Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
559/07.1TALSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: REPRESENTANTE LEGAL
PESSOA COLECTIVA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RP20110126559/07.1TALSD.P1
Data do Acordão: 01/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime, não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil. Por isso, o representante legal da sociedade que seja também agente do crime, não responderá subsidiariamente, mas solidariamente, nos termos do art. 497º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 559/07.1TALSD.
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 559/07.1TALSD, do 2.º Juízo do Tribunal de Lousada, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julgo a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- Absolvo a arguida B… da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 6.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e do art.º 30.º, n.º 2, do Código Penal, de que vinha acusada como co-autora material;
- Condeno o arguido C…, pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 6.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e dos art.ºs 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 1.000,00 (mil euros);
- Condeno a arguida D…, Lda. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e dos art.ºs 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
Julgo o pedido de indemnização cível parcialmente procedente e, em consequência, condeno os arguidos e demandados C… e D…, Lda. a pagar ao demandante Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia global de € 272,78 (duzentos e setenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal prevista no art.º 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16/03, até efectivo e integral cumpri­mento, absolvendo a demandada do pedido.
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Da decisão recorreu agora o Instituto de Segurança Social, EP, para esta Relação.
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São estas as conclusões ipsis verbis do recurso (que balizam e limitam o seu âmbito e objecto):
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1 - Os arguidos/demandados sociedade “D…, L.da” e C… foram condenados pela prática de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art° 6°, n° 1, 7°, n° 1, 107° n° 1, da Lei n° 15/2001, de 05 de Junho, e art° 30° n°2 e 79° do Código Penal.
2 - O Pedido de Indemnização Civil formulado pelo recorrente apenas foi parcialmente procedente, condenando os referidos arguidos a pagar apenas ao demandante a quantia global de 272,78€, por o tribunal a quo entender julgar-se verificada a excepção dilatória de litispendência relativamente ao referido Pedido de Indemnização Civil.
3 - Para tal, considerou o tribunal a quo que o facto de o valor em causa já ter sido reconhecido integralmente à demandante no âmbito do processo de insolvência, não há que repetir a condenação dos arguidos no pagamento da quantia da indemnização porquanto a mesma já encontrou seu reconhecimento por essa via. Na situação em apreço, apenas há que proceder ao calculo da indemnização correspondente ao valor das cotizações referentes a Dezembro de 2005, que não foram tidas em conta nessa sede, relativas aos descontos efectuados nas remunerações dos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, ou seja, corresponderá a 272,78€, como se provou. Pelo exposto é apenas parcialmente procedente o pedido de inde­mnização civil deduzido pelo lesado.
4 - Salvo melhor opinião, tal não é assim.
5 - Dispõe o art° 129° do Código Penal que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
6 - Aplicando-se por força do referido normativo o art° 483° do Código Civil que estatui que a obrigação de indemnizar resulta da responsabilidade civil por factos ilícitos.
7 - Isto é, estão em causa prejuízos provocados pelos arguidos/demandados, enquanto autores de factos ilícitos integradores de crime, pelo que são directamente responsáveis pelo pagamento de tais prejuízos, os quais, manifestamente, poderão ser peticionados nos autos em epígrafe, a título de pedido de indemnização civil.
8 - Desde logo, considerando o preceituado nos art°s 71° e 72° do Código de Processo Penal, que consagra o sistema de adesão da acção civil à acção penal.
9 - Esta responsabilidade civil refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, excluindo, liminarmente a responsabilidade contratual.
10 - Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” confunde duas realidades distintas: a da reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência e a da indemnização civil de perdas e danos emergentes de crime, a que se refere o art° 129° e seguintes do Código Penal e cujo procedimento vem regulado nos artigos 71° e seguintes do Código de Processo Penal.
11 - Tratam-se de duas realidades completamente diferentes, quer quanto à natureza e origem dos respectivos objectos quer quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir das respectivas acções.
12 - Efectivamente, enquanto o que titula a reclamação de créditos num processo de insolvência é a relação obrigacional existente entre a entidade empregadora e a dívida nele titulada, no pedido de indemnização civil formulado, a causa de pedir é o facto ilícito consubstanciador de um crime e o prejuízo por ele produzido, podendo haver incumprimento da obrigação de pagamento da dívida e, portanto, fundamento para a execução, sem que haja facto ilícito e, por conseguinte, fundamento para o pedido de indemnização civil no processo penal.
13 - Isto é, a reclamação de créditos emerge da violação de uma relação contratual de pagar contribuições devidas à Segurança Social, enquanto que a titulo de pedido de indemnização civil, a sua dedução emerge do prejuízo patrimonial que a segurança social sofreu pela prática do facto ilícito extra contratual.
14 - Estamos, assim, no domínio da responsabilidade civil extra-contratual por oposição à responsabilidade civil contratual, o que manifestamente legitima a formulação do pedido cível pela Recorrente.
15 - Os arguidos, enquanto agentes do crime estão obrigados a indemnizar a Segurança Social pelo prejuízo por esta sofrido em consequência de tal conduta ilícita.
16 - Estão em causa prejuízos provocados pelos próprios arguidos/demandados, enquanto autores de factos ilícitos integradores de crime, pelo que são directamente responsáveis pelo pagamento de tais prejuízos.
17 - Ora, independentemente das reclamações de créditos apresentadas no processo de insolvência para pagamento dos créditos através do património da insolvente, nada impede a condenação dos arguidos Sociedade D… e C… no pagamento integral do Pedido de Indemnização Civil.
18 - Tanto mais, que no presente caso, não houve ainda pagamento efectivo de qualquer quantia.
19 - Sempre se dirá que situação diferente tem a ver com o pagamento efectivo de tais quantias, na medida em que não pode o Estado fazer-se pagar em duplicado, o que certamente não ocorrerá, quer por iniciativa do próprio Estado, quer por iniciativa dos arguidos, uma vez que não deixará de se realizar a compensação dos créditos que entretanto vierem a ser pagos.
20 - Por tudo isto, claramente, não se encontram preenchidos os requisitos da excepção de litispendência, conforme previsto nos art°s 497° e 498° do C. P. Civil, pelo que não podem os arguidos C… e D…, L.da ser condenados apenas a pagar ao demandante Instituto da Segurança Social a quantia de 272,78€ não podendo por conseguinte, o Pedido de Indemnização civil ser julgado apenas parcialmente procedente, devendo sim, ser condenados no pagamento da quantia de 17.213,87€ nos termos peticionados pelo demandante no pedido de indemnização civil e consequentemente, ser o pedido de Indemnização Civil julgado totalmente procedente por provado, e serem ainda os referidos arguidos/demandados condenados na totalidade das custas do pedido de indemnização civil.
21 - Os arguidos/demandados violaram ilicitamente o direito de crédito da Recorrente, constituindo-se na obrigação de indemnizar, nos termos do preceituado no art° 129° do Código Penal, art° 483° e seguintes do Código Civil, art°s 5°, n° 3 e 6° do Dec. Lei 103/80 de 9 de Maio, art° 30 do Dec. Lei n° 327/93, de 25 de Setembro, art° 5° do Dec. Lei n° 103/94 de 20 de Abril, art° 100 do Dec.-Lei n° 199/99, de 8 de Junho e art°s 30° e 470 da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro.
22 - Não se encontram preenchidos todos os requisitos da litispendência para a sua verificação no presente caso, conforme previsto nos art°s 497° e 498 do C.
P. Civil, pelo que não foram violados os referidos preceitos legais, não podendo ser invocados nem tão pouco proceder no presente caso.
23 — Foram, por isso, violados os Arts. 497° e 498° do CPC e Arts. 24° n.° 1 e 27°-B do D.L. n.° 20-A/90, de 15.Jan., na redacção dada pelo D.L. n.° 140/95, de 14.Junho, actualmente punido pelo Art. 105° n.° 1 e Art. 107° do RGIT e Art. 30° n.° 2 do Cód. Penal.
Nestes termos e pelo mais que V. Ex.as. suprirão esta motivação de recurso, deverá a douta sentença ser revogada na parte cível em que julga o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e condena os arguidos C… e D…, L.da a pagar ao demandante Instituto da Segurança Social a quantia global de 272,78€, bem como deve a douta sentença ser revogada na parte que condena nas custas do pedido cível o demandante e os arguidos e demandados C… e D…, L.da, na proporção de 80% para o primeiro e de 20% para os segundos (art° 523 do CPP e 446° n° 3 do Código Processo Civil), devendo ser substituída por outra que condene os arguidos/demandados C… e D…, L.da no pagamento da quantia de 17.213,87€, conforme peticionado no Pedido de indemnização Civil deduzido pelo demandante, acrescida dos respectivos de mora vincendos, calculados nos termos peticionados pelo demandante no pedido de indemnização civil e consequentemente, ser o pedido de Indemnização Civil julgado totalmente procedente por provado, e serem ainda os referidos arguidos/demandados condenados no pagamento da totalidade das custas do pedido de indemnização civil, para que se faça Justiça.
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A este recurso respondeu o arguido, pugnando pela manutenção do julgado.
Já neste Tribunal o Senhor Procurador-geral Adjunto apôs o seu visto.
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Da sentença impugnada, são estes os factos e a respectiva motivação:
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Decidindo:
Façamos um resumo do estado dos autos, para nos permitir proferir uma decisão fundamentada:
A arguida D…, Limitada, foi declarada in­solvente antes deste julgamento, com sentença transitada em 7 de Outubro de 2005.
Nesse mesmo processo de insolvência, a recorrente Segurança Social reclamou a quantia de 45 587,92 euros, enquanto valor devido pela sociedade comercial a essa instituição, a título de contribuições em atraso.
O administrador da insolvência reconheceu tal crédito.
Entretanto, nestes autos de processo penal, a mesma instituição veio deduzir pedido cível contra todos os arguidos (incluindo, obviamente, a sociedade declarada insolvente), no valor de 17 213,87 euros.
Na sentença aqui proferida e agora recorrida, ficou provado, quer o valor aqui pedido (com excepção da quantia de 272,78 euros), quer a reclamação daquele outro valor nos autos de insolvência.
Em decisão final, o Tribunal apenas julgou procedente o pedido remanescente de 272,78 euros, absolvendo todos os arguidos da restante quantia, por entender que a mesma já estava contemplada naquele outro processo de insolvência, com reconhecimento pleno por parte do administrador.
É essa a questão que aqui nos traz e que impõe uma análise da situação e dos efeitos de tal reconhecimento no processo criminal.
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Desde já se dirá que – no âmbito das mais recentes teorias jurisdicionais – o representante da sociedade insolvente, para efeitos criminais, continuará a ser o gerente – e não o administrador da insolvência, que apenas é competente em sede patrimonial, quanto à representação da massa “falida”.
Aduz-e esta conclusão a talhe de foice, pese embora a mesma não tenha sido alegada, nem posta em causa, sendo essa a tese maioritariamente seguida hoje.
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O nº 1 do artigo 7º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), estabelece que “As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo”.[1]
E o seu nº 3 refere que “A responsabilidade criminal das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes”.
O Art. 107º do RGIT, no seu n.º 1, define o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social da seguinte forma: As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º.
E o artigo 9º do mesmo diploma dispõe que "o cumprimento da sanção penal não exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais".
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Da prática do crime resultará responsabilidade penal e pode resultar também responsabilidade civil pelos danos emergentes, sendo responsáveis por estes danos os agentes do facto ilícito típico que é causa daqueles danos.
Isto é, a obrigação tributária existe independentemente do crime, mas o crime é a razão do não pagamento, da falta de cumprimento da obrigação tributária e portanto causa do dano para a administração tributária: o acto de não entregar significa evasão fiscal e prejuízos à administração tributária – prejuízos esses não despiciendos.
Embora o valor do dano causado à administração tributária corresponda, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, a causa do dano é outra: a prática do crime.
Importa distinguir a responsabilidade fundada no incumprimento da obrigação legal (que impende sobre a entidade empregadora, isto é, a sociedade e habitualmente o seu representante legal) de descontar as respectivas contribuições obrigatórias para a segurança social nas remunerações dos trabalhadores da sociedade e de as entregar à respectiva entidade, e a responsabilidade fundada na obrigação de indemnizar os danos causados pela prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social: são, naturalmente, realidades distintas, na medida em que os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação contributiva não são integralmente as mesmas, obedecendo a regimes próprios.
As causas de pedir em que se sustentam são distintas: a responsabilidade civil deduzida no processo penal não emerge do incumprimento das obrigações contributivas, mas apenas do facto de a falta de entrega das mesmas constituir um facto penalmente ilícito, podendo ou não haver coincidência (parcial ou total) entre os montantes envolvidos.
E esta é a pedra de toque que nos levará à decisão mais correcta, na demanda da solução justa.
Assim, tal dissemelhança impõe também que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária, sendo aplicável a legislação tributária) e a responsabilidade emergente do crime resultante da prática do ilícito criminal, causador de dano à Segurança Social.
A dívida à Segurança Social existe e mantém-se, independentemente da prática do crime tributário; porém, se o crime causar prejuízos, os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.
E daqui se retira, com toda a lógica e segurança, que pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime; e respondem, não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei geral.
Isto é: o representante legal da sociedade que seja também agente do crime, não responderá subsidiariamente (como acontece na responsabilidade pelo cumprimento da obrigação), mas solidariamente, como solidariamente respondem todos os demais agentes, nos termos do que dispõe o Art. 497.º do Código Civil (neste sentido: Ac. da Relação do Porto, de 30.9.2009; Ac. da Relação de Lisboa, de 18.12.2008, pesquisados em www.dgsi.pt).
O princípio consagrado no Art. 71º do Código de Processo Penal impõe, salvo os casos excepcionais contemplados no Art. 72º, que o pedido indemnizatório fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respectivo.
Por outro lado, o Art. 129º do Código Penal estabelece que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
O mesmo resulta paradigmaticamente do Art. 3º do RGIT, que dispõe: são aplicáveis subsidiariamente: a) quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar; c) quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar.
Da soma destes preceitos resulta que o pedido civil de indemnização enxertado no processo penal tem necessariamente, como causa de pedir, a prática de um crime.
Sendo assim, estando em causa responsabilidade civil emergente da prática de crime, verificados os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos, quando o crime não tenha sido praticado por um único agente, todos os co-autores são solidariamente responsáveis, por força do disposto no Art. 497º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, qualquer um deles responde pelo cumprimento unitário da prestação, sem prejuízo do direito de regresso contra os demais co-devedores, quanto ao que exceda a parte que lhe competir, podendo o credor optar por exigir a totalidade da prestação a todos os devedores solidários, ou exigir a qualquer um deles a prestação, total ou parcial.
Resulta do exposto que pode acontecer estarem a decorrer, em simultâneo, acções de natureza cível, em que o cumprimento da obrigação de pagamento das prestações à Segurança Social está a ser discutido (acções essas que podem ter natureza executiva, processo especial como o processo de insolvência, etc.) e acção de natureza criminal, com pedido de indemnização civil em que se pretende, para além da condenação pelo ilícito criminal, obter o ressarcimento do prejuízo causado à Segurança Social correspondente às prestações que ficaram por pagar.
Será, claramente, o caso dos presentes autos: condenação de sociedade e gerente da mesma, por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social; existência de pedido de indemnização civil contra ambos; sociedade já declarada insolvente; e valor do pedido cível já reconhecido pelo administrador da massa.
Porque – como já se indiciou – a indemnização civil por dano resultante de crime tributário é independente da própria obrigação tributária (que se mantém), estando sujeita a regras próprias de natureza civil, ainda que o cumprimento da obrigação tributária esteja a ser peticionado no âmbito de uma acção cível, como seja o pro­cesso de insolvência, conclui-se sem margem para dúvidas que ambos os demandados deverão ser condenados no pedido de indemnização civil decorrente do processo crime.
Não há, aliás, motivo para não condenar o agente que actuou em representação da sociedade – nem esta mesma, aliás, como já despontou do que ficou escrito.
No Acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano 2008, Tomo II, escreveu-se: O facto de ter sido julgado extinto o pedido cível, por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante à sociedade arguida, também não obsta à procedência desse pedido no que ao arguido/demandado concerne, já que é solidária a responsabilidade de ambos.
A absolvição da sociedade só faria sentido se o pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal e a exigência do cumprimento da obrigação tributária no âmbito de uma acção cível consubstanciassem um mesmo pedido baseado na mesma causa de pedir, o que implicaria a verificação da excepção dilatória da litispendência (cf. artigo 497º e 498º do CPC).
Todavia, como já se escreveu, apesar de o pedido de indemnização civil em acção penal coincidir, muitas vezes, com o valor da obrigação tributária em dívida, a verdade é que o reconhecimento do crédito da Segurança Social em acção de natureza cível tem causa de pedir diferente da causa de pedir na acção penal; aliás, para se falar de litispendência, seria necessário que houvesse a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
Abraçando a jurisprudência dominante, considera-se ser solidária a responsabilidade civil decorrente do crime praticado pelos arguidos, devendo proceder o pedido formulado contra ambos os demandados, pessoa singular e sociedade.
Porém, faremos uma ressalva, que se reputa essencial: o facto de o valor da prestação tributária estar a ser peticionado em acções de natureza diferente não pode implicar que o credor tributário venha a receber o imposto em falta e a indemnização de igual valor; a este propósito transcreve-se o que escreveu Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, página 326: A indemnização corresponde sempre ao pagamento do imposto evadido e consequentemente pago o imposto não é mais devida a indemnização, ou paga a indemnização não é mais devido o imposto; o recebimento pelos dois títulos representaria um enriquecimento sem causa.
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Em suma, a absolvição que foi proferida na sentença recorrida partiu de um pressuposto que não pode ser mantido, nem reconhecido como válido, qual seja o reco­nhecimento da dívida total no processo de insolvência.
Com efeito, sendo diferentes os âmbitos de ambos os valores em causa, sendo diversos os fundamentos da sua subsistência jurídica, a pendência da reclamação já reconhecida no processo de insolvência não impede, antes impõe a condenação do pedido cível atempadamente deduzido em processo penal e nestes autos.
A única ressalva que fica expressa é aquela a que nos referimos acima: não pode a quantia ser pedida em duplicado, pelas razões já expressas.
O que significa, como corolário final, que o recurso terá de proceder na sua totalidade.
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Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação em, julgando o recurso procedente, condenar os arguidos, C… e D…, Limitada, no pagamento da quantia de 17.213,87 euros, acrescida dos respectivos de mora vincendos, tal como requerido no pedido cível deduzido pela recorrente, com custas pelos arguidos.
Custas nesta Instância pelos arguidos, com taxa de Justiça no valor de 3 UCs.
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Porto, 26.1.2011
António Luís T. Cravo Roxo
António Álvaro Leite de Melo
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[1] Apud estudo levado a cabo pela Auditora de Justiça no Tribunal de Oliveira de Azeméis, dra. Conceição Meireles, aqui utilizado após adaptação.