Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
776/12.2TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RP20140911776/12.2TBGDM.P1
Data do Acordão: 09/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é admissível a junção com o recurso de documentos destinados directamente a fazer a prova dos factos em discussão, acrescendo aos meios de prova antes produzidos e suprindo a insuficiência destes, quando na audiência a parte já podia e devia contar com a necessidade de fazer prova desses factos e a indispensabilidade de o tribunal os julgar em conformidade com os meios de prova produzidos até ao momento da decisão, porquanto, nesse caso, não foi em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância que a junção se tornou necessária.
II - Não se provando que os danos tiveram como causa exclusiva ou única um acontecimento excluído do âmbito dos riscos cobertos pelo contrato de seguro, a seguradora deve indemnizar a totalidade dos danos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 776/12.2TBGDM.P1 [Juízos Cíveis do Porto]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. [Relatório:]
b…, c… e d…, residentes em …, Gondomar, demandaram a e…, S.A., NIPC ………, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia €13.000,00, acrescidos de juros, à taxa legal, contados da citação e até integral e efectivo pagamento, bem como os honorários do mandatário dos autores e despesas com o processo.
Para o efeito alegaram em resumo que são os únicos e universais herdeiros de F…, o qual faleceu em 16.02.2011 quando, ao conduzir um veículo automóvel, foi atingido por uma árvore que caiu sobre o veículo que conduzia, provocando-lhe a morte; sucede que a responsabilidade civil emergente da circulação desse veículo se encontrava transferida, à data, para a ré, por contrato de seguro, que incluía o risco de morte do seu condutor permanente e abrangia a modalidade de proteção jurídica.
A ré contestou, impugnando parte do alegado na petição inicial e excepcionando que a queda da árvore resultou das fortes chuvas e ventos que se faziam naquele dia na cidade do Porto e que provocaram outras quedas de árvores nas imediações do local do acidente, encontrando-se o sinistro excluído das coberturas da apólice por não ter sido contratada a cobertura de riscos catastróficos ou grandes danos, da mesma forma que estão excluídas as despesas com acções litigiosas entre as pessoas seguras e a seguradora.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar aos autores a quantia de €13.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.
Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. (…). … Reapreciação da prova:
6. O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Apelante de que o Douto Tribunal a quo terá efectuado uma incorrecta apreciação da prova, e concretamente na instrução da matéria factual plasmada nos arts. 31º e 32º da contestação, os quais deveriam ter sido considerados provados.
7. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não ajuizou bem a prova produzida pois a mesma mostra-se suficiente para alicerçar a demonstração dos factos alegados nos citados arts. 31º e 32º da contestação, nomeadamente quanto à questão da ocorrência de outras situações semelhantes à dos autos – quedas de árvores – naquele dia e na zona do Porto.
8. Os concretos meios probatórios que, na óptica da ora recorrente impunham decisão diversa da proferida, e que se pretendem sejam reexaminados são os seguintes:
a. Depoimento da testemunha G… (depoimento gravado no CD único, em 19/06/2013, de 11.47.16 a 12.12.54).
b. Documento n.º 9 junto aos autos com a petição inicial, e que corporiza uma notícia de jornal.
c. Documento junto aos autos pelos AA em requerimento de 13/05/2013, e que corporiza um relatório de informação prestada pela Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal ….
d. Despacho de arquivamento proferido no âmbito do processo-crime n.º 3076/11.1TDPRT (aberto por foça do funesto acontecimento em apreço) junto aos autos pela R. em audiência de julgamento de 09/05/2013.
9. Da conjugação dos meios probatórios produzidos, nomeadamente testemunhais e documentais, impunha-se decisão diversa daquela que veio a ser proferida e que, presentemente, se impugna.
Da junção de documento (art. 651º n.º 1 in fine do Cód. Proc. Civil):
10. Entendeu o Meritíssimo Tribunal “a quo” que os referidos elementos de prova - de entre os quais consta a Informação da Divisão Municipal de Parques e Jardins da CM… – careciam ser secundados, por exemplo, por informação dos Bombeiros ou protecção civil, concretizando as situações de intervenção em casos idênticos ao dos autos no dia em causa na cidade do Porto.
11. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, de tal afirmação vertida na douta sentença recorrida, depreende a Apelante que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não terá considerado que o sobredito relatório da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal… um documento idóneo e bastante para ter como fidedigna a informação dele constante a propósito da ocorrência de 40 situações de quedas de árvores na cidade do Porto no dia do acidente e dias que o precederam.
12. Sempre com o máximo respeito, e se nos é permitido o desabafo, jamais seria expectável para a Apelante que o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerasse que um documento emitido pela Câmara Municipal …, por forma a dar informação solicitada no âmbito do Processo Crime aberto por força desta ocorrência, contivesse informação que carecia de ulterior confirmação.
13. Tanto mais quando o teor do aludido documento nem sequer foi posto em causa por nenhuma das partes intervenientes no processo.
14. Sendo certo que, e sempre com o merecido respeito por opinião diversa, se o Meritíssimo Tribunal “a quo” duvidava da exactidão da informação prestada pela Câmara Municipal …, sempre poderia e deveria ter, a título oficioso, solicitado os tais elementos que, no seu entendimento, seriam necessários para corroborar tal informação.
15. E ao invés de proferir uma decisão-surpresa.
16. Assim o demanda o princípio do inquisitório, plasmado no art. 411º do Cód. Proc. Civil, com vista à descoberta da verdade material e da justa composição do litigio.
17. De todo o modo, dispõe o art. 651º n.º 1 “in fine” do Cód. Proc. Civil que as partes podem juntar documentos às alegações em sede de recurso no caso dessa junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
18. Ora, só na douta fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto (que constitui parte integrante da douta sentença recorrida) é que o Meritíssimo Tribunal “a quo” levantou a questão da necessidade de sustentação, por outros documentos, da informação prestada pela Câmara Municipal … e corporizada no documento junto aos autos.
19. Nessa medida, e por forma a sustentar o teor da Informação vertida no supra identificado documentos elaborado pela Câmara Municipal …, desde já se requer que V. Exas. Se dignem conceder-lhe a junção aos autos de informação constante da base de dados da Autoridade Nacional de Protecção Civil – Comando Distrital de Operações de Socorro do Porto do qual consta o elenco das ocorrências registadas como queda de árvores/queda de estruturas nos dias 16/02/2011, na cidade do Porto. (Docs. n.º 1 e 2 que se juntam e dão por integralmente reproduzidos, para todos os devidos efeitos legais)
20. O que se justifica nos termos e para os efeitos do disposto no art. 651º n.º 1, “in fine”, do Cód. Proc. Civil.
21. Face ao supra expendido, e coligidos todos os suportes documentais e prova testemunha produzida, urge concluir que, ao contrário do vertido da douta sentença proferida, os meios probatórios carreados aos autos foram adequados e suficientes para a efectiva demonstração da factualidade constantes dos art.s 31º e 32º da contestação.
22. A matéria ínsita nos artigos 31º e 32º da contestação deveria ter sido considerada PROVADA.
23. Pelo que, ao contemplar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal “a quo” efectuou uma errada apreciação da prova, incorrendo, pois, em erro de julgamento.
II - Do direito:
24. A propugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto implica, como consequência directa e necessária e salvo o devido respeito por diverso entendimento, a improcedência da presente acção.
25. Está assente que, nos termos contratualizados no contrato de seguro, a cobertura do mesmo não abrange danos ocorridos em situações de “fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza, excepto quando contratadas as coberturas de riscos catastróficos (CE06) ou de grandes danos (CE07)”.
26. Coberturas estas que, tal como igualmente dimana da factualidade provada, não foram contratadas.
27. Importa agora interpretar a citada cláusula de exclusão, por forma a aquilatar o que se entende por “fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza”.
28. E de modo a verificar-se se a situação sub judice se enquadra ou não numa das hipóteses contempladas no art. 37º (e não 41º como erradamente se refere na sentença) alín. j) das Condições Gerais da Apólice de seguro (com especial relevo para fenómenos meteorológicos e outras convulsões violentas da natureza).
29. E neste esforço interpretativo, urge recorrer (como aliás se fez na douta sentença aqui posta em crise, embora num sentido não coincidente com o que defendemos) à noção de “riscos catastróficos” contemplada no texto do contrato celebrado, e que dita o seguinte:
“Para efeitos desta cobertura consideram-se riscos catastróficos: Tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada) ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios, objectos ou árvores num raio de 5 kms em redor do automóvel seguro.”
30. Face à propugnada alteração da decisão quanto à matéria de facto, logrou a Seguradora recorrente demonstrar a verificação de factos integradores desta noção.
31. Urge, pois, considerar que tem aplicação, no caso dos autos, a cláusula excludente de responsabilidade oportunamente invocada pela Seguradora recorrente (art. 37º al j) das Condições Gerais da Apólice) e que, nessa medida inexiste, por parte desta, a obrigação de indemnizar os AA. pelos danos decorrentes do sinistro em apreço.
32. Ao contemplar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova, incorrendo em verdadeiro erro de julgamento, que se veio a traduzir numa desadequada aplicação do contrato de seguro aqui em causa, concretamente da cláusula de exclusão vertida no art. 37º al j) das Condições Gerais da Apólice. (…)
Os recorridos responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. [Questões a resolver]:
As conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões:
i) Se deve ser admitida a junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso.
ii) Se os factos alegados nos artigos 31.º e 32.º da contestação devem ser julgados provados.
iii) Se nas circunstâncias em que ocorreu, a morte do familiar dos autores estava abrangida nos riscos cobertos pelo contrato de seguro celebrado com a ré.

III. [da junção de documentos:]
Com as suas alegações de recurso, a recorrente apresentou dois documentos, compostos por listagens da autoridade nacional de protecção civil de ocorrências no dia do sinistro que vitimou o familiar dos autores.
Para justificar a sua junção a recorrente invocou o disposto no artigo 651.º do novo Código de Processo Civil segundo o qual as partes apenas podem juntar documentos às alegações no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, referindo que só na sentença o juiz considerou insuficiente os documentos juntos pela ré para prova dos mesmos factos, tornando assim necessária a junção destes novos documentos para satisfazer o grau de exigência do tribunal.
Tudo está assim em saber o que se deve entender por junção tornada necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Esta disposição já existia no antigo Código de Processo Civil estando prevista no artigo 693.º-B, ditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e antes deste no artigo 706.º, n.º 1, mantendo sempre a mesma redacção.
A jurisprudência e a doutrina sempre convergiram na ideia de que a previsão normativa se reporta às situações em que a 1.ª instância conhece oficiosamente de uma questão que não estava suscitada ou tratada pelas partes, toma em consideração meio de prova inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou se baseia em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado (por todos, Antunes Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115,º, pág. 95 e segs., e Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1ª edição, pág. 517; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.1999, Ferreira de Almeida, e de 26.09.2012, Gonçalves Rocha, da Relação do Porto de 29.05.2014, Leonel Serôdio, e da Relação de Guimarães de Guimarães, 27.02.2014, Ana Cristina Duarte, todos in www.dgsi.pt).
O que releva, portanto, é que a necessidade do documento não seja preexistente à decisão da 1.ª instância, não seja um dado com o qual a parte devesse contar já antes da decisão e independentemente desta, mas antes algo resultante da própria decisão, no sentido de que é a abordagem feita nesta que torna indispensável o documento e justifica que a parte não devesse contar antecipadamente com essa exigência. Quando, pelo contrário, a junção do documento corresponde a um dever de diligência que já antes a parte sabia ou devia saber que a onerava e a decisão de 1.ª instância é uma das que a parte tinha a obrigação de contar que pudessem ser proferidas, por mais que esperasse que a decisão fosse diferente, a junção do documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Por isso, tem-se afirmado repetidamente que a junção de documento nas alegações de recurso não pode servir para suprir a insuficiência que a 1.ª instância assinalou aos meios de prova produzidos pela parte no decurso da instrução do processo, pela simples razão de que a necessidade da prova dos factos, que é o objectivo final da junção do documento qualquer que seja a fase do processo em que pode ser feita, é algo com que a parte, a partir do momento em que intervém no processo, alegando ou impugnando a alegação alheia, não pode deixar de contar.
Como se afirma no Acórdão de 13.03.2003, relatado por Araújo Barros, in www.dgsi.pt, citando o Acórdão do mesmo tribunal de 27.06.2000, “a junção de documentos em fase de recurso, nos termos do art. 706º, nº 1, do CPC ... tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão (e acrescentamos nós, de direito ou de facto) fazem surgir a necessidade de provar factos (ou infirmá-los) com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, e não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova (ou contraprova) sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido”.
As partes sabem que no nosso sistema jurídico o tribunal é livre na avaliação dos meios de prova e, como tal, que uma vez chegado o momento de formar a sua convicção e a motivar pode perfeitamente considerar que a prova produzida pela parte é insuficiente, que lhe falta razão de ciência que era exigível para a demonstração do facto, que no caso eram exigíveis outros meios de prova com maior valor probatório. Por isso, parte alguma pode pretender que a circunstância de a decisão não vir de encontro à sua expectativa quanto à convicção do julgar representa algo com que não podia razoavelmente contar.
O processo civil continua a reger-se pelos princípios do dispositivo e da responsabilização das partes pelo resultado do seu esforço processual em ordem à satisfação dos deveres de prova que os oneram. Sem prejuízo do dever de colaboração, não cabe ao tribunal a obrigação de analisar antecipadamente os meios de prova que estão a ser produzidos e produzir uma espécie de pré-juízo ou juízo em abstracto para alertar a parte para os riscos de os vir a julgar insuficientes, definindo o próprio juiz os meios de prova que deverão ser produzidos para poderem ser aceites como suficientes e concedendo um novo prazo suplementar para a sua produção. A parte é que tem de decidir que meios de prova produzir e suportar o risco de se vir a entender que esses meios são insuficientes, ainda que tenha à sua disposição outros meios que podiam vir a ser aceites como suficientes.
Em apoio da sua pretensão de proceder agora à junção dos documentos a recorrente cita o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 4345/07.0TBVFR.P1, com data de 20.10.2009 (e não 20.09.2009 como vem erradamente citado), disponível in www.dgsi.pt. A verdade, contudo, é que basta ler o Acórdão na totalidade e não apenas o respectivo sumário, para ver que nele se afirma expressamente que se a junção do documento fosse feita para permitir que a recorrente “tente ainda provar aquilo para que já tinha que ter indicado e produzido as provas na 1ª instância e cuja demonstração afinal ali não conseguiu” não se “aceitaria agora” a apresentação de mais documentos. Nesse Acórdão admitiu-se a junção dos documentos não para prova dos factos em discussão nos autos, não para complemento da prova produzida, mas para mera comprovação das competências de uma testemunha que a decisão de 1.ª instância tinha posto em crise e em função do que não tinha aceite o seu depoimento como suficiente.
Não é essa a situação que nos ocupa dos autos porque os documentos ora apresentados são destinados directamente pela recorrente a fazer a prova dos factos em discussão, acrescendo aos outros meios de prova já produzidos e suprindo a insuficiência destes, e não, como ocorria no aludido Acórdão, apenas a suprir dúvidas sobre a credibilidade ou razão de ciência de um depoimento produzido no tempo devido.
Pelo exposto, decide-se não admitir a junção dos documentos, os quais não serão atendidos nos autos para qualquer efeito.

IV. [da decisão da matéria de facto:]
Reclamam os recorrentes que a Relação reaprecie a prova produzida e julgue provados os factos alegados nos artigos 31.º e 32.º da sua contestação, alterando a decisão da 1.ª instância de os julgar não provados e que consideram ter procedido, nesse particular, a uma errada apreciação dos meios de prova.
Mostram-se cumpridos pela recorrente todos os requisitos da impugnação da matéria de facto: estão especificados os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante ao depoimento gravado vem indicada a passagem da gravação em que se funda o recurso (artigo 640.º do novo Código de Processo Civil).
Os factos em apreço, que foram julgados não provados, são os seguintes:
“A ocorrência nesse local não foi caso isolado. (31º)
“Naquele dia, e na zona do Grande Porto, foram assinaladas cerca de 40 ocorrências semelhantes de quedas de árvores.” (32º)
Ao fundamentar a sua convicção, a Mma. Juíza a quo escreveu o seguinte: “Quanto à ocorrência de outras situações semelhantes na zona do Porto (alegadas nos art.º s 31º e 32º da contestação), não se considerou suficiente a prova produzida: por um lado, quer a notícia de jornal de fls. 61/62, quer a referência no relatório da Divisão de Parques e Jardins da CM…, por seu turno, referido no despacho de arquivamento do processo criminal, de que “foram assinaladas várias ocorrências de quedas de árvores em situações similares de gestão municipal e privada (cerca de 40)”, constituem mera prova indirecta, para além de não individualizarem qualquer ocorrência semelhante à dos autos no Porto. Ora estes dois meios de prova indirectos, a que poderia, não obstante, ser reconhecido valor de indício no sentido da ocorrência de tais factos, não foram confirmados por qualquer outro meio de prova produzido (por exemplo, mediante informação certificada emitida pelos serviços de bombeiros ou de protecção civil ou PSP, etc, concretizando as situações de intervenção em casos idênticos ao dos autos no dia em causa na cidade do Porto…), não podendo como tal ser considerada a mera referência, feita pelas testemunhas, ao mau estado do tempo no dia em questão, nem pode ter-se este facto conhecido (o mau estado do tempo) como suficiente para afirmar, por presunção judicial, o facto (desconhecido) da ocorrência de outras situações semelhantes na cidade do Porto. Sucede ainda que embora G… tenha declarado que veio, mais tarde, a saber que tinha caído uma outra árvore, mais pequena, numa rua perto do local (embora sem provocar ferimentos), quanto a este ponto, já o depoimento de H… aponta em sentido contrário, pois o mesmo, tratando-se de agente da PSP, declarou que, tanto quanto se lembrava, essa foi a única queda de árvore em que interveio nesse dia.”
A recorrente funda a sua discordância no depoimento da testemunha G… e nos documentos juntos a folhas 61 e 62 (fotocópia de notícia de jornal), a folhas 420 a 425 (despacho de arquivamento do inquérito aberto na sequência do óbito do familiar dos autores) e a folhas 439 a 451 (informação da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal …).
No que concerne à testemunha G…, lendo a acta da sessão da audiência de julgamento em que o seu depoimento teve lugar, verifica-se que para além de a testemunha ter sido arrolada pelos autores e não pela ré [o que não seria impeditivo da consideração do seu depoimento em virtude do disposto no artigo 515.º do antigo Código de Processo Civil[1] - então vigente; hoje o artigo 413.º do novo Código de Processo Civil -, que manda tomar em consideração todas as prova produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las], a testemunha não foi indicada à matéria dos artigos 31.º e 32.º da contestação ora mencionados pela recorrente, mas apenas aos factos dos artigos 1º a 12º da petição inicial, 29º e 30º da contestação (!).
Ora uma vez que à data existiam limites estreitos ao número de testemunhas que poderiam depor sobre o mesmo facto e que cabia à parte que arrola a testemunha decidir sobre que matéria pretendia que cada testemunha prestasse depoimento, precisamente para respeitar esse limite (artigos 634.º e 638.º[2] do antigo Código de Processo Civil), resulta que não tendo a testemunha sido indicada para depor à matéria dos artigos 31.º e 32.º da contestação, o seu depoimento não pode ser usado para prova destes factos. O mesmo vale, aliás, em relação à testemunha H…, agente da PSP, também indicado pelos autores e ouvido sobre outra matéria de facto que não a agora em causa, cujo depoimento é referido na motivação da decisão da matéria de facto para afastar, sem necessidade, como vimos, o depoimento de G…[3].
Por conseguinte, dos meios de prova citados pela recorrente para justificar a alteração da decisão restam aproveitáveis os documentos juntos. O documento de folhas 61 e 62 foi junto pelos autores com a petição inicial e constitui uma fotocópia de uma notícia de jornal, não se percebendo nem o jornal nem a data de publicação, referindo os autores que se trata do I… de 17.02.2011 (facto que curiosamente foi impugnado pela ré que agora pretende prevalecer-se do documento). Nessa notícia que tem como título principal “Mau tempo mata homem” e título secundário “Temporal deixou rasto de destruição. Situação mais grave ocorreu no Porto”, refere-se o seguinte: “O mau tempo que ontem se fez sentir de norte a sul do País, com chuva e ventos fortes, provocou cortes de estradas, quedas de árvores e danos em habitações e viaturas. O acidente mais grave aconteceu na zona industrial do Porto, onde uma árvore caiu em cima de um carro, matando o condutor”. A seguir a notícia relata eventos em diversas localidades do país.
O documento de folhas 420 a 425 é uma fotocópia do despacho de arquivamento do inquérito aberto na sequência do óbito do familiar dos autores) e a folhas 439 a 451 (informação da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal …).
No despacho de arquivamento do inquérito a Exma. Procuradora Ajunta afirma a dado passou ter solicitado e ter obtido informações da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal … e do Instituto de Meteorologia. Quanto à primeira dessas entidade refere que esta informou que a queda da árvore se terá devido a um conjunto de vários factores, como as características do lenho da espécie, as vicissitudes do seu desenvolvimento em espaço urbano e as condições climatéricas difíceis (vento e chuva forte), tendo acrescentado que “foram assinaladas várias ocorrências de quedas de árvores em situações similares de gestão municipal e privada (cerca de 40)”.
No que concerne ao Instituto de Meteorologia refere-se no despacho que este informou “que na cidade do Porto, no dia 16 de Fevereiro de 2011, o vento tenha soprado moderado a forte (20 a 45 km/h) de sudoeste, com rajadas; a intensidade máxima instantânea do vento tenha atingido valores de 80 a 90 km/h durante a tarde e a noite; tenham ocorrido aguaceiros fortes de madrugada e a quantidade de precipitação acumulada durante esse dia tenha sido de 28 a 32 mm; a quantidade máxima de precipitação em 10 minutos tenha atingido valores de 6 a 8 mm durante a madrugada; entre as 13:00 e as 16:00 horas do referido dia o vento tenha soprado forte (36 a 45 Km/h) de sudoeste, a intensidade máxima instantânea do vento tenha atingido valores de 80 a 90 Km/h, tenham ocorrido aguaceiros fracos e a quantidade de precipitação acumulada durante essas horas tinha sido da ordem dos 3 mm”.
Finalmente, temos a informação da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal … de folhas 339 a 451 cujo conteúdo coincide com o assinalado no despacho de arquivamento, ou seja, menciona que a queda da árvore se terá devido a um conjunto de vários factores, como as características do lenho da espécie, as vicissitudes do seu desenvolvimento em espaço urbano e as condições climatéricas difíceis (vento e chuva forte), e acrescenta que “foram assinaladas várias ocorrências de quedas de árvores em situações similares de gestão municipal e privada (cerca de 40)”.
Ao contrário do que foi entendido em 1.ª instância, afigura-se-nos que não devem ser colocadas reticências sobre o valor probatório destes documentos e aquilo que os mesmos revelam. Com efeito, uma vez que a informação do Instituto Nacional de Meteorologia, que é a entidade com conhecimento e competência para a prestar com rigor, dá conta de condições meteorológicas especialmente adversas e perfeitamente compatíveis com ocorrências relacionadas com quedas de árvores (como confirma a notícia, aludindo a diversas zonas do país) e estruturas de outra natureza, não encontramos razão para não acolher a informação da Divisão Municipal de Parques e Jardins da Câmara Municipal … e, tão pouco, para não a considerar suficiente e exigir que a mesma fosse confirmada por outras fontes.
Todavia, uma vez que essa informação nada menciona de concreto quanto aos locais onde ocorreram as quedas de árvores e que a menção a que algumas delas terão ocorrido em terrenos particulares (situações em que podemos presumir que a Divisão não terá tido intervenção directa e das quais pode por isso também não ter conhecimento directo) não exclui que isso possa ter ocorrido mesmo fora do âmbito territorial de intervenção da divisão (o município), afigura-se-nos que a decisão não pode ser totalmente coincidente com o alegado.
Cabia à ré, vinculada como estava ao ónus de demonstrar estes factos, o dever de suprir as insuficiências do documento e de diligenciar pela junção de documento[4] ou prestação de depoimento esclarecedores, sendo certo que sabia à partida da relevância destes factos por si alegados e, portanto, se exigia algo mais do que esperar pelo sucesso do esforço probatório da outra parte a quem tais factos não aproveitavam.
Nessa medida, julga-se provada apenas mais a seguinte matéria de facto:
- A ocorrência nesse local não foi caso isolado. (resposta positiva ao artigo 31.º da contestação)
- Naquele dia, ocorreram cerca de 40 outras situações de quedas de árvores. (resposta positiva parcial ao artigo 32º)

V. [da matéria de facto definitivamente fixada]:
1. No dia 16/02/2011, pelas 14.15h., F… conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-..-IF, pela Rua …, no Porto, no sentido Norte-Sul na respectiva hemi-faixa de rodagem da direita.
2. Parou momentaneamente no entroncamento com a Rua …, para onde pretendia mudar de direcção à esquerda.
3. Nesse momento, em que não chovia, o veículo foi atingido por uma árvore de grande porte, que se encontrava plantada num jardim contíguo, adjacente ao entroncamento.
4. A faixa de rodagem no local do acidente tem uma largura de cerca de 5 metros e comporta duas vias de trânsito, uma em cada sentido.
5. O piso era e é empedrado e encontrava-se seco e em estado regular de conservação.
6. Como consequência do abatimento da árvore sobre o ..-..-IF, esta atingiu o F…, o que lhe provocou as lesões corporais de natureza traumática descritas no relatório de autópsia, as quais são consistentes com violento traumatismo de natureza contundente, o que foi causa directa e adequada para a sua morte.
7. A árvore em questão tinha cerca de 20 metros de altura e tinha uma idade superior a trinta e cinco anos.
8. A árvore fracturou a cerca de 1 (um) metro da base do tronco.
9. Junto à árvore existiam (e existem) dois respiradores em betão armado de uma central eléctrica da EDP, construídos debaixo da mesma.
10. À data de 16/02/2011 o F… exercia actividade de sócio gerente da sociedade comercial por quotas denominada “J…, Lda.”, pelo que auferia a importância mensal de € 997,60.
11. O malogrado F… nasceu em 16/09/1939.
12. Era casado com a A. B… e pai dos AA. C… e D….
13. Os aqui AA. são os únicos e universais herdeiros do F….
14. À data do sinistro a responsabilidade civil emergente da circulação do ..-..-IF encontrava-se transferida para a R. através da apólice n.º …………./..
15. Tal apólice abrangia igualmente o risco de morte ou invalidez permanente do seu condutor habitual, o malogrado F….
16. Tal responsabilidade facultativa encontrava-se limitada ao montante de capital de €13.000,00.
17. A responsabilidade civil facultativa abrangia igualmente a modalidade de protecção jurídica.
18. Os AA. suportarão, em consequência do presente pleito, quantia não concretamente apurada de honorários ao seu mandatário judicial e de despesas.
19. A Seguradora R. celebrou com a “J…, Lda.” o sobredito contrato de seguro e procedeu à emissão da respectiva apólice, destinada a titular a vigência do mesmo no período compreendido entre 28/03/2010 a 28/03/2011 (Doc. n.º 1, junto à contestação, que se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
20. O contrato de seguro celebrado entre a Segurada e a Seguradora R. decompõe-se em “Condições Gerais” “Especiais” e “Particulares”.
21. As “Condições Gerais” representam a proposta de contratação uniformemente oferecida pela Seguradora R., e que é modelada para cada Apólice através das “Condições Especiais e Particulares”, através das quais se excluem, incluem ou alteram aquelas.
22. De acordo com as exclusões gerais do seguro facultativo de automóvel, previstas no artigo 41º da apólice de seguro do ramo automóvel, excluem-se também, em relação a todas as coberturas do seguro facultativo, qualquer dano ocorrido nas seguintes situações: (…)
j) fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza, excepto quando contratadas as coberturas de riscos catastróficos (CE06) ou de grandes danos (CE07) (Doc. n.º 2, junto à contestação, que se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
23. As coberturas de riscos catastróficos ou de grandes danos não foram contratadas, o que decorre da respectiva ausência da contratualização expressa no campo próprio.
24. Em acidentes do condutor/segurado (Condição Especial 14, página 35), estão os danos igualmente excluídos, por força das exclusões previstas no artigo 5º dessa mesma cobertura, remetendo também para as exclusões gerais previstas no artigo 37º (páginas 36 a 38).
25. Conforme decorre do estatuído no artigo 4º da Condição Especial 16 – PROTECÇÃO Jurídica, pág. 39: “Para além das exclusões gerais previstas no artigo 37º (págs. 38 a 41), esta cobertura não garante em caso algum: (…)
f) custos com as acções litigiosas entre qualquer das Pessoa(s) Segura(s) e a Seguradora, sem prejuízo do disposto no art. 5º (pág. 40). (…).”
26. Na cidade do Porto, no dia 16/02/2011, e pelas 14,25 horas, o malogrado F… conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca Renault, modelo …, matrícula ..-..-IF, quando circulava pelo entroncamento formado entre a Rua … e a Rua …, tendo sido atingido por uma árvore que tombou, fruto, pelo menos, em parte das condições climatéricas gravosas que no momento de faziam sentir.
27. Naquela altura, designadamente no dia e hora deste trágico acontecimento, o estado do tempo na cidade do Porto era mau, com alguma chuva (esta, porém, não no momento exacto da queda) e ventos fortes (36 a 55 Km/h) de sudoeste, com rajadas, sendo a intensidade máxima instantânea de, aproximadamente, 80/90 Km/h.
28. Nesse dia ocorreram aguaceiros fortes de madrugada, de tal forma que a quantidade de precipitação acumulada durante esse dia foi a de 28 a 32 mm.
29. O local em questão – zona verde – havia sido inspeccionado em 09 de Fevereiro de 2011.
30. Nessa data, não foi detectada qualquer situação anormal que exigisse intervenção do departamento camarário competente.
31. Em 21/02/2011, a segurada “J…, Lda.” participou à Seguradora R. um acidente de viação ocorrido com o falecido F….
32. Tendo sido dada resposta à pretensão dos AA., mediante comunicação enviada ao mandatário, declinando a responsabilidade, por a ré considerar que este trágico acontecimento não se encontrava garantido pelas coberturas da presente apólice.
33. A ocorrência nesse local não foi caso isolado.
34. Naquele dia, ocorreram cerca de 40 outras situações de quedas de árvores.

V. [matéria de direito]:
A recorrente defende, desde a sua contestação, que o dano sobrevindo ao familiar dos autores não se encontra compreendido na cobertura do seguro consigo celebrado, uma vez que no caso esse dano sobreveio em resultado de “fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza” os quais só estariam cobertos se tivesse sido contratada a cobertura de riscos catastróficos, o que não sucedeu.
Ficou com efeito demonstrado que estão excluídos de todas as coberturas do seguro facultativo, quaisquer danos resultantes de “fenómenos sísmicos ou meteorológicos, inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza, excepto quando contratadas as coberturas de riscos catastróficos (CE06) ou de grandes danos (CE07)” e bem assim que efectivamente as coberturas de riscos catastróficos ou de grandes danos não foram contratadas.
Refira-se que na sentença recorrida se localiza essa exclusão no artigo 41.º, alínea j), das condições gerais do contrato, localização que a recorrente contesta, considerando que se trata de mero lapso, já que a exclusão consta sim do artigo 37.º das mesmas condições gerais. Esta confusão advém do facto de a recorrente ter juntado em momento diferentes do processo dois exemplares das condições do contrato que possuem numeração e conteúdos parcialmente diferentes (!).
O exemplar junto com a contestação, para que se remete na matéria de facto, contém efectivamente a previsão das exclusões das coberturas no artigo 37.º, como refere a recorrente; contudo, no exemplar junto pela ré na sessão da audiência de julgamento de 09.05.2013 e junto a folhas 401 e seguintes, essas exclusões já constam do artigo 41.º, como menciona a Mma. Juíza a quo, que se terá guiado por este atenta a dificuldade de leitura do anterior.
Uma vez que lendo ambos os documentos se detecta que os artigos relevantes para efeitos da acção têm o mesmo conteúdo, essa relativa indefinição sobre as condições gerais do contrato não tem consequências e pode aqui se desprezada.
Como se referiu na decisão recorrida e a recorrente aceita, tudo está em saber o que se deve entender por “fenómenos meteorológicos” ou “outras convulsões violentas da natureza”. As condições gerais do contrato não contêm uma definição para estes conceitos usados na apólice. Mas contêm a seguinte definição de “riscos catastróficos”[5]: “Tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada) ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios, objectos ou árvores num raio de 5 kms em redor do automóvel seguro”[6].
Em boa lógica, designadamente interpretativa, parece que se deve entender que se os danos resultantes de fenómenos meteorológicos deixam de estar excluídos do contrato quando tenha sido contratada a cobertura de riscos catastróficos, então esta cobertura visa precisamente cobrir aqueles danos, ou seja, os danos estarão excluídos da cobertura do seguro se tiverem sido resultado do que se designou por “riscos catastróficos” (não contratada) e estarão incluídos por essa cobertura se o que os provocou não se enquadrar nessa definição.
Diz-nos a matéria de facto que o familiar dos autores faleceu em consequência das lesões traumáticas que lhe foram causadas pela queda de uma árvore de grande porte, plantada junto da via onde se encontrava a circular.
A queda dessa árvore foi provocada, pelo menos em parte, pelas condições climatéricas gravosas que no momento se faziam sentir, sendo que no dia e hora em que ocorreu a queda a cidade do Porto era atingida por ventos fortes (36 a 55 Km/hora) de sudoeste, com rajadas, sendo a intensidade máxima instantânea de, aproximadamente, 80/90 Km/hora.
Resultou ainda provado que a queda desta árvore não foi caso isolado e que nesse dia ocorreram cerca de 40 outras situações de quedas de árvores.
A pergunta que se coloca é se este quadro factual preenche a definição contratual de riscos catastróficos, ou seja, se estamos perante “tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada) ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios, objectos ou árvores num raio de 5 kms em redor do automóvel seguro”.
A nossa resposta, adiantamo-lo já, é negativa, tal como foi entendido na doutra decisão recorrida.
A definição em causa compreende várias realidades, sendo que para além de não existirem nos autos elementos para a sua classificação como tal, também nunca foi defendido nos autos que a situação se pudesse caracterizar como um tufão, ciclone ou tornado, conceitos que são científicos e possuem elementos caracterizadores perfeitamente definidos que não foram, em momento, algum invocados ou demonstrados.
Mas o evento já se enquadra perfeitamente no conceito de “acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada) ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos”.
Sucede que a definição do contrato exige ainda que “a sua violência destrua ou danifique vários edifícios, objectos ou árvores num raio de 5 kms em redor do automóvel seguro”. Trata-se, a nosso ver, de um requisito cumulativo com os demais, como resulta claramente do emprego da expressão “sempre que…”, que tem o significado “desde que…” ou de “quando…”.
Este requisito tanto vale para a “acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada)” como para o “choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos”, uma vez que a distinção entre estas realidades tem apenas a ver com o efeito directo/indirecto entre a acção do vento e os danos. A primeira situação reporta-se aos casos em que é o vento provoca directamente o dano, a segunda aos casos em que o dano advém directamente do impacto de objectos arremessados ou projectados pelo vento e apenas indirectamente deste. Não são, pois, em rigor, realidades completamente distintas ao nível da relação de causalidade entre o evento e o dano, fazendo todo o sentido que o requisito cumulativo se aplique a ambas. Muito embora na conclusão 29 a recorrente afirme defender uma interpretação não coincidente com esta, certo é que deixa por explicar qual a interpretação de defende e como a alcança.
Sendo assim, para que esteja verificada a situação que geraria a exclusão da cobertura pelo contrato de seguro do dano ocorrido é indispensável que possamos afirmar que se tratou de um dano resultante da acção directa de ventos fortes (com velocidade superior a 80 km/hora em contínuo ou em rajada) ou do choque de objectos arremessados ou projectados pelo ventos, e que a violência dos ventos tenha destruído ou danificado vários edifícios, objectos ou árvores num raio de 5 kms em redor do automóvel seguro.
A primeira dessas situações está, como já vimos, demonstrada. Todavia, a segunda não ficou demonstrada. Com efeito, provou-se apenas que a queda desta árvore não foi caso isolado e que nesse dia ocorreram cerca de 40 outras situações de quedas de árvores. Mas já não se provou que essas outras quedas de árvores ocorreram no perímetro assinalado no contrato (raio de 5 kms em redor do automóvel seguro). Logo não se provou a situação que faria excluir o dano da cobertura do seguro.
Refira-se, para terminar, que ainda que assim não fosse, haveria que discutir se a exclusão apenas tinha lugar se a queda da árvore que gerou o dano resultasse exclusivamente da acção dos ventos. Com efeito, o que ficou provado foi apenas que a queda da árvore se deveu, pelo menos em parte, à acção do vento, no que está compreendida a não prova da inexistência de outras causas para além do vento (como as condições fitossanitárias do tronco da árvore).
Sendo o contrato de seguro um contrato de risco e servindo as causas de exclusão da sua cobertura para delimitar o âmbito do risco assumido pela seguradora, parece dever entender-se que a causa de exclusão só funciona em relação a danos cuja única causa seja a prevista na disposição que a preveja, já que se o dano tiver resultado também de outra causa e esta já estiver compreendida no risco contratual não se vê como afastar a responsabilidade da seguradora pela totalidade dos danos.
Em suma, não há porque alterar a douta decisão recorrida, razão porque improcede o recurso.

VI.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em (i) rejeitar a junção dos documentos apresentados pela recorrente com as alegações de recurso; (ii) alterar a decisão da matéria de facto no sentido acima assinalado; (iii) julgar, no mais, o recurso improcedente, confirmando a douta decisão recorrida.
Condena-se a recorrente nas custas do incidente relativo aos documentos com 2 UC de taxa de justiça e na totalidade das custas do recurso (tabela I-B).
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Porto, 11 de Setembro de 2014.
Aristides Manuel Rodrigues de Almeida (Relator; Rto157)
José Amaral
Teles de Menezes
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[1] “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”
[2] Dizia o n.º 1 do artigo 638.º do antigo Código de Processo Civil que “A testemunha é interrogada sobre os factos que tenham sido articulados ou impugnados pela parte que a ofereceu, e deporá com precisão, indicando a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos; a razão da ciência invocada será, quanto possível, especificada e fundamentada.”. Agora o artigo 516.º do novo Código dispõe o seguinte: “1- A testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova, indicando a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento; a razão da ciência invocada é, quando possível, especificada e fundamentada. 2 - O interrogatório é feito pelo advogado da parte que ofereceu a testemunha, podendo o advogado da outra parte fazer-lhe, quanto aos factos sobre que tiver deposto, as instâncias indispensáveis para se completar ou esclarecer o depoimento”. Como se vê, a parte que arrolou a testemunha continua a poder delimitar o depoimento, a parte contrária apenas pode formular perguntas destinadas a completar ou esclarecer o depoimento quanto aos factos sobre que a testemunha depôs a instâncias da parte que a arrolou.
[3] Refira-se de todo o modo que, conforme resulta logo da transcrição do depoimento nas alegações, o depoimento da testemunha é absolutamente vago e desprovido de razão de ciência, não tendo a testemunha revelado nada que tenha presenciado mas feito apenas referências vagas e inseguras ao que ouviu dizer ou segundo dizem, pelo que em circunstância alguma podia ser tido como prova judicial suficiente dos factos em causa.
[4] Refira-se que o documento que a recorrente pretendia juntar, caso fosse admitido, também não permitiria suprir esta falha de informação uma vez que para além de mencionar apenas 15 ocorrências (e não 40 como informa a Câmara, sendo que por ser significativa a diferença faz temer pelo rigor das informações), em 10 a descrição é apenas de “queda de estruturas” e nas restantes 5 somente “queda”, pelo que o documento não esclarece se está a referir-se a quedas de árvores (que é, note-se, o que vem alegado pela ré e, portanto, aquilo que podia ou não ser julgado provado), ou a outras infra-estruturas urbanas, como telhados, caleiras, muros, paredes, mobiliário urbano, etc.
[5] A definição de “grandes danos” que é uma cobertura associada à dos “riscos catastróficos” e que também conduziria à cobertura dos danos resultantes de “fenómenos meteorológicos” não tem interesse para o caso uma vez que se reporta à exclusivamente à cobertura de danos no veículo e não dos danos pessoais do condutor que são os únicos que aqui estão em causa.
[6] Após esta alínea seguem-se várias outras com descrição de outros eventos que não interessam para o caso.