PP, contabilista certificado das sociedades B... e A...; QQ, contabilista da sociedade C...; RR, legal representante da Q...; SS, filha da arguida BB; TT, filho da arguida BB; e FF, Inspetor tributário.
Foi ainda valorada a seguinte prova documental: auto de notícia de fls. 19 a 57; parecer de fls. 1202 a 1218; certidão permanente da sociedade B... de fls. 1223 a 1226; certidão permanente da sociedade D... de fls. 1228 a 1230; certidão permanente da sociedade A... de fls. 1233 a 1235; certidão permanente da sociedade C... de fls. 1242 a 1245; documentos de fls. 98 a 1129; documentos juntos pelo arguido CC em sede de instrução; relatórios das inspeções tributárias aos exercícios de 2014 e 2015, relativos às sociedades A..., D..., B..., C... e ao operador económico singular UU, juntos aos autos por oficio datado de 14/04/2022.
Cumpre, desde logo, referir que, não existindo nos autos prova direta de que as faturas em causa nos autos não titulam operações efetivamente realizadas, é sabido que a demonstração da verdade dos factos juridicamente relevantes não se faz exclusivamente através da prova direta dos mesmos. A nossa convicção pode e deve ser igualmente formada com base em prova indiciária. Ou seja, de factos “considerados em si mesmos irrelevantes, mas dos quais se pode, por raciocínio lógico, inferir a existência dos primeiros” (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág.298).
Assim, na apreciação e valoração da prova, a lei admite o recurso pelo juiz a regras da experiência ou presunções judiciárias, em ordem a extrair de factos conhecidos um outro ou outros sobre os quais se não fez prova direta.
Com efeito, “o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2007, P.º 07P2279, em www.dgsi.pt), sendo que, como é comummente aceite, os dados indiciários com aptidão para sustentar a convicção da verificação do facto probando devem ser graves, precisos e concordantes.
São graves os indícios que são resistentes às objeções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são suscetíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direção (La prova penale, 4.ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).
Assim, a prova indireta, circunstancial ou indiciária, sujeita à livre apreciação do julgador, exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, para que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis, exigindo-se, ainda, alguns requisitos: “pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal, de como se chegou à inferência” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/05/2012, P.º 347/10.8PATNV.C1 (www.dgsi.pt).
No caso em apreço, consideramos que são inúmeras as circunstâncias que concorrem para a conclusão de que as faturas emitidas pelas sociedades D..., A... e C..., e contabilizadas pela sociedade B..., não correspondem a transações ou a prestações de serviços efetivas, titulando tão-só negócios simulados, com o objetivo de obterem, como obtiveram, benefícios fiscais e patrimoniais indevidos. Vejamos:
No que concerne à factualidade respeitante à sociedade B... Unipessoal, Lda. (doravante B...), o tribunal valorou o seguinte acervo probatório:
Foram analisados todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; a cópias das faturas descritas nos ponto 16), 28) e 38) dos factos provados, constituindo prova direta dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da ação inspetiva iniciada em 22/02/2016, aos exercícios de 2014 e 2015, subscrito pelos inspetores tributários EE e DD.
Desde logo, o tribunal valorou depoimento do inspetor tributário DD, o qual foi objetivo, claro, lógico e imparcial. O mesmo afirmou que realizou ação inspetiva a esta sociedade, sobre os exercícios de 2014 e 2015. Segundo este inspetor, apurou que esta sociedade era efetivamente gerida pelo arguido AA, sendo que este era o único trabalhador da empresa nos anos de 2014 e 2015.
O inspetor DD afirmou visitou as instalações desta sociedade no ano de 2016, quando a mesma já não se encontrava em funcionamento, não tendo, porém, observado quaisquer evidências do exercício de atividade.
Quanto ao inspetor OO, o mesmo esclareceu que coordenou o procedimento inspetivo, tendo acompanhado diversas diligências realizadas pelos demais inspetores em cada uma das ações desenvolvidas e a que os autos respeitam.
Também a inspetora tributária EE referiu ter efetuado ação inspetiva à sociedade B..., tendo afirmado que visitou as instalações daquela, sem que houvesse qualquer vestígio de uma atividade relacionada com o ramo de cortiça, nomeadamente compatível com as faturas em causa nos autos. Mais confirmou que contactou diversas vezes com arguido AA e apurou que esta sociedade era efetivamente gerida pelo mesmo.
Ora, analisado o acervo documental junto aos autos, conjugado com a prova testemunhal produzida em julgamento, resulta evidenciado dos autos que as faturas das alegadas transações suportadas pela B... não podem corresponder a verdadeiras transações comerciais porquanto:
- esta sociedade sucedeu a outras sociedades comerciais cujo capital social era integral ou parcialmente detido pelo arguido AA ou pessoas consigo especialmente relacionadas, quais sejam a “J..., Unipessoal, Lda.”, “K..., Corticeira, Lda.”, “L..., Lda.”, todas elas com um reduzido tempo de existência jurídica;
- com efeito, essa sociedade foi constituída em Janeiro de 2013 e extinta em Março de 2016, o que é um período invulgarmente curto para uma sociedade com supostos ativos e atividade daquela ordem de grandeza;
- a sociedade registou compras de cortiça e existências incompatíveis com uma sociedade com as suas características, i.e., em termos de liquidez, comerciais e organizacionais, tanto mais que o seu único trabalhador era o seu gerente, aqui arguido.
- tratava-se de uma pequena empresa de estrutura familiar que, nos anos de 2014 e 2015 não dispunha de infraestruturas ou liquidez que suportassem o volume de negócios apresentado, não evidenciando capacidade económica para investir valores tao avultados em stock de cortiça;
- esta sociedade não apresentava registo de compras ou vendas que justificassem as aquisições tituladas pelas faturas. Com efeito, as compras de matéria prima declaradas ascenderam ao valor de € 1.767.461,42 no ano de 2014 e de € 3.882.890 no ano de 2015, valores inconciliáveis com a reduzida dimensão e capital social da empresa.
- feita análise ao corte de existências, a sociedade teria, no ano de 2015, um stock teórico de 180 toneladas de cortiça, ao qual não foi dado destino, não dispondo de instalações com capacidade para armazenamento de tais quantidades;
- mais se concluiu que tal stock também não estaria armazenada noutro local, nomeadamente por ter sido enviado para cozer em caldeiras, visto inexistirem documentos que suportem tais transportes, nomeadamente despesas de deslocação, guias de transporte ou faturas de tal serviço prestado por terceiros;
- aliás, ouvida a testemunha PP, contabilista da sociedade, o mesmo referiu que, caso tal serviço tivesse sido contratado, teria de estar espelhado da contabilidade;
- ademais, entre compras e vendas, a serem verídicas as compras tituladas pelas faturas objeto de sindicância, em 2014 a sociedade “B...” devia ter existências de 34,7 toneladas e, em 2015, de 150,7 toneladas, mas as efetivamente contabilizadas são de 4,2 toneladas e 66,1 toneladas, o que significa que, se as faturas titulassem operações reais, estaria por explicar o destino dado a 114 toneladas de cortiça;
- a serem reais as transações vertidas na contabilidade, a B... estaria a vender rolhas e cortiça abaixo do preço do que comprava, com rentabilidade reduzida e fora dos ratios normais do sector, o que contraria totalmente a lógica de mercado;
- analisados os stocks respeitantes ao ano de 2014, a sociedade apresentava um défice de 30 toneladas de cortiça sem qualquer justificação em termos contabilísticos;
- no final do ano de 2015, a sociedade B... apresentava um crédito de IVA de, aproximadamente, 100.000,00€, cujo reembolso não foi pedido ao Estado (contrariando a lógica do imposto e das próprias necessidades de tesouraria da empresa);
- a sociedade não apresentava gastos significativos com serviços externos, combustíveis, deslocações ou gastos bancários, sendo estes valores incompatíveis com o volume das compras suportadas pelas facturas em causa nos autos;
- no que respeita a pagamentos dessas mesmas compras, estavam titulados por pagamentos em numerário e por cheques, sendo que todos os cheques emitidos para pagamento (à exceção de dois) eram posteriormente levantados ao balcão, não chegando a transitar para as contas bancárias das empresas fornecedoras; com efeito, os fluxos financeiros das contas bancárias por si abertas no Banco 1... e Banco 2..., respetivamente sob n.º ... e nº ..., demonstram que cheques destinados aos respetivos pagamentos foram levantados ao balcão ou, quando depositados, as mesmas quantias foram de imediato levantadas através de cheques de caixa (cf. extratos de fls. 129 a 164), o que indicia de forma clara a existência de um circuito monetário fechado e artificial.
É certo que a testemunha RR, legal representante da Q..., afirmou ter mantido negócios com o arguido AA e a B..., reportando os anos de 2014 a 2016 como sendo os de volume de faturação superior.
Porém, como referimos, ficou o tribunal convicto de que esta sociedade mantinha atividade no sector, mas que esta não era compatível com o volume de negócios apresentado nas faturas emitidas pela D..., pela A... e pela C..., não evidenciando capacidade económica para investir valores tao avultados em stock de cortiça.
Em suma, não podemos deixar de concluir que a B..., embora tivesse uma atividade efetiva, mas muito aquém do volume de negócios que pretendia simular, não dispunha de uma estrutura económica e produtiva que lhe permitisse suportar as compras às sociedades D..., A... e C... que são tituladas pelas faturas em causa nestes autos.
Ademais, estas sociedades também evidenciam falta de capacidade produtiva para fornecer as quantidades tituladas pelas faturas emitidas por cada uma e contabilizadas pela B..., como passaremos a analisar.
No que concerne à factualidade respeitante à sociedade D... Unipessoal, Lda. (doravante mencionada apenas por D...), o tribunal valorou todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; cópias das faturas n.º 1, 7, 8, 10, 14, 20, 23, 25, 30, 36, 40, 47, 48, 53, 55, 58, 60, 61 e 64, descritas no ponto 16) dos factos provados, e que constam de fls. 188 a 217, 250 a 257, 299 e 300, constituindo prova direta dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da ação inspetiva iniciada em 17/12/2016, ao exercício de 2014, subscrito pelo inspetor tributário DD.
No que concerne à prova testemunhal, foi ouvido o inspetor tributário DD, o qual efetuou ação inspetiva a esta sociedade, quanto ao exercício de 2014, tendo apurado que a mesma era efetivamente gerida pela arguida BB. Segundo esta testemunha, então apurou que a maior parte das compras registadas na contabilidade desta sociedade estavam suportadas em aquisições a operadores fictícios, mormente sem qualquer atividade no sector da cortiça.
Ademais, relativamente às faturas das alegadas transações ocorridas entre a B... e a D..., a prova carreada para os autos impõe a conclusão de que as mesmas não podem corresponder a verdadeiras transações comerciais porquanto:
- apesar de laborar em instalações próprias, a sociedade apenas tinha dois trabalhadores à data em que as faturas em causa nos autos foram emitidas, sendo o equipamento pouco significativo quando vistas as quantidades de cortiça alegadamente fornecidas pela D... à B...;
- a sociedade D... exercia efetiva atividade no ramo da cortiça, mas não dispunha de infraestruturas que permitissem os fornecimentos titulados pelas faturas em causa nos autos;
- os valores de subcontratação de serviços externos eram diminutos, pelo que também não podem ter sido fornecidos os bens titulados pelas faturas com recurso a mão de obra externa;
- os montantes gastos pela sociedade D... em combustíveis, no período em causa nos autos, eram inferiores ao valor de 1.000,00€/ano, o que se mostra incompatível com os transportes alegadamente efetuados segundo as guias de transporte anexas às faturas;
- os valores respeitantes às reparações de maquinarias eram residuais, o que se mostra incompatível com a produção que as faturas em causa titulam;
- não foram apurados valores significativos de gastos com transportes de mercadorias ou aluguer de viaturas;
- há uma total incongruência entre as quantidades de mercadorias compradas, produzidas e vendidas;
- a sociedade tinha um veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-DP-.., a qual surge identificada nas guias de transporte anexas a faturas emitidas em causa nestes autos (tais como as faturas n.º 30 e 37) e para as quais manifestamente não tinha capacidade de carga, seja em virtude do peso (máximo de 3500 kg e reboque de 1500 kg), seja devido ao volume da mercadoria;
- foi apurado que, entre os anos de 2011 e 2014, a D... efetuou compras “fictícias” (porque a operadores sem real atividade no ramo) de cortiça no valor de 4.051.017,76€, visto os fornecedores serem pessoas com capacidade económica precária e sem indícios do exercício de atividade no ramo da cortiça;
- porém, ainda que tais compras fossem reais, as transações tituladas pelas faturas emitidas B... correspondem a quantidades de mercadoria muito superiores (com desvio na ordem das 125 toneladas) às referidas aquisições,
- feita análise ao corte de existências, foi verificado que, em determinados momentos, a sociedade não tinha em stock as quantidades que alegadamente vendeu à B... (pelo que, ainda que as compras da D... fossem verdadeiras, não poderia ter vendido aquilo que facturou à B...):
i) a primeira fatura da D... para a B... trata-se da fatura n.º 10/F1, com data de 03/01/2014, na qual são faturados 35 fardos de cortiça. Contudo, a D... havia apenas declarado um stock inicial de 10 fardos, não tendo, até àquela data, adquirido qualquer fardo, pelo que não possuía 35 fardos para venda;
ii) no dia 10/01/2014, a D... fatura à B... 42 fardos de cortiça; sendo certo que, no dia 08/01/2014 registou a compra de 47 fardos a M.P., e embora os factos apontem fortes indícios da fatura ser falsa, mesmo que a compra tivesse ocorrido, a cortiça teria sido consumida na produção de rolhas;
iii) no dia 13/01/2014 a D... volta a faturar à B... 32 fardos de cortiça que conforme já atrás mencionado em caso algum poderia ter estes fardos em stock para os poder faturar.
- no que respeita aos pagamentos da B... à D..., estes foram registados na contabilidade da primeira, através de cheques emitidos sobre a conta bancária titulada junto do Banco 1..., mas não deram entrada nas contas bancárias da segunda; com efeito, analisados os fluxos financeiros da B..., foi verificado que tais cheques foram levantados ao balcão pela arguida e legal representante da D..., BB;
- as contas bancárias da sociedade não eram utilizadas para efetuar pagamentos aos seus fornecedores, sendo registados, contabilisticamente, como pagamentos em numerário, pese embora o elevadíssimo montante a que respeitam;
- quando cessou a sua atividade em 31/07/2014, a D... faturou o equipamento de que dispunha, no valor total de 4.500,00€, composto por maquinaria considerada básica para o exercício da atividade no sector, manifestamente incompatível com a produção vertida nas faturas dos fornecimentos feitos à B....
Em face da prova assim produzida, ficou o tribunal com a convicção segura de que as faturas n.º 1, 7, 8, 10, 14, 20, 23, 25, 30, 36, 40, 47, 48, 53, 55, 58, 60, 61 e 64, descritas no ponto 16) dos factos provados, não revelam transações reais, visto que, apesar da sociedade D... desenvolver atividade empresarial efetiva, com instalações ajustadas às necessidades, nunca poderia ter fornecido os bens titulados por aquelas faturas. Com efeito, verifica-se uma patente incompatibilidade entre as existências declaradas e vendas faturadas à B..., a inexistência de operadores económicos que reconheçam ter vendido valores materialmente relevantes à sociedade D..., a ausência de registo bancário de pagamentos aos fornecedores, fosse por cheques ou através transferências bancárias, e um influxo de matéria prima claramente sobredimensionado para, em termos puramente contabilísticos, se justificar o circuito a jusante, com emissão de faturas de favor, sem vendas que as sustentassem. A isto acresce que, dos extratos bancários apreendidos resulta que não ingressaram nas contas da D... quantias minimamente aproximadas das que declarou ter faturado e recebido.
Relativamente à factualidade respeitante à sociedade A... Unipessoal, Lda. (doravante mencionada apenas por A...), o tribunal valorou toda a prova documental, nomeadamente: certidão permanente da sociedade; cópias das faturas n.º 10, 18, 24, 27, 28, 37, 39, 42, 44 e 47 descritas no ponto 28) dos factos provados, e que constam de fls. 218, 219, 258 a 265 e 288 a 297, constituindo prova direta dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da ação inspetiva iniciada em 25/11/2015, aos exercícios de 2014 e 2015, subscrito pelo inspetor tributário DD.
Quanto à prova testemunhal, o tribunal valorou, em primeira linha, o depoimento dos inspetores tributários DD e OO, os quais participaram das ações inspetivas a esta sociedade.
Certo é que, da prova acima elencada, resultou assim demonstrado que:
- a sociedade A... sucedeu, na sua estrutura empresarial, à sociedade D..., ambas representadas pela arguida BB;
- no ano de 2014, a sociedade apresentou pagamentos a três funcionários, mas só a partir do mês de agosto (data posterior à da emissão das faturas em causa nos autos, que se reportam ao período de março e abril de 2014);
- apresentava custos insignificantes em termos de contratação de mão de obra externa (76,00€), de custos com combustíveis (1.380,00€), eletricidade (74,00€), transporte de mercadorias (105,00€) ou gastos bancários (0€), o que se mostra absolutamente incompatível com um volume de vendas de cerca de 140.000,00€ à B...;
- a maior parte das compras registadas na contabilidade desta sociedade estavam suportadas em aquisições a operadores fictícios, não declarantes, mormente sem qualquer atividade no sector da cortiça, como era o caso de VV ou UU (quanto a este, vide o relatório da ação inspetiva junto aos autos por oficio datado de 14/04/2022);
- não existem operadores económicos a declarar vendas de matéria prima à A..., não existindo igualmente reflexo nas contas bancárias de movimentos a débito que deem respaldo a essas compras;
- feita análise ao corte de existências, foi verificado que, em determinados momentos, a sociedade não tinha em stock as quantidades que alegadamente vendeu à B..., como sucedeu aquando da emissão da fatura n.º 18 de 7/04/2014;
- no final do ano de 2014, a A... apresentava um stock negativo de 14 toneladas, mesmo que considerando como verdadeiras as aquisições de stock aos ditos operadores fictícios;
- as faturas acima referidas mostram-se acompanhadas de guias de transporte nas quais não é feita menção à viatura que efetuou o transporte ou em que é utilizada o referido veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-DP-.., sem capacidade de carga ou volume para transportar as quantidades tituladas nas faturas; exceção feita às faturas n.º 27 e 47, em que é referido o transporte através das viaturas com matrículas ..-..-VH e ..-..-JS, que não constam do aludido relatório como sendo viaturas da sociedade;
- inexistem registos bancários do recebimento do valor devido a titulo de pagamento das citadas faturas sendo que, quando ocorreram, verifica-se um fluxo financeiro oposto quase de imediato, anulando, na prática, a operação (como é o caso de dois cheques que foram efetivamente depositados mas logo seguidos de dois levantamentos em caixa de valor idêntico).
- segundo o inspetor tributário DD, as sociedades D... e A... chegaram a coexistir entre Fevereiro e Julho de 2014, sendo que visitou as instalações onde a arguida BB laborava, em 23/01/2014 e em 26/11/2014, tendo observado uma estrutura empresarial familiar, incompatível com o volume de vendas titulada pelas faturas em causa nos autos.
Daqui decorre que também a sociedade A..., apesar de desenvolver uma atividade empresarial efetiva, não forneceu à B... os bens titulados por aquelas faturas.
Quanto às sociedades D... e A..., ambas representadas pela arguida BB, é certo que foram ouvidas em audiência de julgamento testemunhas que relataram a existência de meios que permitiam o exercício de uma atividade na produção da cortiça superior até à média do sector.
Com efeito, as testemunhas SS e TT, ambos filhos da arguida, relataram que em 2014 as empresas laboravam já numas instalações de grande dimensão, trabalhava com cortiça de qualidade intermédia; tinham um volume de faturação elevado (pelo menos superior a 100 mil euros/mês); tinham maquinaria (25 a 30 máquinas) que permitia o funcionamento em simultâneo de mais de 20 trabalhadores e dispunham de um camião TIR com o qual realizavam os transportes das mercadorias para os clientes (não sabendo concretizar a qual das empresas pertencia).
Isto foi parcialmente confirmado pela testemunha RR, o qual referiu, de forma séria e credível, ter negociado com a arguida BB nos anos de 2013/2014, descrevendo a existência de uma fábrica de grandes dimensões, a funcionar em pleno, com capacidade para produzir grandes quantidades e fornecer às empresas melhores do mercado.
Certo é que não lograram estas testemunhas esclarecer a que pessoa coletiva se referiam ou sequer se tais meios pertenciam a alguma das sociedades em causa nos autos, quando vista a sucessão de sociedades constituída pela arguida no sector da cortiça.
O que podemos afirmar é que as sociedades D... e A... só tinham registados, no ano de 2014, dois trabalhadores (incluindo já a arguida, sua gerente); não tinham compras registadas a verdadeiros operadores económicos que lhes permitisse ter o stock que alegadamente teria vendido à B...; e que a viatura mencionada nas guias de transporte às faturas em causa nos autos não corresponde ao dito camião TIR mas ao veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ..-DP-...
Aliás, a testemunha SS identificou alguns dos clientes das empresas exploradas pela arguida BB e em momento algum se reportou à sociedade B..., que disse desconhecer. Já a testemunha TT referiu que, no ano de 2014, a sua mãe efetuou vendas ao arguido CC, mas não soube concretizar de forma minimamente aproximada o volume de negócios com esta sociedade.
Cumpre notar que estas duas testemunhas depuseram de forma pouco espontânea, demonstrando dificuldade em descrever aspetos que seria expectável conhecerem, atendendo ao grau de parentesco com a arguida e, no que se refere à testemunha TT, por ter sido trabalhador das sociedades. Desde logo, ambas as testemunhas revelaram dificuldades na identificação correta dos nomes das sociedades e da ordem pela qual foram constituídas, o que denotou que a veste societária era perfeitamente indiferente, já que a figura preponderante era a sua mãe e quando vista a proliferação de sociedades comerciais constituídas pela arguida.
Não colheu também a suposta explicação para a ausência de custos contabilisticamente registados com combustível, energia elétrica, transportes ou mão de obra e externa, nomeadamente que nem todos os custos suportados eram documentados na contabilidade por desleixo ou desnecessidade, argumento que contraria nas regras da experiência e do próprio funcionamento da liquidação do imposto. Com efeito, é consabido que as empresas procuram considerar todos os gastos suportados no exercício da atividade como forma de compensar os lucros e assim reduzir a matéria tributável em sede de IRC, bem como recuperar o IVA nas faturas elegíveis para o efeito, pelo que não é crível que, a existirem, deixassem de os documentar contabilisticamente.
Por outro lado, cumpre referir que, no que concerne à invocada possibilidade de terem sido emitidas as faturas em causa nos autos, pela D... e pela A... como forma de documentar outras transações verdadeiras, mas em sede de mercado paralelo, por forma a criar substrato documental para aqueles negócios, trata-se de uma mera hipótese com a qual foram confrontados os inspetores tributários, visto não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido. Porém, sempre se dirá que tais “faturas de substituição” são também documentos que simulam uma realidade que não existe. Com efeito, “as faturas não perdem a sua natureza fictícia pelo facto de a impugnante a elas ter recorrido para a cobertura de reais e efetivas operações com sujeitos passivos não emitentes, posto que os elementos caracterizadores das operações que descrevem não correspondem à realidade” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30/03/2017, P.º 00178/05.7BECBR (www.dgsi.pt).
Por tudo quanto se disse, se é certo que se apurou que tais sociedades tinham uma estrutura empresarial e outros clientes, nomeadamente o Grupo R..., importa concluir que a mesma não era coadunável com a produção necessária ao volume de vendas declarado, uma vez que não recorriam à subcontratação de serviços. Aliás, se o volume de vendas faturadas àquela sociedade já não era compaginável com a sua estrutura produtiva e logística, menos será com vendas adicionais a outros clientes.
Quanto à factualidade respeitante à sociedade C..., Unipessoal Lda. (doravante mencionada apenas por C...), o tribunal valorou o seguinte acervo probatório: certidão permanente da sociedade; cópias das faturas descritas no ponto 38) dos factos provados, constituindo prova direta dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da ação inspetiva iniciada em 13/12/2016, aos exercícios de 2012 a 2015, subscrito pelo inspetor tributário FF.
O tribunal valorou ainda o depoimento dos inspetores tributários DD, OO e FF quanto à análise efetuada das transações alegadamente existentes neste período entre a C... e a B....
Os inspetores tributários DD e OO, não tendo realizado a ação inspetiva a esta empresa, analisaram a mesma enquanto fornecedora da B..., nomeadamente com um volume de faturação de cerca de 5 milhões de euros nos anos de 2014 e 2015. Concluíram estes inspetores que se tratava de uma estrutura empresarial com uma atividade de reduzida dimensão, incompatível com tal volume de negócios, tanto mais que, pela análise dos saldos de contas, no final de 2015, era credora da B... num valor de 819.597,26€, financiando a atividade desta empresa sem que demonstrasse ter qualquer estrutura empresarial que o permitisse.
Já o inspetor tributário FF referiu ter sido responsável pela ação inspetiva iniciada em 13/12/2016, aos exercícios de 2012 a 2015, referindo que, analisadas as compras declaradas pela sociedade C..., as mesmas eram integralmente suportadas por empresas sem qualquer estrutura produtiva e de que era legal representante QQ, por sua vez contabilista da sociedade C....
Quanto a estas compras, acrescentou que as guias de transporte das faturas haviam sido registadas em data muito posterior à da transação, razão pela qual nunca poderiam ter acompanhado a respetivas mercadoras.
Ouvido enquanto testemunha, QQ confirmou ter sido contabilista da sociedade C..., apesar de não se recordar sequer da nomenclatura da firma até ser confrontado com a mesma. Num depoimento comprometido, demonstrou reduzido conhecimento do funcionamento e do volume de negócios da sociedade C..., mais se recusando a depor quanto aos factos respeitantes às sociedades de que era legal representante porquanto é arguido em processo criminal no qual se discutem esses mesmos factos.
Ora, analisada a prova documental e testemunhal carreada para os autos, temos que:
- a C... trata-se de uma sociedade constituída em 28/02/2012, com um capital social de 5.000,00€, com um único funcionário a tempo inteiro (o próprio arguido CC) e outro a tempo parcial, a funcionar em instalações de reduzida dimensão; e que por isso não dispunha de uma estrutura empresarial e de liquidez minimamente compatível com um volume de compras de matéria prima de 1.767.461,42€ no ano de 2014 e de 3.882.890,00€ no ano de 2015;
- porém, a estrutura de gastos da C... manteve-se sensivelmente constante ao longo de todo o seu período de atividade, i.e., entre 2012 e 2015, o que é incompatível com o aumento de cerca de 1000% da faturação entre 2013 e 2015;
- ao longo de todo o seu período de atividade, a sociedade vendeu o que não tinha, e das suas existências desapareceu inexplicavelmente material que supostamente adquiriu;
- inexistem quaisquer evidências de a sociedade ter material armazenado noutro local, nomeadamente cortiça enviada para cozer em caldeiras ou guardada em estaleiro, visto não terem sido localizados documentos que suportassem tais transportes, nomeadamente despesas de deslocação, guias de transporte ou faturas de tal serviço prestado por terceiros; antes revelam as guias que acompanham as faturas emitidas pela C... que o transporte daquela mercadoria era efetuado, alegadamente, a partir das instalações da sociedade e não de qualquer outro local;
- em sede de inspeção tributária à sociedade C... constatou-se que a generalidade dos seus fornecedores são, na realidade, operadores fictícios, sendo que esta sociedade, após os recebimentos da B... procedia a transferências para contas tituladas por esses operadores (sociedades instrumentais), sendo de seguida o montante levantado ao balcão, perdendo-se nessa circunstância o rasto financeiro;
- quanto a tais fornecedores, esclareceu o inspetor OO que cerca de 90% das compras eram efetuadas a sociedades de que era legal representante QQ, contabilista certificado da C..., sociedades que nunca tiveram qualquer atividade real e que não evidenciam qualquer tipo de fornecimento à sociedade ou a qualquer outra entidade;
- dos registos contabilísticos daquela sociedade deflui que, a terem sido reais as transações objeto de faturação, aquela teria vendido produtos a um preço inferior àquele a que os comprou, o que não se concebe no âmbito de uma atividade empresarial cujo lucro é o objetivo último;
- da análise das faturas emitidas pela C..., verifica-se que era utilizada, no transporte das mercadorias, uma viatura com peso bruto rebocável de 2.000 kg (incluindo o próprio peso), sem capacidade de carga ou volume para efetuar os aludidos transportes, sendo múltiplas as guias de remessa que excedem esse peso (cf., exemplificativamente, as constantes de fls. 221, 222, 224, 225, 324,326, 328, 342, 344, 423, 427, 428, 429, 436, 437, 556, 558, 560, 562 e 712), o que é bem elucidativo da impossibilidade física de tais fornecimentos terem ocorrido.
- ademais, esclareceram os inspetores tributários que, somando o numero de quilómetros percorridos nos trajetos constantes das guias de transporte anexos às ditas faturas, sempre a viatura teria de apresentar um número de quilómetros superior ao evidenciado nas inspeções periódicas.
A tudo isto acresce que, ouvida a testemunha QQ, contabilista da sociedade C..., o mesmo afirmou desconhecer a sociedade B..., não se recordando que a mesma fosse cliente ou fornecedora da C.... Ora, a serem reais as transações em causa os autos, que no período em causa ascenderam a cerca de um milhão de euros, não vemos como poderia o contabilista certificado olvidar um tal cliente.
Em face da prova assim produzida, ficou o tribunal com a convicção segura de que as faturas descritas no ponto 38) dos factos provados, não revelam transações reais, visto que, apesar da sociedade C... desenvolver atividade empresarial efetiva (nomeadamente no âmbito do mero comércio da apara da cortiça e reduzida produção de rolhas), com instalações ajustadas a tais necessidades, nunca poderia ter fornecido os bens titulados por aquelas faturas.
A tal conclusão não obsta a documentação junta aos autos pelo arguido CC, mormente em sede de instrução. Com efeito, tendo sido juntos aos autos recibos dos pagamentos das faturas em causa nos autos, verifica-se que parte dos recibos foram emitidos antes da data de vencimento das faturas cujo pagamento pretendem titular; aliás, como se assinalou já na decisão instrutória proferida nestes autos, veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes: recibo emitido em 8/4/2014, respeitante à fatura 2014/37, com vencimento em 19/5/2014 (a fls. 223); recibo emitido em 9/4/2014, respeitante à fatura 2014/36, com vencimento apenas em 3/6/2014 (a fls. 220); recibo emitido em 14/4/2014, respeitante à fatura 2014/43, com vencimento apenas em 26/4/2014 (a fls. 226); recibo emitido em 14/4/2014, respeitante à fatura 2014/44, com vencimento apenas em 19/5/2014 (a fls. 229); recibo emitido em 30/6/2014, respeitante à fatura 2014/79, com vencimento apenas em 6/7/2014 (a fls. 286); recibo emitido em 25/6/2014, respeitante à fatura 2014/92, com vencimento apenas em 2/9/2014 (a fls. 304); recibo emitido em 28/6/2014, respeitante à fatura 2014/77, com vencimento apenas em 6/7/2014 (a fls. 282).
Ora, segundo padrões de normalidade, o aumento do volume das trocas comerciais conduz ao aumento dos prazos de pagamento e não ao seu encurtamento ou eliminação. O que já resultava das faturas emitidas pela C..., e os recibos apenas corroboram, é que, não obstante se tratasse de um cliente com um volume de compras muito acima da média, as vendas deixaram de ser feitas a prazo e as faturas passaram a ser emitidas a pronto pagamento em 2014, assim se mantendo ao longo de todo o ano de 2015. Estaríamos, assim, perante negócios de milhões de euros em matéria prima paga, na sua maioria, antes do prazo ou a pronto pagamento, financiada por uma sociedade constituída há menos de dois anos, sem atividade sedimentada e com uma estrutura familiar e manifestamente incompatível com tais volumes de compras.
No que concerne à invocada possibilidade de rebaixamento da rolha, importa ter presente que se trata de mera hipótese académica, visto que nenhuma prova foi produzida em audiência de julgamento que permitisse concluir que a C... se dedicava a tal procedimento. Porém, sempre esclareceu o inspetor OO que o rebaixamento da rolha, a ter lugar, importa uma valorização da mesma (o que se mostraria ainda mais contraditório com a assinalada venda de produtos a um preço inferior àquele a que os comprou) e não contende com o número de rolhas em stock (ressalvadas algumas perdas com a operação), mormente nas quantidades que aparentemente “desapareceram” nas existências da sociedade.
Por fim, cumpre referir que nenhum reflexo tem na convicção do tribunal a circunstância de, em termos fiscais, ter a Administração Tributária optado por não efetuar qualquer correção em sede de IRC ao lucro tributável da sociedade C... no exercício de 2014. Como bem explicaram os inspetores tributários, as transações em causa nestes autos e declaradas como lucro tributável da sociedade C... foram consideradas como fictícias e, como tal, dariam origem a uma correção da liquidação do imposto em sede de IRC. No entanto, tal não sucedeu porquanto o relatório da ação inspetiva apenas ficou concluído em 2018, encontrando-se próxima a data da caducidade da liquidação da matéria coletável, o que motivou a decisão de serem efetuadas quaisquer correções. Não quer isto dizer que a Administração Tributária tenha assumido tais faturas como verdadeiras, mas tao só que não procedeu à correção da matéria coletável por questões relacionadas com um juízo de viabilidade da respetiva liquidação.
Em face da prova assim produzida, o tribunal ficou com a convicção inabalável de que as transações tituladas pelas faturas referidas na factualidade provada não correspondem, de facto, a transações reais ou, pelo menos, não corresponderam as transações nelas mencionadas. Tanto mais que esta conclusão racionalmente extraída desses elementos não foi infirmada por nenhum elemento probatório validamente produzido.
Os múltiplos indícios acima referidos são, destarte, graves, precisos e concordantes, inexistindo qualquer elemento probatório que tenha abalado a forte convicção que dos mesmos resulta, numa análise à luz das regras de experiência comum e de normalidade do ser.
Ademais, só mediante a existência de um acordo prévio gizado entre os legais representantes destas sociedades é que tais faturas poderiam ter sido emitidas sem qualquer substrato real, visando naturalmente a obtenção de vantagens indevidas por parte da sociedade B..., a qual logrou integrar essas mesmas faturas na sua contabilidade, sem que configurassem um efetivo custo suportado e ainda beneficiando da indevida dedução do montante do IVA liquidado. Por conseguinte, não temos dúvidas que tal atuação ocorreu mediante a delineação e execução do plano dado como provado.
Relativamente aos valores dos benefícios indevidamente obtidos pela sociedade B... a prova dos mesmos resultou da análise dos relatórios e pareceres juntos ao processos e respetivos anexos, conjugada com o depoimento dos inspetores tributários inquiridos em julgamento. Com efeito, para apuramento daqueles valores foi considerado o valor do IVA respeitante a todas as faturas descritas na acusação e que foi indevidamente deduzido pela sociedade nas respetivas declarações periódicas.
Já quanto à factualidade dada como não provada, a mesma diz respeito ao alegado pelos arguidos nas suas contestações. A não prova de tais factos resulta da análise da prova acima referida e, bem assim, da circunstancia de não ter sido produzida qualquer elemento probatório suscetível de formar convicção no sentido do sustentado pela defesa.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta dos arguidos foi considerado assente a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas apreciadas à luz das regras da experiência a que alude o artigo 127.º do Código Processo Penal, já que a consciência e vontade dos arguidos é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Para prova das condições sociais, pessoais e profissionais dos arguidos foi relevante o teor dos respetivos relatórios sociais elaborados pela DGRSP e juntos aos autos.
Foi ainda valorado o certificado de registo criminal de cada um dos arguidos quanto aos seus antecedentes criminais.”
2.1. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Recordemos, antes de mais, o entendimento pacífico, tanto ao nível do processo civil como do processo penal, aqui nos termos do art.º 412º, nº 1, do CPP, de que são as conclusões da motivação do recurso, enquanto resumo das razões do pedido, que delimitam o seu objeto, por ser à luz delas que se extrai o essencial e o âmbito de todas as questões a apreciar[1], sem prejuízo, nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, do conhecimento oficioso dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, ou ainda dos fundamentos da nulidade da sentença, referidos no art.º 379º do CPP. Ou seja, como ensina o Professor Germano Marques da Silva, após referir a importância das conclusões na delimitação do âmbito do recurso, “As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão de ser objeto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto da motivação (…) Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta.”[2]
Será, portanto, com base nas conclusões dos recursos que iremos apreciar o seu mérito
2.2.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Entende o recorrente CC que a sentença recorrida, quanto à factualidade considerada provada, não se encontra devidamente fundamentada, estando assim ferida de nulidade, nos termos do disposto nos art.ºs 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do CPP.
A contrário do vício de falta de fundamentação, em sentido próprio, o que a motivação do recurso nos revela, quando muito, seria a existência de uma mera insuficiência da fundamentação ou, mais seguramente, uma fundamentação não coincidente com a propugnada pelo recorrente, no tocante à decisão proferida sobre a matéria de facto provada, a apontar necessariamente para a sindicância do mérito da impugnação que o recorrente deduziu relativamente a tal decisão, à luz do art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP, e já que da análise da motivação do recurso e da concatenação lógica das diversas questões aí colocadas, a invocada “falta de fundamentação” surge como o culminar da discordância que o recorrente manifesta relativamente à factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, tendo por objeto os factos constantes dos pontos 14 e 15, 38, 39 a 51, 58 e 62 a 65, mormente as ilações probatórias produzidas a partir dos meios de prova obtidos no processo, assim como dos factos com base neles considerados provados nos autos, e na relação entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio in dubio pro reo, que o recorrente invoca para sustentar uma decisão diversa daquela, muito mais e diferente, portanto, do que a sustentação de uma verdadeira e exata falta de fundamentação, assumindo ademais o recorrente posicionamentos claramente contraditórios, porquanto não pode, logicamente, discordar da fundamentação produzida pelo Tribunal a quo para dar como provados determinados factos, nos termos em que o fez, e depois afirmar que a sentença é nula como se tal fundamentação não existisse, sendo certo que a nulidade da sentença, a que alude o art.º 379º, nº 1, al. a), do CPP, tem como pressuposto a ausência, e não a mera insuficiência das menções referidas no nº 2 do art.º 374º do Código de Processo Penal.
Analisada a decisão ora recorrida, bem como a argumentação deduzida na motivação do recurso, o que se pode concluir é que o recorrente não se conforma com aquela, não porque a mesma esteja destituída de fundamentação, especificamente da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, mas simplesmente por discordar da decisão e da fundamentação nela expressa, que considera traduzir um erro de julgamento da prova. Coisa muito distinta da falta de fundamentação, e dos efeitos da nulidade para ela legalmente previstos. Sendo que também não se pode confundir a falta de fundamentação com a mera insuficiência ou mediocridade desta, pois este é vício de índole material, de julgamento, atinente ao mérito da decisão proferida, escrutinável por via do recurso, quer tal insuficiência ou até mediocridade digam respeito à motivação da decisão de facto, quer à própria aplicação do direito aos factos, enquanto que o vício de falta de fundamentação, nos vários segmentos referidos na conjugação dos art.ºs 379º, nº 1 al, a), e 374º, nº 2, do CPP, é um vício de índole formal, de elaboração da própria sentença, na qual se omite uma das partes essenciais que a constituem.
A decisão recorrida indica os meios de prova de que o Tribunal se serviu para julgar os factos controvertidos e aprecia criticamente essa prova, como meridianamente resulta da respetiva motivação, acima transcrita, produzindo a partir dela as ilações probatórias que no seu entender se impunham à luz das regras da experiência comum, ao longo de 19 páginas, expressando a convicção que formou sobre a realidade dos factos dados como provados, factos estes que também foram devidamente enumerados naquela decisão.
Usando as palavras do professor Alberto dos Rei, vê-se que o Tribunal recorrido, de um ponto de vista substancial, e ainda que de forma “tanto quanto possível completa, ainda que concisa”, como prevê o art.º 374º, nº 2, do CPP, transmitiu ou demonstrou meridianamente que a solução dada ao caso é fáctico-juridicamente sustentada, e na sua perspetiva “legal e justa”, enquanto “emanação correta da vontade da lei”, e, também, de um ponto de vista prático, a forma com que o fez permite uma elucidação mínima e suficiente dos sujeitos processuais sobre as razões por que lhes foi desfavorável a decisão proferida, de molde a que possam impugnar o fundamento ou os fundamentos de tal decisão perante o tribunal superior[3]. Que é, no fundo, o que o recorrente, em bom rigor, está a fazer com a impugnação que deduz à matéria de facto dada como provada.
Razão por que, nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.
2.2.2. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação e/ou entre a fundamentação e a decisão
Na sequência da argumentação que deduz para sustentar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto provada, conclui o recorrente:
Nesta conformidade, existe clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois a matéria de facto dada como provada, designadamente, Ponto 14 e 15, 38 a 51 e 58, 62 a 65, além de manifestamente errada, existindo notoriamente falta de fundamentação da condenação do recorrente, verificando-se o vício constante da al. a) do n° 2 do art.º 410 do CPP”.
Ora, nem em tal segmento da motivação, nem em qualquer outro, evidencia o recorrente, com a específica fundamentação que o dever de motivação do recurso lhe exigia que fizesse, face ao disposto no art.º 412º, nº 1, do CPP, qualquer fundamento concretamente subsumível à norma contida na al. a) do nº 2 do art.º 410º, confundindo o vício aí referido com a mera discordância que revela relativamente à decisão de facto recorrida e respetiva motivação, olvidando que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pressupõe a indicação de um qualquer facto que devesse ter sido investigado pelo Tribunal a quo, considerado relevante para a decisão do mérito da causa, e que o mesmo não o tivesse sido, inquinando assim tal omissão o julgamento efetuado, sendo que o que resulta dos autos é o contrário disso, ou seja, que o Tribunal, no âmbito dos poderes de cognição que lhe competiam, face aos factos que constituíam o objeto do processo, e nessa medida também o objeto da prova, nos termos previstos no art.º 124º do CPP, não deixou de fora da sua apreciação nenhum deles, não tendo ficado fora do seu julgamento nenhum dos factos que importava conhecer. Tanto na motivação como nas respetivas conclusões, limita-se o recorrente a impugnar a decisão da matéria de facto, sobretudo a convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente a parte dos factos que considerou provados, confundindo claramente erro na apreciação ou valoração da prova, matéria subsumível ao instituto da impugnação da decisão de facto, a que alude o art.º 412º, nº 3, do CPP, com o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), já citado. [4].
Além disso, não vemos onde possa existir uma contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos previstos na al. b) do nº 2 do art.º 410º do CPP, porquanto tal contradição teria de resultar do texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo certo que a verificação de uma tal contradição implicaria a demonstração de uma qualquer incompatibilidade entre duas ou mais proposições que integram a fundamentação, cuja conjugação, ou conjugação com a decisão, não permitisse a função que a fundamentação e a decisão representam, que é chegar a uma conclusão lógica, de molde a que se pudesse dizer que a estrutura interna da própria lógica estava posta em causa. Ora, não se descortina onde possa conceber-se como contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão, o facto de o Tribunal a quo ter valorado a prova e com base nela formado a sua convicção sobre a realidade dos factos controvertidos, de um modo e com um resultado que é dissonante com aquele que o recorrente logicamente propugna em seu favor. Quando muito seria questão a apreciar no âmbito do mérito da decisão da matéria de facto, por via da sua impugnação, nos termos previstos no art.º 412º, nº 3, al.- a) e b), do CPP, mas sem que constitua um qualquer vício da decisão assente no texto da mesma, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Razão por que, também neste segmento, irá ser negado provimento ao recurso.
2.2.3. Do erro notório na apreciação da prova
Diz o art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP, que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.”
Nos termos e para os efeitos da disposição normativa citada, o vício de erro notório terá em primeiro lugar de assentar no texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e não com recurso a elementos externos a ela, nomeadamente à prova registada, sendo certo que o erro notório na apreciação da prova, no regime legalmente consagrado, se insere nas possibilidades de conhecimento do tribunal de recurso, no âmbito do recurso restrito à matéria de direito, no qual não foi admitida a chamada revisão alargada, por ter sido propósito do legislador conter a sindicância daquele tribunal, quando funcione como tribunal de revista, “aos termos estritos da sentença, embora se admitisse que o texto da decisão recorrida pudesse ser interpretado à luz das regras da experiência comum”[5]. Por outro lado, e precisamente porque a avaliação da existência de um tal erro teria de se basear no texto da decisão, o mesmo só poderia assumir relevância, para ter a qualidade de vício da decisão, se fosse notório, isto é, se fosse evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, ou à luz da análise feita por um Tribunal de recurso ou de um jurista minimamente preparado, de molde a que o mesmo se revelasse claro, evidente, permitindo concluir-se que, sem margem para dúvidas, a prova foi erroneamente apreciada[6]. Ou, segundo Simas Santos e Leal Henriques, "quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.” Considerando os mesmos autores que “existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro"[7].
Assim sendo, tudo o que possa traduzir-se numa discutível avaliação da prova, por via da análise do texto da decisão, mas que não possa considerar-se correspondente a um erro notório na apreciação da prova, ou que o caráter notório de um tal erro só possa ser aferido com recurso à prova registada no processo, então uma tal avaliação da prova, nesses casos, só será descortinável por via da impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos previstos no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP, e não com fundamento no art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP.
Ora, diz o recorrente na motivação do recurso: “Mais, existe Erro notório na apreciação da prova, pois a Juíza do Tribunal "a quo" dá como provado os factos constantes nos pontos 14 e 15, 38, 39 a 51 e 58, 62 a 65, da matéria dada como provada na Douta Sentença, quando não foi realizada a mínima prova que possibilitasse alicerçar uma condenação.
24. Assim, é notório que não foi feita a prova em audiência de julgamento de que as faturas constantes no Ponto 38 dos factos dados como provados na Douta Sentença não correspondem a transações reais de mercadoria.
25. Pelo que, tendo a Juíza do Tribunal " a quo" considerado falsas essas faturas, quando não existe nenhuma prova concreta, salvo o devido respeito, andou muito mal ao considerar provado tais factos na Douta Sentença.”
Ou seja, confunde o recorrente erro notório na apreciação da prova, ou seja, um vício com o conteúdo e sentido acima referidos, com a mera discordância que manifesta relativamente aos factos que o Tribunal a quo deu como provados. Factos esses cuja realidade o mesmo recorrente contradita através da reavaliação da prova que produz no âmbito da impugnação da decisão de facto, mas sem que, em momento algum, a partir de uma análise do texto da fundamentação da decisão recorrida, tendo em conta as regras da experiência comum, ponha em causa esses mesmos factos ou a convicção que sobre eles formou o Tribunal recorrido. Podendo dizer-se que o alegado pelo recorrente se resume a uma mera conclusão sem fundamentos, porquanto a fundamentação fáctico-jurídica que aduz na motivação do recurso, para pôr em causa aquela concreta factualidade terá, quando muito, específico enquadramento no instituto da impugnação da decisão de facto, essencialmente previsto no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP, sendo nesse âmbito que deverá ser conhecida, e não enquanto erro notório na apreciação da prova.
Razão por que, também neste segmento, irá ser negado provimento ao recurso.
2.2.4. Impugnação da decisão de facto
Veio o recorrente CC impugnar a decisão de facto proferida na sentença recorrida, no tocante aos pontos 14, 15, 38, 39 a 51, 58 e 62 a 65.
O Tribunal a quo motivou a decisão de facto nos termos já acima transcritos no ponto 2.1.2. deste acórdão, que aqui damos por reproduzidos.
A impugnação deduzida pelo arguido, assenta na seguinte argumentação:
nenhum Inspetor Tributário analisou as faturas em causa, não podendo confirmar a falsidade das mesmas. Mais, resultou explícito a falta de conhecimento da existência das faturas que constam da Acusação e elencadas no Ponto 38 dos factos provados, desconhecendo todos os Inspetores o seu teor, uma vez que nenhum analisou tais faturas, sendo que ambos os Inspetores, DD e Inspetora EE remeteram tal questão para o Inspetor FF, último Inspetor Tributário a ser ouvido em audiência de Julgamento. Contudo o mesmo Inspetor FF foi explicito no seu depoimento que não analisou nenhuma das faturas constantes nos autos. Pelo que, a Juiz do Tribunal a quo nunca poderia dar como provado o Ponto 38 e consequentemente, os Pontos 14 e 15, 39 a 51 e 58, 62 a 65 da Matéria dada como provada.”
Para sustentar tal pretensão invoca ainda o recorrente os excertos dos depoimentos das Testemunhas (Inspetores Tributários) DD, OO, EE, e FF. Concluindo novamente de seguida que “não resulta minimamente provado o ponto 38 dos factos provados, uma vez que nenhum Inspetor Tributário analisou as faturas em causa, não podendo confirmar a falsidade das mesmas”. O que, no seu entender, implica que se tenha de dar também como não provados os pontos 14 e 15, 39 a 51 e 58, 62 a 65 da matéria de facto dada como provada.
Mas não tem razão o recorrente.
Em primeiro lugar, não seria apenas da análise das ditas faturas, em si, que se poderia extrair ou não a sua falsidade, mas da relação do seu teor com a realidade que as mesmas pretendiam traduzir ou titular, porquanto a falsidade em causa é uma falsidade intelectual ou ideológica, no sentido de que o conteúdo de tais documentos não correspondem à verdade, e foi essa relação, estando em causa a emissão de faturas sem correspondência a qualquer transação real nas datas e montantes referidos no ponto 38 dos factos provados e a sua entrega ao arguido AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade B..., que o Tribunal a quo, fundamentadamente, escrutinou ao longo de toda a motivação da decisão de facto, nomeadamente nos termos que voltamos a reproduzir, e somente no que toca à sociedade de que o recorrente era legal representante:
“Quanto à factualidade respeitante à sociedade C..., Unipessoal Lda. (doravante mencionada apenas por C...), o tribunal valorou o seguinte acervo probatório: certidão permanente da sociedade; cópias das faturas descritas no ponto 38) dos factos provados, constituindo prova direta dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da ação inspetiva iniciada em 13/12/2016, aos exercícios de 2012 a 2015, subscrito pelo inspetor tributário FF.
O tribunal valorou ainda o depoimento dos inspetores tributários DD, OO e FF quanto à análise efetuada das transações alegadamente existentes neste período entre a C... e a B....
Os inspetores tributários DD e OO, não tendo realizado a ação inspetiva a esta empresa, analisaram a mesma enquanto fornecedora da B..., nomeadamente com um volume de faturação de cerca de 5 milhões de euros nos anos de 2014 e 2015. Concluíram estes inspetores que se tratava de uma estrutura empresarial com uma atividade de reduzida dimensão, incompatível com tal volume de negócios, tanto mais que, pela análise dos saldos de contas, no final de 2015, era credora da B... num valor de 819.597,26€, financiando a atividade desta empresa sem que demonstrasse ter qualquer estrutura empresarial que o permitisse.
Já o inspetor tributário FF referiu ter sido responsável pela ação inspetiva iniciada em 13/12/2016, aos exercícios de 2012 a 2015, referindo que, analisadas as compras declaradas pela sociedade C..., as mesmas eram integralmente suportadas por empresas sem qualquer estrutura produtiva e de que era legal representante QQ, por sua vez contabilista da sociedade C....
Quanto a estas compras, acrescentou que as guias de transporte das faturas haviam sido registadas em data muito posterior à da transação, razão pela qual nunca poderiam ter acompanhado a respetivas mercadoras.
Ouvido enquanto testemunha, QQ confirmou ter sido contabilista da sociedade C..., apesar de não se recordar sequer da nomenclatura da firma até ser confrontado com a mesma. Num depoimento comprometido, demonstrou reduzido conhecimento do funcionamento e do volume de negócios da sociedade C..., mais se recusando a depor quanto aos factos respeitantes às sociedades de que era legal representante porquanto é arguido em processo criminal no qual se discutem esses mesmos factos.
Ora, analisada a prova documental e testemunhal carreada para os autos, temos que:
- a C... trata-se de uma sociedade constituída em 28/02/2012, com um capital social de 5.000,00€, com um único funcionário a tempo inteiro (o próprio arguido CC) e outro a tempo parcial, a funcionar em instalações de reduzida dimensão; e que por isso não dispunha de uma estrutura empresarial e de liquidez minimamente compatível com um volume de compras de matéria prima de 1.767.461,42€ no ano de 2014 e de 3.882.890,00€ no ano de 2015;
- porém, a estrutura de gastos da C... manteve-se sensivelmente constante ao longo de todo o seu período de atividade, i.e., entre 2012 e 2015, o que é incompatível com o aumento de cerca de 1000% da faturação entre 2013 e 2015;
- ao longo de todo o seu período de atividade, a sociedade vendeu o que não tinha, e das suas existências desapareceu inexplicavelmente material que supostamente adquiriu;
- inexistem quaisquer evidências de a sociedade ter material armazenado noutro local, nomeadamente cortiça enviada para cozer em caldeiras ou guardada em estaleiro, visto não terem sido localizados documentos que suportassem tais transportes, nomeadamente despesas de deslocação, guias de transporte ou faturas de tal serviço prestado por terceiros; antes revelam as guias que acompanham as faturas emitidas pela C... que o transporte daquela mercadoria era efetuado, alegadamente, a partir das instalações da sociedade e não de qualquer outro local;
- em sede de inspeção tributária à sociedade C... constatou-se que a generalidade dos seus fornecedores são, na realidade, operadores fictícios, sendo que esta sociedade, após os recebimentos da B... procedia a transferências para contas tituladas por esses operadores (sociedades instrumentais), sendo de seguida o montante levantado ao balcão, perdendo-se nessa circunstância o rasto financeiro;
- quanto a tais fornecedores, esclareceu o inspetor OO que cerca de 90% das compras eram efetuadas a sociedades de que era legal representante QQ, contabilista certificado da C..., sociedades que nunca tiveram qualquer atividade real e que não evidenciam qualquer tipo de fornecimento à sociedade ou a qualquer outra entidade;
- dos registos contabilísticos daquela sociedade deflui que, a terem sido reais as transações objeto de faturação, aquela teria vendido produtos a um preço inferior àquele a que os comprou, o que não se concebe no âmbito de uma atividade empresarial cujo lucro é o objetivo último;
- da análise das faturas emitidas pela C..., verifica-se que era utilizada, no transporte das mercadorias, uma viatura com peso bruto rebocável de 2.000 kg (incluindo o próprio peso), sem capacidade de carga ou volume para efetuar os aludidos transportes, sendo múltiplas as guias de remessa que excedem esse peso (cf., exemplificativamente, as constantes de fls. 221, 222, 224, 225, 324,326, 328, 342, 344, 423, 427, 428, 429, 436, 437, 556, 558, 560, 562 e 712), o que é bem elucidativo da impossibilidade física de tais fornecimentos terem ocorrido.
- ademais, esclareceram os inspetores tributários que, somando o numero de quilómetros percorridos nos trajetos constantes das guias de transporte anexos às ditas faturas, sempre a viatura teria de apresentar um número de quilómetros superior ao evidenciado nas inspeções periódicas.
A tudo isto acresce que, ouvida a testemunha QQ, contabilista da sociedade C..., o mesmo afirmou desconhecer a sociedade B..., não se recordando que a mesma fosse cliente ou fornecedora da C.... Ora, a serem reais as transações em causa os autos, que no período em causa ascenderam a cerca de um milhão de euros, não vemos como poderia o contabilista certificado olvidar um tal cliente.
Em face da prova assim produzida, ficou o tribunal com a convicção segura de que as facturas descritas no ponto 38) dos factos provados, não revelam transações reais, visto que, apesar da sociedade C... desenvolver atividade empresarial efetiva (nomeadamente no âmbito do mero omércio da apara da cortiça e reduzida produção de rolhas), com instalações ajustadas a tais necessidades, nunca poderia ter fornecido os bens titulados por aquelas faturas.
A tal conclusão não obsta a documentação junta aos autos pelo arguido CC, mormente em sede de instrução. Com efeito, tendo sido juntos aos autos recibos dos pagamentos das faturas em causa nos autos, verifica-se que parte dos recibos foram emitidos antes da data de vencimento das faturas cujo pagamento pretendem titular; aliás, como se assinalou já na decisão instrutória proferida nestes autos, veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes: recibo emitido em 8/4/2014, respeitante à fatura 2014/37, com vencimento em 19/5/2014 (a fls. 223); recibo emitido em 9/4/2014, respeitante à fatura 2014/36, com vencimento apenas em 3/6/2014 (a fls. 220); recibo emitido em 14/4/2014, respeitante à fatura 2014/43, com vencimento apenas em 26/4/2014 (a fls. 226); recibo emitido em 14/4/2014, respeitante à fatura 2014/44, com vencimento apenas em 19/5/2014 (a fls. 229); recibo emitido em 30/6/2014, respeitante à fatura 2014/79, com vencimento apenas em 6/7/2014 (a fls. 286); recibo emitido em 25/6/2014, respeitante à fatura 2014/92, com vencimento apenas em 2/9/2014 (a fls. 304); recibo emitido em 28/6/2014, respeitante à fatura 2014/77, com vencimento apenas em 6/7/2014 (a fls. 282).
Ora, segundo padrões de normalidade, o aumento do volume das trocas comerciais conduz ao aumento dos prazos de pagamento e não ao seu encurtamento ou eliminação. O que já resultava das faturas emitidas pela C..., e os recibos apenas corroboram, é que, não obstante se tratasse de um cliente com um volume de compras muito acima da média, as vendas deixaram de ser feitas a prazo e as faturas passaram a ser emitidas a pronto pagamento em 2014, assim se mantendo ao longo de todo o ano de 2015. Estaríamos, assim, perante negócios de milhões de euros em matéria prima paga, na sua maioria, antes do prazo ou a pronto pagamento, financiada por uma sociedade constituída há menos de dois anos, sem atividade sedimentada e com uma estrutura familiar e manifestamente incompatível com tais volumes de compras.
No que concerne à invocada possibilidade de rebaixamento da rolha, importa ter presente que se trata de mera hipótese académica, visto que nenhuma prova foi produzida em audiência de julgamento que permitisse concluir que a C... se dedicava a tal procedimento. Porém, sempre esclareceu o inspetor OO que o rebaixamento da rolha, a ter lugar, importa uma valorização da mesma (o que se mostraria ainda mais contraditório com a assinalada venda de produtos a um preço inferior àquele a que os comprou) e não contende com o número de rolhas em stock (ressalvadas algumas perdas com a operação), mormente nas quantidades que aparentemente “desapareceram” nas existências da sociedade.
Por fim, cumpre referir que nenhum reflexo tem na convicção do tribunal a circunstância de, em termos fiscais, ter a Administração Tributária optado por não efetuar qualquer correção em sede de IRC ao lucro tributável da sociedade C... no exercício de 2014. Como bem explicaram os inspetores tributários, as transações em causa nestes autos e declaradas como lucro tributável da sociedade C... foram consideradas como fictícias e, como tal, dariam origem a uma correção da liquidação do imposto em sede de IRC. No entanto, tal não sucedeu porquanto o relatório da ação inspetiva apenas ficou concluído em 2018, encontrando-se próxima a data da caducidade da liquidação da matéria coletável, o que motivou a decisão de serem efetuadas quaisquer correções. Não quer isto dizer que a Administração Tributária tenha assumido tais faturas como verdadeiras, mas tao só que não procedeu à correção da matéria coletável por questões relacionadas com um juízo de viabilidade da respetiva liquidação.
Em face da prova assim produzida, o tribunal ficou com a convicção inabalável de que as transações tituladas pelas faturas referidas na factualidade provada não correspondem, de facto, a transações reais ou, pelo menos, não corresponderam as transações nelas mencionadas. Tanto mais que esta conclusão racionalmente extraída desses elementos não foi infirmada por nenhum elemento probatório validamente produzido.
Os múltiplos indícios acima referidos são, destarte, graves, precisos e concordantes, inexistindo qualquer elemento probatório que tenha abalado a forte convicção que dos mesmos resulta, numa análise à luz das regras de experiência comum e de normalidade do ser.
Ademais, só mediante a existência de um acordo prévio gizado entre os legais representantes destas sociedades é que tais faturas poderiam ter sido emitidas sem qualquer substrato real, visando naturalmente a obtenção de vantagens indevidas por parte da sociedade B..., a qual logrou integrar essas mesmas faturas na sua contabilidade, sem que configurassem um efetivo custo suportado e ainda beneficiando da indevida dedução do montante do IVA liquidado. Por conseguinte, não temos dúvidas que tal atuação ocorreu mediante a delineação e execução do plano dado como provado.
Relativamente aos valores dos benefícios indevidamente obtidos pela sociedade B... a prova dos mesmos resultou da análise dos relatórios e pareceres juntos ao processos e respetivos anexos, conjugada com o depoimento dos inspetores tributários inquiridos em julgamento. Com efeito, para apuramento daqueles valores foi considerado o valor do IVA respeitante a todas as faturas descritas na acusação e que foi indevidamente deduzido pela sociedade nas respetivas declarações periódicas.”
Ora, do que se deixou transcrito, para não falar da motivação da decisão de facto, nos segmentos em que o Tribunal expõe a convicção por si formada relativamente à ausência de atividade das empresas pertencentes às demais sociedades comerciais com quem a sociedade B..., Lda., e relativamente a esta também a sociedade representada pelo recorrente, estabeleceram relações comerciais fictícias, aliás nos termos já acima transcritos no ponto 2.1.3. do presente acórdão, não é possível concluir, como pretende o recorrente, que o Tribunal recorrido possa dar “como provado que todas as transações constantes do Ponto 38 dos factos provados não ocorreram, com base em rigorosamente prova nenhuma”, porquanto é o contrário disso que resulta da motivação da decisão de facto.
A essência da fundamentação, de todos conhecida, erigida em dever jurídico-constitucionalmente imposto pelo art.º 205º, nº 1, da CRP, integrada ademais num processo de legitimação interna e externa da própria decisão, e nessa medida também de legitimação da própria função judicial, assume o seu especial significado precisamente nos casos em que se exige um particular cuidado no exame crítico das provas que sirvam para formar a convicção do tribunal, como aqueles em que se trate de avaliar as chamadas provas indiciárias, indiretas ou por presunção. Para chegar à demonstração da realidade dos factos que o recorrente agora pretende impugnar, o Tribunal a quo socorreu-se de meios de prova direta e indireta, esta em sentido objetivo, isto é, de prova indireta, indiciária ou por presunção, a qual, tendo por objeto factos que não são os que constituem o tema da prova, permitem, todavia, através da lógica e das regras da experiência, chegar à demonstração da realidade deste últimos[8]. No primeiro tipo de prova o juiz obtém o conhecimento do facto através de pessoas que o presenciaram e lho relatam ou através de coisas que lhe são apresentadas, enquanto que no segundo o juiz chega à demonstração do facto a provar através de um outro ou de vários outros e da aplicação das regras da lógica formal e da experiência. Sendo que na prova por presunção[9] ou também chamada indireta ou indiciária, admissível no processo penal por via do disposto nos art.ºs 125º e 127º do CPP, o facto ou indício de que se parte deve estar probatoriamente demonstrado, no âmbito de um procedimento jurídico-processualmente válido, normalmente mediante prova que diretamente o demonstre, ainda que conjugada com prova indiciária[10].
Foi isso exatamente o que o Tribunal a quo fez, e resulta meridianamente espelhado na motivação da decisão recorrida, a qual não merece qualquer reparo. E muito menos vislumbramos como os excertos dos depoimentos das testemunhas indicados pelo recorrente imponham uma decisão diversa da recorrida, sobretudo porque os mesmos não permitem infirmar com um mínimo de sustentabilidade a convicção espelhada na motivação da decisão de facto recorrida e com ela a realidade que o tribunal deu como provada e muito menos impor uma decisão diversa daquela, como exige o art.º 412º, nº 3, do CPP. Limitando-se o recorrente a usar os excertos dos referidos depoimentos para construir ilações de prova a si favoráveis, persistindo em usar em seu favor, mas de forma espartilhada e intencionalmente dirigida a sustentar a tese que propugna, circunstâncias que o próprio Tribunal considerou na avaliação global dos meios de prova produzidos no processo, que não apenas segmentada, ou criteriosamente escolhida, como agora faz o recorrente, mas tendo em conta todos os factos e meios de prova produzidos nos autos e no julgamento realizado, no seu conjunto e no seu total valimento. Sendo por isso inócuos, face ao acervo probatório considerado pelo Tribunal a quo, os excertos do depoimento da testemunha DD, nomeadamente quando disse, a propósito da tributação do imposto e do facto de não fazer nenhuma correção técnica ao IRC: “Não sei explicar… tem de perguntar ao meu colega”. Sendo certo que o Tribunal a essa questão, no contexto da pluralidade dos meios probatórios considerados, respondeu especificamente, nos termos acima reproduzidos, retirando qualquer relevância de contraprova que pudesse representar tal depoimento relativamente aos demais meios de prova considerados. As mesmas considerações valendo quanto ao levantamento dos cheques ao balcão dada pela testemunha OO, nada mais que um palpite ou uma pura suposição da mesma (“Acontece por vezes que levantam ao balcão por causa de uma penhora das Finanças, com medo de alguma coisa”), que não tem significação alguma face à sustentada motivação da convicção do Tribunal recorrido, meridianamente espelhada na decisão recorrida. Designadamente quando, relativamente à sociedade C..., representada pelo recorrente, constatou “que a generalidade dos seus fornecedores são, na realidade, operadores fictícios, sendo que esta sociedade, após os recebimentos da B... procedia a transferências para contas tituladas por esses operadores (sociedades instrumentais), sendo de seguida o montante levantado ao balcão, perdendo-se nessa circunstância o rasto financeiro”. Em consonância, aliás, com o também registado quanto aos pagamentos feitos pela B... à D..., em que os respetivos cheques não davam entrada nas contas bancárias da segunda, e quando analisados os fluxos financeiros da B..., foi dado verificar que tais cheques foram levantados ao balcão pela arguida e legal representante da D..., BB. Assim como, relativamente à sociedade B..., se apurou que a mesma não apresentava registo de compras ou vendas que justificassem as aquisições tituladas pelas faturas, e quanto aos pagamentos das compras os mesmos “estavam titulados por pagamentos em numerário e por cheques, sendo que todos os cheques emitidos para pagamento (à exceção de dois) eram posteriormente levantados ao balcão, não chegando a transitar para as contas bancárias das empresas fornecedoras”, resultando dos fluxos financeiros das contas bancárias por si abertas no Banco 1... e Banco 2..., respetivamente sob n.º ... e nº ..., “que cheques destinados aos respetivos pagamentos foram levantados ao balcão ou, quando depositados, as mesmas quantias foram de imediato levantadas através de cheques de caixa (cf. extratos de fls. 129 a 164), o que indicia de forma clara a existência de um circuito monetário fechado e artificial”.
Sendo ademais despiciendas as ilações atomizadas que o recorrente pretende extrair do facto de a testemunha OO ter dito que lhe haviam dito que a C... tinha cozido há 2 anos atrás cortiça, ou a testemunha WW ter dito que não viu o mapa de imobilizado da firma C..., o primeiro um depoimento de ouvir dizer e o segundo a constatação de um não facto, que soçobram claramente perante a pluralidade e qualidade da prova considerada e avaliada pelo Tribunal a quo. As mesmas considerações são válidas para a puramente retórica invocação dos excertos das demais testemunhas mencionadas pelo recorrente, como a tautológica afirmação da testemunha FF, claramente descontextualizada: "eu sei que a C... vendeu mercadoria à B..., mas não analisei essas vendas, foi o meu colega DD." Ou a relevância que possa ter a afirmação de um facto puramente burocrático, pela testemunha EE, quando à pergunta sobre se foi ela quem inspecionou a Sociedade B..., respondendo: "Sim", acrescentando que "em 2014 e 2015 a grande parte da faturação era da C...... empresa inspecionada pelo colega FF".
Podendo agora concluir-se que não logrou o recorrente indicar, com o rigor exigido por lei, um concreto meio de prova que impusesse decisão diversa da recorrida, nos termos exigidos pelo art.º 412º, nº 3, al. b) e nº 4, do CPP, tanto relativamente ao ponto 38. como relativamente aos demais, limitando-se, no essencial, a tirar ilações genéricas, probatoriamente inócuas, a partir de excetos de depoimentos probatoriamente anódinos ou irrelevantes, no âmbito do presente recurso, e em total dessintonia com a rigorosa e acurada fundamentação da decisão de facto recorrida. Não se descortinando ainda onde possa ter havido violação do princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção de inocência consagrado no art.º 32º, nº 2, da CRP, cuja aplicação pressupõe uma incerteza sobre a realidade dos factos, assente na prova produzida, isto é, a persistência de uma dúvida razoável e insanável que imponha ao julgador uma pronúncia favorável ao arguido, no sentido de serem dados os factos controvertidos como não provados, mas dúvida essa que não se vislumbra sustentável, nem o recorrente a evidencia, para além da sua mera afirmação conclusiva, podendo dizer-se que, nesta parte, o recurso se apresenta inepto.
Como é sabido, o Tribunal de recurso não faz um novo julgamento, para o qual nem sequer teria os meios ou oportunidades, nem a imediação na produção e apreciação da prova de que gozou o tribunal de primeira instância. Por isso, uma decisão contrária à proferida por aquele tribunal, no sentido pretendido pelo recorrente, só seria possível se os meios de prova por este indicados impusessem uma decisão contrária àquela. Possibilidade que não foi dado verificar nos autos.
Razão por que irá ser julgada improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto e com ela negado provimento ao recurso interposto pelo arguido.
2.2.5. Da possibilidade de determinação da perda de vantagens do crime
Não se conformando com a douta decisão recorrida, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, considerando que, ao contrário do ali decidido, deveria o Tribunal a quo ter determinado a perda das vantagens do crime em relação a todos os arguidos.
O Tribunal a quo considerou na decisão recorrida que apenas a sociedade B..., Lda., poderia ser condenada no pagamento ao Estado da quantia de 1.042.369,03€, correspondente às vantagens patrimoniais obtidas com prática do facto ilícito típico, sem prejuízo dos direitos do ofendido, bem como da dedução de eventuais pagamentos efetuados, porquanto só aquela sociedade é que teria obtido para si o benefício da vantagem conseguida com o crime praticado.
Como é sabido, o instituto da perda de vantagens assume uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança, estando o decretamento nele baseado diretamente conexionado com a prática do crime, assumindo por isso uma clara autonomia relativamente ao pedido cível deduzido no processo, não estando, portanto, dependente da dedução ou não dedução de tal pedido ou do sucesso ou insucesso da pretensão nele reclamada. Por outro lado, vem sendo entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência, nomeadamente neste Tribunal da Relação do Porto, que, mesmo nos casos em que haja condenação do arguido no pedido cível, em valor que coincida com o da perda de bens ou vantagens do crime, mesmo assim deverá ser decretada a perda a favor do Estado, ou quando a perda de vantagens não seja possível em espécie, o pagamento do respetivo valor, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou lesado, que não serão por esse facto afetados, assim como não serão afetados quaisquer direitos do arguido, na medida em que sobre ele, enquanto tal e enquanto demandado cível, não poderá haver qualquer sobreposição no cumprimento de uma e outra obrigação. Pagando ou entregando ao lesado os bens ou as vantagens obtidos com a prática do crime, deixa de possuir bens ou vantagens que tenha de entregar ou pagar ao Estado. Entrega ou pagamento que só terá de realizar uma vez, precisamente por uma vez bastar para que perca os bens ou as vantagens que auferiu com o crime praticado. É neste sentido que tem ido a jurisprudência, de forma uniforme e reiterada, nomeadamente nos seguintes acórdãos: Do Tribunal da Relação do Porto: de 31-05-2017, processo n.º 259/15.9IDPRT-P1; de 12-07-2017, processo n.º 149/16.8IDPRT.P1; de 26-10-2017, processo n.º 217/15.3IDPRT.P1; de 24-10-2018, processo n.º 904/15.6IDPRT.P1; de 11-04-2019, processo nº 360/17.4IDPRT.P1; de 26-01-2022, processo nº 2769/16.1T9PRT.P1; Do Tribunal da Relação de Lisboa: de 18-06-2019, processo nº 2706/16.3T9FNC.L1-5; Do Tribunal da Relação de Évora: de 07-09-2021, processo nº 95/18.0T9LLE.E1.
Ou seja, é no pressuposto da existência de uma vantagem patrimonial, titulada por um determinado sujeito, que se dá fundamento à concretização da finalidade do regime legal da perda de bens, que é subtrair a esse sujeito, que poderá ser o arguido ou um terceiro, os proventos que para ele advieram da prática de um determinado ilícito típico. Daí a lei falar em perda a favor do Estado das coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie – art.º 111º, nº 2, do CP na redação em vigor à data dos factos. Sendo a neutralização do benefício patrimonial obtido pelo agente que fundamenta o instituto da perda de bens, tal como o mesmo se encontra previsto no Código Penal, porquanto com ele se visa pôr fim à situação patrimonial ilicitamente conseguida com o crime, num primeiro momento através do decretamento da perda em espécie, da coisa ou do direito ou “inclusivamente a de benefícios de uso ou a de evitação de dispêndios”[11], ou, em suma, “tudo aquilo que possa ser objeto de uma pretensão de enriquecimento”[12], e, num segundo momento, se os direitos, as coisas ou as vantagens referidas, e referidas também quanto ao sujeito que as obteve (cf. nº 4 do art.º 111º do CP na data em vigor à data dos factos), não puderem ser apropriadas em espécie, a perda em substituição através do pagamento ao Estado do respetivo valor, ou seja, do valor correspondente às vantagens obtidas pelo agente do crime, porquanto só desse modo se alcançará o propósito de prevenção da criminalidade que com tal medida se visa alcançar, que é o mesmo que dizer: através do “aniquilamento do benefício patrimonial ilicitamente conseguido”[13] pelo mesmo agente. Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, ao afirmar que, “Se as vantagens do crime aproveitarem à pessoa em nome ou em benefício de quem o facto foi praticado, a perda é decretada contra a pessoa beneficiada”[14]. E também João Conde Correia, para quem, com o decretamento da perda, “não está em causa a imposição de um mal, mas a supressão dos benefícios do crime, cuja manutenção na esfera do visado poderia induzi-lo à prática de novos ilícitos e criar na comunidade perniciosas sensações de impunidade”[15].
Entendimento contrário ao que fica exposto, além de não ter acolhimento na letra e no espírito da lei, tal como foi concebida na parte geral do Código Penal, isto é (citando o Professor Jorge de Figueiredo Dias), como uma sanção análoga a uma medida de segurança, visando primariamente “um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o ‘crime’ não compensa», transformaria o instituto da perda de vantagens numa verdadeira pena, ressuscitando os temores associados ao velho “confisco”, desde logo na oneração que representaria para o património da pessoa visada, caso não tivesse sido ela o beneficiário, que assim também se transmitira aos próprios herdeiros, porquanto acabaria por atingir as “forças da herança”, em clara violação do princípio da pessoalidade e da intransmissibilidade da pena, que tem assento no art.º 30º, nº 3, da CRP, e em violação também do princípio da proporcionalidade, o que nos faria, como faz, ainda lembrar Cesare Beccaria, que considerava o confisco “pena maior do que a expulsão”, acrescentando (salvaguardando-se a linguagem própria do seu tempo): “As confiscações põem a preço a cabeça dos fracos, fazem sofrer aos inocentes a pena do réu, e põem os próprios inocentes na desesperada necessidade de cometer os delitos. Que espetáculo mais triste do que uma família arrastada na infâmia e na miséria pelos delitos de um chefe, à qual a submissão imposta pelas leis impediria de preveni-los, mesmo que existissem os meios para o fazer!”[16]
Assim sendo, está correta a fundamentação expressa na douta decisão recorrida, na interpretação que nela se fez da lei.
E nada resultando dos autos que permita concluir que os arguidos, à exceção da arguida B... Unipessoal, Lda., tivessem obtido para si qualquer vantagem patrimonial, não é logicamente possível relativamente a eles declarar-se a perda de algo que não obtiveram, ainda que através da condenação no pagamento do respetivo valor, porquanto os mesmos não a auferiram ou dela foram beneficiários, e só sendo beneficiários se poderia dizer que, com a declaração da perda, estaríamos a realizar o escopo que com a mesma se visa alcançar: o de neutralizar, na esfera jurídico-patrimonial do respetivo agente, o benefício patrimonial ilicitamente obtido com a prática do crime. Fora isso, seria transformar a perda de vantagens numa verdadeira pena.
Razão por que irá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o arguido recorrente, AA, decaiu totalmente no recurso interposto, é o mesmo responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
Nos termos do disposto no art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
Tendo em conta a complexidade do processo, aferida também em função da complexidade do recurso, julga-se adequado fixar a taxa de justiça em 4 ½ UC
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelo arguido AA, negando provimento ao recurso pelo mesmo interposto, mantendo na íntegra a decisão recorrida;
b) Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Custas do recurso a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 ½ UC.

Porto, 2023-05-17
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva [vencida nos termos da seguinte declaração de voto:
Considero que a pretensão recursiva deduzida pelo Ministério Público, relativa à perda de vantagens do crime, tem fundamento legal, sufragando o entendimento do Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2023, proferido no processo n.º 2460/20.4T8VFR.P1 (disponível em www.dgsi.pt), cuja argumentação se ajusta ao caso em análise. Ademais, entendo ainda relevante assinalar o sentido decisório de diversos acórdãos em que, embora a questão suscitada no presente recurso não se mostre debatida expressamente, os arguidos foram condenados no pagamento do valor correspondente à vantagem resultante do crime sem que tenha sido feita distinção quanto ao beneficiário direto da vantagem (vd. entre outros, Acórdãos TRP de 15-03-2023, proc. 786/20.6T9VLG.P1, de 28-10-2021, proc. 321/19.9IDPRT.P1, de 25-09-2019, proc. 964/15.0IDPRT.P1; TRL 07-04-2022, proc. 610/19.2T9FNC.L1-9, de 18-06-2019, proc. 2706/16.3T9FNC.L1-5, de 04-04-2019, proc. 1487/17.8T9FNC.L1-9; TRG de 06-06-2022, proc. 14/18.4 IDCCT.G1, de 21-02-2022, proc. 127/19.5IDBRG.G1, de 08-11-2021, proc. 4/19.0T9VNC.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt). De outro modo julgo não ser possível alcançar a finalidade preventiva do instituto em causa, como também é afirmado pelo recorrente.
Por conseguinte, considero que ao recurso do Ministério Público deveria ser concedido provimento.]
________________
[1] Cf. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão da edição de 2014, Almedina, Coimbra, p. 1389, Ac. do STJ, de 04/11/2015, Pº 303/08.6GABNV-B.E1.S1, e de 18/06/2013, Pº 483/08.0TBLNH.L1.S1, in www.dgsi.pt/jtsj
[2] Curso de Processo Penal, III, 3ª Edição revista e atualizada, Verbo, 2009, p. 347.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, LIM., Coimbra 1984, p. 139 e 140.
[4] Cf. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 4ª edição revista, Almedina, Coimbra, 2022, p. 1328.
[5] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 1131
[6] Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2014, p. 1359.
[7] Código de Processo Penal Anotado, II Volume, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2000, p. 740.
[8] Cf. Euclides Dâmaso Simões, “Prova Indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)”, Julgar, 2007, nº 02, p. 203 e seg. e José Santos Cabral, “Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade”, Julgar, 2012, nº 17, p. 13.
[9] Por presunção judicial, usando a terminologia jurídica do direito probatório material civil, ou seja, ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art.º 349º do Código Civil
[10] José Santos Cabral, Idem, p. 27 a 32”
[11] Professor Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 632.
[12] Jescheck, apud Jorge de Figueiredo Dias, obra citada, p. 633.
[13] Expressão de Maurach/Zipf, apud Jorge de Figueiredo Dias.
[14] Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, p. 498. E já antes, o mesmo autor, na edição de 2010, p. 362. E também M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal – Parte geral e especial, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 468.
[15] João Conde Correia, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, Lisboa, 2012, p. 94
[16] Cesare Beccaria, DOS DELITOS E DAS PENAS, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1998, p. 111 e 112.