Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
147/14.6TYVNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE RECTIFICAÇÃO DO REGISTO PREDIAL
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
NÃO HOMOLOGAÇÃO
NOVO PROCESSO
Nº do Documento: RP20190107147/14.6TYVNG-C.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 687, FLS 125-129)
Área Temática: .
Sumário: I – O art.º 17.º-G do CIRE prevê o regime aplicável ao caso da conclusão do processo negocial, levada a cabo no âmbito do processo especial de revitalização, sem a aprovação de plano de recuperação para o devedor.
II – O n.º6 do art.º 17.º-G do CIRE estabelece uma limitação, referindo que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores, ou seja, quando o primeiro tenha terminado nos termos previstos no art.º 17-G, n.ºs 1 e 5 do CIRE, impede o devedor de recorrer ao mesmo, pelo prazo de dois anos.
III – Pretende-se com esta limitação que o devedor, utilizando, abusivamente, sucessivos processos de revitalização, dessa forma, pudesse impedir que os credores exercessem os respectivos direitos contra aquele, atentos os efeitos decorrentes do PER, previstos no art.º 17.º-E do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 147/14.6TYVNG-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B..., Lda., requereu processo especial de revitalização, no qual foi apresentado um plano que se deu por não aprovado.

Interposto recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em 16 de março de 2017, que manteve a decisão de rejeição do plano de revitalização apresentado.

Interposto recurso do referido acórdão da Relação do Porto, o STJ decidiu não conhecer do recurso, por acórdão de 9 de março de 2018.

Em 13 de abril de 2018, o Administrador Judicial Provisório emitiu o parecer previsto no artigo 17º, nº 4, do CIRE, no sentido da insolvência da devedora/apelante.

Entretanto, em 15.2.2018, a devedora havia requerido um novo plano de revitalização, dando origem ao processo nº 1378/18.5T8VNG.

Na sequência do parecer do Administrador Judicial Provisório foi proferida a seguinte decisão:
«Transitado o acórdão que decidiu pela rejeição do Plano Especial de Revitalização da devedora B..., Lda., veio o Sr. AJP apresentar, em 13.4.2018, o Parecer previsto no artigo 17º-G, nº 4, do CIRE.
Concluiu o Sr. AJP pela insolvência da devedora.
Em cumprimento do direito ao contraditório, a devedora veio opor-se à declaração da sua insolvência, alegando a falta de fundamentação do parecer, uma vez que dele o Sr. AJP não fez constar factos que permitam ao tribunal concluir pela insolvência da empresa e também porque esta situação não corresponde, de facto, à situação em que se encontra.
Requer a realização de diligências pelo Sr. AJP, com vista a aferir de facto a situação em que a devedora se encontra.
Mais requer a substituição do Sr. AJP, alegando que o mesmo não se cingiu à mera análise objetiva e sustentada da situação da devedora, tecendo considerações que não são minimamente fundamentadas.
Ora, face ao abrigo do artigo 17º-G, nº 3, do CIRE, estando o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionado no nº 1.
Face ao exposto, e tendo em conta a tramitação específica do processo especial de revitalização, a eventual falta de fundamentação do parecer do Sr. AJP, nos termos alegados pela devedora, será apreciado em sede de processo de insolvência, bem como a prova dos factos agora alegados por esta quanto à sua situação, alegadamente de não insolvência.
Este processo espacial de revitalização termina com a apresentação do Parecer a que se alude no artigo 17º-G-, nº 4, do CIRE.
Face ao exposto, extraia certidão do Parecer, bem como da posição da devedora e remeta-se à distribuição como processo de insolvência.
Custas pela devedora».

Inconformada, a devedora recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. De acordo com o artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, a decisão sobre o cumprimento da entrega de acordo entre o devedor e credor(es) sobre a instauração do PER obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor, suspendendo contra o devedor as ações em curso com idêntica finalidade e extinguindo-se todas elas após a homologação do plano.
2. Ademais, pelo 17º-E, nº 6, do CIRE, “os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C”. Aqui o legislador não deixou claro que o recurso ao processo especial de revitalização impede, desde logo, a submissão ao tribunal de pedidos de insolvência por terceiros durante a tramitação do PER, mas essa é a solução preconizada pela doutrina e aceite uniformemente pela jurisprudência.
3. Deve ser considerada uma interpretação extensiva da norma do nº 6 do artigo 17º-E, de forma a que a sua previsão abranja os processos de insolvência instaurados durante a tramitação do PER, antes de homologado o plano, por entenderem que só assim fica garantida a unidade e a harmonia do sistema. “A insolvência pode ser vista em sentido impróprio como uma espécie de ação para cobrança de dívida, sendo aliás tradicionalmente considerada como uma execução universal. Assim sendo, (…) então, e por maioria de razão, é de presumir que também pretenda, embora não o tenha referido expressamente, impedir que sejam iniciados novos processos de insolvência (que são, conforme referido, execuções universais)”.
4. Posto isto, atente-se que em 15-02-2018, durante a pendência destes autos, foi interposto um novo processo de revitalização no Juiz 3 do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 1378/18.5T8VNG; e essa informação foi transmitida ao tribunal a quo. Este ficou plenamente inteirado não só da propositura da ação em causa, mas também da nomeação de AJP a 06-04-2018 (vejam-se o ofício com a refª. Citius nº 390089602, e o anúncio junto a estes autos com a ref.ª Citius nº 18419565 nestes autos).
5. Ora, veja-se então que independentemente de tais questões, o tribunal recorrido entendeu apresentar o presente processo à insolvência porque, após a não aprovação do Plano de Revitalização nestes autos, foi apresentado parecer do AJP a pronunciar-se pela insolvência da recorrente – artigo 17º-G, nº 4, do CIRE.
6. No entanto, uma vez que está pendente um novo PER sobre esta sociedade recorrente, não podia o tribunal a quo ordenar a distribuição do processo para a insolvência; devia sim ter sido ordenada a suspensão destes autos logo em 11.04.2018, quando tomou conhecimento da nomeação de novo AJP (no novo PER); in extremis, devê-lo-ia ter feito mesmo por ocasião do despacho ora recorrido.
7. Assim, constata-se que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 17º-C, nº 3, al. a), do CIRE, porquanto não suspendeu os presentes autos à data da apresentação do novo PER; e violou igualmente tal norma quando ordenou a remessa destes autos à distribuição como processo de insolvência uma vez que esta não pode ser declarada nem reconhecida na pendência do PER novo.

O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se, rejeitado o plano de revitalização e apresentado parecer do AJP a pronunciar-se pela insolvência da recorrente, podia a devedora recorrer a um segundo processo especial de revitalização.

I. A sociedade B..., Lda., ao abrigo do disposto nos artigos 17º-A e seguintes do CIRE, na redação que lhe foi dada pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, requereu processo especial de revitalização, no qual foi apresentado um plano que se deu por não aprovado.
Apresentado recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em 16 de março de 2017, que manteve a decisão de rejeição do plano de revitalização apresentado.
Interposto recurso do referido acórdão da Relação do Porto, o STJ decidiu não conhecer do recurso, por acórdão de 9 de março de 2018.
Em 13 de abril de 2018, o Administrador Judicial Provisório emitiu o parecer previsto no artigo 17º, nº 4, do CIRE, no sentido da insolvência da devedora/apelante.
Entretanto, em 15.2.2018, a devedora havia requerido um novo plano de revitalização, dando origem ao processo nº 1378/18.5T8VNG.
Na sequência do referido parecer do Administrador Judicial Provisório foi proferida decisão a ordenar que fosse remetido à distribuição como processo de insolvência.
A devedora/apelante vem defender que, em vez de remeter o processo à distribuição como insolvência, o tribunal a quo deveria ter ordenado a sua suspensão, logo que tomou conhecimento da nomeação do AJP no segundo processo de revitalização.
Veremos que a pretensão da apelante não tem fundamento.
O plano de revitalização tem como objetivo a recuperação económica e financeira do devedor, comparando as soluções possíveis: a liquidação da empresa ou a aprovação de um plano de revitalização.
Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, a propósito do processo especial de revitalização, «cabe salientar que não se trata, aliás de uma modalidade do processo de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, constituído para a obtenção de resultados distintos.
Na verdade, enquanto aquele se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.
Por isso, entre os pressupostos do processo de revitalização está o facto de o devedor se encontrar – somente! – em situação económica difícil ou, em alternativa, em situação de insolvência iminente». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 140.
O artigo 17º-G do CIRE estabelece, como o próprio título sugere, o regime aplicável aos casos de conclusão do processo negocial, levada a cabo no processo de revitalização, sem a aprovação de plano de recuperação para o devedor.
No caso, como já se referiu, a devedora requereu processo especial de revitalização, no qual foi apresentado um plano que se deu por não aprovado.
Nos termos dos nºs 1, 3 e 4 do citado artigo 17º-G, caso o devedor ou a maioria dos credores, concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo legal das negociações, o processo negocial é encerrado; estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no nº 1; compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o nº 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
E o nº 6 do mesmo preceito estabelece uma limitação, referindo que «o termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos».
Ora, não obstante a devedora ter dado entrada de um segundo processo de revitalização, que deu origem ao nº 1378/18.5T8VNG, efetivamente, estava impedida de o fazer, durante a pendência do primeiro processo e após a rejeição do plano de revitalização que no âmbito do mesmo foi apresentado.
Com a limitação estabelecida no aludido nº 6 do artigo 17º-G pretende-se que o devedor, utilizando, abusivamente, sucessivos processos de revitalização, pudesse, dessa forma, impedir que os credores exercessem os respetivos direitos contra aquele, atentos os efeitos decorrentes do P.E.R. previstos no artigo 17º-E.
Tal limitação temporal apenas se dirige às situações em que o processo especial de revitalização tenha finalizado «de harmonia com os números anteriores».
Como referem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, «o devedor só fica inibido de recorrer a um novo PER quando o primeiro tenha terminado nos termos previstos no 17º-G, nºs 1 e 5. A contrario sensu, dir-se-á que, fora dessas hipóteses, o devedor não fica abrangido pela restrição legal do nº 6 do artigo 17º-G – o que acontecerá, por exemplo, quando o plano seja aprovado pelos credores e devedores. Nestes casos, e à luz do elemento literal, o devedor poderá recorrer novamente ao PER.
A opção legislativa não deixa de fazer algum sentido, pois restringe a limitação de recurso ao PER a casos gravosos em que a) ou o devedor ou credores representativos de uma maioria qualificada optaram por não continuar com o PER ou b) quando decorrido o prazo das negociações não tenha sido possível alcançar qualquer acordo.
Noutras situações, poderá fazer sentido conceder uma segunda oportunidade, como será o caso de o PER ter sido aprovado pelos credores e pelo devedor, mas seja necessário, passados menos de dois anos, outro PER». O Processo Especial de Revitalização, págs. 168 e 169.
A situação em apreço situa-se, precisamente, no núcleo dos casos mais gravosos, pois, o plano de revitalização foi rejeitado e, portanto, encontra-se atingida pela limitação prevista no nº 6 que temos vindo a referir.
Deste modo, estando impedida de recorrer a um segundo processo especial de revitalização, improcede o recurso da sociedade devedora VT Viagens e Turismo, Lda.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Sumário:
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Porto, 7.1.2019
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido