Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2670/22.0T9AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
CASO JULGADO FORMAL
RECURSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
AUTO DE NOTÍCIA
NOTIFICAÇÃO
REGRAS GERAIS
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP202301182670/22.0T9AVR.P1
Data do Acordão: 01/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDO O REQUERIMENTO DE ACEITAÇÃO DO RECURSO DA ARGUIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os despachos interlocutórios proferidos no processo de contraordenação formam caso julgado formal, por não se tratar de decisão final e consequentemente não admitirem sequer recurso, nos termos do art.73º, nº1, a contrario, do RGCO, sequer a pretexto de uniformizar jurisprudência.
II – Se o recorrente não identifica as concretas decisões contraditórias que justificam a uniformização de jurisprudência promovida, não é de aceitar o recurso com esse fundamento excecional previsto no nº 2 do art. 73º, do RGCO.
III – A ‘melhoria da aplicação do direito’ a que alude o nº 2 do art. 73º, do RGCO, não se justifica quando a decisão proferida pelo tribunal recorrido, concordando-se ou não com a solução, não pode ser reputada de clamorosamente errada sobre a interpretação e aplicação do art.176º, do Código da Estrada, atinente às regras da notificação do auto de noticia.
IV – Cumprido o procedimento legal do cit. art.176º e considerando-se a arguida domiciliada na morada que consta na base de dados da AT (domicílio fiscal), para a qual foram dirigidas as notificações do auto de noticia, não pode ser tida como grosseiramente errada, independentemente da discordância que a presunção possa merecer, a interpretação extraída da norma do cit. art.176º que considerou válida a notificação assim efetuada. Faz-se presumir a notificação da arguida, ainda que aí não resida, nem a ela tenha forma de aceder.
V – A falta de notificação do auto de noticia constitui uma irregularidade (art.123º, do Código Processo Penal), dependente de arguição atempada, e não da nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.

[Sumário elaborado pelo Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2670/22.0T9AVR.P1
DESPACHO
nos termos do art.74º, nº3, do RGCO

1. RELATÓRIO
No Processo (contraordenação) nº 2670/22.0T9AVR do Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz 2, que corre termos com carácter urgente (Referência: 122972703 despacho de 8.09.2022) foi:
- no dia 9.11.2022 sob ref.124328223, proferido despacho que, em síntese, indeferiu a requerida apensação dos vários processos de contraordenação; e
- no dia 14.11.2022 sob ref.124430078, proferida decisão final, na qual – ao que aqui interessa - se decidiu julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida, mantendo, em consequência, a decisão administrativa de fls.7 verso e 8, concretamente a decisão proferida pela Câmara Municipal ... que a condenou pela prática da contraordenação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 71.º do Código da Estrada,
-
Inconformada com estas decisões, dela interpôs recurso a arguida, para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES
1- A recorrente foi notificada de despacho, que julga em definitivo a matéria da impugnação apresentada, considerando-a improcedente, em virtude de : No requerimento de recurso, a arguida veio alegar que não por via postal do auto de notícia antes de ter sido proferida a decisão administrativa condenatória de 27.01.2022, tendo-o sido apenas depois, pessoalmente, em 01.04.2022…… irrelevante o alegado no requerimento de recurso (para cuja prova foram juntos os documentos de fls. 31 verso a 36), relativamente ao facto de a arguida não residir nessa morada, porque era a morada da sua mãe, esta faleceu, a casa ficou desabitada e foi entregue ao senhorio. A dita notificação não se concretizou, tendo o expediente sido devolvido – cf. fls. 5. Por isso, a arguida foi notificada do auto de notícia por via postal simples para o mesmo domicílio, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 176.º do Código da Estrada…….De tais documentos resulta que o auto de notícia foi enviado para a morada fiscal da arguida, em 08.06.2021, através do modo previsto na lei, para o exercício do direito de audição e defesa. Face ao exposto, é de concluir que não assiste razão à arguida, quanto à falta de notificação do auto de notícia antes da prolação da decisão administrativa condenatória.
2- Nos autos em análise, na impugnação apresentada pela Recorrente, alega que em 08/06/2022, a recorrente não podia ter sido notificada na sua morada fiscal, morada da sua Mãe, que havia falecido em 16 de Dezembro de 2020, e por conseguinte tratando-se de casa arrendada, a mesma foi entregue no dia 31 de janeiro de 2021, não tendo mais acesso à mesma. Juntando prova do alegado.
3- Tal impugnação é a mesma nos processos, em que as notificações ocorreram após essa data, a saber: neste Juiz 2- Proc. nº 2668/22.8T9AVR; Proc. nº 2670/22.0T9AVR, no Juiz 1 deste Juízo local criminal, os processos nº 2669/22.6T9AVR; Proc. 2511/22.5T9AVR; 2686/22.6T9AVR; e no Juiz 3 os processos nº 2721/22.8T9AVR; 2520/22.7T9AVR; 2522/22.3T9AVR. Havendo assim nove processos em que se discute unicamente a mesma questão, a de saber se a partir de 31 de Janeiro de 2022, as notificações poderiam ou não ser recepcionadas na sua morada fiscal.
4º Sendo certo que, as regras da notificação, são sempre regras presuntivas, que admitem prova em contrário e a mesma foi oferecida pela Recorrente, pelo que com esta prova oferecida pela Recorrente mostra-se ilidida a presunção da notificação efectuada no processo contra-ordenacional. Não o considerando, existe um erro grosseiro na aplicação do direito que levará certamente a uma contradição de decisões nos vários processos em que se coloca tal questão.
5º Isto porque, em 1 de Abril de 2022 a Recorrente foi notificada, por citação única de 99 decisões administrativas em processo de contra-ordenação, conforme resulta do processo administrativo que consta dos autos. Em todos os processos em que foi notificada, conjuntamente, em 1 de Abril de 2022, a matéria a conhecer é exactamente a mesma, só alterando a data da infracção (o que pode relevar para efeitos de notificação e de prescrição); e o local, sendo apenas, as quatro ruas acima mencionadas.
4- Em todos os processos, deste Juízo Local, distribuídos, veio requerer o seguinte: Que Conforme se afere dos autos, a par da notificação no âmbito dos presentes, foi a Recorrente notificada no dia 1 de Abril nas Instalações da Polícia Municipal ..., das decisões melhor indicadas na certidão junta por aquela entidade. Foram-lhe então entregues as decisões e apresentada a folha que costa dos autos como “certidão de notificação”. Não conhecendo a Recorrente os diversos processos, nem os tendo consultado, naquele momento, deduziu que a notificação era única em virtude de uma cumulação de processos. Eis que com as notificações que ora recebeu, percebeu que não e que cada decisão deu origem a um processo judicial. De facto a Recorrente apresentou uma impugnação por cada decisão, porque assim a lei e a jurisprudência já se pronunciou a impor tal prática. Contudo requereu, também, e por cautela, novamente, uma vez que assinou a notificação mas não consultou o processo a fim de ver se a Policia Municipal havia apensado os processos, requereu em 5 de Abril essa mesma apensação, enviando junto com as impugnações- Doc. 1 que junta ( Requerimento que não foi junto aos autos pela entidade administrativa, mas pela Recorrente).
5- Ora sendo que tais decisões notificadas no mesmo dia referido, dia 1 de Abril de 2022, contra a mesma arguida e abrangendo a prática reiterada da mesma infracção, entendeu a Policia Municipal notificar das várias decisões, numa só notificação única. Ora, não havendo conexão de processos, nem a entidade administrativa os cumulou como determinava a Lei, certo é que também não poderia fazer uma citação única, para todos, pela mesma ordem de razão.
6- Tal viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, a mesma que vê que para a entidade administrativa vale uma notificação única, um só acto para o conjunto vasto de processos, já para a Recorrente, terá a mesma de se sujeitar ao pagamento das taxas de justiça correspondentes a todos os processos distribuídos para ver a sua questão apreciada, superior à multa aplicada para cada um deles. O que não faz qualquer sentido.
7- Cada processo em que a Recorrente era notificada teria de pagar uma taxa de justiça superior ao valor da coima que lhe havia sido aplicada. Não teve outra solução que requerer apoio judiciário para todos os processos, o que metade ainda hoje não foi deferido, e assim tais processos estão parados a aguardar uma decisão da segurança social, não obstante a invocação do deferimento tácito.
8- Para além da determinação da natureza urgente, como aconteceu em todos os processos distribuídos ao Juiz que proferiu a sentença em recurso, teria de pagar cerca de 10.000,00€ em taxas de justiça, tão só porque a autoridade administrativa achou que bastava uma certidão única e o Tribunal “esqueceu-se de que podia apensar os processos” em que então seria devida apenas uma taxa de justiça.
9- A conexão impõe-se porque estão verificados todos os pressupostos legais ¯ atento o disposto nos artigos 24.º, 25.º, 28.º e 29.o do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 41.o do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) - da conexão subjectiva (artigo 25.o do RGCO ¯ “ao não ser observada tal conexão de processos, como não foi, está em causa o princípio da economia processual e de meios e acarreta entraves ao direito de defesa da Arguida, violando o disposto no arto 32º, nº10 da Lei Fundamental, extensível aos processos de contraordenação, por identidade de razão. A não determinação da conexão de processos é de toda injusta, contrária à lei que a prevê legitimamente para casos como o dos autos.
10- No que se refere à apensação, prevê a lei (cfr. artigos 24º e seguintes do CPP) e também a jurisprudência que, em determinadas circunstâncias, a entidade administrativa pode efectuar a “apensação” dos processos de contra-ordenação (apensação na fase administrativa, constituindo um único processo) ou então, já na fase judicial, pode e deve o juiz efectuar a apensação dos recursos de contra-ordenação, a qual deve ter lugar no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (cfr. artigo 29o, no 2 do CPP).
11- No proc. 2718/22.8T9AVR do Juiz 3 deste Juízo Local Criminal foi oficiada a Câmara sobre a decisão do requerimento apresentado a 5 de Abril, vindo a mesma dizer que conforme o art 186º do CE o seu poder de apreciação tinha-se esgotado. Não comunicou tal conclusão à ora Recorrente dizendo expressamente “motivo pela qual não foi remetida qualquer resposta para a Recorrente”. E também, ao que parece também não foi remetido o requerimento de 5 de Abril ao Tribunal. Assim, confirma-se que houve omissão de pronuncia, uma vez que a ora Recorrente só agora foi notificada do entendimento da Autoridade Administrativa, a qual desconhecia, e se a mesma não podia conhecer da matéria, por falta de competência, primeiro, deveria ter notificado a Recorrente desse entendimento, logo aqui existe uma irregularidade.
12- Com efeito, pese embora seja dirigida ao tribunal, a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que proferiu a decisão que aplicou a coima, não sendo, pois, um acto praticado em juízo. E tanto é assim que uma vez interposta a impugnação judicial e até ao envio dos autos ao Ministério Público, a autoridade administrativa pode revogar a decisão de aplicação da coima (cf. artigo 184.o do Código da Estrada e, no regime geral, artigo 62º, nº 2 do RGCO. Não tendo a autoridade administrativa se pronunciado sobre o requerido, havendo assim uma nulidade nos termos da (al. a) do nº1 do art.379º do CPP, a qual foi, também, invocada.
13- Nestes autos veio-se indeferir a Conexão de processos com a seguinte fundamentação: Apesar de se verificar uma conexão de processos prevista no art. 25º do CPP ( aplicável por via do nº 1 do art. 41º do RGCO) não se procederá à apensação de processos porque - tendo em conta que estão pendentes no Juízo Local Criminal de Aveiro mas de 100 recursos de contraordenações contra a arguida, distribuídos por três Juízos, em momentos processuais distintos, com questões distintas suscitadas e prova também distinta- a apensação de processos representa um risco para a realização da justiça em tempo útil e a pretensão punitiva do estado, iria retardar excessivamente a decisão por despacho ou julgamento [cf. as alíneas b) e c) do artigo 30.º do Código de Processo Penal]. Despacho sobre o qual também se recorre e que inviabiliza a decisão ora proferida que julga a final a impugnação apresentada.
14- Quanto á omissão de pronuncia da CM..., acerca do requerimento enviado a 5 de Abril, prazo para as impugnações, vem o Tribunal ad quo decidir: “A arguida veio invocar a omissão de pronúncia da Câmara Municipal ... quanto ao seu pedido dirigido a essa entidade, de apensação dos processos contraordenacionais aí pendentes. Não resulta da lei que tal omissão de pronúncia constitua nulidade, pelo que se aplica à respetiva arguição o regime previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal (aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), estando ultrapassado o prazo aí previsto. Acresce que a arguida recorreu da decisão administrativa condenatória e nada disse no requerimento de recurso acerca desta questão – sendo certo que é esse requerimento que define o objeto do presente recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa (não sendo esse o caso). Face ao exposto, não se conhecerá da alegada omissão de pronúncia.”
15- Não podia a Recorrente alegar uma nulidade no prazo de 10 dias da notificação (01.04.2022) simplesmente porque naquele momento não conhecia o vício, e tanto não conhecia que assinou uma notificação única para os vários processos. Tanto não conhecia, que em 5 de Abril enviou requerimento à Autoridade Administrativa para apensar os processos e só agora através do Proc. nº 2718/22.8 T9AVR do Juiz 3, (em 20 de Setembro) veio saber que o seu requerimento nem foi apreciado, nem remetido ao Tribunal. Nada disto foi considerado.
16- Assim, a omissão de conhecimento da questão da apensação dos vários processos instaurados contra o mesmo arguido pela prática de contraordenações, implica nulidade por falta de fundamentação à semelhança do que se encontra previsto no nº5 do art. 97º do C.P.P. quanto aos despachos decisórios, com especificação dos motivos de facto e de direito, e por referência ao previsto no art. 120º nº2, d), do C.P.P. pelo que se deve anular a decisão recorrida, a fim de que, em nova decisão, a dita nulidade seja suprida. O que deverá ser conhecido agora em recurso.
17- A possibilidade de apensação de processos, permite que as causas fiquem unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão, com vista a assegurar a prossecução dos objectivos que a justificam: a economia de actividade processual e a coerência ou uniformidade de julgamento (cfr.artº.267, do C.P.Civil).
18- Não sendo deferida a Conexão de processos e porque a prova é a mesma e decerto levará a uma contradição de julgados, em função do erro grosseiro nestes autos de não se considerar ilidida uma presunção diante da prova apresentada, viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no arto 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.41º, nº1 , do Dec-Lei no 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações. O que se requer que se reconheça.
19- De facto, as regras da notificação, são sempre regras presuntivas, que admitem prova em contrário e a mesma foi oferecida pela Recorrente. Com a prova oferecida pela Recorrente mostra-se ilidida a presunção da notificação efectuada no processo contraordenacional.
20- A competência por conexão encontra a sua razão justificativa, também, no prestígio das decisões judiciais, pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente. Como está a acontecer e decerto irá acontecer, também, quanto a esta matéria, uma vez que nos demais autos, e já por cautela, foi pedida a audição de mais testemunhas e estão a aguardar julgamento.
21- Para além disso e apenas por culpa do Tribunal que, em sede de despacho liminar, não conheceu logo da questão da competência por conexão, ou mais tarde quando tal irregularidade foi suscitada nos autos, é que a Arguida vê decisões completamente contraditórias, sobre a mesma questão, uma total arbitrariedade que compromete seriamente o principio da segurança jurídica, afectando direitos da arguida de forma grave e ainda, face a uma clara contradição de julgados nos processos, a justiça fortemente perturbada.
22- Na altura da infração estava o País em plena pandemia, confinados, o que só veio a cessar em Abril de 2022. Sendo que nessa altura era de extrema dificuldade qualquer alteração ao cartão do cidadão, devido ao atendimento por marcação e às restrições que ainda se impunham na capacidade de atendimento devido às limitações impostas ao número de pessoas, o que só veio a ser restabelecido em Setembro de 2021 (tudo isto resulta da legislação produzida na altura, foi alegado pela Arguida, pelo que devia ser de conhecimento deste tribunal)
23- Por esse motivo, é que só no mês de Junho de 2021, é que a Recorrente conseguiu a alteração da sua morada, tendo que pedir um novo cartão, conforme prova que foi apresentada, juntando prova que desde 31 de janeiro de 2021 não teve mais acesso à sua morada fiscal, residência da sua Mãe, entretanto falecida.
24- O art.º 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações consagra o direito de audição e defesa do arguido. De facto, o registo de propriedade do automóvel faz presumir a notificação nos termos do art. 175º e 176º do CE, porém, facto é que de facto a Arguida não teve conhecimento, uma vez que não tem acesso à casa na morada identificada desde Janeiro de 2021. Pelo que a prova de tal facto afasta tal presunção e é o que se pretende fazer com a presente impugnação, juntando essa mesma prova.
25- E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa. (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.). Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).
26- O que a douta despacho em recurso faz é esquecer que o art. 176º que dispõe as regras da notificação por via postal simples, são apenas regras que podem ser ilididas por prova em contrário, como sucedeu nos presentes autos. Em que a Recorrente, nem sequer põe em causa a remessa da carta, o que prova é que não podia ter acesso à mesma, pois a morada para onde foi remetida, de facto, já não lhe era acessível. Ilidindo desta forma a presunção do conhecimento do auto.
27- Pelo que, não tendo a Arguida possibilidade, pela prova apresentada, de se pronunciar sobre o mesmo, antes da decisão, tal consubstancia uma nulidade insanável por violação do art. 50º do RGCO.
28- A sentença em crise afecta direitos da arguida de forma grave e ainda, porque se baseia num erro grosseiro, o facto de não considerar a prova oferecida por forma a ilidir a presunção da notificação efectuada por via postal, o que levará certamente a uma clara contradição de julgados, pelo que tal decisão, uma vez que não foi deferida a conexão de processos com severas violações da lei deverá, ao abrigo do art. 73º nº 2 do RGCO , que a decisão em recurso viola de forma grave os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no art. 50, 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.41º, nº1 , do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações”.
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Como questão prévia para admissibilidade do recurso,
não obstante o valor da coima aplicada, a arguido argumenta o seguinte:
“Nos termos do nº 2 do art. 73º do Regime Geral da Contraordenações, o presente recurso deverá ser admitido uma vez que se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência. Porquanto:
O Despacho em crise afecta direitos da arguida de forma grave e ainda, porque se baseia num erro grosseiro, o facto de não considerar a prova oferecida por forma a ilidir a presunção da notificação efectuada por via postal.
A recorrente foi notificada de despacho, que julga em definitivo a matéria da impugnação apresentada, considerando-a improcedente, em virtude de : No requerimento de recurso, a arguida veio alegar que não por via postal do auto de notícia antes de ter sido proferida a decisão administrativa condenatória de 27.01.2022, tendo-o sido apenas depois, pessoalmente, em 01.04.2022…… irrelevante o alegado no requerimento de recurso (para cuja prova foram juntos os documentos de fls. 31 verso a 36), relativamente ao facto de a arguida não residir nessa morada, porque era a morada da sua mãe, esta faleceu, a casa ficou desabitada e foi entregue ao senhorio. A dita notificação não se concretizou, tendo o expediente sido devolvido – cf. fls. 5. Por isso, a arguida foi notificada do auto de notícia por via postal simples para o mesmo domicílio, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 176.º do Código da Estrada. De tais documentos resulta que o auto de notícia foi enviado para a morada fiscal da arguida, em 08.06.2021, através do modo previsto na lei, para o exercício do direito de audição e defesa. Face ao exposto, é de concluir que não assiste razão à arguida, quanto à falta de notificação do auto de notícia antes da prolação da decisão administrativa condenatória.
De facto, o registo de propriedade do automóvel faz presumir a notificação nos termos do art. 175º e 176º do CE, porém, facto é que de facto a Arguida não teve conhecimento, uma vez que não tem acesso à casa na morada identificada desde Janeiro de 2021. Pelo que a prova oferecida, de tal facto, afasta tal presunção e foi o que se pretendeu fazer com a presente impugnação.
O que o douto despacho em recurso faz é esquecer que o art. 176º que dispõe as regras da notificação por via postal simples, são apenas regras que podem ser ilididas por prova em contrário, como sucedeu nos presentes autos. Em que a Recorrente, nem sequer põe em causa a remessa da carta, o que prova é que não podia ter acesso à mesma, pois a morada para onde foi remetida, de facto, já não lhe era acessível. Daí a carta registada ter sido devolvida. Ilidindo desta forma a presunção do conhecimento do auto. Pelo que, não tendo a Arguida possibilidade, pela prova apresentada, de se pronunciar sobre o mesmo, antes da decisão, tal consubstancia uma nulidade insanável por violação do art. 50º do RGCO.
De facto, o registo de propriedade do automóvel faz presumir a notificação nos termos do art. 175º e 176º do CE, porém, facto é que de facto a Arguida não teve conhecimento, uma vez que não tem acesso à casa na morada identificada desde Janeiro de 2021, iludiu a presunção de tal notificação, provando o não conhecimento do conteúdo da notificação por via postal. Pelo que a prova oferecida, de tal facto, afasta tal presunção e foi o que se pretendeu fazer com a presente impugnação e não pode ser o Tribunal entender, como o fez, que a presunção prevista no art. 176º não admite prova em contrário. Sendo uma presunção, é ilidivel, pelo que não considerar a prova oferecida tem de ser considerado um erro grosseiro que afecta de forma grave os direitos da Recorrente.
Violando, até o principio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.). Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).
Sucede ainda, que os presentes autos resultaram de uma das decisões notificadas à recorrente em 1 de Abril de 2022 a Recorrente. Nessa notificação única, foi notificada de 99 decisões administrativas em processo de contra-ordenação, conforme resulta dos autos, decisões estas, contra a mesma arguida e abrangendo a prática reiterada da mesma infracção, entendendo a Policia Municipal notificar das várias decisões, numa só notificação única. De facto a Recorrente apresentou uma impugnação por cada decisão, porque assim a lei e a jurisprudência já se pronunciou a impor tal prática. Contudo requereu, também, e por cautela, novamente, uma vez que assinou a notificação mas não consultou o processo a fim de ver se a Policia Municipal havia apensado os processos, em 5 de Abril, essa mesma apensação, enviando junto com as impugnações. (Requerimento que não foi junto aos autos pela entidade administrativa, mas pela Recorrente logo no primeiro requerimento que envia aos presentes autos). Tal requerimento que não teve qualquer pronuncia, nem foi remetido ao Tribunal pela Autoridade administrativa. Assim, e logo que notificada isoladamente que cada impugnação tinha dado lugar a um processo e percebendo que não havia apensação de processos, requereu a mesma em todos eles, vindo a ser indeferida.
Nestes autos entendeu o Tribunal ad quo, que a mesma havia de arguir a omissão de pronuncia, na impugnação enviada. Bastaram-se com o facto de o prazo para a arguição da alegada nulidade é, pois, de 10 dias, contado desde a data da notificação (01.04.2022) – cf. nº1, do artigo 105º, e o nº1 do artigo 120º do Código de Processo Penal. O que levou à sanação da nulidade, caso a mesma existisse, atento o disposto na alínea c) do nº1 do artigo 121º do Código de Processo Penal. (curioso, porque o requerimento é apresentado no prazo da impugnação). Não podia a Recorrente alegar uma nulidade no prazo de 10 dias da notificação (01.04.2022) simplesmente porque naquele momento não conhecia o vício, e tanto não conhecia que assinou uma notificação única para os vários processos. Tanto não conhecia, que em 5 de Abril enviou requerimento à Autoridade Administrativa para apensar os processos e só agora através do Proc. no 2718/22.8 T9AVR do Juiz 3, veio saber que o seu requerimento nem foi apreciado, nem remetido ao Tribunal e a decisão não foi notificada à Recorrente se a houve antes de tal comunicação aos autos.
Assim, a omissão de conhecimento da questão da apensação dos vários processos instaurados contra o mesmo arguido pela prática de contraordenações, implica nulidade por falta de fundamentação à semelhança do que se encontra previsto no nº 5 do art. 97º do C.P.P. quanto aos despachos decisórios, com especificação dos motivos de facto e de direito, e por referência ao previsto no art. 120.o n.º 2, d), do C.P.P. restando anular a decisão recorrida, a fim de que, em nova decisão, a dita nulidade seja suprida.
Sucede que, em todos os processos em que foi notificada, conjuntamente, em 1 de Abril de 2022, isto porque, as notificações postais vinham devolvidas e apercebendo-se a Policia Municipal que a Recorrente não recebia tais notificações se dirigiu ao escritório da mesma e tendo esta sido notificada pessoalmente naquele dia. Efectivamente a Recorrente desde 31 de janeiro já não tinha acesso à sua, ainda morada fiscal, o que provou nestes autos.
Certo é que a matéria a conhecer é exactamente a mesma, a nulidade do auto por violação do art. 50º do RGCO, só alterando a data da infracção (o que pode relevar para efeitos de notificação e de prescrição); o local, sendo apenas, as quatro ruas acima mencionadas. Daí que a apreciação deveria ser uma só em relação a todas as contra- ordenações, em concurso, sendo este aparente ou efectivo, o que devia ser apreciado e aplicado o art. 19º do RGCO. Porque estão preenchidos todos os requisitos da sua aplicação.
Sucede ainda, a forma de actuação dos três Juizes do Juízo Local Criminal de Aveiro, é completamente dispar e fere os mais elementares direitos de defesa da Recorrente. Tanto a nível processual, como a nível decisório, o que faz com que proliferem decisões contraditórias sobre a mesma matéria, o que já se advinha vir a existir nestes autos, uma vez que fazer prevalecer a presunção de notificação, à prova oferecida que afasta a mesma é um erro grosseiro, que certamente não se irá repetir nos outros Juizos que irão conhecer da mesma matéria.
Quanto se a decisão sobre a conexão de processo tivesse sido logo apreciada, ou porque remetido o Requerimento de 5 de Abril aos autos, ou em despacho liminar, ou quando a questão é suscitada pela arguida no primeiro requerimento que envia em todos os processos, estariam todos há muito em condições para decidir por despacho. Não sendo deferida a Conexão de processos e porque a prova existe de forma dispersa em três juízes do Juízo Local Criminal de Aveiro, viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no art. 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.120/2, d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.41º, nº 1 , do Dec-Lei no 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações.
Por outro lado, o erro grosseiro (que a Recorrente considera existir) no despacho que ora foi notificado, e que certamente irá levar a sentenças contraditórias. Pois, como nestes autos na impugnação apresentada pela Recorrente, alega que em 08/06/2022, a recorrente não podia ter sido notificada na sua morada fiscal, morada da sua Mãe, que havia falecido em 16 de Dezembro de 2020, e por conseguinte tratando-se de casa arrendada, a mesma foi entregue no dia 31 de janeiro de 2021, não tendo mais acesso à mesma. Juntando prova do alegado. Tal impugnação é a mesma nos processos, em que as notificações ocorreram após essa data, a saber: neste Juiz 2- Proc. nº 2668/22.8T9AVR; Proc. nº 2670/22.0T9AVR, no Juiz 1 deste Juízo local criminal, os processos nº 2669/22.6T9AVR; Proc. 2511/22.5T9AVR; 2686/22.6T9AVR; e no Juiz 3 os processos nº 2721/22.8T9AVR; 2520/22.7T9AVR; 2522/22.3T9AVR. Havendo assim nove processos em que se discute unicamente a mesma questão, a de saber se a partir de 31 de Janeiro de 2022, as notificações poderiam ou não ser recepcionadas na sua morada fiscal.
Assim, invocou a nulidade do Auto em todos, sendo esta a única matéria a conhecer. Uma vez que o art.º 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações consagra o direito de audição e defesa do arguido. De facto, o registo de propriedade do automóvel faz presumir a notificação nos termos do art. 175º e 176º do CE, porém, facto é que de facto a Arguida não teve conhecimento, uma vez que não tem acesso à casa na morada identificada desde Janeiro de 2021. Pelo que a prova oferecida, de tal facto, afasta tal presunção e foi o que se pretendeu fazer com a presente impugnação.
O que o douto despacho em recurso faz é esquecer que o art. 176º que dispõe as regras da notificação por via postal simples, são apenas regras que podem ser ilididas por prova em contrário, como sucedeu nos presentes autos. Em que a Recorrente, nem sequer põe em causa a remessa da carta, o que prova é que não podia ter acesso à mesma, pois a morada para onde foi remetida, de facto, já não lhe era acessível. Daí a carta registada ter sido devolvida. Ilidindo desta forma a presunção do conhecimento do auto. Pelo que, não tendo a Arguida possibilidade, pela prova apresentada, de se pronunciar sobre o mesmo, antes da decisão, tal consubstancia uma nulidade insanável por violação do art. 50º do RGCO.
Lembramos que nessa altura, estávamos em plena pandemia, confinados, o que só veio a cessar em Abril de 2022. Sendo que nessa altura era de extrema dificuldade qualquer alteração ao cartão do cidadão, devido ao atendimento por marcação e às restrições que ainda se impunham na capacidade de atendimento devido às limitações impostas ao número de pessoas, o que só veio a ser restabelecido em Setembro de 2021. Por esse motivo, é que só no mês de Junho de 2021, é que a Recorrente conseguiu a alteração da sua morada, tendo que pedir um novo cartão, conforme prova que foi apresentada. Toda esta matéria deveria ser apreciada em conjunto em todos os processos distribuídos autonomamente. Porque, aí sim se prevalecia a celeridade processual, a economia de actos e a justa composição do litígio, uma vez que ao serem julgados separadamente e como vem sendo prática, vão existir decisões contraditórias., por forma a evitá-las.
A sentença em crise afecta direitos da arguida de forma grave e ainda, tendo em conta um erro grosseiro, que é o de fazer prevalecer a presunção da notificação; à prova produzida que iludida por completo tal presunção, admitido, aliás, no despacho que se recorre, pelo que deverá, ao abrigo do art. 73º nº 2 do RGCO. Deve ainda considerar-se, no presente recurso que não sendo deferida a Conexão de processos viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no art.50, 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.41º, nº1 , do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações.
Pelo que deverá, ao abrigo do art. 73º nº 2 do RGCO admitido o presente recurso da sentença proferida nestes autos uma vez que se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Tudo o acima exposto e as necessidades da apreciação em sede de recurso aludidas se enquadram no seguinte entendimento daquele referido artigo: Tal dispositivo está vocacionado para situações em que se afectem direitos do acoimado de forma grave ou para aquelas em que ostensivamente a justiça que mereçam fique fortemente perturbada. Visam-se aqui, predominantemente, interesses de ordem pública para obviar a erros manifestos na interpretação e na aplicação do direito. Ou seja, “além da patente apreensibilidade da aplicação defeituosa do direito, crê-se ainda que se deverá verificar um erro jurídico grosseiro para justificar a necessidade a que acorre a intervenção do tribunal superior”, como se acentuou no despacho do relator (Fernando Cardoso), de 27.05.2008, no proc. n.º 883/08-1, in www.dgsi.pt, citando o acórdão da Relação de Guimarães de 08.11.2004, no proc. n.º 1073/04 – 1 (www.dgsi.pt).
O despacho em crise afecta direitos da arguida de forma grave pelo que deverá, ao abrigo do art. 73º nº 2 do RGCO admitido o presente recurso do despacho proferido nestes autos quanto á matéria da apensação de processos e sobretudo quanto ao valor da prova produzida por forma a ilidir a presunção de notificação do art. 176º nº 9 do CEstrada.
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Considerando que a decisão em causa, por via de regra, não é recorrível, em face do valor da coima aplicada à arguida (cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 73.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas), o tribunal de primeira instância ordenou a subida do mesmo a fim de ser proferida decisão sobre a sua aceitação, se entender que tal é “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” – cf. o n.º 2 do mesmo artigo.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso deve ser rejeitado em virtude de a arguida não ter constituído mandatário para litigar no Venerando Tribunal da Relação do Porto, atuando na sua qualidade de advogada em causa própria.
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2. Cumpre desde já decidir do requerimento,
nos ternos e para efeitos do art.74º, nº3, do RGCO.
A questão central aqui tratada consiste em saber se, não obstante o valor da coima não o admitir (alínea a) do n.º 1 do artigo 73.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas), no caso concreto o recurso é “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” – cf. o n.º 2 do mesmo artigo.
Recorda-se, no essencial,
a decisão administrativa de 27 de janeiro de 2022,
a qual após impugnação judicial foi mantida pelo tribunal de primeira instância.
“DECISÃO Auto de contraordenação n.º ...
Vistos os autos, cumpre decidir nos termos do art. 0 181 ° do Código da Estrada, na redação atualmente em vigor:
Assim,
1. Conforme auto de contraordenação n.º ..., levantado pela Câmara Municipal ..., o(a) arguido(a) AA, portador(a) da Identificação Fiscal n.º ..., residente em Avenida ..., N. ... 2° Esq, ... AVEIRO, Portugal, vem acusado(a) do seguinte:
No dia 2021-01-22, pelas 14:22 horas no local Rua ..., Aveiro, Comarca ..., com o veículo Ligeiro de Passageiros, com matrícula ..-AA-.. praticou a seguinte infração: Por à data, hora e local acima mencionados, ter estacionado o referido veiculo em zona de estacionamento de duração limitada sem efetuar o respetivo pagamento. Auto levantado em conformidade com o art. 171.º, nº 2 do C.E.
Tal facto constitui contraordenação ao disposto no art. 71.0 n.º 1, ai. d) do C.E., sancionável com coima de 30,00 Euros a 150,00 Euros, nos termos do Artº 71 ° nº 2 a) do Código da Estrada.
2. No dia 2021-06-16, foi o(a) arguido(a) notificado(a) conforme consta dos autos, nos termos dos art.175.0 e 176.0 do Código da Estrada. O(A) arguido(a) não apresentou defesa nem efetuou o pagamento voluntário da coima.
3. A contraordenação pela qual o(a) arguido(a) vem acusado(a) é classificada como leve, sendo apenas sancionável com coima, nos termos conjugados do n. 2, do art. 136. do Código da Estrada. 4. O auto de contraordenação faz fé em processo de contraordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela entidade autuante, quando levantado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 170.º do Código da Estrada. No caso em apreço, verifica-se que os pressupostos daquela disposição legal foram observados.
5. Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes no auto de contraordenação.
6. Os factos descritos e provados levam a concluir que a infração foi praticada a título de negligência, nos termos do art.133.0 do Código da Estrada, porquanto o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.
7. Nestes termos, ponderados os elementos determinantes da medida de sanção constantes no artigo 139.0 do Código da Estrada, determino que o valor da coima a aplicar ao arguido seja de 45,00 Euros (quarenta e cinco euros)”.
Inconformada com a decisão administrativa, a arguida impugnou judicialmente a mesma, defendendo que aquela deve ser revogada, uma vez que, em síntese, não foi notificada do auto de contraordenação antes da decisão administrativa condenatória, tendo sido violado o direito de audição e defesa previsto no artigo 50.º do RGCO e consubstanciando isso a nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
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A arguida veio, entretanto, requerer a apensação dos processos contra si pendentes.
Aberta vista ao Ministério Público, nada disse sobre esta questão, após o que a Mesmo Juiz proferiu despacho de 9.11.2022 sob Referência: 124328223, que indeferiu a requerida apensação com os seguintes fundamentos: “Apesar de se verificar a situação de conexão de processos prevista no artigo 25.º do Código de Processo Penal (aplicável por via do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO), não se procederá à apensação dos mesmos, porque – tendo em conta que, por consulta do Citius se verifica que estão pendentes no Juízo Local Criminal de Aveiro mais de 100 recursos de contraordenação contra a arguida, distribuídos por três Juízos, em momentos processuais distintos, com questões distintas suscitadas e com prova também distinta – a apensação representa um risco para a realização da justiça em tempo útil e a pretensão punitiva do Estado, e iria retardar excessivamente a decisão, por despacho ou julgamento [cf. as alíneas b) e c) do artigo 30.º do Código de Processo Penal].
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Por decisão de 14.11.2022
foi julgada improcedente a impugnação judicial e mantida a decisão administrativa, com os seguintes fundamentos:
“No requerimento de recurso, a arguida veio alegar que não foi notificada por via postal do auto de notícia antes de ter sido proferida a decisão administrativa condenatória de 27.01.2022, tendo-o sido apenas depois, pessoalmente, em 01.04.2022.
Em 19.04.2021 foi lavrado auto de contraordenação, imputando à arguida a prática da contraordenação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 71.º do Código da Estrada – cf. fls. 3.
Tal auto foi enviado à arguida por via postal registada com aviso de receção para a morada do seu domicílio fiscal nessa data, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 50.º do RGCO, bem como no n.º 1 do artigo 175.º e na alínea b) do n.º 1 e alínea a) do n.º 7 do artigo 176.º do Código da Estrada – cf. o expediente de notificação de fls. 3 verso a 5 e a informação da Administração Fiscal de fls. 20.
Determinando a lei que a notificação deve ser expedida para a morada fiscal do arguido, é irrelevante o alegado no requerimento de recurso (para cuja prova foram juntos os documentos de fls. 31 verso a 36), relativamente ao facto de a arguida não residir nessa morada, porque era a morada da sua mãe, esta faleceu, a casa ficou desabitada e foi entregue ao senhorio.
A dita notificação não se concretizou, tendo o expediente sido devolvido – cf. fls. 5.
Por isso, a arguida foi notificada do auto de notícia por via postal simples para o mesmo domicílio, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 176.º do Código da Estrada.
Quando a notificação do arguido é feita por essa via tem que estar no processo cópia do ofício da notificação, com a indicação da data da expedição e do domicílio para o qual foi enviada [cf. a alínea b) do n.º 9 do 176.º do Código da Estrada] – e, no presente caso, está junta a cópia do ofício da notificação (cf. fls. 6 verso) e informação sobre a data da expedição da carta e a morada para a qual foi enviada (cf. a cota de fls. 5 verso e a cópia do sobrescrito de fls. 6). De tais documentos resulta que o auto de notícia foi enviado para a morada fiscal da arguida, em 08.06.2021, através do modo previsto na lei, para o exercício do direito de audição e defesa.
Face ao exposto, é de concluir que não assiste razão à arguida, quanto à falta de notificação do auto de notícia antes da prolação da decisão administrativa condenatória.
Consequentemente, é de concluir que o processo não padece de vício que consubstancie nulidade [designadamente a alegada pela arguida, prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal], por preterição do direito de audição e de defesa da arguida, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 50.º do RGCO.
Face ao exposto, improcede a questão suscitada pela arguida no requerimento de recurso” (itálico nosso).
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Vejamos.
As garantias do processo sancionatório que decorrem do artº 32º da CRP são aplicáveis ao processo de contraordenação por força do seu nº 10, quanto aos direitos de audiência e defesa, mas não comportam um direito ao duplo grau de jurisdição.
O art.32º, nº1, da CRP, ao dispor que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, não atribui um direito ilimitado de impugnação de toda e qualquer decisão judicial proferida em processo penal [1].
Conforme se sustentou no Acórdão TC nº 659/06, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa, especialmente previstos para o processo de contraordenação, no nº 10 do artº 32º da C.R.P. não se pode incluir o direito a um duplo grau de apreciação jurisdicional. Esta norma exige apenas que o arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e alegando as suas razões.
Por outro lado, das garantias gerais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, vertidas, nomeadamente, no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, não decorre um direito ao recurso, ou seja, à reapreciação das decisões judiciais por um tribunal superior (neste sentido, por exemplo, v. o Acórdão do TC n.º 589/2005).
Daqui emerge a não inclusão do direito ao recurso no âmbito mais vasto do direito de defesa (nº 10, do artº 32º da C.R.P.) e do direito de aceso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (nº1, do art.20º da C.R.P.), encontrando-se a coberto da liberdade de conformação do legislador a possibilidade de estabelecer limitações ao direito de recurso no domínio contraordenacional, como acontece com as previstas no art.73º, nº1, do RGCO.
Por ser assim, na situaçao em apreço, a arguida vem previamente ao recurso, inaceitável pelo seu valor, requerer a sua admissão com o fundamento previsto no nº 2 do art. 73º, do Regime Geral da Contraordenações.
Da promoção da uniformidade da jurisprudência
Justificar-se-á a admissão do recurso por o mesmo se revelar manifestamente necessário “à promoção da uniformidade da jurisprudência”?
O conceito utilizado na lei pressupõe a existência de decisões contraditórias sobre uma questão essencial de direito.
Ora, no recurso interposto nada é referido sobre a possibilidade de a decisão recorrida ferir ou pôr em causa a uniformidade da jurisprudência.
Nem é possível aqui reapreciar a decisão que indeferiu a apensação dos vários processos de contraordenação, como forma de os unificar sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum, com unidade de instrução, de discussão e de decisão, com vista a assegurar a prossecução dos objetivos que a justificam: a economia de atividade processual e a coerência ou uniformidade de julgamento (cfr.art.267, do C.P.Civil).
A apensação de processos, requerida em 20.09.2022, foi indeferida, como sobredito, por despacho interlocutório de 9.11.2022 sob referência: 124328223.
Tal qual o foi, por despacho interlocutório de 14.10.2022 (Referência: 123840136), a arguição de nulidade, a requerimento da arguida de 8.10.2022, com fundamento em omissão de pronúncia da Câmara Municipal ... quanto ao pedido dirigido a essa entidade de apensação dos processos contraordenacionais aí pendentes.
Sobre esses despachos formou-se caso julgado formal, por não se tratar de decisão final e consequentemente não admitirem sequer recurso, nos termos do art.73º, nº1, a contrario, do Código Processo Penal – RE 03-11-2004, RL 03-10-2018 e RL 04-02-2020, todos in www.dgsi.pt.
Além de qualquer omissão de pronúncia, sobre a requerida apensação de processos, ter sido sanada em momento oportuno, formou-se caso julgado por despachos interlocutórios que não admitem recurso, sequer a pretexto de uniformizar jurisprudência, a mais que não são sequer indicadas decisões contraditórias a esse respeito.
Embora, não se pretenda, claro está, uniformizar jurisprudência neste TRP, o fundamento do recurso é o conhecimento superior do caso para reflexão sobre as questões em relação às quais a jurisprudência se encontra dividida.
Neste caso o recurso é admissivel quando, afirma, Tiago Lopes de Azevedo [2], "havendo o risco do entendimento recorrido, incompativel com a ideia de Direito, se sedimentar na jurisprudência, seja pela criação de jurisprudência nova que ex ante, se revela juridicamente inaturável, seja pela colisão evidente e inaturável com a jurisprudência já sedimentada na segunda instância que vai conhecer o recurso, devendo identificar-se o respetivo "acórdão fundamento".
Sucede que a arguida não invocou, na realidade, qualquer conflito jurisprudencial sobre uma mesma questão juridica, como motivo da admissão do recurso com esse fundamento, sendo que para tanto não identificou concretas decisões contraditórias que justificassem a uniformização promovida.
Daí que não seja de aceitar o presente recurso com esse fundamento.
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Da manifesta necessidade para a melhoria da aplicação do direito
Resta, então, saber o que deve entender-se por recurso manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, nos termos do nº 2 do art. 73º, do Regime Geral da Contraordenações.
Naturalmente que o segmento não se reporta a uma melhor aplicação do direito, ínsito no remédio jurídico de cada decisão superior quando o tribunal de recurso é convocado para se pronunciar sobre o mérito da decisão recorrida.
A aceitação do recurso nestes casos excecionais não se refere aos casos de existência daqueles vícios que, por demais patentes, consignou no n.º 2 do art.º 410.º do C. P. P., como fundamentadores de recurso em matéria de facto, mesmo nos casos em que o Tribunal superior conhece apenas de direito, nem é justificada pela “normal superação da ilegalidade resultante de uma errada aplicação do direito, nem a correção desta através da decisão do tribunal superior” [3].
Conforme entendimento dominante, só se observa a referida manifesta necessidade quando na decisão impugnada se constata um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, assim não sucedendo perante uma mera discordância quanto à aplicação do direito – cfr. RC 09-12-2010 (Azevedo Mendes) www.dgsi.pt
A ‘melhoria da aplicação do direito’ justifica-se quando a decisão proferida pelo tribunal recorrido, embora não admitisse recurso por via das limitações gerais do art.73º, nº1, do RGCO, revele um erro evidente (manifesto), clamoroso, intolerável, incontroverso e de tal forma grave que não se pode manter, por constituir uma decisão absurda de exercício da função jurisdicional, sendo por isso de aceitar a sua sindicância por outro grau de jurisdição – cfr. RC 13-10-2016 (Paula do Paço) www.dgsi.pt.
O erro evidencia-se de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, é inexoravelmente preciso corrigi-lo - RG 08/11/2004 (processo 1073/04-1), in www.dgsi.pt.
O objeto do recurso comporta uma solução jurídica que lesa de tal forma o Direito que a sua permanência é juridicamente repugnante e, por isso, é incompatível com a ideia de Direito [4].

Distinta desta situação é a que decorre da existência de uma aplicação de direito, que se mostra devidamente fundamentada, como acontece nos autos, mas com a qual o recorrente não concorda.
A arguida invoca erro da 1ª instância na interpretação das normas aplicadas relativas às notificações das infrações estradais, concretamente o art.176º, do Código da Estrada, mas isso não é suficiente para lhe conceder excecionalmente o direito de recorrer.
Esgrime a arguida que as regras da notificação são sempre regras presuntivas, que admitem prova em contrário, a qual foi oferecida pela Recorrente.
Com a prova por si oferecida, acrescenta, ficou ilidida a presunção da notificação efetuada no processo contraordenacional, pelo que não só não a recebeu, como a falta dela não lhe é imputável.
Por um lado, diz, juntou prova que desde 31 de janeiro de 2021 não teve mais acesso à sua morada fiscal, residência da sua mãe, entretanto falecida (conclusão 23ª).
Por outro lado, ao tempo era extremamente difícil “qualquer alteração ao cartão do cidadão, devido ao atendimento por marcação e às restrições que ainda se impunham na capacidade de atendimento devido às limitações impostas ao número de pessoas” (conclusão 22ª).
Lidas as conclusões do recurso desde logo se impõe esclarecer que nenhuma presunção de notificação decorre atualmente do art.176º, nº7, do Código da Estrada, sobre a comunicação enviada para a morada inscrita no registo de propriedade do automóvel.
A forma de notificação ao arguido do auto de contraordenação estradal, para exercer o seu direito de defesa, ao abrigo do poder conferido ao legislador ordinário pelo art.268º, nº3, da C.R.P., está regulamentada - é certo - no art.176º Código da Estrada, não lhe sendo aplicável o art.113º Código Processo Penal [5].
No que ao caso interessa, considera-se domicílio do notificando, para efeitos do disposto nos nºs 4 e 5, do cit. art.176º, o que consta na base de dados da AT como domicílio fiscal (alínea a)).
Se é verdade que as formalidades das notificações devem mostrar-se constitucionalmente adequadas e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa, se é certo que o dever de notificação que impende sobre a Administração “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efetiva cognoscibilidade do ato ao notificando (conclusão 25ª do recurso), não é menos verdadeiro que o legislador constituinte admite uma compressão desses direitos em caso conflito de interesses.
A recorrente não põe em causa que as cartas registada e depois simples foram remetidas para notificação para o seu domicilio fiscal e a última ali depositada, com observância dos formalismos previstos no art.176º, nº9, al.b), do Código da Estrada (conclusão 26ª).
Impugna, isso sim, que a tenha recebido ou sequer dela tivesse oportuno conhecimento, por não se tratar da sua morada, mas antes a da sua mãe, que – todavia - já ali não habitava, por ter falecido, não tendo a recorrente acesso à referida habitação.
Decidiu a primeira instância que não assiste razão à arguida, quanto à falta de notificação do auto de notícia nessa morada, por se tratar do domicilio fiscal da arguida e nela terem sido cumpridos para o efeito os procedimentos previstos no art.176º, do Código da Estrada, mediante o envio de carta simples ali depositada, após a devolução da carta registada antes expedida para a mesma morada, assim se dando cumprimento ao direito de audição e defesa previsto no art.50º do RGCO.
Por isso, a decisão recorrida entendeu que a arguida se considera notificada do auto de notícia, por via postal simples para o seu domicílio fiscal, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 176.º do Código da Estrada, sendo irrelevante se ali habitava ou não a própria e/ou a sua mãe.
Ora, aqui chegados, sem perder de vista o cerne da questão que nos ocupa (art.73º, nº2, do RGCO), importa afirmar que a solução ditada pelo tribunal a quo, concordando-se ou não com a solução, não pode ser reputada de clamorosamente errada sobre a interpretação e aplicação do art.176º, do Código da Estrada, atinente às regras da notificação do auto de noticia levantado por infração estradal.
De resto, contrariamente ao pretendido pela recorrente, a falta desta notificação sempre seria sancionada com o vício da irregularidade (art.123º, do Código Processo Penal), dependente de arguição atempada, e não da nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal [6], pelo que também nesta parte não tem razão a arguida.
Vista a decisão recorrida, não se tratou de desconsiderar a prova oferecida pela recorrente, antes desautorizar a alegação apresentada para ilidir a presunção da notificação, mediante carta simples, prevista no art.176º, nº9, al.b), do Código da Estrada, ao considerá-la efetuada, “no quinto dia posterior à data da expedição, cominação que deve constar do ato de notificação, devendo ser junta ao processo cópia do ofício da notificação com a indicação da data de expedição e do domicílio para o qual foi enviada”.
A discordância da recorrente sobre aplicação do direito, no caso do art.176º, do Código da Estrada, não torna, sem mais, admissível o recurso e a intervenção do tribunal superior com fundamento na “manifesta necessidade de melhoria de aplicação do direito”.
A manifestada discordância apenas legitimaria o recurso quando baseada na ocorrência de um erro jurídico evidente na aplicação do direito, no sentido de se estar perante uma solução jurídica patentemente errada, uma manifesta afronta ao direito.
Para aferir da excecionalidade legal da admissibilidade do recurso é irrelevante se a decisão recorrida constitui subjetivamente uma solução aberrante e incompreensível para a arguida (destinatário da decisão).
No essencial, a arguida discute a validade da notificação que lhe foi feita através de carta postal simples para o domicilio fiscal, precedida da devolução da carta registada para a mesma morada.
Mas, nenhum erro ostensivo se constata por parte do tribunal a quo na apreciação dos factos que o levaram a considerar que a arguida foi efetivamente notificada (pela autoridade administrativa) para exercer o seu direito de defesa, por carta simples remetida em 08.06.2021 para o seu domicílio, após devolução da carta registada e aviso de receção, nos termos previstos no artigo 176º, n.º s 5 a 7 do Código da Estrada.
Na verdade, o art.176º, do Código da Estrada, que regulamenta exaustivamente a matéria das notificações das infrações rodoviárias, na parte que agora nos interessa, estabelece exatamente esse ritual de comunicação entre o cidadão e o Estado (autoridade administrativa).
Cumprido que foi o procedimento legal e considerando-se a arguida domiciliada na morada que consta na base de dados da AT (que comprovadamente constava ser o domicílio fiscal da recorrente), para a qual, na situação em apreço, foram sempre dirigidas todas as notificações do auto de noticia, não pode ser tida como grosseiramente errada, independentemente da discordância que a presunção possa merecer, a interpretação extraida da norma do cit. art.176º que considerou válida a notificação assim efetuada para a arguida exercer o seu direito de defesa.
Faz-se presumir a notificação da arguida, ainda que aí não resida.
Mas, quando o legislador permite que a notificação se faça por via postal simples, depois de comprovadamente frustrada a via postal registada, aceita que esse procedimento, embora restritivo do direito de defesa do devedor, não é manifestamente desproporcionado na procura de uma solução que compatibilize esse interesse com aquele da celeridade processual e ainda da segurança e da paz jurídicas (art.32º, nº2, in fine, da C.R.P.), que são valores e princípios de igual relevância e constitucionalmente protegidos.
Multiplicar as possibilidades de notificação ao longo do processo contraordenacional seria comprometer aqueles outros imperativos constitucionais, permitindo que o processo se arraste indefinidamente, na busca exaustiva e infindável do notificando.
Nas relações entre o particular e o Estado, estabelecendo-se legalmente para os efeitos aqui considerados que o notificando se considera domiciliado na morada que consta da base de dados da AT, não é errado pensar que impende sobre os sujeitos o ónus de manter atualizado o domicilio constante dessa base de dados, de tal modo que se considera notificado mediante carta simples sucessiva ali depositada [7].
Dir-se-á que esta modalidade de notificação não permite saber com certeza se a carta chegou ao conhecimento do destinatário.
Contudo, mesmo admitindo que a morada indicada na base de dados corresponde à residência do destinatário, não há como afastar o risco de, apesar de depositada, não chegar ao conhecimento do destinatário ou chegar fora do prazo para apresentar a sua defesa (ex. basta que dela se ausente temporariamente em férias ou em ausência prolongada).
O direito de defesa não é um direito imune às compressões impostas pela existência de outros direitos e valores igualmente merecedores de proteção constitucional, designadamente o da celeridade e eficácia do processo penal e contraordenacional [8], sabido que todos os cidadãos têm direito a que a causa em que intervêm seja objeto de uma decisão em prazo razoável (artigos 20.º, n.º 4, e 32º, nº2, ambos da C.R.P.).
Daí que, em determinados casos, se aceite sacrificar a solução jurídica ideal, ao nível das garantias de defesa do arguido, para salvaguardar a viabilidade e eficácia do sistema sancionatório.
A ponderação de direitos e valores diretamente implicados, em matéria de comunicação entre o Estado e o cidadão, consentem na aplicação de soluções de compromisso, que, reforçando a cognoscibilidade do ato ao notificando, através da carta simples sucessiva, para salvaguardar o exercício do direito de defesa, não deixem de assegurar a eficácia do ordenamento sancionatório penal e contraordenacional, exigência que também decorre da necessidade de tutela de valores e princípios constitucionalmente tutelados.
Na conciliação desses princípios e interesses, a interpretação feita pelo tribunal a quo não é errada, pelo menos não o será ostensivamente para os efeitos aqui tratados (art.73º, nº2, do RGCO), ao aceitar que o legislador criou os mecanismos da notificação efetuada para evitar que, em situações idênticas à dos autos, o processo fique parado indefinidamente, à espera que o demandado seja localizado e chamado ao processo com aturadas diligências nesse sentido.
A notificação efetuada não compromete o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido, posto que o regime das notificações estabelecido no art.176º, do Código da Estrada, institui suficientes garantias de assegurar, pelo menos, que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, no domicilio por si indicado para o efeito, em termos de ele poder eficazmente exercitar os seus direitos de defesa.
Na verdade, não podendo ignorar que, para as notificações aqui tratadas, o legislador considera o cidadão domiciliado na morada fiscal por si indicada, o dever da Administração de o notificar não deve ir além da esfera da cognoscibilidade do ato que o destinatário previamente lhe disponibilizou para o efeito.
Pelo menos não é aberrante defender esse mecanismo de notificação, como forma de evitar o andamento das ordens sancionatórias penal e contraordenacional a diferentes velocidades, sobretudo quando, como sobredito, o destinatário está obrigado a participar e manter atualizado o seu domicilio fiscal para efeitos de comunicação com a Administração.
O dever de comunicar e atualizar essa morada visa justamente assegurar as possibilidades legais, no caso previstas no art.176º, do Código da Estrada, de comunicação rápida e eficaz entre o Estado e o cidadão.
No mais, o reconhecimento de que a generalidade das pessoas, no exercício de uma cidadania responsável, procede à consulta regular da sua correspondência, através do recetáculo postal do domicilio por si indicado à Administração, confere à notificação realizada por via postal simples nos termos dos n.os 5 a 7, do artigo 176º, do Código da Estrada, com observância do formalismo previsto na alínea b), do nº9, do mesmo artigo, aqui aplicável, garantias mínimas de cognoscibilidade para suportar a presunção de recebimento (conhecimento) da notificação dela decorrente.
Acresce que nenhuma violação do princípio da proibição de indefesa consagrado nos artigos 20.º, nº1, e 32º, nº1, da C.R.P., ocorre em torno da possibilidade de a arguida ilidir a presunção da sua notificação.
Com efeito, conforme despacho interlocutório de 14.10.2022 (Referência: 123840136), em 8.10.2022 a arguida declarou nos autos que, uma vez admitidos os documentos juntos e aqueles por si requeridos, estaria reunida toda a prova que permite a decisão por despacho, ao qual não se opõe - disse, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 64.º do RGCO, donde o Tribunal a quo ter logo anunciado que assim decidiria, como o fez através do despacho recorrido.
A notificação considerada pelo tribunal a quo, seguindo o procedimento legal previsto no cit. art.176º:
- não só dá garantias mínimas de segurança e fiabilidade de comunicação do ato na morada fiscal indicada pela arguida para comunicar com a Administração, ainda que ali não resida;
- como não foi tornado impossível ou excessivamente difícil ilidir a presunção de recebimento oportuno desse ato, admitida e ponderada que foi a prova requerida para o efeito, conforme despachos interlocutórios de 3.10.2022 (Referência: 123665475) e de 14.10.2022 (Referência: 123840136).
Em sede de impugnação judicial a arguida teve o ensejo de se defender sobre essa questão de facto.
Como se observou, não foi por impedimento, compressão ou cerceamento do seu inquestionável direito de defesa que a arguida não apresentou defesa.
Sindicar o julgamento dos factos sobre a residência da arguida e o conhecimento que ela teve do ato da notificação, única questão objeto da sua impugnação judicial, seria o mesmo que admitir o inaceitável recurso sobre matéria de facto (art.75º, nº1, a contrario, do RGCO)
Por outro lado, a arguida não pode alegar, pelo menos não pode fazê-lo sem abuso do direito, num claro venire contra factum proprium, que não teve conhecimento do auto de noticia, por – afinal - não residir na morada fiscal por si participada à Administração para efeitos de comunicação.
Também por aqui o seu direito de defesa não sofreu qualquer intolerável compressão.
Como vem sendo pacificamente defendido pela jurisprudência, para ilidir a presunção quanto à notificação, cabe ao notificando alegar e provar os factos necessários para demonstrar que não recebeu a notificação e por causa que não lhe é imputável, devendo invocar tal questão no requerimento de impugnação judicial.
Se o destinatário não esclarece a razão de ser da “alteração de morada” e passou a ter domicilio diferente daquele participado à Administração ou deixou de poder aceder à correspondência que continuou a ser remetida para a morada por si indicada, não se poderá/deverá concluir que em nada tenha contribuído para que as notificações não tenham chegado oportunamente ao seu conhecimento – cfr. RC 08-09-2020 (Fonte Ramos) www.dgsi.pt.
Tudo visto, as considerações feitas na decisão recorrida não se encontram em divergência grosseira com qualquer solução plausível das questões de direito apreciadas designadamente com a jurisprudência que tem sido afirmada, o que a recorrente tão pouco evidencia.
Não encontramos na decisão recorrida o “erro grosseiro, notório ou incomum” que torne manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso.
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3. DECISÃO
Nesta conformidade, nos termos do art.74º, nº3, do RGCO, decide-se indeferir o requerimento de aceitação do recurso, com a consequente retirada do mesmo.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (arts. 513º, nº 1, do CPP, ex vi do art.92º, nº1, do RGCO e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.
(Elaborado, revisto e assinado digitalmente– art. 94º, nº 2, do CPP).

Porto, 16.12.2022
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro
Carla Oliveira
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[1] Leonel Dantas, in Recursos Jurisdicionais no processo das contraordenações, Scientia Ivridica, nº344, 2017, pg. 185
[2] in Lições de direito das contraordenações. Almedina, 2020, pg.326.
[3] – cfr. RG 08/11/2004 (processo 1073/04-1), in www.dgsi.pt: “Se assim fosse, justificar-se-ia sempre aceitar o recurso e a exceção transformar-se-ia em regra, inutilizando o regime que estabelecia esta, no caso o disposto no n.º 1 do art.º 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10.
[4] Tiago Lopes de Azevedo, ob.cit., pg.326.
[5] Neste sentido o ac RP 24-02-2016 (ÉLIA SÃO PEDRO) www.dgsi.pt.
Também o ac RG 10-07-2018 (Fátima Furtado) www.dgsi.pt: I) A contraordenação prevista no artigo 22.º do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada Controlada por Parcómetros, da Câmara Municipal X, de natureza estradal, cai no âmbito de aplicação do Código da Estrada e por ele é regulada em tudo que não estiver expressamente previsto no DL n.º 81/2006, de 20 de abril e no respetivo Regulamento Municipal. II) A norma do artigo 176.º do Código da Estrada, relativamente às notificações efetuadas no âmbito do respetivo procedimento, por ser norma especial relativamente ao regime das notificações previsto no RGCO é a aplicável - lex specialis derogat legi generali.
[6] Assim concordou o Tribunal Constitucional no ac n.º 181/2006, de 8 de Março de 2006, decidindo: “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual o uso da notificação mediante carta simples sem prévia tentativa da notificação mediante carta registada, nos termos do artigo 156.º, n.ºs 4 e 7, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro), constitui irregularidade prevista no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que se sana se não for arguida no prazo aí cominado”.
[7] O artigo 19.º, n.º 1, da LGT, determina que para as pessoas singulares o domicílio fiscal é o local da residência habitual e para as pessoas coletivas é o local de sede ou direção efetiva, ou na falta destes, do seu estabelecimento estável em Portugal. Dada a importância do domicílio fiscal, designadamente, para a tomada de conhecimento das comunicações enviadas pela Administração Tributária para o sujeito passivo, o legislador consagrou a obrigatoriedade de participação do respetivo domicílio e a ineficácia e inoponibilidade da sua alteração enquanto não for lhe for comunicada (cfr. artigo 19.º, n.ºs 3 e 4, da LGT e artigo 43.º, n.º 2, do CPPT).
[8] O princípio da celeridade contraordenacional, escreve Tiago Lopes de Azevedo. Lições de direito das contraordenações. Almedina, 2020, pg., "impõe que o procedimento contraordenacional termine no mais curto espaço de tempo possivel, tendo em conta, por um lado, as garantias de defesa do arguido, por outro lado, e a prossecução do interesse público sob a perspectiva da legalidade sancionatória contraordenacional".