Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8220/15.7T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RP201606288220/15.7T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 06/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 723, FLS.65-69)
Área Temática: .
Sumário: I – A garantia bancária autónoma é uma forma admissível no nosso ordenamento jurídico de prestação de caução, e tal qual a fiança bancária, não está dependente da inexistência de oposição por parte do credor, mas apenas da verificação da sua idoneidade.
II – A garantia bancária prestada pela requerente/executada nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º1 do art.º 733.º do C.P.Civil, ou seja, visando conferir efeitos suspensivos (na execução) aos embargos deduzidos pela executada.
III – “In casu” não estamos perante uma situação típica de prestação de garantia autónoma, pois a garantia não é prestada no âmbito de um negócio jurídico, mas de um processo judicial (uma execução) e o beneficiário designado é o Tribunal e não o credor.
IV – À mesma não obsta ter sido colocada em causa a relação triangular própria daquela figura (uma relação entre o devedor mandante e o banco e uma relação entre o banco e o beneficiário), uma vez que o banco garante e o devedor (o obrigado a prestar caução) são a mesma pessoa, daí resultando uma confusão mas que não compromete a autonomia da garantia enquanto sua característica essencial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 8220/15.7T8PRT-B.P1
Comarca do Porto – Porto - Instância Central – 1.ªSecção Comércio – J8
Recorrente – B…, SA
Recorrida – C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral

Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Por apenso aos autos de execução que C, com sede em Viana do Castelo intentou na Comarca do Porto – Porto - Instância Central – 1.ª Secção Comércio, contra a B…, com sede em Lisboa, e a que foi deduzida oposição por embargos à execução, veio a executada/embargante/requerente requerer, por meio do presente incidente, espontaneamente, a prestação de caução pelo montante de €600.000,00 e por garantia bancária, a fim de que a oposição tenha efeito suspensivo da execução.
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Notificada a requerida para, querendo, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia oferecida, veio esta dizer que se deve considerar como não idónea a garantia prestada pela executada, pois que se não conforma com as formas previstas no art.º 623.º do C.Civil, e por outro lado a garantia oferecida é prestada pela própria executada, pelo que não há um terceiro a garantir com o seu património a obrigação da executada, a que acresce o facto de se tratar não de uma garantia real, mas meramente pessoal, pelo que deve ser indeferido o incidente.
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Seguidamente e considerando-se não haver prova a produzir, decidiu-se ter-se “(…) que considerar inidónea a garantia bancária prestada, pelo que julgo não provado e improcedente o presente incidente de prestação de caução, indeferindo-se em consequência o pedido de suspensão da execução, atento o disposto no art.º 733º nº 1 al a) do C.P.C”.
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Não se conformando com tal decisão dela veio a executada/embargante/ /requerente recorrer de apelação pedindo que a sua revogação e substituição por outra que julgue validamente prestada por garantia bancária a caução assim se suspendendo os termos do processo executivo até decisão final a proferir nos embargos.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Sendo o beneficiário da garantia bancária o próprio Tribunal à ordem de quem ela é prestada, a sua aceitação por parte deste deve basear-se numa questão de legalidade e não de oportunidade ou de liberdade contratual
2. Ainda que se entendesse que o beneficiário da garantia era, neste caso, a exequente nem assim a decisão proferida se pode manter.
3. Enquanto que, por norma, a obrigação de prestar garantia bancária surge do contrato base e da obrigação nele imposta ao devedor e posterior ordenante da garantia, no caso concreto essa obrigação decorre diretamente da lei.
4. E embora a garantia bancária não caiba no elenco das formas previstas como prestação de caução pelo art.º 623.º C.Civil tal se deve apenas ao facto de se tratar de negócio jurídico atípico com uso relativamente recente e que à data da entrada em vigor do C.Civil era desconhecido.
5. Por isso e estando prevista como forma de prestação de caução a fiança bancária, tendo em conta que a única diferença relevante entre garantia bancária e fiança bancária reverte claramente em favor do beneficiário da mesma sempre se impõe uma interpretação atualista da norma e que por aplicação analógica se considere admissível a prestação de caução por garantia bancária autónoma, cuja idoneidade tendo em vista os fins da sua prestação é até superior à da fiança.
6. Sendo que a idoneidade nada tem a ver com a oposição (ou não) do beneficiário a essa forma de prestação de caução.
7. Nada obsta a que essa garantia seja prestada pelo próprio banco executado já que mesmo nessa hipótese e face à sua autonomia, o garante interpelado para o efeito pelo Tribunal, pagará de imediato o valor dispensando o prosseguimento das fases seguintes previstas para o processo de execução
8. Decidindo de modo diverso o Tribunal “a quo” violou o disposto nos art.ºs 623.º, n.ºs 1 e 2 C.Civil e 909.º n.ºs 2 e 3 e 733.º n.º 1 al. a) C.P.Civil.
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Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do N.C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a decidir no presente recurso:
- Saber se a garantia bancária autónoma é admissível como forma de prestação da caução, cfr. art.º 733.º n.º 1 al. a) do C.P.Civil, visando conferir efeitos suspensivos (na execução) aos embargos deduzidos pelo executado.
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Como resulta expressamente da decisão recorrida, a 1.ª instância julgou não idónea a caução prestada pela requerente/executada/apelante pelo facto de “(…) estruturalmente a garantia bancária autónoma é uma figura triangular, que supõe três ordens de relações e se analisa em três contratos distintos: o contrato base entre o dador de ordem e o beneficiário o contrato pelo qual o garante (Banco) se obriga perante o dador de ordem mediante retribuição a prestar-lhe o serviço que se traduz no fornecimento da garantia; e o contrato de garantia entre o garante e o beneficiário.
Ora, no caso em apreço não tendo havido aceitação do beneficiário, existindo até oposição quanto à garantia prestada, falta o negócio jurídico entre o banco e o credor beneficiário, necessário para o funcionamento deste negócio jurídico atípico“.
Certo é que o Tribunal recorrido afastou o argumento esgrimido pela ora apelada, segundo o qual a prestação de caução por garantia bancária nada acrescentaria, já que era prestada pela própria executada, inexistindo qualquer terceiro a garantir com o seu património a obrigação da executada. Considerando para tanto e, correctamente, que “in casu” “O credor fica melhor assegurado porque o beneficiário …não tem de fazer prova dos pressupostos que legitimam a pretensão de pagamento (…)“ e “(…) a garantia prestada pelo banco executado confere um “mais” e acrescenta uma maior segurança da satisfação da obrigação caucionada”.
Pois que na verdade, não está em causa a solvabilidade do garante (B…, SA), pelo que a garantia bancária prestada constitui um reforço efectivo da garantia de satisfação do crédito da exequente.
Mas, como se viu, a 1.ª instância acabou por decidir que a garantia bancária autónoma nunca é meio idóneo para se prestar caução se o beneficiário, considerando-se “in casu” a exequente, a não aceitar.
Vejamos.
Mas, sem nos alongarmos sobre a figura da garantia bancária, sempre se dirá que o contrato de garantia autónoma é um negócio atípico, inominado, admitido no nosso ordenamento jurídico à luz do princípio da liberdade contratual, cfr. art.º 405.º do C.Civil.
Para Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in “Garantias Especiais das Obrigações”, pág. 121, que a garantia autónoma surge como necessidade, resultante das relações comerciais internacionais, porque a entidade garantida não queria ficar dependente das regras específicas de cada país sobre a fiança, a par da exigência de garantias mais sólidas por parte dos parceiros negociais.
Na verdade tal figura não tem regulamentação própria na nossa ordem jurídica, pelo que a sua definição, regime e características são-nos dadas quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência. Todavia, o contrato de garantia bancária há-de reger-se, em primeira linha, pelas estipulações acordadas pelas partes, ponderando as condições que constam do próprio documento escrito que o formaliza e no que estas forem omissas temos de nos socorrer das normas gerais dos negócios jurídicos e dos contratos em geral, previstas no C.Civil, podendo ainda ser consideradas as normas que regulamentam contrato típicos semelhantes, desde que vão ao encontro das características do próprio contrato.
Com base nesse contrato, o garante, em regra um Banco, obriga-se a pagar a um terceiro beneficiário certa quantia, verificado o incumprimento de um contrato-base, sendo mandante ou ordenante o devedor nesse contrato, sem que o garante possa opor ao beneficiário (credor no contrato-base) quaisquer excepções reportadas ao contrato fundamental. A autonomização em relação ao contrato-base é um dos traços distintivos da garantia bancária e uma das características que lhe conferem autonomia, que na fiança não existe por esta ser caracterizada pela acessoriedade. A característica da autonomia é mais evidente quando a garantia deve ser prestada à primeira solicitação, ou “on first demand”.
Segundo Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário” págs. 763, o regime da garantia pode ser assim elencado: - “A garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado - o mandante - e o garante, a favor de um terceiro - o garantido ou beneficiário. Por vezes, ela é configurada como um contrato celebrado entre o garante e o beneficiário; porém, é do mandante que o garante recebe a comissão.
A interpretação do texto da garantia é essencial para determinar o seu alcance. No entanto, toda a garantia autónoma comporta alguns traços essenciais comuns que surgem, de modo pacífico, na doutrina e na jurisprudência.
Na garantia autónoma, o garante obriga-se a pagar ao beneficiário uma determinada importância. Tal pagamento operará à primeira solicitação (aufersies Anfordern, on first demand), isto é: o garante pagará ao beneficiário determinada importância, assim que este lha peça. Melhor seria dizer: garantia a mera solicitação, uma vez que não há segunda.
Normalmente, porém, a garantia exige que o garante, antes de efectuar qualquer pagamento, proceda à breve análise de determinados documentos: facturas, ordens de fornecimento, boletins de transporte ou de embarque (…). Tal exame não se confunde porém, de modo algum, com um juízo de cumprimento ou de incumprimento da relação principal.
(…)
As partes podem, porém, acordar se a garantia é automática, isto é: verdadeiramente a mera solicitação ou automática ou se, pelo contrário, o garante deve fazer verificação e qual a sua extensão (não automática).
(…)
Exigida a garantia - os textos das garantias invariavelmente requerem que o seja por escrito, o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: nunca as derivadas da relação principal. Tão-pouco se pode reagir a ela com pretensões de enriquecimento. Naturalmente: cabe ao próprio beneficiário demonstrar que a garantia invocada se reporta a determinada dívida.
O regime da garantia autónoma e, sobretudo, o facto de ela não poder ser detida com recurso a excepções derivadas da relação básica obrigam a repensar a sua função”.
A garantia bancária pode ser automática ou não automática.
Sendo automática, em regra, à primeira solicitação, o garante deve pagar, não podendo discutir ou fundamentar a recusa reportando-se ao contrato base.
Na garantia à primeira solicitação, o garante bancário está obrigado a pagar, face à autonomia e à automaticidade do contrato, mas esta obrigação não é incompatível com a exigência de prova do incumprimento do ordenante. Ou seja, a linha delimitadora entre a garantia automática ou não automática não passa pela consideração de que naquela, o beneficiário pede ao garante e este sem mais deve pagar, por contraponto à garantia não automática em que o garante pode, reportando-se ao contrato de garantia, questionar se o pressuposto da sua responsabilidade se verifica, por exemplo no caso em que se convencionou que o pedido de pagamento contemplado na garantia ficava dependente de prova, não de factos relacionados com o contrato-base (em relação ao qual o garante é alheio), mas em relação ao contrato de garantia.
Por regra, quer no caso da garantia ser “on first demand” ou não, o banco exigirá uma prova do não cumprimento do contrato-base, pois essa prova é que desencadeia a sua responsabilidade, e feita essa prova, o banco garante, não pode recusar o pagamento a menos que tenha sérios indícios de conduta dolosa, fraudulenta, que evidencia ser abusiva a pretensão do beneficiário.
A garantia bancária autónoma à primeira solicitação ou “on first demand” não se confunde com a fiança, pois que tratando-se de uma garantia autónoma, ela não fica prejudicada pela eventual invalidade da relação principal e, porque é automática, torna-se eficaz logo que o pagamento seja solicitado pelo seu beneficiário, característica que não se conforma com a figura da fiança, que constitui uma garantia acessória da obrigação - a fiança, constituindo uma garantia da obrigação do devedor prestada por terceiro, obriga o fiador a garantir que aquela obrigação se cumprirá.
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No caso em apreço nos autos é manifesto que não estamos perante uma situação típica de prestação de garantia autónoma, pois a garantia não é prestada no âmbito de um negócio jurídico, mas de um processo judicial (uma execução) e o beneficiário designado é o Tribunal e não o credor, como se pode constatar pela análise do doc. junto a fls. 5 dos autos e como é da lei. Todavia, tem de se considerar que a função da garantia autónoma se mantém, já que a característica que a distingue de outras garantias é precisamente a autonomia relativamente ao negócio principal.
In casu” a garantia bancária foi prestada pela requerente/executada “(…) nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º1 do art.º 733.º do Código de Processo Civil (…) no âmbito da supra identificada Acção executiva (…) destinada a caucionar o pagamento da respectiva quantia exequenda”. Certo é que, não obstante as respectivas normas processuais, o efectivo beneficiário da garantia é o credor exequente, embora não figure formalmente como beneficiário da garantia, surgindo no seu lugar o Tribunal, mas tal sucede apenas por razões processuais, ou seja, por ser o Tribunal a entidade que tem o poder de dirimir o conflito de interesses entre exequente e executada. Isto porque, de harmonia com o disposto no n.º1 do art.º 728.º do C.P.Civil, (Oposição mediante embargos) “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”. Contudo, a dedução de embargos não suspende o andamento da execução, com a eventual penhora de bens do executado. A execução só se suspenderá se o executado/oponente prestar caução, como preceitua a al. a) do n.º1 do art.º 733.º do C.P.Civil (Efeito do recebimento dos embargos), segundo o qual “1.- O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: a) O embargante prestar caução …”.
Ora, segundo o disposto no n.º1 do art.º 623.º do C.Civil, se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito em dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária.
Cabe ao Tribunal apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados, cfr. n.º3 do citado art.º 623.º.
Dúvidas não há que a garantia bancária não consta do elenco do n.º1 do art.º 623.º do C.Civil, todavia é de admitir esta figura como meio de prestação de caução, pois como já se referiu na decisão recorrida, há que efectuar uma interpretação actualista da referida norma e nela inserir também a garantia bancária, que só não foi prevista nesse normativo por se tratar de negócio jurídico atípico com uso relativamente recente e que à data da entrada em vigor do C.Civil era desconhecida.
Sendo certo como adianta a apelante, “…se assim não fosse, seria caso de questionar com que fundamento se poderia rejeitar a garantia bancária autónoma, quando o legislador expressamente previu a fiança bancária e sendo certo que a diferença relevante entre garantia bancária e fiança bancária reverte claramente em favor do beneficiário da mesma”. Na verdade, segundo Galvão Telles, in “O Direito”, Ano 120, pág. 284, “Existe tendência para confundir a garantia autónoma com a fiança; mas essa tendência é errónea.
Sem dúvida, as duas correspondem a preocupações semelhantes, na medida em que ambas têm uma função específica de garantia; não podem, todavia, assimilar-se, porque as separam traços fundamentais.
A fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer. O fiador compromete-se a pagar a dívida de outrem – o deve­dor principal. O seu compromisso é acessório.
No caso de garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia. Ele assegura ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro, e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação.
O objecto da fiança confunde-se com o objecto da dívida afiançada, no sentido de que o fiador tem de pagar o que o afiançado deixou de satisfazer.
O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base.
Daqui resulta que o garante autónomo ou independente, ao contrá­rio do fiador, não é admitido a opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido (...)” -
Ou seja, e em conclusão, ao invés do que sucede na fiança, onde a obrigação do fiador é acessória da do afiançado, cfr. art.º 627.º n.º2 do C.Civil e, por isso, não pode ser mais onerosa que a deste, cfr. art.º 631.º, implicando a invalidade da obrigação garantida a invalidade da fiança, cfr. art.º 632.º n.º1 e, a extinção daquela, a desta, art.º 651.º, na garantia autónoma o garante não pode opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa ou excepções decorrentes das suas relações com o devedor. Na fiança, o fiador pode opor ao credor, não só os meios de defesa que lhe são próprios, com também os que competem ao afiançado, cfr. art.º 637.º do C.Civil.
Donde e, fazendo apelo a um juízo analógico, atenta a semelhança e as diferenças relevantes entre a fiança e a garantia bancária, claramente favorável ao beneficiário, sempre se deveria considerar admissível a prestação de caução por garantia bancária autónoma.
Certo é, como já se aflorou, que no caso da caução prestada por garantia bancária autónoma, do ponto de vista da exequente, estará colocada em causa a relação triangular própria daquela figura (uma relação entre o devedor mandante e o banco e uma relação entre o banco e o beneficiário), uma vez que o banco garante e o devedor (o obrigado a prestar caução) são a mesma pessoa, daí resultando uma confusão que não compromete a autonomia da garantia enquanto sua característica essencial.
Todavia, temos por certo que o facto de a requerente/executada/apelante, sendo uma instituição bancária e por isso autorizada a conceder garantias bancárias, surgir como garante de uma obrigação de que é devedora, em nada põe em causa a autonomia da garantia, cfr. Ac STA, de 14.08.2013, in www.dgsi.pt. Pois que a autonomia da garantia significa que o garante assegura a verificação de um determinado resultado (no caso, a entrega de uma determina soma pecuniária ao beneficiário), totalmente independente da obrigação do devedor, sem que o garante (enquanto tal) possa opor à exequente/requerida excepção alguma que lhe assista enquanto garante (sendo a garantia independente das vicissitudes que possam ocorrer naquela relação principal), daí resultando, inequivocamente, que a garantia bancária, prestada constitui um importante acréscimo da segurança da exequente/requerida.
Finalmente sempre se dirá ainda que sendo a garantia bancária autónoma uma forma admissível no nosso ordenamento jurídico de prestação de caução, tal qual a fiança bancária não está dependente da inexistência de oposição por parte do credor, mas apenas da verificação da sua idoneidade, ou seja, aquilatar da sua qualidade e eficácia, que é de apreciar objectivamente.
Na verdade, a lei não estabelece qualquer critério para a avaliação da idoneidade da caução limitando-se a mandar ter em conta, na apreciação da idoneidade da garantia, a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar, cfr. art.º 984.º n.º 2 do C.P.Civil. Todavia, atendendo à finalidade da caução prestada, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que por ela é caucionada, cfr. Acs. do STJ de 9.07.1998 e de 4.03.2004, ambos in www.dgsi.pt, sendo que naquele primeiro acórdão se refere que “Esta suficiência é, antes de mais, analisável no plano jurídico, na medida em que só existe se o meio oferecido for dos que a lei admite para o efeito. Por outro lado, e já num plano fáctico, o juízo de idoneidade tem que ser formulado numa dupla perspectiva a da sua suficiência pecuniária e a da sua suficiência temporal. Efectivamente, uma caução a prazo só garante a obrigação enquanto vigorar, e já não a garante depois de se extinguir”.
In casu” e por tudo o que já se deixou consignado acima, temos de concluir que a caução prestada nos autos pela executada/requerente/apelante é admissível pelo nosso ordenamento jurídico e mostra-se suficiente atenta a sua finalidade.
Logo há que revogar a decisão recorrida, procedendo as conclusões da apelante.

Sumário – I – A garantia bancária autónoma é uma forma admissível no nosso ordenamento jurídico de prestação de caução, e tal qual a fiança bancária, não está dependente da inexistência de oposição por parte do credor, mas apenas da verificação da sua idoneidade.
II – A garantia bancária prestada pela requerente/executada nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º1 do art.º 733.º do C.P.Civil, ou seja, visando conferir efeitos suspensivos (na execução) aos embargos deduzidos pela executada.
III – “In casu” não estamos perante uma situação típica de prestação de garantia autónoma, pois a garantia não é prestada no âmbito de um negócio jurídico, mas de um processo judicial (uma execução) e o beneficiário designado é o Tribunal e não o credor.
IV – À mesma não obsta ter sido colocada em causa a relação triangular própria daquela figura (uma relação entre o devedor mandante e o banco e uma relação entre o banco e o beneficiário), uma vez que o banco garante e o devedor (o obrigado a prestar caução) são a mesma pessoa, daí resultando uma confusão mas que não compromete a autonomia da garantia enquanto sua característica essencial.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, julgando-se idónea a caução prestada pela executada/requerente/apelante, com as legais consequências ao nível da marcha do processo executivo.
Custas pela apelada.

Porto, 2016.06.28
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues