Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6373/16.6T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: DEPOIMENTO DE COARGUIDO
Nº do Documento: RP202002126373/16.6T9VNG.P1
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As declarações do arguido, sendo um meio de prova legal, podem, por si só, fundamentar a condenação de coarguido, mesmo que desacompanhadas de outro meio de prova, estando apenas sujeitas às mesmas regras de qualquer meio de prova, nomeadamente aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo.
II – A circunstância de o coarguido, por sua livre vontade, não ter estado presente na audiência onde foi produzida a declaração incriminatória, não viola o princípio do contraditório se o autor da declaração respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas quanto a essa matéria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6373/16.6T9VNG.P1
Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia J2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 6373/16.6T9VNG a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – J2 foram julgados e condenados os arguidos B… e C…, sendo o primeiro como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03.01, na pena de prisão de sete meses e como coautor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de prisão de oito meses e em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77.º, do Cód. Penal, na pena única de prisão de um ano; e o segundo arguido como coautor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de prisão de nove meses.

Desta sentença veio o arguido C… interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 309/322 dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes:
1. No âmbito dos presentes autos, foi o ora arguido condenado por sentença de 03.04.2019 e notificada a 07.05.2019, pela prática em coautoria de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão de nove meses.
2. Veio o Tribunal a quo alicerçar a sua decisão na valoração da prova produzida em sede de discussão e julgamento, e tendo, nesse sentido, julgado incorretamente os pontos 2.1.5, 2.1.6., 2.1.7 e 2.1.8. dos factos dados como provados.
3. O Tribunal a quo formou a sua convicção exclusivamente com base nas declarações do coarguido prestadas na ausência do aqui Recorrente, violando a plenitude do princípio do contraditório (32.º n.º 5 CRP).
4. Isto porque, pese embora estivessem os seus direitos devidamente assegurados pelo seu defensor, facto é que há elementos cujo conhecimento parte única e exclusivamente do arguido, desconhecendo – sem possibilidade para conhecer – o seu defensor os mesmos, posição esta defendida pelo Ac. da Relação de Lisboa de 02.02.1994; proc. 0318643.
5. Mas mais, “as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”, cf. Ac. da Relação de Coimbra de 21.06.2017; proc. 320/14.7GASPS.C1, não existindo qualquer outro elemento probatório que tenha vindo corroborar aquele.
6. Existindo tão somente fotogramas nos autos quer permitem visualizar a atuação do coarguido B… e verificar a existência de um outro indivíduo não identificado na sua companhia.
7. Pelo que o Tribunal a quo se fundou exclusivamente naquelas declarações verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, cf. Ac. da Relação de Guimarães de 09.02.2009; proc. 1834/08-2.
8. Sendo que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento apenas pôde resultar a dúvida sobre aquele prova, tendo o Tribunal a quo se olvidado a pronunciar quanto ao in dubio pro reo, violando assim as garantias do aqui Recorrente, mormente a constante do artigo 32.º n.º 2 da CRP.
9. Ainda assim não se entendendo, deveria o Tribunal a quo ter analisados os elementos da comparticipação sob a forma da coautoria no que respeita ao crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º n.º 1 do CP, ressaltando-se os elementos objetivo, subjetivo e do domínio do facto.
10. Ora, pese embora queira o coarguido B… fazer crer o Tribunal a quo que o Recorrente já conhecia previamente o plano e se resignara com ele, nenhum outro elemento nos pode levar a aferir da veracidade daquelas afirmações.
11. Estando o Recorrente alegadamente no lugar de pendura, e admitindo que tal factualidade tenha levado poucos segundos (sob pena do coarguido ser apanhado instantaneamente), o Recorrente é apanhado desprevenido naquela situação, nada podendo fazer para evitá-la, encontrando-se afastada a coautoria ou cumplicidade na prática dos factos.
12. Finalmente, prevê aquele tipo de crime a moldura penal abstrata de pena de prisão ou pena de multa, tendo o Tribunal a quo aplicado uma pena de prisão de nove meses ao Recorrente.
13. Ora o CP estabelece um critério de preferências pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, sendo que atendendo aos elementos do caso concreto, ao tipo de crime, e às exigências de prevenção, sempre se satisfariam aquelas com a pena de multa, pelo que violou assim a sentença recorrida o preceito do artigo 70.º do CP.
14. Pois, “o nosso ordenamento jurídico pretende afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão, sobretudo nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal”, cf. Ac. da Relação de Guimarães de 09.04.2018; proc. 1350/17.PBBRG.G1.
15. Por todo o exposto, a condenação do Recorrente é manifestamente injusta
Termina pedindo a realização da audiência, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 411º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal, e seja dado provimento ao recurso apresentado, e em consequência, seja revogada a sentença recorrida e proferido acórdão que absolva o recorrente.

A este recurso respondeu o Ministério Público, a fls. 332/333 dos autos, concluindo da seguinte forma:
1. A menção do arguido a um pretenso erro de julgamento não consubstancia um verdadeiro recurso em matéria de facto, porquanto os requisitos respetivos, elencados no art.º 412.º n.º 3 do CPP, não se mostram minimamente observados, antes traduzindo a discordância do arguido relativamente à forma como o tribunal valorou a prova, concretamente no que concerne à credibilidade que conferiu às declarações do coarguido B…, aventando, implicitamente, que o tribunal terá excedido o princípio da livre apreciação da prova.
2. Assente tal facto e ao contrário do que refere o arguido, não há qualquer impedimento do coarguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os coarguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um coarguido contra os seus coarguidos (veja-se a título de exemplo da ampla Jurisprudência existente neste sentido, os Acórdãos do STJ de 28.2.2007, 15.4.2015 e 12.3.2008, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, da Relação de Coimbra de 21.6.2017, disponível in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 22.3.2017 e da Relação de Guimarães de 8.1.2018).
3. Por outro lado, nada abala a credibilidade das declarações do coarguido B…, porquanto o mesmo delas não retira qualquer vantagem pessoal – confessou os factos -, pelo que a circunstância de mencionar que o arguido/recorrente comparticipou nos factos não visa a própria defesa.
4. A isto acresce que as declarações do coarguido B… são suportadas por prova adicional, concretamente no facto de – como bem se salienta na douta sentença e foi sopesado pelo Tribunal – é visível outra pessoa dentro do carro, nos registos fotográficos de fls. 6, bem como da certidão constante de fls. 36 a 55, extraída do processo n.º 591/16.4PPPRT, resultar que o veículo de matrícula ..-..-FP foi furtado entre as 19h00 do dia 28.7.2016 e as 6h00 do dia 29.7.2016, o furto objeto destes autos ocorreu no dia 30.7.2016, cerca das 18h00 e o veículo foi recuperado no dia 1.8.2016 encontrando-se no seu interior, mais concretamente no espelho retrovisor interior vestígios digitais e palmar pertencentes ao arguido/recorrente (cf. fls. 39 a 42).
5. Pelo que dúvidas não restam, a nosso ver, quanto a ter o mesmo comparticipado nos factos objeto destes autos e que determinaram a sua condenação.
6. Assim sendo, a convicção do tribunal, ao conferir credibilidade às declarações do coarguido e nelas fundamentar, ainda que não exclusivamente, a condenação do arguido/recorrente, mostra-se perfeitamente justificada, conforme ao princípio da livre apreciação da prova e consentânea com as regras da experiência comum.
7. De salientar, ainda, que não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que este (perante a opção do arguido/recorrente, de não comparecer à audiência), foi assegurado pela presença do seu defensor, a quem foi dada, em sede de audiência, a possibilidade de formular ao coarguido B… as perguntas que entendesse conveniente e de nela intervir processualmente (veja-se, a propósito, o Acórdão da relação de Guimarães de 9.2.2009, disponível in www.dgsi.pt/jtrg).
8. Em face do que supra se refere, parece-nos evidente que a sentença não é nula, prescindindo-se de considerandos adicionais, a tal respeito.
9. Quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo: Não assiste, uma vez mais, razão, ao arguido. Com efeito, tal como sucede com os demais vícios da sentença, a violação do princípio in dubio pro reo, tem de resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida.
10. Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado, traduz-se o mesmo na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem que ser sempre valorado a favor do arguido. “No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2015, in http://www.dgsi.pt/jtrp). No entanto, como igualmente se refere no supra mencionado Aresto, a verificação deste vício, “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dúbio pro reo”.
11. Ora, no caso dos autos e percorrido o texto da douta sentença, é notório que o tribunal a quo não teve qualquer dúvida no que concerne à prática, pelo arguido/recorrente, dos factos pelos quais foi condenado.
12. Assim, sendo notório, em face do teor da douta sentença, que o tribunal não ficou com qualquer dúvida no que concerne à prática, pelo arguido/recorrente dos factos dados como provados, e sua consequente condenação pelo crime de furto que os mesmos integram, é patente que não ocorreu qualquer violação do princípio in dúbio pro reo, a qual apenas ocorrerá quando o tribunal, em caso de dúvida (que terá que ter tradução no texto da sentença), decidir contra o arguido e, não, já, naquelas outras situações em que este, de acordo com a apreciação/valoração que faz da prova, entende que o tribunal nela deveria ter permanecido.
13. Quanto à opção pela pena de prisão, sopesando, desde logo, os salientados – na douta sentença – antecedentes criminais do arguido e a revelada incapacidade para se deixar influenciar pelas diversas penas sucessivamente aplicadas, mostra-se, a meu ver, ajustada e corretamente fixada, nos nove meses de prisão.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, seja mantida a sentença recorrida.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra a fls. 339/340 dos autos, pugna pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.

Efetuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foi realizada audiência de julgamento nos termos requeridos pelo arguido recorrente ao abrigo do disposto no art.º 411.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II- Fundamentação:
2.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância:
2.1.1. No dia 30 de julho de 2016, cerca das 18H00, na Rua …, em …, Vila Nova de Gaia, o arguido B… conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Honda, com a matrícula ..-..-FP.
2.1.2. O arguido não era possuidor de carta de condução ou titular de outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor, ou outro.
2.1.3. Agiu o arguido B… livre e deliberadamente, com intenção de conduzir, sem causa justificativa, aquele veículo automóvel, não obstante saber que era imprescindível e necessário ser titular de documento que o habilitasse a guiar veículos motorizados na via pública, emitido e passado pela entidade oficial competente.
2.1.4. O arguido B… sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.
2.1.5. No referido dia, o arguido B…, na condução daquele veículo automóvel, transportava como acompanhante o arguido C… e, em união de esforços, dirigiram-se ao Posto de Abastecimento de Combustível “…”, explorado pela sociedade “D…, Lda”, sito na morada indicada em 1. e abasteceram aquele veículo automóvel, com combustível (gasolina 95 simples), no valor de € 30,11.
2.1.6. Após, os arguidos abandonaram aquele local, sem efetuarem o pagamento desse abastecimento.
2.1.7. Os arguidos agiram da forma descrita, na concretização de um plano por ambos engendrado, com a intenção lograda de se apropriarem de combustível, sem pagar, contra a vontade e sem autorização do seu legítimo proprietário, como conseguiram.
2.1.8. Os arguidos atuaram livre, consciente e voluntariamente, com o conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
2.1.9. O arguido B… confessou os factos.
2.1.10. Encontra-se recluído desde janeiro de 2018.
2.1.11. Antes de estar detido vivia com a mãe.
2.1.12. No EP frequenta o 5º e o 6º ano de escolaridade.
2.1.13. Já foi condenado:
2.1.13.1. No processo nº 78/11.1PDPRt, do 1º Juízo, 3ª Secção dos Juízos Criminais do Porto, por sentença de 22.06.2012, transitada em julgado em 07.09.2012, pena de 12 meses de prisão, substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 05.02.2011 de um crime de tráfico de menor gravidade.
A substituição viria a ser revogada por despacho de 15.02.2013 e extinta pelo cumprimento em 16.04.2014.
2.13.2. No processo nº 5/16.0PEPRT, do Juízo Local Criminal de Matosinhos-Juiz 2, por sentença de 30.11.2016, transitada em julgado em 24.01.2017, pena de três meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, pela prática em 12.01.2016 de um crime de furto simples.
Por despacho de 11.12.2017 a referida substituição foi revogada.
2.13.3. No proc. 270/16.2PDPRT, do Juízo Central Criminal do Porto- Juiz 12, por acórdão de 13.12.2917, transitado em julgado em 09.04.2018, pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 20.07.2016, em concurso real, de dois crimes de roubo.
2.13.4. No proc. 317/16.2PDPRT, do Juízo Central Criminal do Porto- Juiz 14, por acórdão de 16.10.2017, transitado em julgado em 13.11.2017, pena de dois anos de prisão, pela prática em 28.08.2016 de um crime de tráfico de menor gravidade.
2.13.5. No proc. nº 1030/17.9SJPRT, do Juízo de Pequena Criminalidade do Porto- Juiz 2, por sentença de 16.01.2018, transitada em julgado em 15.02.2018, pena de 120 dias de Multa, pela prática em 29.12.2017 de um crime de condução sem habilitação legal
2.13.6. No processo nº 644/16.9PHMTS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos-Juiz 3, por sentença de 30.01.2018, transitada em julgado em 01.03.2018, pena de dois anos e três meses de prisão, pela prática em 30.06.2013 de um crime de furto qualificado
2.13.7. No proc. 144/16.7GBVLG, do Juízo Central Criminal do Porto- Juiz 3, por acórdão de 03.05.2018, transitado em julgado em 04.06.2018, pena de três anos de prisão, pela prática em 30.05.2016 de um crime de furto qualificado na forma tentada, em concurso real com um crime de furto qualificado.
2.13.8. No proc. 96/16.3PWPRt, do Juízo Local Criminal do Porto- Juiz 1, por sentença de 21.06.2018, transitada em julgado em 10.09.2018, pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, pela prática em 08.02.2016 de um crime de furto simples.
2.13.9. No proc. 550/16.7GAEPS, do Juízo de Competência Genérica de Esposende- Juiz 1, por sentença de 18.06.2018, transitada em julgado em 14.09.2018, pena de um ano de prisão, pela prática em 08.08.2016 de um crime de furto qualificado.
2.14. O arguido C… já foi condenado:
2.14.1. No proc. 15/14.1PCPRt, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, por sentença de 08.07.2014, transitada em julgado em 23.09.2014, pena de oito meses de prisão, suspensa na execução, por um ano, pela prática em 31.03.2014 de um crime de tráfico de menor gravidade.
A pena foi extinta em 01.10.2015.
2.1.14.2. No proc. 426/16.8PDPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto- -Juiz 1, por sentença de 30.11.2016, transitada em julgado em 06.04.2017, pena de 60 dias de multa, pela prática em 17.11.2016 de um crime de condução sem habilitação legal.
A pena foi extinta em 06.04.2017
2.1.14.3. No proc. 9/14.7PCPRT, do Juízo Central Criminal do Porto- Juiz 8, por acórdão de 14.12.2016, transitada em julgado em 02.02.2018, pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 2014 de um crime de tráfico de menor gravidade.
2.1.14.4. No proc. 912/16.0PBAVR, do Juízo Central Criminal de Aveiro. Juiz 6, por sentença de 30.06.2017, transitada em julgado em 18.09.2017, pena de prisão de três anos e seis meses, suspensa na execução por igual período, pela prática em 25.06.2016 de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de violência após a subtração.
A substituição foi revogada por despacho de 13.12.2018.
2.1.14.5. No proc. 1739/15.1PBMtS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos- juiz 2, por sentença de 06.02.2018, transitada em julgado em 24.04.2018, pena de 80 dias de multa, pela prática em 14.12.2015 de um crime de ofensa à integridade física simples.
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2.2. Não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provou:
2.2.1. Em consequência da conduta do arguido a lesada despendeu € 100 com serviços administrativos.
*
2.2. É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
No que concerne aos factos provados o tribunal alicerçou a convicção no conjunto da prova produzida em audiência, concatenada com as regras da experiência. Vejamos
O arguido B… admitiu a totalidade dos factos e de forma simples, coerente, espontânea e credível, confirmou que C… o acompanhava e que quando foi abastecer este sabia o que iam fazer, tendo concordado.
A versão do arguido não foi infirmada por qualquer meio probatório, nem se vislumbra fundamento para que este pretendesse incriminar o coarguido de forma injustificada, pelo que o seu depoimento se apresentou credível.
A fls. 6 mostram-se juntos fotogramas que reproduzem o arguido a abastecer, e dos quais resulta que ao seu lado seguia outro individuo.
Do talão a fls. 7 concluímos pelo valor do abastecimento.
Da informação do IMTT a fls. 127 resulta que o arguido B… não é titular de carta de condução.
Valoramos, ainda, os CRCs a fls. 209 e ss.
Quanto ao facto não provado, resultou de ausência de prova.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
Questões que cumpre apreciar:
- se a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil) no que concerne aos pontos 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7 e 2.1.8 da matéria de facto, por o Tribunal ter fundamentado a sua convicção exclusivamente nas declarações do coarguido B…;
- se a sentença recorrida viola o princípio do contraditório por o coarguido ter prestado as suas declarações em audiência de julgamento, com base nas quais o Tribunal fundou exclusivamente a sua convicção, sem a presença do arguido recorrente;
- se se verifica nulidade de julgamento por a sentença recorrida se ter fundamentado exclusivamente nas declarações do coarguido sem a corroboração de qualquer outro elemento de prova quer no que concerne à presença do arguido recorrente no local quer relativamente à participação do arguido recorrente nos factos;
- se a sentença recorrida viola o princípio in dúbio pro reo por se ter fundamentado exclusivamente nas declarações do coarguido sem a corroboração de qualquer outro elemento de prova quer no que concerne à presença do arguido recorrente no local quer relativamente à participação do arguido recorrente nos factos;
- se a sentença recorrida viola o disposto no art.º 70.º, do Cód. Penal, por ter sido aplicada pena de prisão ao arguido recorrente, em vez da pena de multa.
Vejamos.
Alega o arguido recorrente que a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil) no que concerne aos pontos 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7 e 2.1.8 da matéria de facto, por o Tribunal ter fundamentado a sua convicção exclusivamente nas declarações do coarguido B….
Nos termos do artigo 410.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo-crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Ora, compulsados os termos do recurso interposto pelo arguido, rapidamente constatamos que o mesmo não alega um erro notório na apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, mas apenas factos que no seu entender, determinariam formação de convicção em sentido diverso do adotado pelo Tribunal, como que entrando no espaço da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que é do estrito domínio do julgador.
Preceitua o artigo 127.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Livre apreciação da Prova”: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Assim, verifica-se que o legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que se consubstancia, por um lado, em inexistirem critérios ou cânones legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não poder haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida.
Tal liberdade, está, assim, intimamente ligada quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objetivos de motivação quer, por outro lado, ao dever de perseguir a verdade material.
Por isso, quando se refere que a valoração da prova é segundo a livre convicção da entidade competente (in casu, do juiz), a convicção há de ser pessoal, objetivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cf. Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págªs 198 a 207). Do exposto resulta que o juiz deve apreciar a prova segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando segundo a sua consciência e convicção.
Assim, o juiz é livre, no sentido mencionado, de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha (v.g. familiar do arguido ou do ofendido) em detrimento de testemunhos contrários (v.g., de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido ou ao ofendido). Daí que, de acordo com a jurisprudência, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto, de 17.09.2003, rec. 312082 “(…) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127 do CPP. A decisão do Tribunal há de ser sempre uma "convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais"(cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed. 1974, pág. 204). Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis "a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. Cód. Proc. Civil Anotado, vol. IV, págs. 566 e ss. (…)”. O art.º 127º do Cód. Proc. Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Isto equivale a dizer que, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, a quem cabe, passe a expressão, a magna tarefa de julgar.
Desta feita, ocorrerá o vício do erro notório na apreciação da prova sempre que do texto da decisão proferida se evidencie uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal, conclusão que haverá de impor-se como evidente, ou seja, da mera leitura da decisão que se aprecia, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, donde facilmente se extraia que o tribunal efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos ou arbitrários. Exige-se, assim, que da leitura da decisão se evidencie um erro de tal forma ostensivo que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem (cf. neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2013, processo nº 40/11.4JAAVR.C2.S1 – 3ª Secção «…O erro notório na apreciação da prova supõe factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detetável por qualquer cidadão de mediana formação cultural»).
No presente caso coloca-se, assim, desde logo, a questão da valoração, como meio de prova, das declarações de coarguido.
Estabelece o art.º 125.º do Cód. Proc. Penal o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, indicando o artigo 126.º aquelas que são proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos coarguidos.
Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos coarguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem maioritariamente defendido, as declarações do arguido, sendo um meio de prova legal, podem e devem ser valoradas no processo, podendo, por si só, fundamentar a condenação do coarguido, ou seja, mesmo que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, consabido que as declarações incriminatórias do coarguido estão sujeitas às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. O Tribunal deve, no entanto, ter um especial cuidado na valoração e apreciação das declarações incriminatórias” – cfr. Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1101.
Porém, como uma limitação: a prevista no n.º 4 do artigo 345.º do Cód. Proc. Penal (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29-08), onde se estabelece que «Não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2». Ou seja, não valem como meio de prova as declarações de coarguido em prejuízo de outro coarguido, quando o primeiro se recusar a responder (no exercício do direito ao silêncio) às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo tribunal, quer pelo Ministério Público, advogado do assistente e dos defensores. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório. (cf. Ac. STJ de 15.04.2015).
Assegurado o funcionamento dos referidos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32.º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova.
Assim, e tal como é referido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 19.09.2012, relatado pelo Exm.º Sr. Presidente desta Secção, “as declarações de um co-arguido contra outro hão de reger-se pelos mesmos critérios emergentes do art.º 127.º, do CPP, de investigação, rumo à descoberta da verdade material, de livre apreciação, contradição e com plena extensão do princípio «in dubio pro reo» – cf. Ac. do STJ, de 3.9.2008, P.º n.º 2044/08, da 3.ª Sec. -, naturalmente que requerendo a sua apreciação e valoração atenção redobrada, mas daí até exigir-se um esteio probatório exterior àquela declaração para não cair por terra, sem qualquer valia, vai uma exigência sem apoio legal.
O Tribunal, como em todos demais casos do real que é chamado a solucionar, apreciará, então, num contexto global, as provas conforme a sua livre convicção «o que quer dizer, atenção, liberdade de decidir segundo o bom senso, a experiência de vida», «o saber de experiência feito e honesto estudo misturado», ou, na explicativa e conhecida asserção de Castanheira Neves, de «liberdade para a objetividade»; segundo Teresa Beleza, Apontamentos II, p. 148: «A liberdade de que aqui se fala não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-irracional que se furte, num incondicional subjetivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objetividade não aquela que permita uma ‘intime conviction’, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, i. é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros, que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito”.

Também os Tribunais da Relação se têm pronunciado no mesmo sentido. A título meramente exemplificativo:
Ac. da RE de 24/5/2011, processo 161/09.3PATVR.E1, in www.dgsi.pt: I - O direito do arguido ao silêncio não pode ter uma amplitude tão grande que se confunda com um direito a contra ele não ser produzida prova. II – São legalmente admissíveis as declarações prestadas por um arguido, em prejuízo objetivo de co-arguido que optou pelo silêncio, quando aquele se não recusa a responder às questões que lhe forem formuladas, nomeadamente a instâncias do defensor deste último. (…).
Ac. da RG de 16/5/2011, processo 715/08.5TBPTL.G1, in www.dgsi.pt: As declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis. (…). Ac da RC de 16-11-2011, processo 18/10.5GBTNV.C1, in www.dgsi.pt. Não existe obstáculo legal à valoração das declarações de coarguido, apreciadas de acordo com os critérios que devem presidir à livre apreciação da prova, plasmados no artigo 127º, do C. Proc. Penal, desde que garantido o indispensável contraditório e tendo presente que essa valoração deve ter em conta os riscos de menor credibilidade que essas declarações comportam, pelas implicações resultantes da situação de imputação de responsabilidade criminal também a esse coarguido, circunstância que justifica e exige maior prudência e cuidado na procura de toda a corroboração possível para que a livre apreciação do julgador se fundamente em dados seguros”.
Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos coarguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir.
Considerando o que se deixa exposto e, ao contrário do defendido pelo arguido recorrente, a sentença recorrida não padece de erro notório na apreciação da prova no que concerne aos pontos 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7 e 2.1.8 da matéria de facto, por o Tribunal ter fundamentado a sua convicção exclusivamente nas declarações do coarguido B….
Improcedem, nesta parte, as alegações de recurso apresentado pelo arguido.
Alega, ainda, o arguido recorrente que a sentença recorrida viola o princípio do contraditório por o coarguido ter prestado as suas declarações em audiência de julgamento, com base nas quais o Tribunal fundou exclusivamente a sua convicção, sem a presença do arguido recorrente.
Tal como acima já deixámos expresso, as declarações do arguido são um meio de prova legal. Contudo, com a limitação prevista no n.º 4 do artigo 345.º do Cód. Proc. Penal (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29-08). Ou seja, não valem como meio de prova as declarações de coarguido em prejuízo de outro coarguido, quando o primeiro se recusar a responder (no exercício do direito ao silêncio) às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo tribunal, quer pelo Ministério Público, advogado do assistente e dos defensores. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório (cf. Ac. STJ de 15.04.2015).
Ora, na audiência de julgamento o exercício do contraditório é exercido pelo defensor do arguido (artigos 63º, n.º 1 e 345º do Cód. Proc. Penal). Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e a imediação, o exercício do contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado.
O princípio do contraditório é a garantia da defesa, de acordo com o art.º 32 n.º 5 CRP.
Alega o recorrente que por não ter estado presente em audiência, o Tribunal de 1ª Instância violou o princípio do contraditório.
Não tem razão o recorrente.
O arguido não esteve presente em audiência apesar das diligências efetuadas pelo Tribunal para permitir a sua presença. Contudo, por estar representado por defensor, não esteve o recorrente impedido infirmar as declarações que haviam sido prestadas pelo coarguido, podendo sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade das declarações do coarguido. No caso presente o coarguido respondeu a todas as perguntas que lhe foram dirigidas pelo Tribunal, pelo Ministério Público e pela defesa.
Por conseguinte, não se podendo afirmar que as declarações do coarguido ficaram totalmente subtraídas ao contraditório, não foi violado o disposto no n.º 4 do artigo 345º do Cód. Proc. Penal, como alegou o recorrente, não tendo também, por isso, a sentença violado o princípio do contraditório.
Improcede, assim, também nesta parte, o recurso apresentado pelo arguido.
Para fundamentar o recurso, o arguido recorrente alegou ainda que se verifica nulidade de julgamento por a sentença recorrida se ter fundamentado exclusivamente nas declarações do coarguido sem a corroboração de qualquer outro elemento de prova quer no que concerne à presença do arguido recorrente no local quer relativamente à participação do arguido recorrente nos factos.
Embora seja praticamente unânime na doutrina que as declarações prestadas por um arguido podem ser valoradas como meio de prova contra coarguidos, todos os autores se mostram cautelosos na valoração das mesmas, apontando limites a essa mesma valoração, como sejam o direito ao silêncio dos arguidos, a possibilidade de contraditório sobre as declarações e a possível necessidade de corroboração das mesmas.
Como forma de afastar a desconfiança pela fiabilidade das declarações prestadas por um arguido em desfavor de outro, a maioria da doutrina defende a tese da corroboração, que implica que as declarações de um arguido, para serem usadas como prova para condenar outro arguido, têm de ser confirmadas por outros meios de prova que não sofram de desconfiança e descrédito.
Contudo, esta teoria derroga parcialmente o princípio da livre convicção, pois as declarações não seriam suficientes para formar a convicção da entidade decisora (seria uma regra legal negativa).
A exigência de corroboração por outros meios de prova não tem consagração legal, e, como tal não é seguida por toda a jurisprudência.
“Por isso, dizer em abstrato e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei. (…). A admissibilidade como meio de prova do depoimento de coarguido, em relação aos demais coarguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objetivos de política criminal, (…)” (cf. acórdão do STJ de 12/03/2008, proferido no processo n.º 08P694, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, e disponível no site www.itij.pt.)
“A necessidade de corroboração das declarações do coarguido não é exigência de lei. O legislador entendeu bastante condicionar a sua validade à exigência constante no número 4 do referido artigo 345º do Código de Processo Penal. Não se pode, portanto, afirmar que elas só podem ser atendidas se encontrarem corroboração em outros meios de prova. O que, por regra, acontece, é que o tribunal busca, nessa corroboração, forma de arredar suspeitas de motivações estranhas ou escondidas por parte de quem as profere. É o que se encontra expresso na decisão do STJ supra citada. Porém, reafirma-se, inexiste uma exigência adicional à consideração do depoimento do coarguido” (cf. Ac. Tribunal da relação do Porto, de 12.06.2013, relatado pela Sr.ª Juiz Desembargadora Manuela Paupério)
Atendendo ao que se deixa exposto teremos que concluir nos mesmo termos do citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.06.2013: “Ciente, porém, das cautelas que devem rodear a consideração das declarações de um arguido em desfavor de outro, assegurando-se que nada de espúrio e menos transparente as motivas, o Tribunal, por regra, procura, [para se assegurar que elas são fiáveis (confiáveis)], corroborá-las com outras provas existentes no processo. Contudo, se essa corroboração inexistir fica ainda no âmbito da livre convicção do julgador a consideração a dar-lhes”.
Deste modo, não padece o julgamento efetuado da nulidade que lhe era apontada pelo arguido recorrente, pois a sentença recorrida pode fundamentar-se exclusivamente nas declarações do coarguido sem a corroboração de qualquer outro elemento de prova, ficando estas sujeitas à livre apreciação do julgador, improcedendo, por isso, também nesta parte o recurso apresentado pelo arguido.
Para fundamentar o seu recurso, alega ainda o arguido que a sentença recorrida viola o princípio in dúbio pro reo por se ter fundamentado exclusivamente nas declarações do coarguido sem a corroboração de qualquer outro elemento de prova quer no que concerne à presença do arguido recorrente no local quer relativamente à participação do arguido recorrente nos factos.
Não assiste, uma vez mais, razão, ao arguido recorrente.
Com efeito, tal como sucede com os demais vícios da sentença, a violação do princípio in dubio pro reo tem, também ela, de resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida. Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se o princípio em análise na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem que ser sempre valorado a favor do arguido. No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2015, in http://www.dgsi.pt/jtrp). No entanto, como igualmente se refere no supra mencionado Aresto, a verificação deste vício, “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo”.
Ora, no caso dos autos e percorrido todo o acórdão recorrido, é notório que o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida no que concerne à prática, pelo arguido, dos factos integrantes do crime pelo qual foi condenado.
A dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014, in www.dgsi.pt/jtrc).
Assim, sendo notório, em face do teor do acórdão recorrido, que o Tribunal não ficou com qualquer dúvida no que concerne à prática, pelo arguido dos factos dados como provados, é patente que não ocorreu qualquer violação do princípio in dubio pro reo, que apenas se verificará quando o Tribunal, em caso de dúvida (que terá que ter tradução no texto da sentença), decidir contra o arguido e, não, já, naquelas outras situações em que este, de acordo com a apreciação/valoração que faz da prova, entende que o tribunal deveria ter ficado na dúvida.
Pelo exposto, também não pode operar o princípio “in dubio pro reo”, dado que nos parâmetros de convencimento probatório do Tribunal não se vislumbra qualquer panorama de dúvida que fragilizasse a decisão da matéria de facto, de modo que não pode operar este princípio.
Improcede também nesta parte o recurso apresentado pelo arguido.
Deste modo, entendemos que nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando utilizou as declarações prestadas pelo coarguido para fundamentar a convicção do Tribunal e, consequentemente, a responsabilização criminal do recorrente. No presente caso, o co-arguido respondeu a todas as perguntas que lhe foram formuladas relativamente aos factos que lhe são imputados. Como bem refere a Sr.ª Juiz a quo, nenhuma razão há para suspeitar da veracidade das declarações do coarguido. Para além de que, as declarações do coarguido até estão corroboradas por outros meios de prova, nomeadamente no que concerne à presença do arguido do recorrente no local, dado que os fotogramas efetuados no local mostram a presença de outra pessoa a acompanhar o arguido. Por todas as apontadas razões, podiam e deviam, como o foram, ser devidamente valoradas as declarações do co-arguido segundo o princípio da livre apreciação da prova. Ademais porque o arguido recorrente, por intermédio do seu defensor, teve possibilidade de as contraditar.
Por último, alega o arguido recorrente que a sentença recorrida viola o disposto no art.º 70.º, do Cód. Penal, por ter sido aplicada pena de prisão ao arguido recorrente, em vez da pena de multa.
Dispõe o art.º 70.º, do Cód. Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da CR e CEDH, 3.ª Edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 357, nota 2).
Na medida em que o art.º 70º do Cód. Penal elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, na aplicação deste preceito importa, naturalmente, ter em atenção o disposto no art.º 40.º do mesmo Cód. Penal. O qual, atribui à pena, sempre, um fim utilitário, pelo menos de acordo com a leitura largamente maioritária que é feita do preceito. Assim sendo, a culpa, ou o grau de culpa, não são realidades a ponderar especificamente na tarefa de escolher a espécie da pena, antes têm o seu campo de incidência, privilegiado, na escolha da medida da pena. Daí que importe ver, se a opção pela pena de prisão se mostra necessária, adequada e proporcionada, ao serviço dos objetivos da prevenção geral e especial.
Assim, o julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no citado art.º 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).
Assim, o tribunal, perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa. Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
No caso vertente, o arguido recorrente foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de prisão de nove meses.
O crime de furto pelo qual foi o arguido recorrente foi condenado é punido com pena de prisão até três anos ou com pena multa.
A sentença recorrida no que concerne à escolha da pena, para além do mais, referiu “No caso em apreço, considerando o vasto rol de condenações anteriores dos arguidos, condenados em penas de multa, prisão suspensa na execução e mesmo pena de prisão efetiva, entendemos que revelam uma personalidade indiferente ao direito, que não se deixa influenciar pelas penas, razão pela qual entendemos que apenas a pena de prisão satisfaz de forma adequada as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir em relação a ambos. Na determinação e na medida da pena, valem os critérios fixados no art.º 71.º, do Cód. Penal, onde se diz que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Visando-se com a aplicação das penas a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente-cf. art.º 40º, nº1, do C.P. Sendo que em caso em algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, de acordo com o estatuído no nº2, do artº40º, do diploma legal citado. Decorrendo de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em conta na determinação da medida da pena. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art.º 71º, nº2, do C.P. Assentando o art.º 40º, do C.P., numa conceção ético-preventiva da pena: ética, porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infrator; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção geral e especial. O fim do direito penal é o da proteção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados. Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). A prevenção especial não é um valor absoluto, mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de proteção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção1. Em síntese, “se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura geral – a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.
Considerando os factos provados não poderemos deixar de concordar com a sentença recorrida, porquanto o arguido recorrente tem já condenações anteriores, em sede das quais foi-lhe aplicada pena de multa e pena de prisão suspensa na sua execução, o que revela ineficácia e frustração dos desígnios das anteriores sanções. É manifesto que o arguido revela uma substancial resistência à autoridade do Estado protegida com a incriminação em causa, razão pela qual não poderemos deixar de concluir, como fez a sentença recorrida, que se impõe que o arguido sofra uma sanção mais gravosa do que as anteriores, não só para acautelar a confiança da comunidade na eficácia da norma e a inerente proteção do bem jurídico protegido, mas também para procurar que o visado interiorize a gravidade do seu comportamento. E a sanção mais gravosa que a lei prevê para este crime a seguir à multa é, efetivamente, a prisão. Assim, e ao contrário do defendido pelo arguido, atendendo ao caso concreto, a pena de multa não preenche, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, nem acautela os bens jurídicos nem previne a possibilidade de cometimento de novos factos ilícitos pelo arguido.
Considerando tudo quanto se deixa exposto, improcedem também nesta parte as alegações do arguido recorrente.
Contudo, apesar de o recorrente não discutir concretamente a medida da pena de prisão e de ter já antecedentes criminais, entende este Tribunal de recurso, dentro dos seus poderes de cognição previstos no art.º 428.º, do Cód. processo Penal, que a pena de nove meses de prisão efetiva aplicada ao arguido recorrente é exagerada.
Assim, considerando o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, entendemos que o grau de ilicitude do facto é moderado, face ao valor diminuto do furto (€30,11) e sendo mitigada a comparticipação criminosa (segundo a sentença, o coarguido disse que o recorrente/B… "sabia o que iam fazer, tendo concordado", tendo sido esta atuação - acordo - que fundamentou a coautoria), afigura-se mais justa e proporcionada uma pena de 4 (quatro) meses de prisão, mantendo-se no demais a sentença recorrida.

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, alterando-se, contudo, a decisão recorrida no que se refere à pena de prisão efetiva aplicada ao arguido recorrente, condenando-se o arguido C…, como coautor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efetiva.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

Porto, 12 de fevereiro de 2020
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)
Paula Natércia Rocha
Élia São Pedro
Francisco Marcolino