Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
248/19.4T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANO FUTURO
Nº do Documento: RP20200908248/19.4T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Dano futuro é o prejuízo do ofendido ainda não sofrido no momento considerado;
II - Consagra a lei (nº 2, do art. 564º, do Código Civil) a indemnização antecipada de danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade.
III - O dano futuro é previsível quando o homem médio (medianamente prudente e avisado) pode conjeturar, prognosticar, a sua ulterior verificação e tal dano futuro previsível pode ser certo, quando a sua produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível, ou eventual, quando a sua produção se apresenta, no referido momento, como meramente possível, hipotética ou incerta.
IV - Apenas são indemnizáveis os danos futuros previsíveis certos e os danos futuros eventuais em que se possa formar o prognostico de o prejuízo vir a acontecer.
V - E a liquidação da indemnização apenas pode ser remetida para decisão futura (ulterior liquidação) quando os danos não são determinados, sendo determináveis, sendo que um dano é determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante.
VI - Não é de relegar para liquidação ulterior a demonstração de dano futuro meramente hipotético, eventual, este nunca indemnizável antecipadamente, pois que segurança da sua verificação não existe e apenas cabe indemnizar reais danos do ofendido. Impondo-se a reparação integral do dano, proibido se mostra o enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização;
VII - É meramente hipotética, incerta, não prognosticável e, por isso, não indemnizável antecipadamente, a condenação em coimas por infrações tributárias, tanto mais sequer sendo conhecida a existência de processos a tal tendentes.
VIII - E vindo alegada a existência de um dano futuro líquido (sem pedido determinado para seu ressarcimento ter sido formulado, sendo que não pode o julgador condenar em mais do que vem pedido nem em objeto diverso), não podendo pedidos genéricos incluir danos determinados e líquidos, como o afirmado, não pode a formulada pretensão indemnizatória da apelante merecer satisfação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 248/19.4T8PNF.P1
Processo do Juízo Local Cível de Penafiel

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (nº 7, do art.º 663º, do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
I. RELATÓRIO

Recorrente: B…, Lda
Recorrida: C…

B…, Lda com sede na Rua …, concelho de Penafiel intentou a presente ação de processo comum contra C… residente na …, nº .., r/c Esquerdo, ….-…, …, Matosinhos pedindo a condenação desta a pagar-lhe “todas as quantias que vierem a ser liquidadas em sede de execução de sentença a título de prejuízos causados em virtude da atuação” da mesma.
Alegou, para tanto, que celebrou com a Ré, contabilista certificada, um contrato de prestação de serviços de contabilidade externa, em regime de avença mensal, com início em abril do ano 2014 e que vigorou até 27.09.2017, que, após a cessação desse contrato, a autora foi alertada, pela nova empresa de contabilidade que lhe passou a prestar serviços, que não foi entregue o IES de 2014, 2015 e 2016, que o inventário de 2016 foi entregue em branco, que inexiste balancete de final do ano 2016 ou início de 2017, que não foram elaboradas fichas dos bens do ativo e que não foram elaborados os extratos contabilísticos dos anos 2014, 2015 e 2016, que o novo contabilista terá que refazer toda a contabilidade, apresentar novas declarações fiscais dos anos 2014 a 2016, enviar para a autoridade tributária as declarações de IES dos referidos anos e, ainda, substituir todas as declarações de IVA, prestação de serviços que importará o pagamento da quantia de € 7.830,00 (sete mil oitocentos e trinta euros), acrescendo, ainda, que a ré foi, diversas vezes, instada a colaborar na resolução deste problema, designadamente, a facultar a documentação em falta, nada tendo feito, sendo que com a sua conduta causará um prejuízo, não apurado, pois, de acordo com o previsto no Regime Geral das Infrações Tributárias, Código do IRC e Código do IVA, a autora terá de pagar coimas e uma vez que se trata de prejuízos indeterminados e não liquidados, deverá ser relegado o seu cômputo para execução de sentença.
A ré, citada, contestou, não tendo a contestação sido atendida por falta de pagamento da taxa de justiça.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº2, do artigo 567º, do CPC, tendo sido apresentadas alegações pela ilustre mandatária da ré, que pugnou pela improcedência da ação uma vez que os danos afirmados na petição inicial são danos futuros de natureza imprevisível e, como tal, não merecem a tutela do direito.
*
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente e em consequência absolvo a ré C… do pedido contra ela formulado.
Ao abrigo do disposto no artigo 306º do CPC, fixo à acção o valor de 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
*
Custas a cargo da autora”.
*
A Autora apresentou recurso de apelação, pugnando pela alteração da decisão recorrida, por forma a ser a Ré condenada a pagar-lhe as quantias vierem a ser liquidadas em sede de execução de sentença a título de prejuízos que lhe foram causados em virtude da atuação/omissão da Ré, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir, que se prendem com a procedência do pedido (indemnizatório) genérico formulado, por danos futuros, são as seguintes:
- Se os danos futuros reclamados - coimas por infrações tributárias -, podem ser indemnizados antecipadamente;
- Se o concretizado dano futuro líquido - importância de € 7.830,00 que D…, Lda cobrará para prestar os serviços em falta -, pode integrar a condenação em ulterior liquidação.
*
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Considerou o Tribunal a quo provados todos os factos alegados na petição inicial, sendo que:
1. A Ré é Contabilista certificada, inscrita na respetiva Ordem dos Contabilistas Certificados sob o n.º …..;
2. A Autora e Ré acordaram, por forma verbal, na prestação de serviços de contabilidade externa, em regime de avença mensal, a partir de Abril do ano de 2014, tendo o contrato em apreço vigorado até 27-9-2017;
3. Tal contrato englobava toda a organização e apoio contabilístico, nomeadamente, a classificação e lançamento de documentos, elaboração de contas de exploração, preenchimento de formulários e declarações fiscais;
4. Em razão da mudança de Contabilista Certificado (empresa de contabilidade), a Autora foi alertada de que: a Ré não entregou o IES de 2014, de 2015 e de 2016, o inventário de 2016 foi entregue em branco, inexiste balancete de final do ano de 2016 ou início de 2017, a Ré não elaborou fichas dos bens do ativo (imobilizado) e não elaborou extratos contabilísticos dos anos de 2014, 2015 e 2016;
5.Contratado o novo Contabilista Certificado e na posse da documentação que só lhe foi parcialmente fornecida pela Ré, verificou-se que a contabilidade da Autora apresentava:
a) inexistência de dossiers fiscais, em suporte papel e devidamente organizados, respeitante aos anos de 2014 a 2016 com informação relevante como documentos de prestação de contas completos e devidamente assinados, balancetes antes e após apuramento de resultados, mapas de amortizações e mais/menos valias, inventários no final do exercício;
b) falta de conciliações bancárias para os mesmos anos de 2014 a 2016;
c) falta de registo do cadastro de imobilizado;
d) falta de detalhes das contas de clientes, fornecedores, bancos e caixa;
e) os documentos contabilísticos dos anos de 2014 e 2016 não tinham sido contabilizados.
6. O novo Contabilista Certificado da empresa Autora terá que proceder à revisão de toda a contabilidade, refazendo-a, apresentar novas declarações fiscais dos anos 2014 a 2016, enviar para autoridade tributária as declarações IES de 2014 a 2016 e, ainda, substituir todas as declarações de I.V.A.;
7. Pela prestação dos serviços acima referidos a firma D…, Lda. cobrará € 7.830,00 (Sete mil oitocentos e trinta euros);
8.A Ré foi instada pelo legal representante da Autora e pelo novo Contabilista Certificado a colaborar na resolução dos referidos problemas, mormente a facultar toda a documentação em falta, e conforme missiva junta a fls 11, verso e 12 e nada fez.
*
II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da verificação de danos futuros e da procedência do pedido (indemnizatório) genérico formulado

Insurge-se a Autora contra a decisão por:
- as sanções que refere decorrerem da lei, sendo os danos decorrentes do comportamento/omissão da Ré danos futuros cuja verificação é prognosticável pelo homem médio, logo são indemnizáveis em quantia a liquidar em sede de execução de sentença;
- dever ser considerado incluído no pedido genérico formulado o, concretizado, pagamento de € 7.830,00 (Sete mil oitocentos e trinta euros) ao novo contabilista certificado da empresa para este proceder à revisão de toda a contabilidade, por o referido montante se tratar de orçamento previsional, e, por isso, a liquidar.
Vejamos.
Qualificou o Tribunal a quo o contrato celebrado entre as partes como de prestação de serviços, previsto pelo artigo 1154º do Código Civil, abreviadamente CC, diploma a que nos passamos a reportar, na falta de indicação diversa, estando o mesmo sujeito a retribuição, sendo que por força do mesmo estava a Ré, além do mais, obrigada a classificar e lançar documentos na contabilidade, elaborar contas de exploração, preenchimento de formulários e declarações fiscais, tendo a mesma incumprido o contrato que celebrou com a autora, dado não ter organizado a contabilidade, não ter entregue IES, não ter elaborado o balancete nem fichas de imobilizado, etc., e analisou se, em consequência da conduta da ré, os danos futuros daí decorrentes são indemnizáveis.
Julgou o Tribunal a quo improcedente a ação considerando:
afirma a Autora “que em consequência da conduta da ré e de acordo com as normas constantes do Regime Geral das Infrações Tributárias, Código de IRC e Código do IVA terá que pagar coimas de dezenas de milhares de euros.
O dano/prejuízo aí retratado tem natureza futura, dado que ainda não se produziu na esfera jurídica da autora e não se encontra quantificado.
Assim, sobre a indemnização devida pelos danos sofridos em geral o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis – cfr. artigo 564º, nºs. 1 e 2, do Código Civil. O ressarcimento imediato dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade (cfr. artigo 564º, nº 2, primeira parte, do Código Civil). São danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
No caso em apreço, a autora sustenta que, por conta da conduta da ré terá de pagar as coimas previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias, no Código do IVA e no Código do IRC. Sucede que esses danos não comportam, de momento, qualquer previsibilidade na sua verificação. São danos meramente hipotéticos. A circunstância de estar legalmente prevista a possibilidade de aplicação de coimas para condutas como aquela que a ré levou a cabo, nada leva a concluir que essas coimas venham a ser aplicadas. Saliente-se que não se encontra alegado (e, consequentemente, provado) que se encontra pendente na autoridade tributária qualquer processo aberto na sequência da conduta da ré, o que poderia levar a antever a previsibilidade de aplicação das referidas coimas. Nessa medida, mostra-se insuficiente a mera demonstração da possibilidade de serem aplicadas coimas porque tal resulta da letra da lei. Como tal, a factualidade demonstrada é insuficiente para concluir pela existência de um dano futuro previsível.
Veja-se a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2015, processo nº 05A3397, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “Só os danos futuros previsíveis são indemnizáveis. Não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença”.
Aponta a apelante à sentença erro de interpretação e aplicação do artigo 564º.
Analisemos.
Estatui este artigo “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”.
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:
1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer”.
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes.
Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob formulações variadas, como sendo a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa, que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito.
Daí que o dano não traduza uma realidade puramente empírica nem uma mera categoria normativa, assumindo-se como um conceito empírico-normativo que exige um dado naturalístico mas requer um referencial normativo.
Impõe-se, para o seu ressarcimento, a ponderação da situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.
Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial. E este manifesta-se, como vimos, sob duas modalidades: o dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão, e o lucro cessante que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O dever de indemnizar compreende um e outro, como flui do disposto no n.º 1 do art. 564º. Este preceito abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho[1].
Mas, como evidencia PESSOA JORGE, que segue o entendimento de VAZ SERRA e de PEREIRA COELHO, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho (cfr. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa 1972, pág. 378 e nota (348).[2]
Conforme ensina Galvão Teles os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho[3].
Os lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património[4].
Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho[5].
Pires de Lima e A. Varela fazem ressaltar que o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo [6].
O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho – o que não se verifica nos casos em que existe uma simples expectativa, uma mera possibilidade de a vítima vir a ser titular dessa situação jurídica.[7]
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[8].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[9].
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Assim, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade, e não estando determinados, sendo determináveis, a indemnização será remetida para decisão futura.
Deste modo, “Enquanto os danos emergentes consistem numa forma de diminuição do património já existente, consubstanciando prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os lucros cessantes consistem numa forma de não aumento do património já existente, isto é, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que não tinha direito à data da lesão.
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer. O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus. O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação[10].
Para efeitos do nº 2 do art.564º do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais em que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer[11].
Bem se refere neste Acórdão que “O dano futuro é descrito como sendo o prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, o que equivale a dizer que no momento já existe um ofendido, mas não um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis. O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. Por seu turno, os danos previsíveis são ainda enquadrados em duas categorias: os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, como infalível e dano futuro eventual o que no momento em que se formula o respectivo juízo se revela como meramente possível, incerto ou hipotético.
A jurisprudência desde há muito tem entendido que, para efeitos do nº2 do art.564 do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais cujo grau de incerteza seja de tal modo que possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer (cf., por ex., Ac STJ de 11/4/94, C.J. ano II, tomo III, pág.83, de 24/2/99, BMJ 484, pág.359, de 22/4/2002, www dgsi.pt/jstj)”.
O dano futuro acerca do qual não possa ser formulado esse prognóstico, não sendo mais do que um receio, não é indemnizável antecipadamente[12].
E a condenação genérica está limitada aos casos previstos no art. 556º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem os preceitos a citar, sendo conferida ao autor a faculdade de deduzir o incidente de liquidação, nos termos do art. 358º e segs.
Ocorrendo a condenação genérica, a liquidação tem de ser requerida, obrigatoriamente, na ação declarativa, em incidente posterior à sentença (nº2, do art. 358º).
O incidente de liquidação visa tornar liquida a condenação genérica, por sentença condenatória, transitada em julgado, por os factos alegados/apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, daí a necessidade do incidente de liquidação. Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Autor em consequência desse dano. Falta, pois, a determinação do quantum desses prejuízos – cfr nº1, do art. 359º, onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”.
Em tal incidente, não tem o requerente de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, e bem assim, todos os pressupostos da obrigação de indemnização, que têm de se encontrar já provados na sentença, transitada em julgado, proferida na ação declarativa, tendo, sim, de alegar e provar a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa[13].
Ocorrendo a condenação genérica, o incidente de liquidação terá lugar, apenas e somente, se na ação declarativa for decidido condenar o réu a pagar ao autor a quantia que se vier a apurar, tendo o referido incidente, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero ulterior trâmite de tal ação (cfr.nº2, do art. 358º).
Ora, in casu, nenhum dano futuro, cuja determinação falte, se encontra alegado e verificado.
Efetivamente, a circunstância de estar legalmente prevista a possibilidade de aplicação de coimas para situações como as afirmadas nos autos não permite concluir que essas coimas venham a ser concretamente aplicadas, sequer se afirmando a existência de procedimentos a tal tendentes.
Não se pode relegar para liquidação ulterior a demonstração de dano futuro meramente hipotético, pois que de dano existente se não trata.
No caso, não está determinado o exato valor dos danos, mas mais do que isso, nem a própria existência dos invocados danos está já provada, sendo eles incertos, meramente hipotéticos.
Com efeito, não estamos perante um dano futuro previsível certo nem perante um dano futuro eventual cujo grau de incerteza seja de tal modo que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer (com montante a liquidar posteriormente). Não podendo ser formulado esse prognóstico, não existindo mais do que um receio, sendo que nem processos, a tal tendentes, são referidos, não é indemnizável antecipadamente.
*
E não pode deixar de se considerar que bem decidiu o Tribunal a quo que a circunstância de estar assente, por confissão, que “Pela prestação dos serviços acima referidos a firma D…, Lda. cobrará € 7.830,00 (Sete mil oitocentos e trinta euros)” (cfr. f.p. nº7) é insuficiente para se concluir que a autora pretendia, também, a condenação da ré no pagamento desse dano, pois que, pese embora tal facto, concretizado no art. 15º, da petição inicial, a autora não pediu a condenação no pagamento desse montante (quantificado no referido artigo – “€ 7.830,00”) e da petição inicial decorre, até, ser pretensão da autora a condenação da ré no pagamento dos montantes que fosse condenada a pagar a título de coimas, não no pagamento daquele valor (liquido).
Assim, efetivamente, não tendo a autora formulado pedido de condenação da ré no pagamento do montante do dano concretizado no articulado, nunca se poderia considerar o dito montante líquido incluído no pedido genérico deduzido, estando o Tribunal limitado pelo pedido concretamente apresentado para apreciação (v. nº1 e 2, do art. 609º).
*
Destarte, não demonstrada a existência do dano a que se reporta o pedido genérico formulado, bem decidiu o Tribunal a quo pela improcedência da ação, dada a não demonstração da existência do direito a que se reporta tal pedido.
Improcedem, por conseguinte, na totalidade, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação do normativo invocado pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 8 de setembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Acórdão do S.T.J. de 21/11/79, BMJ. nº 291, pág. 480.
[2] Acórdão do STJ de 18/12/2007 Processo 07B3715, in dgsi.net
[3] Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 373.
[4] Acórdão do S.T.J. de 4/3/80, RLJ, 114º- 317.
[5] Acórdão do S.T.J de 23/5/78, BMJ nº 277; pág. 258
[6] Pires de Lima e A. Varela (Cód. Civil Anotado, I, pág. 580)
[7] Acórdão do STJ de 18/12/2007, Processo 07B3715, in dgsi.net
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pag 936.
[9] Idem, págs 936 e 937
[10] Ac. do STJ de 25/11/209, proc. 397/03.0GEBNV.S1 (Relator: Raul Borges), acessível in dgsi
[11] Ac. da RC de 18/2/2020, proc. 2133/16.2T8CTB.C1 (Relator: Jorge Arcanjo), acessível in dgsi
[12] Ac. do STJ de 24/2/1999, proc. JSTJ00035971 (Relator: Miranda Gusmão), acessível in dgsi
[13] V. Ac. STJ. de 23/11/2011, Proc. 397-B/1998.L1.S1, in dgsi, onde se escreve “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar era o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real,…”.