Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
510/20.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: ACIDENTE
QUALIFICAÇÃO COMO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20220912510/20.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Independentemente de ocorrer ou não no tempo e no local de trabalho, o que relevará fundamentalmente para que um acidente possa ser considerado como de trabalho é que o trabalhador se encontre, no momento da sua verificação, sob a autoridade da entidade empregadora, se encontre a executar um serviço ou tarefa por ela determinado.
II - Assim, sofrendo o sinistrado, médico dentista, queda quando se encontrava a avaliar/reparar infiltração em marquise da clínica onde prestava serviço, sendo em simultâneo gerente da sociedade empregadora, o acidente não é de trabalho se está não provado que nesse dia estivesse a cumprir ordens da sociedade empregadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 510/20.3T8PRT.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J3

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Depois de frustrada a tentativa de conciliação, AA e BB, filhos do sinistrado CC, apresentaram, com o patrocínio oficioso do MºPº, petição inicial para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “Companhia de Seguros X..., S.A.”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes:
a) a ambos, a quantia de € 5.752,08 relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no art.º 65º, n.ºs 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de setembro; e
b) a cada um dos Autores, a pensão anual e temporária de € 5.118,77, calculada com base em 20% da retribuição anual referida, com início no dia 21 de novembro de 2019, dia seguinte ao da morte do sinistrado, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentarem o ensino superior;
c) bem como juros de mora à taxa legal sobre as referidas importâncias, a contar do vencimento das respetivas obrigações, nos termos do art.º 135º do Código de Processo do Trabalho.
Fundaram o seu pedido alegando, em síntese, que o seu pai em 20/11/2019 sofreu acidente quando estava no exercício das suas funções nas instalações da “C..., Lda.”, do qual resultou a sua morte, estando a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a seguradora Ré.

Citada a Ré, apresentou contestação, alegando, em resumo, que a queda do sinistrado ocorreu na execução de uma tarefa que não resultava do exercício das suas funções enquanto médico dentista, desconhecendo-se a existência de instruções por parte da empregadora para a executar e se planificou a sua execução, além de que o sinistrado não acautelou o risco de queda, violando ostensivamente as mais elementares regras de segurança, havendo negligência grosseira por parte do sinistrado o que descaracteriza o acidente, mas se assim não for entendido sempre há incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da empregadora; conclui dizendo, dever:
a) a ação ser julgada totalmente improcedente;
b) serem julgadas procedentes as referidas violações das regras de segurança e saúde no trabalho por parte do sinistrado, considerando a sua atuação de título de negligência grosseira para os efeitos do disposto no art.º 14º da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro;
c) caso assim não se entenda, serem julgadas procedentes as violações da entidade empregadora, com todas as devidas consequências, designadamente para efeitos do Direito de Regresso que assiste à Ré nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 18º, nº 1 e 79º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro.

Citado o “Centro Distrital da Segurança Social ...”, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, nada foi alegado.

Foi proferido despacho a determinar a intervenção da Empregadora do sinistrado, a “C..., Lda.”.
Citada a Interveniente, a mesma apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que o sinistrado se encontrava a executar a tarefa, que não é inerente à sua atividade profissional, por mote próprio e sem qualquer indicação prévia por parte de um superior hierárquico (sendo o sinistrado o sócio gerente) em termos que evidenciam um elevado grau de negligência grosseira, devendo-se o sinistro ao comportamento voluntário e violador das condições de segurança por parte do sinistrado, donde não ter a Interveniente qualquer responsabilidade, havendo descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, concluindo dever a ação ser julgada totalmente improcedente, e consequentemente:
a) ser julgado que o comportamento do sinistrado CC caracteriza uma situação de negligência grosseira e, como tal, seja determinada a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, nos termos e para efeitos da alínea b), do nº 1, do art.º 14º da Lei n.º 98/2009, de 04/09;
b) ou, caso assim não se entenda, seja julgado que o comportamento do sinistrado CC caracteriza uma ação que importa a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei, e, como tal, seja determinada a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho nos termos e para efeitos da alínea b), do n.º 1, do art.º 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09;
c) ou, caso assim não se entenda, seja considerado o sinistro como acidente de trabalho e, nesse sentido, seja a Ré Seguradora condenada ao pagar aos Autores as quantias devidas, nos termos do petitório deduzido.

Foi proferido despacho a convidar a Ré Seguradora[1] a aperfeiçoar a contestação.

A Ré Seguradora apresentou “contestação aperfeiçoada”.

Foi proferido despacho para notificação dos Autores e da Interveniente para se poderem pronunciar, os primeiros sobre a “exceção invocada pela Seguradora da descaracterização do acidente”, e a segunda sobre a “invocada não responsabilidade da 1ª Ré face ao imputado incumprimento das regras de higiene e segurança no trabalho”, o que fizeram.

A Ré Seguradora exerceu o contraditório em relação ao requerimento da Interveniente.

Foi determinada a realização de «audiência prévia», na qual foi proferido despacho saneador afirmando a regularidade e validade da instância, consignando-se os factos assentes e enunciado o objeto da causa bem como os temas de prova.
Foi ainda fixado o valor da ação em € 54.708,04.

Depois de realizada «audiência de discussão e julgamento», foi proferida sentença decidindo o seguinte:
I) considerar que CC sofreu um acidente de trabalho no dia 20/11/2019, quando se encontrava ao serviço de “C..., Lda.”;
II) absolver a Interveniente “C..., Lda.” do pedido contra ela formulado;
III) condenar a Ré “Companhia de Seguros X..., S.A.” a pagar:
a) aos Autores a quantia de € 5.752,08 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efetivo e integral pagamento;
b) a cada um dos Autores a pensão anual de € 5.118,77, com início em 21/11/2019 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), atualizada em 01/01/2020 para o valor de € 5.154,60, e em 01/01/2021 para o valor de € 5.154,60, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, até perfazer 25 anos, enquanto frequentar o ensino superior, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
1. Entende o Apelante que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova testemunhal e documental produzida, julgando de forma incorreta os factos considerados como provados e não provados, considerando aquela que foi a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
2. Considerando como não provada a sentença ora em crise que no dia do acidente CC trabalhasse sob as ordens, direção e fiscalização da Ré C..., Lda. pelo que não tendo sido provada a relação laboral, o evento em apreço nos autos nunca poderia ter sido caracterizado como acidente de trabalho e aqui Recorrente condenada no pedido (ponto 1 dos factos dados como não provados).
3. CC era médico dentista, pelo que as tarefas de reparação da janela da marquise da Ré C..., Lda. sempre teriam de se encontrar fora do âmbito da eventual profissão exercida por aquela, o que determina que o evento em apreço nos autos se encontre fora do âmbito da cobertura da apólice de acidente de trabalhos celebrada entre a aqui Recorrente e a Ré C..., Lda..
4. As tarefas executadas por CC encontravam-se fora da atividade exercida na C..., o que resultou do depoimento da testemunha DD, facto que deveria ter sido considerado como provado pela douta sentença recorrida.
5. CC caiu da janela do 4º andar da clínica da propriedade da Ré C... da qual era sócio-gerente, e esta da propriedade dos seus pais, pelo que nunca poderia ter sida considerado como não provado que CC desconhecesse que se encontrava a executar trabalhos no 4º andar a cerca de 10 metros de altura da cobertura de um terraço existente (ponto 7 dos factos dados como não provados).
6. CC caiu de uma janela do 4º andar da clinica quando se encontrava junto à janela da marquise, sendo que no local inexistiam vidros partidos e a janela encontrava-se aberta quando a testemunha DD voltou ao local, onde apenas o sinistrado de encontrava logo após este ter caído e a janela estava aberta, pelo que nunca poderá ser sido considerado como não provado que a janela não se encontrasse aberta durante a execução dos trabalhos em causa e o escadote usado para o efeito (ponto 2 dos factos dados como não provados).
7. Do mesmo modo nunca poderia ter sido considerado como não provado que o escadote utilizado por CC não estivesse junto à janela durante a execução da tarefa de reparação, já que a reparação em causa era efetivamente da janela, não fazendo sentido que o escadote estivesse afastado da janela e por ter sido afirmado pela testemunha DD que a chegar à marquise logo após a queda o escadote estava junto à janela (ponto 3 dos factos dados como não provados).
8. Não podia ter a sentença ora em crise ter considerado como não provado se CC tenha efetuado a tarefa de reparação desacompanhado e sem o auxílio de terceiro (ponto 10 dos factos dados como não provados) já que este estaria sozinho na clínica com a testemunha DD que se ausentou do local quando aquele iniciou a reparação e quando retornou já a queda de CC tinha ocorrido.
9. Não podia a sentença recorrida ter considerado como não provado que CC não estivesse no 3º ou 4º degrau do escadote a mais de 80 centímetros do solo e, em plano superior ao parapeito da marquise, com a janela aberta e em exposição para o exterior e que se desequilibrou e caiu pela janela (pontos 4, 5 e 6 dos factos dados como não provados).
10. Ora, resulta da prova produzida, nomeadamente do depoimento prestado por EE, a inexistência de vidros partidos, que o escadote utilizado estava junto à janela, a reparação iria ocorrer na parte superior da janela, a marquise tinha cerca de 2,30 metros de altura e o parapeito cerca de 80 centímetros, pelo que considerando que CC se encontrava a efetuar a reparação no aludido local, e mais ninguém se encontrava no local, apenas poderia ter caído pela janela por desequilíbrio ou iniciativa do próprio, factos que teria obrigatoriamente de ter sido julgados como provados pela sentença ora em crise.
11. Também resultou do depoimento prestado por EE que CC não poderia ter os conhecimentos técnicos necessários para a realização da reparação, bem como as mais elementares regras de segurança no trabalho, considerando a inexistência de elementos que pudessem impedir, uma queda, o escadote utilizado e o facto de ter realizado a tarefa com a janela aberta, pelo que deveria ter sido considerado como provado os pontos 4, 5, 6 e 12 dos factos como não provados.
12. Com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao concluir como não provados os factos acima elencados tendo em consideração a prova produzida, verificando que também andou mal o Tribunal a quo na ponderação do conjunto da prova produzida, sendo que as declarações das testemunhas, prestadas em sede de audiência, que supra se deixaram transcritas, impunham decisão diversa à alcançada pelo Tribunal a quo, com a qual se discorda.
13. A conduta de CC, médico dentista,
14. ao executar uma tarefa de reparação da janela da marquise da Ré C..., com cerca de 2,30 metros, com recurso a um escadote metálico, com a janela aberta, num plano superior ao parapeito da janela, e sem quaisquer elementos que pudesse conter uma eventual queda,
15. determinou que este caísse de uma altura de cerca de 10 metros e provocasse a sua morte,
16. tarefa que não costumava exercer e bem sabendo a altura em que se encontrava,
17. apenas pode ser considerada como ferida de negligência grave resultando o evento em apreço nos autos de um comportamento temerário, inútil e indesculpável exclusivamente imputável unicamente ao sinistrado CC,
18. o que determina a descaracterização do acidente ocorrido, como acidente de trabalho e consequentemente não poderá ser a aqui Recorrente considerada responsável pela reparação dos prejuízos peticionados nos autos, considerando o disposto na al. b) do número 1 do artigo 14.º da legislação aplicável aos Acidentes de Trabalho.
19. Deveria o Tribuna a quo ter tido presente, na apreciação da prova testemunhal transcrita, que, a conduta de CC foi de tal forma imprudente e gravosa que se encontra o evento em apreço nos autos descaracterizado enquanto acidente de trabalho.
20. Considerando os depoimentos transcritos, cotejados com a aplicação do direito vigente e com as regras da experiência, o comum nas situações de reparação de janelas de marquises seria a realização da tarefa com a janela fechada, mediante o uso de uma escada de encostar e por pessoa com conhecimentos de infiltrações e não por um médico dentista.
21. Aqui chegados, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova produzida quanto à questão da conduta de CC, o que determinou a violação das regras de segurança no trabalho e face às circunstâncias de tempo e espaço referida verificava-se um manifesto risco de queda para o exterior na execução da aludida tarefa, risco, esse, que o CC não acautelou, em ostensiva violação das mais elementares regras de segurança.
22. Não resultou provada a existência de quaisquer instruções por parte da Ré C..., existência de avaliação, planificação prévia ou procedimentos de segurança para a execução de trabalhos em altura e sem a utilização de qualquer equipamento de proteção individual, em manifesta violação do disposto no artigo 38º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de fevereiro.
23. Sendo que, face às condições existentes a entidade patronal nunca poderia ter autorizado o acesso que trabalhador procedesse à reparação da cobertura da marquise, com a janela aberta e em cima de um escadote, sem recurso a qualquer equipamento e sem salvaguarda das condições de segurança e higiene no trabalho.
24. Pelo que a não considerar a conduta de CC como descaracterizadora de acidente de trabalho, sempre se devera considerar o incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da entidade empregadora – C..., Lda., pelo que, nos termos do número 1 do artigo 18.º da Lei 98/2009 de 04/09, não se aceita a responsabilidade da aqui Ré pela reparação das consequências do acidente.
25. Na realidade não estamos perante qualquer evento de causa externa súbita e violenta, ocorrido durante o tempo e no local de trabalho que possa ser caraterizado como acidente de trabalho, não sendo possível responsabilizar a aqui Recorrente pela regularização dos danos que os Recorridos alegam ter sofrido.
26. Considerando as regras associadas à repartição do ónus da prova (artigo 2.º e 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, e artigo 342º, nº 1 do C.C.) não lograram os Recorridos demonstrar a existência de um acidente de trabalho, ónus que sobre estes impendia, já que CC não tomou as devidas precauções de segurança, num ato temerário e alto e relevante grau de negligência grosseira, o que descaracterizou o sinistro em apreço enquanto acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 14.º da L.A.T.
27. Caso assim não se entenda, sempre se devera considerar o incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da entidade empregadora – C..., Lda., pelo que, nos termos do número 1 do artigo 18.º da Lei 98/2009 de 04/09, artigo 15.º da Lei 102/2009, de 10/09, não se aceita a responsabilidade da aqui Ré pela reparação das consequências do acidente.
28. CC, foi colocado em situação de perigo iminente com total e absoluto desrespeito das condições de segurança no trabalho estabelecidas pela Lei e pela sua entidade patronal, violando o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09, bem como número 1 do artigo 14º da Lei nº 98/2009, de 04/09 o que descaracteriza o evento enquanto acidente de trabalho.
Termina dizendo dever ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que determine a descaraterização do evento em apreço nos autos enquanto acidente de trabalho e em consequência absolva a Recorrente do pedido.

Os Autores apresentaram resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:
1. A prova testemunhal deve ser apreciada segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando o juiz segundo a sua consciência e convicção.
2. O juiz é livre, de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha em detrimento de testemunhos contrários.
3. A matéria de facto só deve ser alterada nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade da factualidade assente com os meios de prova existentes nos autos, dando-se assim prevalência aos princípios da oralidade e da imediação, bem como da prova livre (artigo 396º do Código Civil e 607º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil).
4. O erro na apreciação da prova, não se prende com uma mera e diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência que a recorrente entenda serem as corretas.
5. Da análise critica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, “relacionada entre si e com recurso a juízos de experiência comum” a Mmª. Juíza a quo apenas poderia considerar provados e não provados os factos nos exatos termos em que o fez.
6. Na verdade, tal como consta da sentença recorrida: “relativamente à factualidade constante nos pontos K, L, M e N foi considerado o depoimento da testemunha DD, funcionária da Ré à data dos factos e, bem assim, o depoimento da testemunha EE, perito de seguros que realizou a peritagem do acidente em causa nos autos a pedido da 1ª Ré”.
7. “O depoimento da testemunha DD, foi prestado de forma objetiva e desinteressada (ainda que emotiva), relatando de forma clara a conversa que teve com o sinistrado e o que viu quando regressou à clinica, passado cerca de 10 minutos”.
8. “As medidas constantes de L e N foram indicadas pelo perito que se deslocou ao local depois do acidente e procedeu às respetivas medições (…)”.
9. “No que respeita aos demais factos não provados, temos que ninguém presenciou o evento, pelo que nenhuma das testemunhas o pode descrever, limitando-se a testemunha EE a expressar a sua convicção quanto à forma como o mesmo pode ter acontecido, donde ficou o tribunal sem saber, como de facto se deu o acidente… ninguém assistiu ao acidente e a testemunha DD apenas referiu a intenção manifestada pelo sinistrado e que apenas quando regressou à clinica viu o escadote junto à janela, não podendo, porém, afirmar se estava paralelo à janela ou ao lado da mesma e a que distância…”.
10. O acidente em causa nos autos, corrido em 20/11/2019, que vitimou CC, ocorreu quando o mesmo se encontrava ao serviço da C..., Lda. e aconteceu no tempo e no local de trabalho do sinistrado.
11. Acidente de trabalho é aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), da LAT).
12. Entendendo-se como local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontre ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador (cfr. artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, a) e b), da LAT).
13. Como tempo de trabalho entende-se além do período normal de trabalho o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho – cfr. artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, a) e b), da LAT.
14. Por sua vez, o artigo 10º, nº 1, estabelece que “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho”.
15. Face à prova produzida em julgamento (nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o acidente), e considerando que o mesmo ocorreu no tempo e no local de trabalho do malogrado sinistrado, é-lhe aplicável a regra da presunção estabelecida do nº 1, do artigo 10º da LAT.
16. Ou seja, não tendo a Ré feito prova do seu contrário, a aludida presunção é determinante para considerar o acidente a que se reportam os autos como um típico acidente de trabalho.
17. O acidente em causa nos autos não ocorreu por negligência grosseira do sinistrado, nem este violou as condições de segurança estabelecidas na lei.
18. A alegação e prova dos factos conducentes à descaracterização do acidente competem à entidade responsável pela sua reparação, por serem impeditivos do direito à reparação que a lei confere ao sinistrado – cfr. artigo 14º, nº 1, b) da LAT.
19. A Recorrente não provou que a queda do sinistrado foi consequência de uma qualquer ação ou omissão por parte deste ou de terceiro, pelo que, estamos perante um evento súbito e inesperado que configura um acidente de trabalho indemnizável.
20. Atenta a transferência de responsabilidade infortunística da entidade empregadora para a Ré (seguradora) é esta responsável pelo pagamento dos valores constantes na sentença recorrida.
21. A sentença recorrida não padece de qualquer vício, não violou qualquer norma ou disposição legal, pelo que deve manter-se nos seus exatos termos.
Terminam dizendo dever o recurso improceder, confirmando-se a sentença proferida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente e nos próprios autos, sendo o efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, teve vista do processo (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), declarando estar-lhe no caso vedado emitir parecer dado ser o Ministério Público Autor enquanto patrono oficioso dos beneficiários.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
● Houve erro de julgamento sobre a matéria de facto?
● O sinistro ocorrido em 20/11/2019 não deve ser considerado acidente de trabalho, ou deve ser descaracterizado como tal?
*
Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
A) AA nasceu em .../.../1999, e é filha de CC e de FF.
B) BB nasceu em .../.../2000, e é filho de CC e de FF.
C) No ano letivo de 2019/20, a Autora AA frequentava a licenciatura em ..., da Faculdade ... da Universidade do Porto.
D) Em novembro de 2019, o Autor BB frequentava o mestrado integrado de ... da Faculdade ... da Universidade do Porto.
E) Em 20/11/2019, da parte da tarde, quando se encontrava nas instalações da “C..., Lda.”, na ...., no Porto, CC sofreu uma queda do 4.º andar do edifício onde se situa a clínica para o solo, o que lhe provocou lesões traumáticas ráqui-medulares, torácicas e abdominais, descritas e examinadas no relatório de autópsia junto aos autos, que foram causa direta e necessária da sua morte.
F) À data, CC auferia a retribuição anual de € 25.593,84, assim distribuída: € 1.750,00 x 14 meses (vencimento) e € 99,44 x 11 meses (subsídio de alimentação).
G) A 2ª Ré tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a 1ª Ré, pelo valor anual de € 25.593,84.
H) Em 20/11/2019, CC tinha 177 cm de altura; 92 kg; IMC: 29,4; Estado de nutrição: excesso de peso.
I) Os pais de CC, GG e HH, procederam ao pagamento das despesas do funeral daquele, no montante de € 1.917,36, tendo recebido da Segurança Social, uma comparticipação de € 1.307,00.
J) Em 20/11/2019, CC era sócio gerente da 2ª Ré e exercia as funções de dentista.
K) No dia 20/11/2019, CC chegou à clínica após o almoço e solicitou a HH (funcionária da C...) chave e parafusos, tendo referido que pretendia proceder à reparação da janela da marquise junto à cobertura onde havia uma infiltração de água.
L) A marquise tem uma altura de cerca de 2,30 metros e localiza-se nas traseiras do prédio onde se sedia a C... e andar correspondente ao 4ª piso.
M) Após a queda, estava colocado junto do parapeito da janela que se encontrava aberta, um escadote que se encontrava em bom estado de conservação e dotado de borrachas antiderrapantes nas bases.
N) O sinistrado caiu de uma altura a cerca de 10 metros do solo, para a cobertura de um terraço existente no local.
O) Aquando da queda, CC não utilizava qualquer equipamento de segurança coletivo ou pessoal, atuando desprovido de linha de vida ou arnês e não tinha sido colocada uma rede de segurança, dispositivo de corda Y, ou bloqueador de janela, nem dispunha de qualquer elemento compensatório, como andaime ou plataforma.

E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem:
1) Em 20/11/2019, CC trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “C..., Lda.”.
2) O escadote referido em M) estava colocado a cerca de 10 centímetros do parapeito da janela.
3) CC executou a tarefa referida em K) utilizando um escadote metálico, encontrando-se a janela aberta durante a execução de tal trabalho.
4) CC estava no 3º ou 4ª degrau do escadote, a mais de 80 centímetros do solo e em plano superior ao parapeito da marquise.
5) Na execução da tarefa, CC estava acima do parapeito da marquise, com a janela aberta e em total exposição para o exterior.
6) Durante a execução da tarefa, o sinistrado desequilibrou-se e caiu pela janela que se encontrava aberta.
7) Bem sabia o sinistrado, que o local onde tal tarefa que executava se encontrava no 4.º andar do edifício, a cerca de 10 metros de altura da cobertura de um terraço aí existente.
8) A 2ª Ré não colocou à disposição de CC qualquer equipamento para a execução da aludida tarefa.
9) Bem sabia a 2ª Ré que o local onde tal tarefa que executava se encontrava no 4.º andar do edifício, a cerca de 10 metros de altura da cobertura de um terraço aí existente.
10) E fê-lo desacompanhado, sem o auxílio de terceiro, com a janela em causa aberta e em total exposição para o meio exterior.
11) A reparação efetuada partiu da exclusiva iniciativa do sinistrado e à margem da atividade de médico dentista a que se tinha obrigado a prestar.
12) CC não possuía os conhecimentos próprios, nem estava familiarizado com os procedimentos técnicos que deveriam ter sido seguidos na reparação referida em 2).
*
Do erro de julgamento sobre matéria de facto:
Comecemos por ver se os factos provados são aqueles que o tribunal a quo fixou como tal, ou se há que alterar o decidido sobre matéria de facto, passando factos considerados como não provados a provados como defende a Recorrente, começando por fazer uma breve referência aos termos em que tem lugar a impugnação e apreciação a fazer pelo tribunal ad quem.
Para impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso)[5].
Assim, a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador[6]; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[7].
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo, como consta do art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Há ainda que ter presente que a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, sendo esse o caso da prova testemunhal (art.º 396º do Código Civil), do depoimento de parte (na medida em que não seja confessório - art.º 361º do Código Civil) e das declarações de parte (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária[8].
Assim, não basta uma testemunha proferir palavras em determinado sentido para ficar provado o por ela dito, importando que as testemunhas sejam credíveis, que o depoimento tenha consistência de modo que o julgador, na sua livre apreciação, forme convicção de que o dito corresponde ao sucedido (o que fundamenta).
De referir, ainda, que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[9].

Feitas estas considerações, vejamos a impugnação apresentada pela Recorrente.
Pretende a Recorrente que os pontos 2), 3), 4), 5), 6), 7) 10) e 12) dos factos não provados sejam considerados como provados, pelo que passamos à análise desses pontos de modo a aferir se em relação a eles houve erro de julgamento, agrupando-se para análise alguns, como faz a Recorrente, por estarem conexionados ou as considerações a fazer para um valerem em relação a outro(s).
Uma vez que o tribunal a quo na motivação a decisão quanto aos factos não provados não discrimina todos os factos, justificando a decisão no seu todo, desde já se transcreve essa motivação:
Quanto ao facto dado como não provado constante em 1), não foi feita qualquer prova nesse sentido, sendo que do depoimento da testemunha DD, pelo contrário, resultou que o sinistrado agia como se de seu patrão se tratasse.
No que respeita aos demais factos não provados, temos que ninguém presenciou o evento, pelo que nenhuma das testemunhas o pode descrever, limitando-se a testemunha EE a expressar a sua convicção quanto à forma como o mesmo pode ter acontecido, donde ficou o tribunal sem saber como, de facto, se deu o acidente.
Esta testemunha relatou em tribunal uma série de conclusões que, reconhecendo-se que possam fazer sentido, não passam de especulações sobre o que pode ter acontecido.
Reitera-se, ninguém assistiu ao acidente e a testemunha DD apenas referiu a intenção manifestada pelo sinistrado e que apenas quando regressou à clínica viu o escadote junto à janela, não podendo, porém, afirmar se estava paralelo à janela ou ao lado da mesma e a que distância.
Ora, sendo certo que as conclusões alcançadas pela testemunha EE se afiguram lógicas, a verdade é que poderão avançar outras hipóteses para se ter dado a queda do sinistrado, não podendo o tribunal com a certeza necessária concluir qual razão para tal ter acontecido.

dos pontos 2) e 3) dos factos não provados:
É o seguinte o seu teor, recordemos:
2) O escadote referido em M) estava colocado a cerca de 10 centímetros do parapeito da janela.
3) CC executou a tarefa referida em K) utilizando um escadote metálico, encontrando-se a janela aberta durante a execução de tal trabalho.
Para sustentar que deveriam ter sido dados como provados estes pontos, cita a Recorrente excertos dos depoimentos das testemunhas DD e EE.
Ouvidos os depoimentos das testemunhas DD (que na altura trabalhava na Ré Empregadora) e EE (perito averiguador, trabalhando para empresa que presta serviços à Ré Seguradora, tendo nessa medida feito averiguação sobre o que terá sucedido no dia e hora em questão, elaborando o relatório junto com a contestação), no Citius Media Studio, na íntegra, confirma-se que ninguém assistiu à queda do sinistrado do 4ª andar para o solo.
Não se pode esquecer que existe a possibilidade de recurso à prova por presunção (art.ºs 349º a 351º do Código Civil), caso em que se consagram factos (mas factos concretos, objetivos) que se provam por via indireta (teremos, então um facto indiciário e um facto presumido, unidos por um nexo lógico).
Explicando melhor: obtido por prova direta um determinado facto, pode através de um raciocínio presuntivo estabelecer-se um nexo lógico, assente nas máximas da experiência, com outro facto, e assim ficar este assente[10], fazendo o juiz a articulação de factos na fundamentação da sentença para obter conclusões (chegar a factos presumidos).
Dessa forma, considerando que a tarefa referida na alínea K) dos factos assentes era em altura (era numa janela, junto à cobertura), e que a testemunha DD disse que quando saiu o sinistrado se dirigiu para varanda [a marquise referida na alínea K)] e que quando regressou de ter ido comprar “coca cola” viu lá o escadote junto à janela [a testemunha referiu escada, mas do depoimento no seu todo percebe-se estar a falar de um escadote, como se vê nas fotografias do relatório junto com a contestação da Ré Seguradora, o qual se encontrava na “clínica], estando a janela aberta, é de concluir pela utilização do escadote, passando o ponto 3) para os factos provados, mas com redação consentânea com aquilo que se pode concluir da prova nos termos expostos (desde logo não se sabe se a janela estava aberta na totalidade – a testemunha EE referiu que tinha que estar aberta, “possivelmente bem aberta, mas aberta” –, e substitui-se o termo “trabalho” por outro mais neutro, dado estar em discussão se o acidente é ou não de trabalho).
Já quanto ao constante do ponto 2) dos factos não provados, dos referidos depoimentos, da sua audição na íntegra, não se colhe suporte para o dar como assente, pelo que permanece como não provado.
Note-se que só pela observação das fotografias, sem medições, nem é de excluir que o escadote nem estivesse totalmente paralelo à janela (a testemunha DD não o afirmou).
Assim, é aditada uma alínea M1) aos factos provados com a seguinte redação, mantendo-se o demais como não provado:
M.1) CC, para execução da tarefa referida em K) foi buscar o escadote metálico referido em M), encontrando-se a janela aberta, pelo menos em parte, durante a execução de tal tarefa.

do ponto 10) dos factos não provados:
É o seguinte o seu teor, recordemos:
10) E fê-lo desacompanhado, sem o auxílio de terceiro, com a janela em causa aberta e em total exposição para o meio exterior.
Para sustentar que deveria este ponto ter sido dado como provado, remete a Recorrente para os excertos do depoimento da testemunha DD citados a propósito dos pontos 2) e 3), dizendo que é o que extrai necessariamente do dito pela testemunha.
Está aqui essencialmente a primeira parte deste ponto, já que o estar a janela aberta já ficou a constar da alínea M.1), sendo que a expressão “em total exposição para o meio exterior”, além de assumir carácter conclusivo não tem suporte nos depoimentos citados.
No entanto, resulta claro do depoimento da testemunha DD que, quer quando saiu para ir comprar “coca cola” a um café numa localização próxima, quer quando regressou, mais ninguém se encontrava no local.
Assim, é aditada uma alínea M.2) aos factos provados com a seguinte redação:
M.2) E fê-lo desacompanhado, sem o auxílio de terceiro.

do ponto 7) dos factos não provados:
É o seguinte o seu teor, recordemos:
7) Bem sabia o sinistrado, que o local onde tal tarefa que executava se encontrava no 4.º andar do edifício, a cerca de 10 metros de altura da cobertura de um terraço aí existente.
Para sustentar que deveria ter sido dado como provado, refere a Recorrente que não é possível ficar não provado este ponto porque CC era filho dos proprietários da Clínica Ré, sendo inclusive sócio-gerente da aludida clínica, sendo assente que este conheceria as instalações da clínica, bem sabendo que se encontrava localizada num 4º andar do edifício.
O argumento da Recorrente não se pode acolher porquanto não indica a Recorrente quais os elementos de prova de ser o sinistrado filho dos proprietários da clínica, quando tinha o ónus de o fazer [art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil].
No entanto, sendo o sinistrado sócio gerente da sociedade que explorava a clínica e exercendo no local funções [alínea J) dos factos provados], tem que se concluir que o mesmo sabia que estava no 4º andar do edifício, mas sem haver elementos que imponham se aceite o demais.
Assim, é aditada uma alínea P) aos factos provados com a seguinte redação:
P) Bem sabia o sinistrado que a marquise referida em K) se encontrava no 4º andar do edifício.

dos pontos 4) a 6) dos factos não provados:
É o seguinte o seu teor, recordemos:
4) CC estava no 3º ou 4ª degrau do escadote, a mais de 80 centímetros do solo e em plano superior ao parapeito da marquise.
5) Na execução da tarefa, CC estava acima do parapeito da marquise, com a janela aberta e em total exposição para o exterior.
6) Durante a execução da tarefa, o sinistrado desequilibrou-se e caiu pela janela que se encontrava aberta.
Para sustentar que deveriam ter sido dados como provados, refere a Recorrente, por um lado, que em face das alíneas L), M) e N) dos factos se impõe a prova dos pontos 3) a 6), e por outro lado cita excertos do depoimento da testemunha EE.
O ponto 3) já acima se apreciou, e o que consta da parte final do ponto 5) já se abordou a propósito do ponto 10).
No mais, há que dizer que o depoimento da testemunha EE, correspondeu à apreciação que o mesmo fez sobre aquilo que terá sucedido, com base naquilo que lhe foi relatado, quando procedeu a averiguações para elaboração do relatório que está junto aos autos, pela testemunha DD e com base naquilo que observou.
No entanto, uma coisa é obter por prova direta um determinado facto, e depois, através de um raciocínio presuntivo estabelecer-se um nexo lógico, assente nas máximas da experiência, com outro facto, e assim ficar este assente como se disse supra, outra coisa bem diferente é fazer suposições sobre o que terá sucedido, o que não se pode aceitar.
E no caso estamos no domínio das suposições.
Com efeito, em que degrau estava o sinistrado, a que altura do solo, se acima do parapeito, se se desequilibrou, nada tem suporte em factos conhecidos, sendo meras suposições que se podem fazer.
Note-se que no seu depoimento a própria testemunha EE põe duas hipóteses: o sinistrado, ou estava com ambos os pés em degrau(s) do escadote, ou estava com um pé num degrau e outro no parapeito; em tese nem é de excluir que estivesse com os dois pés no parapeito (afinal ninguém viu).
Na verdade, apenas se pode assentar que o sinistrado caiu pela janela, porque não pode ter sido de outra forma em face do referido pela testemunha DD (a janela estava aberta, e não havia vidros partidos), mas em circunstâncias que mais em concreto não foi possível apurar.
E não existe nenhuma contradição em não dar como provado que estivesse acima do parapeito e aceitar a queda, pois apenas significa que não se conhecem mais pormenores sobre como ocorreu no caso concreto a queda (a não prova de que estivesse acima do parapeito não implica a prova do contrário, apenas não se apurou, seja por prova direta, seja por prova indireta).
Assim, é aditada à alínea N) dos factos provados a referência a que “caiu pela janela”, passando a ter a seguinte redação:
N) O sinistrado caiu pela janela, em circunstâncias que não foi possível apurar, de uma altura a cerca de 10 metros do solo, para a cobertura de um terraço existente no local.

do ponto 12) dos factos não provados:
É o seguinte o seu teor, recordemos:
12) CC não possuía os conhecimentos próprios, nem estava familiarizado com os procedimentos técnicos que deveriam ter sido seguidos na reparação referida em 2).
Para sustentar que deveria ter sido dado como provado, refere a Recorrente os excertos do depoimento da testemunha EE referidos a propósito dos pontos 4) a 6) dos factos não provados.
Ora, também aqui estamos no domínio das suposições, não sendo uma conclusão segura só porque o sinistrado exercia as funções de dentista, sendo certo que neste ponto 12) não está concretizado quais os procedimentos que deviam ter seguidos, logo como saber que o sinistrado não estava familiarizado com eles, e afirmar que assim era?
Sendo assim, este ponto mantém-se como não provado.

Em suma, a impugnação da decisão sobre matéria de facto procede apenas em parte.
*
Da verificação de acidente de trabalho:
O art.º 8º, nº 1 da LAT[11] contém a definição genérica de acidente de trabalho, dizendo ser acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Deste modo, pode definir-se (de modo sucinto, simples e genérico) o acidente de trabalho como o evento súbito e exterior, ocorrido no local e tempo de trabalho (ou em situação equiparável por lei) que cause direta ou indiretamente uma lesão, perturbação ou doença que conduzam adequadamente à diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho ou à morte.
São, assim, elementos do acidente de trabalho: existência de relação jurídico-laboral entre o trabalhador e o dador de trabalho; ocorrência de um evento em sentido naturalístico; lesão, perturbação funcional ou doença; morte ou redução da capacidade de ganho ou de trabalho; nexo de causalidade entre o evento e as lesões; nexo de causalidade entre as lesões e a morte ou a incapacidade.
A verificação de acidente de trabalho pressupõe, pois, a concorrência necessária de três elementos: (i) o local de trabalho; (ii) o tempo de trabalho; (iii) o nexo causal entre o evento e a lesão.
Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador [al. a) do nº 2 do art.º 8º da LAT], e entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho [al. b) do nº 2 do art.º 8º da LAT].
Porém, se o conceito de acidente de trabalho é delimitado pelos já referidos três elementos cumulativos (espacial, temporal e causal), pode dizer-se que acidente de trabalho não é apenas o que rigorosamente ocorre “no local e tempo de trabalho”, pois a própria LAT prevê situações que equipara a “tempo e lugar de trabalho”, desde logo as “interrupções normais ou forçosas de trabalho” e as “deslocações de ida e regresso do trabalho”.
O tribunal a quo considerou ter-se verificado «acidente de trabalho», dizendo essencialmente o seguinte:
Ora, volvendo ao caso dos autos, temos que como decorre da matéria provada, a queda do Autor deu-se quando este se encontrava nas instalações da “C..., Lda.”, sendo que à data, o Autor era sócio gerente da 2ª Ré e exercia as funções de dentista.
Esta queda do 4º andar provocou ao Autor lesões traumáticas ráqui-medulares, torácicas e abdominais que foram causa direta e necessária da sua morte.
Conclui-se, assim, que estamos perante um acidente de trabalho.
Alega a Recorrente que não ficou demonstrada a existência de uma relação laboral entre a Interveniente e o Sinistrado no momento do acidente.
Todavia, há que não confundir a existência de relação laboral com o não estar o sinistrado a executar, no momento da queda, tarefa que fosse determinada pela empregadora.
Na verdade, nunca no processo foi posto em causa que o sinistrado fosse trabalhador da Interveniente, logo não é objeto de discussão [cfr. art.º 131º, nº 1, al. c) do Código de Processo do Trabalho], e que era seu trabalhador resulta, de todo o modo, das alíneas F), G) e J) dos factos provados: o sinistrado recebia salário por trabalhar como dentista por conta da Interveniente, e nessa medida esta tinha transferido a responsabilidade que pudesse decorrer de acidentes de trabalho sofridos por CC para a Ré Seguradora.
Note-se que aquilo que consta do ponto 1) dos factos não provados não é que o sinistrado não fosse trabalhador da Interveniente.
Com efeito, embora talvez devesse ter sido escolhida redação mais explícita (sem deixar qualquer margem para possíveis equívocos), aquilo que ficou não provado foi que CC aquando da queda executasse tarefa ordenada pela sua empregadora, sendo por esse motivo que ficou consignado que não se provou que «em 20/11/2019, CC trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da “C..., Lda.”», não tendo o sentido o de que estivesse por provar que fosse trabalhador da referida Clínica (ainda que em simultâneo fosse sócio gerente).
Assim, não havendo dúvidas que existia contrato de trabalho, relação laboral, a questão se põe (e foi posta pela Recorrente, quando diz que as tarefas exercidas por CC quando sofre a queda que motivou o seu óbito em nada se relacionavam com as tarefas que lhe pudessem estar adstritas enquanto médico dentista), é a de saber se o ato gerador de lesões que determinaram a morte do sinistrado tem ou não tem conexão com a relação laboral.
Mas relação laboral não se confunde com a prestação laboral em si, com a atividade concreta que cabe ao trabalhador[12].
É que, subjacente ao regime legal de reparação dos acidentes de trabalho já não está a chamada teoria do risco profissional (assente num risco específico de natureza profissional), antes lhe estando subjacente a denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade[13], que assenta na ideia mestra dum risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes[14].
Com o acolhimento desta última teoria se inclui nos acidentes de trabalho o acidente in itinere e se pode considerar como de trabalho, por exemplo, o acidente sofrido por um trabalhador no local de trabalho, quando está a sair, portanto quando já não está a executar as tarefas próprias do seu trabalho.
Com este enquadramento, há que responder então à pergunta de saber se no caso em apreço o ato gerador de lesões (queda quando o sinistrado se preparava para reparar suposta infiltração de água, ou, talvez mais rigorosamente, para avaliar porque havia infiltração de água e da viabilidade de o próprio reparar, pois está expresso “pretendia proceder”) tem ou não conexão com a relação laboral entre sinistrado e Interveniente.
Abre-se um parêntesis para deixar claro que a relação laboral é do sinistrado enquanto médico dentista, não enquanto gerente da Interveniente.
É que, pode dizer-se ser entendimento que se estabilizou o de que o vínculo que liga um sócio ou um sócio-gerente à respetiva sociedade não se traduz numa atividade laborativa, pois o sócio (de sociedade civil ou comercial) participa na vontade da pessoa coletiva, donde, à partida, não ser um trabalhador porque não se encontra subordinado[15].
Além da questão da qualificação da relação que se estabelece entre o gerente/administrador, enquanto tal, e a sociedade, poderia colocar-se uma outra questão, qual seja a de saber se pode coexistir, a par daquela relação, outra relação jurídica entre a sociedade e o gerente ou o administrador, mais propriamente de saber se estes podem ser simultaneamente trabalhadores da sociedade[16].
No entanto, in casu esta questão não se põe, pois, como se disse, está aceite existir relação laboral, e consta das condições particulares da apólice de seguro (juntas ao processo em 14/01/2020) que estava coberta a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho sofridos por CC enquanto médico.
Esclarecido que a relação laboral é do sinistrado com a Interveniente enquanto médico dentista, fecha-se o parêntesis, passando-se a ver se existe a referida conexão do ato gerador das lesões com a relação laboral.
Ora, com o enquadramento exposto, não se exigindo risco específico de natureza profissional como se disse, vistos os factos provados, aquilo que se pode dizer é que está em causa um ato praticado no local de trabalho (no espaço da clínica onde o sinistrado exercia as funções de dentista), com vista à melhoria das condições desse espaço (retius a impedir a degradação das condições desse espaço), ou seja, com o enfoque apenas do local de trabalho não se pode dizer que a tarefa em execução fosse alheia à relação laboral.
Todavia, quanto ao tempo de trabalho, não se sabe o horário de trabalho do sinistrado, apenas se sabendo que o sinistrado estava a executar a tarefa na parte da tarde, quando chegou à clínica após o almoço [cfr. alíneas E) e K) dos factos provados].
Note-se que a sentença recorrida, apesar de na noção de acidente de trabalho se referir ao “tempo de trabalho”, depois, no enquadramento dos factos, como se alcança do excerto supra transcrito, nada diz sobre se no caso concreto o sinistrado estava no tempo de trabalho quando sofreu a queda, fazendo um salto lógico da consideração de estar o sinistrado no local de trabalho para a conclusão de que está perante acidente de trabalho.
Na verdade, ainda que o legislador não exija que rigorosamente se esteja dentro do horário de trabalho estabelecido como se disse, no caso em apreço não se pode afirmar que o sinistrado estivesse no tempo de trabalho.
A isto acresce que ficou não provado que naquele dia 20/11/2019 [mais do que aquando da queda, no dia em ocorreu a queda] o sinistrado estivesse a executar tarefa determinada pela empregadora, ou seja, não está provado que o sinistrado estivesse a realizar tarefa hétero determinada.
É certo que, coexistindo as funções de gerência com a relação laboral, não será fácil a prova, na prática, de que uma tarefa que não se enquadra nas concretas tarefas típicas da relação laboral estabelecida seja uma tarefa determinada pela gerência, mas o certo é que no caso em apreço essa prova não está feita.
Como se referiu no acórdão do TRC de 28/11/2013[17], independentemente de ocorrer ou não no tempo e no local de trabalho, o que relevará fundamentalmente para que um acidente possa ser considerado como de trabalho é que o trabalhador se encontre, no momento da sua verificação, sob a autoridade da entidade empregadora, se encontre a executar um serviço ou tarefa por ela determinado.
E no caso em apreço tal não acontece, e aos Autores cabia essa prova, como facto constitutivo dos seus direitos.
Deste modo, não podemos concluir como a sentença recorrida que estamos perante acidente enquadrável no regime específico de reparação de acidentes de trabalho, ou seja, temos que concluir que não estamos perante acidente de trabalho.
Concluindo dessa forma, fica prejudicado ver se é de descaracterizar o acidente, como defendia, subsidariamente, a Recorrente.
*
Quanto a custas, havendo procedência do recurso, ficariam a cargo dos Recorridos/beneficiários (art.º 527º do Código de Processo Civil), mas não haverá lugar a custas dada a isenção resultante do art.º 4º, nº 1, al. h) do RCP.
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
I) Alterar a decisão sobre matéria de facto de modo que são aditados aos factos provados os pontos M.1), M.2) e P) com a seguinte redação:
M.1) CC, para execução da tarefa referida em K) foi buscar o escadote metálico referido em M), encontrando-se a janela aberta, pelo menos em parte, durante a execução de tal tarefa.
M.2) E fê-lo desacompanhado, sem o auxílio de terceiro.
P) Bem sabia o sinistrado que a marquise referida em K) se encontrava no 4º andar do edifício.
II) Alterar a redação do ponto N) dos factos provados, de modo que passa a ter a seguinte redação:
N) O sinistrado caiu pela janela, em circunstâncias que não foi possível apurar, de uma altura a cerca de 10 metros do solo, para a cobertura de um terraço existente no local.
III) Revogar o decidido em 1ª instância, e em substituição, absolver a Ré Seguradora dos pedidos formulados pelos Autores/beneficiários, mantendo-se a absolvição da Interveniente.
Sem custas dada a isenção dos Recorridos/beneficiários.
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 12 de setembro de 2022
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Manuel Barata Penha
________________
[1] Embora o despacho de 11/10/2021 refira “notifique o Autor para, querendo, vir aperfeiçoar”, do seu teor depreende-se que está em causa o aperfeiçoamento da contestação pela Ré, sendo lapso de escrita manifesto, o que as partes também depreenderam pois que foi a Ré Seguradora que respondeu ao convite.
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[5] O que não se confunde com o entendimento, que vêm os tribunais superiores seguindo, de que, à luz do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece [vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286].
[6] De outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (o recorrente).
[7] Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se).
[8] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[10] Sobre a questão, vd. Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova por Presunção no Direito Civil”, Almedina, 3ª edição (2017), págs. 31 a 71.
[11] Assim, designamos o regime aprovado pela Lei nº 98/2009, de 04 de setembro, conhecido por Lei dos Acidentes de Trabalho.
[12] Vd. a propósito acórdão do STJ de 29/01/2014, in CJ/STJ, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XXII, tomo I, págs. 241ss.
[13] Sobre a evolução das teorias subjacentes ao regime dos acidentes de trabalho, vd. acórdão do TRE de 15/03/2011, in CJ, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XXXVI, tomo II, pág. 277; vd. também acórdão do STJ de 17/12/2009, in CJ/STJ, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XVII, tomo III, pág. 267 e acórdão do TRC de 05/11/2015, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 428/13.6TTLRA.C1.
[14] Vd. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, Almedina, 2ª edição, págs. 12-13 e 41-42.
[15] Vd., por exemplo, Adriano Vaz Serra, anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 112º (1979-1980), nº 3687, págs. 55 a 58; considerando nulo, por impossibilidade legal do seu objeto, o “contrato de trabalho” celebrado entre sociedade e um dos seus gerentes, vd. o acórdão deste TRP de 14/05/2001, consultável em www.dgsi.pt, processo n.º 0110130.
[16] Apenas em relação às sociedades anónimas existe proibição de acumulação da “administração” com “trabalho subordinado” (art.º 398º do Código das Sociedades Comerciais), não se encontrando razões para aplicar extensiva ou analogicamente às sociedades por quotas tal proibição, podendo até dizer-se que em tais sociedades, a realidade prática (as mesmas em regra são de pequena ou média dimensão) reclama essa acumulação das funções de sócio-gerente com as de trabalhador subordinado (o sócio-gerente é o único trabalhador ou trabalha ao lado do seu empregado), sendo certo que as mais das vezes as funções materiais executadas não se confundem nem um pouco com a gerência social (sobre a questão vd. acórdão do STJ de 29/09/1999, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 98S364).
[17] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 922/06.5TTLRA.C1.