Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3208/10.7TXPRT-V.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: LIBERDADE PARA PROVA
NULIDADE
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP201604273208/10.7TXPRT-V.P1
Data do Acordão: 04/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 998, FLS.187-196)
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão que aprecia o da aplicação do regime de liberdade para prova( artºs 158 a 162º CEPML) constitui um complemento da sentença condenatória em execução, sendo-lhe aplicáveis os requisitos formais e a matéria das nulidades específicas dos artºs 379º e 380 CPP.
II - Ocorre nulidade por omissão de pronuncia se a decisão não aprecia, no sentido da sua valorização ou desvalorização, as declarações do arguido/internado, com vista à decisão proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 3208/10.7TXPRT-V.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de recurso em separado relativos a internamento do Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execuções do Porto, por sentença de 27/11/2015, foi negada a liberdade ao aqui recorrente/internado B…, com os demais sinais dos autos, mantendo-o na situação de execução de medida de segurança de internamento em que se encontra, aplicada no NUIPC 214/05.7GAARC do extinto TJ Arouca actual TJ Comarca Aveiro – Santa Maria da Feira – IC, 2.ª SCr J3, a qual se mantém pelo período legal de dois (2) anos – Art.ºs 91.º, n.º 2, 92.º, n.ºs 1 a contrario e 93.º, todos do Código Penal vigente, a contar de 27/11/2015. Mais foi determinado fixar, pela mesma sentença, que, sem prejuízo do n.º 1 do Art.º 93.º do Código Penal, opera nova revisão no período legal de 2 anos sobre a decisão que mantém o internamento, ou seja, em 27/11/2017 (cfr. Art.º 93.º, n.º 2 do Código Penal), sem prejuízo de alteração desta data no caso de recurso improcedente, caso em que será a data que se vença 2 anos sobre essa decisão que será de considerar.
Inconformado, recorre o dito internado, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
1. A decisão recorrida enferma do vício de nulidade previsto no art.º 379 n.º 1a) do C.P.P, porquanto deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar ou conheceu de questões que não podia tomar conhecimento.” Mais violou o preceituado no art.º 504 n.º 3 e 508 n.º 4 do C.P.P.
2. O Julgador “a quo” inscreveu no relatório da decisão: “ Não se procedeu à audição do internado (atendendo ao teor do relatório pericial com indicação de juízo negativo sobre a capacidade para prestar declarações).”
3. Ora, do teor do relatório pericial resulta claro e inequívoco na última linha do documento e sob o ponto 3 (três) das conclusões que: “Pode Prestar Declarações”.
4. Aqui chegados nada impedia que o internado fosse ouvido nestes autos de revisão da medida de internamento, como aliás assim sucedeu.
5. O Meretíssimo Juiz “a quo” designou o dia 19 de Outubro, pelas 9:30h no EP de afetação, in casu, na Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de C…, audição na qual esteve presente o internado, acompanhado do seu mandatário.
6. A decisão recorrida omitiu claramente as declarações prestadas pelo internado no dia agendado para o efeito, como se as mesmas não tivessem ocorrido, como se o internado não tivesse sido ouvido, mas mais grave ainda, como se não tivesse condições para as prestar, o que pelas razões supra melhor explanadas assim não sucede.
7. E se é verdade que ao juiz cabe, dentro do poder de discricionariedade de que dispõe, analisar todas as provas e decidir em consciência, valorando umas em detrimento das outras, é igualmente verdade que as declarações prestadas pelo internado na revisão da medida de internamento são importantes e pertinentes na tomada de decisão e deveriam nela ser repercutidas, sob pena da mesma ser nula como sucede, nulidade que se invoca nos termos do preceituado no art.º 379 n.º 1 al) c do C.P.P.
SEM PRESCINDIR,
8. A decisão recorrida padece de Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410 n.º 2 c) do C.P.P
9. Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” retirou da prova produzida a manutenção integral do estado de perigosidade do internado, o que pelas razões que ao diante melhor se explanarão não poderia ser retirada, incorrendo por isso em erro notório na apreciação da prova. Vejamos,
10. Na motivação dos factos com relevo para a decisão a proferir o Tribunal “a quo” valorou em particular a Certidão da decisão condenatória, Certidão da liquidação da medida de segurança, CRC (ou referência em sede de decisão condenatória do condenado Print do SIP do Condenado.
11. Sendo que da análise dos mesmos resulta inequivocamente que:
• Por decisão proferida em 02/11/2006 no âmbito do processo 214/05.7GAARC do extinto Tribunal Judicial de Arouca foi o internado declarado inimputável perigoso e viu ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento pelo período mínimo de 3 anos e máximo de 10 anos.
• O internamento teve início em 23 de Novembro de 2006, sendo que o internado esteve sujeito a prisão preventiva desde Outubro de 2005.
• Gozou de uma Licença em 26 de Fevereiro de 2007, da qual não regressou, sendo recapturado em 21 de Janeiro de 2009.
• O limite mínimo fixou-se então em 08/08/2010 e o máximo atingir-se-á em 08/08/2017.
• Em 11 de Junho de 2013 foi-lhe negada a liberdade para prova.
• O internado não tem outros antecedentes criminais.
• Para além da licença que lhe foi concedida em 26 de Fevereiro de 2007, o internado não gozou de qualquer outra licença de saída jurisdicional.
• Encontrando-se ininterruptamente internado na Clínica de Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de C… desde 21 de Janeiro de 2009, ou seja há 6 (seis) anos, 10 (dez) meses e 20 ( vinte ) dias, sem usufruir de qualquer licença de saída jurisdicional, sem fazer uma aproximação gradual à vida em sociedade e à sua reintegração como assim apontava o Plano terapêutico elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 128 do CEP e homologado pelo Tribunal “a quo”, constante do apenso K destes autos e datado de 06/09/2012 e que referia expressamente que: “Deverá ser programada aproximação gradual à comunidade, apoiada por voluntários, ou em ações programadas no estabelecimento, iniciando-se eventuais concessões de licença de saída por algumas horas”

12. Mas o julgador valorou também o Relatório de perícia psiquiátrica; Relatório da DGRS sobre a análise do enquadramento sócio - familiar e profissional do internado e a avaliação das suas perspetivas e necessidades de reinserção social; relatório de avaliação sobre a evolução clínica e comportamental do internado.
13. Importa agora aferir se cessou ou não o estado de perigosidade criminal do internado nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 92 n.º 1, mas também se houve alteração para efeitos do art.º 94 do Código Penal por forma a permitir que o internado possa beneficiar do regime de liberdade para prova, sendo para tal necessário que atentemos no teor do relatório de perícia psiquiátrica que nas suas conclusões diz o seguinte:
• “ 1- O Examinando B… padece de Atraso Mental Ligeiro e de Personalidade do Tipo Esquizóide; mantêm ideação delirante residual de natureza persecutória e auto-referencial.
• “2 – À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade, por se encontrar compensado dos seus surtos psicóticos e de cumprir com a medicação com rigor no ambiente institucional protegido onde se encontra internado. A sua perigosidade potencial em meio «livre» não é de negligenciar, pelos antecedentes do examinando, pela debilidade intelectual de que enferma e ausência de suporte e retaguarda familiar adequado.
• “… poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos, o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento regular em consulta de psiquiatria, fundamentais para que se mantenha compensado.”
14. Pese embora se refira expressamente à perigosidade potencial abstrata em meio livre, certo é que refere o facto de B… não apresentar à data sinais de perigosidade que indiciem perigosidade por se encontrar compensado e aponta claramente que o internado poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento regular em consulta de psiquiatria, fundamentais para que se mantenha compensado.
15. A decisão recorrida retirou do relatório, tão só, conclusões como aquelas que se encontram vertidas nos pontos 10 e 11 dos factos com relevo dados como provados: “Face à personalidade que apresenta potencia a retoma dos comportamentos dissociais tão logo obtenha liberdade, o que decorre das limitações intelectuais pessoais de que padece” e “ Mantêm-se a sua perigosidade latente, tal qual o quadro de inimputabilidade.”
16. Como se na verdade o relatório fosse omisso quanto à possibilidade de o internado beneficiar do regime de liberdade para prova, desde que cumpridos determinados requisitos, como se o documento não dissesse expressamente que: “À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade, por se encontrar compensado”.
17. Ao decidir valorar apenas frases avulsas do relatório de psiquiatria, o Tribunal “ a quo” não respeitou o princípio da unidade do documento, da mesma forma que não respeitou o princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade, enveredando pela manutenção do internamento “Tout Court” em detrimento do regime de liberdade para prova, com imposição dos requisitos necessários ao caso concreto.
18. É que, conforme assim refere (Cristina Líbano Monteiro em Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, p. 132) “… se uma medida menos gravosa serve de finalidade de proteção comunitária, a mais gravosa há-de considerar-se desnecessária.”
19. Como refere F. Dias [Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 446] “a matéria relativa à aplicação de medidas de segurança deve subordinar-se estritamente ao princípio da subsidiariedade: uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosos constituam uma proteção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.”
20. E mesmo que o Meretíssimo juiz “a quo” entendesse, como aliás assim sucedeu na decisão recorrida, que o estado de perigosidade se mantinha, sempre deveria ter enveredado pelo regime de liberdade para prova, porquanto o relatório de perícia para além de afirmar que “À data não apresenta sinais nem sintomas que indiciem perigosidade…”; afirma igualmente que: “poderá beneficiar de liberdade para prova se estiverem garantidos, o adequado enquadramento familiar, rigorosa supervisão pela equipa de reinserção social e do acompanhamento regular em consulta de psiquiatria, fundamentais para que se mantenha compensado.”
21. Impunha-se, pois por isso considerar que houve uma alteração do estado perigosidade que permite fazer uma aproximação à vida em sociedade dentro da tutela da execução da medida, impondo regras e supervisão estreitas, mas fazendo-o, tanto mais quanto o internado já cumpriu em absoluto cárcere 8 (oito) anos de internamento, sendo que nos últimos 6 (seis) anos e 10 (dez) meses não beneficiou de qualquer licença jurisdicional.
22. Ao decidir prorrogar a medida de internamento por mais dois anos, o Tribunal “ a quo” violou claramente o principio “in dúbio pro reo” constitucionalmente protegido, porque perante duas medidas possíveis que lhe são apresentadas pelo relatório de perícia optou, uma vez mais, escolher a mais gravosa, adiando a reintegração do agente em sociedade e a sua aproximação à vida familiar que são, como sabemos, finalidades essenciais das medidas de segurança.
23. Ao que acresce que, conforme refere Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, pág. 105:
“ Para as situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a execução da sanção, vale o instituto da liberdade para prova, um verdadeiro incidente da execução da medida de segurança de internamento.”
“Se da revisão da situação do internado resultar que há razões para esperar que a finalidade da medida de segurança possa ser alcançada em meio aberto, o internado é aí colocado pelo Tribunal (art.º 94, n.º 1 do C.P e 504, n.º 1, 2, 3 e 4 do C.P.P)”
Acrescenta ainda a Autora:
“Pressuposto material da colocação em liberdade para prova é, por conseguinte, a subsistência do estado de perigosidade criminal que deu origem à medida de segurança, podendo no entanto, a finalidade preventivo-especial da sanção ser alcançada em meio aberto. Desta forma dá-se concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente em sociedade.”
24. Destarte, a dois anos do limite máximo de internamento que foi fixado ao internado (10 anos) e sem prejuízo de eventual aplicação futura do preceituado no n.º 3 do art.º 92 do Código Penal, dispunha o Tribunal “a quo” na perícia realizada ao internado de elementos suficientes para decidir aplicar-lhe, pelo menos, o regime de liberdade para prova previsto no art.º 94 do C.P.
25. Ao decidir manter o internamento por mais 2 (dois anos), a decisão recorrida violou claramente o preceituado no art.º 94 n.º 1 do C.P e 504, n.º 1, 2, 3 e 4 do C.P.P, mas violou ainda o principio da subsidiariedade, o princípio da proporcionalidade e o princípio constitucional “in dúbio pro reo”, pelas razões que se vêm de expor.
26. O Julgador incorreu em erro notório na apreciação da prova, porquanto a perícia não lhe permitia retirar “tout court” e apenas a manutenção integral do estado de perigosidade do internado, muito menos porque a mesma aponta um caminho possível e bem diverso, o da liberdade para prova.
27. Conforme refere o sumário do Ac. Da Relação de Coimbra n.º 263/04 de 24/03/2004, proferido por unanimidade:
“A ideia de que a medida de internamento é fortemente nociva vem sendo consolidada nos últimos anos, pois que o internamento faz perder o contacto com a família e toda a realidade exterior.”
“A evolução dos psicofármacos permite crescentemente, quando não a cura, pelo menos, um cada vez maior controlo das doenças mentais.“
“O propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a intenção de segurança.”
28. Deve em sequência ser revogada a decisão e em sua substituição ser o internado colocado em regime de liberdade para prova, com as injunções necessárias, supervisão estreita e acompanhamento e tratamento em regime ambulatório no que concerne à doença de que padece.
SEM PRESCINDIR,
29. Afirma a decisão recorrida, sob o ponto 13 e 14 dos factos dados como provados o seguinte:
“Medicado, mantendo controlo familiar, psiquiátrico e assistido socialmente, a sua inimputabilidade com perigosidade de repetição de actos, fica atenuada pela compensação clínica.”
“Necessita de uma tutela efetiva e constante no controlo dos seus comportamentos e no cumprimento das prescrições clínicas”
30. Vejamos então o que nos diz o relatório de liberdade para prova sobre o suporte familiar apresentado junto dos primos D… e E…:
“O referido agregado familiar é constituído pelos primos, de 46 anos e agricultores; dois filhos do casal, de 26 e 18 anos, sendo que a primeira está na situação de desemprego e o segundo frequenta um curso profissional, e o companheiro daquela, de 27 anos, operário da construção civil.“
“Vivem numa moradia própria de construção antiga e com adequadas condições de habitabilidade e conforto. A habitação está inserida em meio rural, localizada numa freguesia próxima ao contexto de crescimento do internado, onde a mãe reside habitualmente. B… dispõe de um quarto que outrora foi ocupado por um elemento idoso da família.”
“A situação económica do agregado familiar é significativamente precária. Para além do ordenado de um dos elementos, D… (prima) e filha realizam cursos de curta duração, retirando algum provento económico desta atividade. Sobrevivem ainda dos recursos retirados da agricultura.”
“O progenitor, ao contrário da mãe, mantêm convívio regular com os primos do internado e mostrou-se disponível para contribuir e colaborar no seu bem-estar e despesas junto daqueles familiares, nomeadamente no que diz respeito aos custos inerentes à saúde. “ o progenitor dispõe de uma reforma de 380,00€ para encargos pessoais e visitas ao filho no Estabelecimento prisional.”
“Para além da experiência, por um ano, aproximadamente, na área da carpintaria, B… trabalhou essencialmente com os pais na agricultura. Sem que fosse adiantada alternativa laboral para o internado, cujo exercício regular estará sempre comprometido pelo seu estado de saúde, poderá apoiar a família no trabalho agrícola e criação de animais.”
“No meio de inserção, não existem constrangimentos nem atitudes de rejeição manifestas, existindo tolerância face à sua presença.”
“Os primos do B… desfrutam de imagem positiva na comunidade sendo salientadas as características de organização e recato.”
31. E na conclusão do referido relatório de liberdade para prova é expressamente referido o seguinte:
“B… apresenta problemática de saúde mental de evolução prolongada. Actualmente, submetido a tratamento psiquiátrico, tem apresentado estabilização clínica e comportamento globalmente ajustado”
“A nível familiar, as fragilidades inerentes às condições pessoais e logísticas dos pais comprometem a sua integração num dos dois agregados e consequentemente a supervisão desejada do comportamento do internado. Em Alternativa, os primos pretendem colmatar essa lacuna, disponibilizando-se a recebê-lo e a supervisionar o seu quotidiano. Contudo, atendendo aos constrangimentos económicos do agregado e os encargos com a eventual integração do internado no mesmo, a participação dos progenitores impõe-se como uma necessidade, situação a que o pai já manifestou estar disponível.”
32. Aqui chegados, não se compreende como a decisão recorrida retira deste relatório o facto dado como provado sob o ponto 16:
“O pai do internado, consciente dos constrangimentos que as suas actuações geram na necessária garantia de rectaguarda para acompanhamento e supervisionamento comportamental do internado em liberdade, de forma estudada, apresenta alternativa junto de familiares, alternativa esta nunca testada (mas em relação à qual o pai do internado apresenta regular convívio) mormente ao nível da dificuldade no controlo dos seus comportamentos.”
33. Como se o pai do internado fosse o causador de todos os males do mesmo, mas mais grave ainda, como se na realidade a disponibilidade dos primos do internado para o acolher e as suas condições para o efeito apontadas no relatório nada valessem, porque mesmo que se tratasse de quaisquer outras pessoas e nesta ótica, sempre seria uma solução estudada pelo pai e por isso inviável.
34. O que não se pode aceitar de todo por se tratar de um erro notório na apreciação da prova, porque tal revela uma apreciação ilógica, contrária às regras da experiência comum, arbitrária, insustentável e por isso incorreta.
35. Não é pelo simples facto de o pai do internado conviver com os familiares que se propõem a acolher e acompanhar o B… que pode o julgador daqui retirar que a solução foi estudada pelo pai, muito menos pode com base nessa interpretação decidir não atribuir credibilidade ao relatório de liberdade para prova sob as condições de que dispõem os primos D… e E… para efetivar na realidade tal acolhimento e supervisão.
36. Tal análise é arbitrária e contrária às regras da experiência comum.
37. Ao invés, da análise do relatório de liberdade para prova impunha-se que o julgador decidisse que os primos são de facto uma alternativa ao acolhimento junto dos pais, tanto mais quanto: “ Os primos do B… desfrutam de imagem positiva na comunidade sendo salientadas as características de organização e recato.”
38. E não colhe sequer o argumento de tal alternativa (junto dos primos) nunca ter sido experimentada, porque na realidade, no regime de liberdade para prova, e sob a tutela da execução da medida de internamento é possível impor regras de conduta, supervisão pela equipa de reinserção social, prova do acompanhamento psiquiátrico e clínico necessário e em última instância até a revogação desse mesmo regime, retomando o internado à clausura e ao regime fechado.
39. A decisão recorrida, para além do vício da nulidade que supra melhor se arguiu e explanou, sempre deverá ser revogada porquanto enferma do erro notório na apreciação da prova pelas razões que se vêm de expor, tendo violado claramente o art.º 94 n.º 1 do C.P e 504, n.º 1, 2, 3 e 4 do C.P.P e ainda o princípio da subsidiariedade, o princípio da proporcionalidade e o princípio constitucional “in dúbio pro reo”, pelas razões que se acham melhor descritas nestas motivações.
40. A Decisão recorrida enferma de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
41. Refere a decisão recorrida sob o último parágrafo da Motivação de Facto:
“De facto, a cessação do estado de perigosidade criminal é requisito essencial para que se mostre já legalmente possível a aplicação do regime de liberdade para prova – é o que decorre do art.º 92 n.º 1 do C.P. No presente caso inexiste essa exigida condição subjetiva, o que força a conclusão de que é exigível a manutenção (prorrogação) da medida de segurança, em regime de internamento, do inimputável.”
Analisando,
42. O Art.º 92 n.º 1 do Código Penal a que alude o julgador na motivação da decisão para não aplicar o regime da liberdade para prova não é a disposição legal aplicável ao regime da liberdade para prova, antes sim o art.º 94 do Código Penal, o que é manifestamente diferente.
43. É que na verdade o art.º 92 diz respeito à cessação e prorrogação do internamento e aí sim o estado de perigosidade ou cessou ou não cessou, com a consequência direta e prática da cessação ou não do internamento.
44. Já quanto ao regime da liberdade para prova previsto antes no art.º 94 do Código Penal, dispõe o seu n.º 1: “Se da revisão referida no artigo anterior resultar que há razões para esperar que a finalidade da medida possa ser alcançada em meio aberto, o tribunal coloca o internado em liberdade para prova.”
45. Não existe associado a esta disposição legal o requisito da cessação do estado de perigosidade do internado, pois que a liberdade para prova insere-se na execução da própria medida de segurança e é aplicável quando for de esperar que a finalidade daquela possa ser alcançada em meio aberto, “… impondo ao agente o cumprimento de regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de prestar exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sendo colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social.”( Cfr. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Set 2013, pág. 106.)
46. Acresce que, ao contrário da cessação do internamento “tout court”, previsto no art.º 92 n.º 1 do C.P em que o estado de perigosidade tem necessariamente de ter cessado para que haja uma libertação definitiva do internado, no regime da liberdade para prova, o internado fica vinculado ao cumprimento integral de todas as medidas e regras de conduta que o Tribunal vier a designar, sabendo de antemão que o seu não cumprimento poderá conduzir à revogação do regime de liberdade para prova e consequente retoma ao cárcere do internamento.
47. Conforme refere Maria João Antunes na mesma obra intitulada “ Consequências Jurídicas do Crime, da Coimbra Editores 2013, sob a pág 105: “Pressuposto material da colocação em liberdade para prova é, por conseguinte, a subsistência do estado de perigosidade criminal que deu origem à medida de segurança, podendo, no entanto, a finalidade preventivo-especial da sanção ser alcançada em meio aberto. Desta Forma dá-se a concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente em sociedade.”
48. Destarte, a decisão recorrida enferma de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, pois que o julgador, partindo de uma premissa errada juridicamente (“a necessidade da cessação do estado de perigosidade criminal é requisito essencial para que se mostre já legalmente possível a aplicação do regime de liberdade para prova – é o que decorre do art.º 92 n.º 1 do C.P”), decide não aplicar o regime de liberdade para prova ao internado. Em bom rigor, para além da disposição legal aplicável não ser a do art.º 92 n.º 1, antes sim a do art.º 94 do C.P, igualmente não é necessária, para a sua aplicação no imediato, a cessação do estado de perigosidade do internado, sendo antes pressuposto que subsista tal estado de perigosidade criminal na aplicação do Regime de Liberdade para Prova, conforme assim afirma a citação da Dr.ª Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do crime e descrita supra.
49. Deve por isso a decisão recorrida ser revogada.
Nestes termos e nos melhores que V.Ex.as Doutamente entenderem, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão recorrida e em sua substituição ser aplicado ao internado B… o Regime de Liberdade para Prova, assim se fazendo a mais recta e sã Justiça.
Na resposta ao recurso o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na íntegra, concluindo nos seguintes termos:
Em conclusão dir-se-á, pois, que também resulta do supra exposto que não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova, nem contradição entre a fundamentação e a decisão.
Daí que concordemos plenamente com a decisão de manutenção da situação de execução da medida de segurança aplicada em regime de internamento por mais 2 anos, tal como consta do Parecer previamente emitido.
Na verdade, foram devidamente ponderados o teor dos relatórios sociais, perícia psiquiátrica e demais elementos dos autos e, verificando que não estavam reunidas as necessárias condições para a sua colocação em liberdade para prova, o Mm.º Juiz a quo decidiu pela manutenção do seu internamento.
Deste modo, julgamos que a decisão recorrida fez uma adequada interpretação e aplicação dos arts. 91º e segs. do Código Penal, uma vez que o presente estado de perigosidade criminal do recorrente ainda não permite que as finalidades da medida de segurança possam ser alcançadas em meio livre, atenta a sua situação pessoal e condições do exterior, sendo, portanto, de manter a sua execução em internamento.
Nos termos expostos e nos demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, assim de fazendo Justiça.
Nesta sede o Ex.mo Senhor Procurador Geral-Adjunto, em parecer de 18/3/2016, defende a improcedência do recurso, remetendo para as alegações do Ministério Público em 1.ª instância e defendendo que ao se manter o estado de perigosidade criminal do internado se deve manter também a execução da medida de segurança aplicada em regime de internamento.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, as questões que importa resolver são a de saber: (i) se a sentença proferida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) se a mesma sentença incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova ou da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão; e (iii) se a mesma sentença de revisão do estado de perigosidade se encontra injustificada por violação dos princípios do in dubio pro reo, da subsidiariedade e da proporcionalidade, bem como dos Art.ºs 94.º, n.º 1, do Código Penal, e do Art.º 504.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do CPPenal, impondo-se que seja revisto ao internado o seu estado de perigosidade ao contrário do que considerou o tribunal de primeira instância.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida e na factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido e na sua fundamentação jurídica.
Assim, na decisão recorrida apresenta-se a seguinte fundamentação:
“Nada foi determinado para os termos do art. 158.º, n.º 2 b) do CEP).
A fls. 347 está junta a perícia a que alude o art. 158.º, n.º 2 a) do CEP, constando do mesmo a situação de capacidade do internado para prestar declarações (Medicina Legal).
A fls. 342 e 354 está junto o relatório a que alude o art. 158.º, n.º 3 a) do CEP (relatório da Equipa de Reinserção Social da DGRSP sobre a análise do enquadramento sócio-familiar e profissional do internado e a avaliação das suas perspectivas e necessidades de reinserção social).
A fls. 338 e 340 está junto o relatório a que alude o art. 158.º, n.º 3 b) do CEP (relatório do Estabelecimento de avaliação sobre a evolução clínica e comportamental do internado).
Não se procedeu à audição do internado (atendendo ao teor do relatório pericial com indicação de juízo negativo sobre a capacidade para prestar declarações).
Nada mais cumprindo determinar em termos de instrução foi cumprido o art. 160.º do CEP (notificação ao IDO/IM do internado, que alegou, vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da negação da LPP, seguindo-se contraditório legal, neste sem manifestação).
Não são conhecidas outras medidas de segurança a cumprir nem autos à ordem dos quais interesse a prisão preventiva ou o internamento preventivo.
O Tribunal é o competente. O processo é o próprio, sendo que se mantém a validade e regularidade da instância, não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentes de que cumpra de momento apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito presente da causa – apreciação da necessidade de manutenção(prorrogação)/cessação de regime de internamento – art. 92.º, n.º 3 do CP -.
2-Fundamentação:
2.1-Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como provados:
1. B…, por decisão de 2nov2006, proferida no NUIPC 214/05.7GAARC do extinto TJ Arouca actual TJ Comarca Aveiro – Santa Maria da Feira – IC, 2.ª SCr J3, em que se provaram a autoria de factos integrantes de cinco (5) crimes de homicídio qualificado, na forma tentada (art.s 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 d), 22.º, 23.º, 72.º, n.º 1 e 73.º, n.º 1 a) e b), todos do CP), dois (2) crimes de homicídio qualificado, na forma tentada (art.s 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 j), 22.º, 23.º, 72.º, n.º 1 e 73.º, n.º 1 a) e b), todos do CP), um (1) crime de dano com violência (art. 212.º e 214.º., n.º 1 a) do CP) e um (1) crime de detenção de arma (art. 6.º da L 22/97 de 27jun), praticados em 2out2005, foi declarado inimputável perigoso e viu ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento pelo período mínimo de 3 anos e máximo (prorrogável) de 10 anos.
1. O internamento teve início em 23nov2006, data do trânsito em julgado da supra referida decisão.
2. O internado esteve sujeito a detenção, seguido de m.c. privativa da liberdade, de forma ininterrupta, desde 2out2005 ([1]).
3. Gozou de uma LCD em 26fev2007, da qual não regressou, sendo recapturado em 21jan2009.
4. O limite mínimo ficou, assim, fixado para 8ago2010 e o máximo para 8ago2017.
5. Em 22dez2011 viu ser-lhe nagado indulto por S. Exa. o Sr. Presidente da República.
6. Em 11jun2013 viu ser-lhe apreciada LPP, com negação, com o que se conformou.
7. Não tem outros antecedentes criminais.
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8. Padece de Atraso Mental Ligeiro e de Personalidade do Tipo Esquizóide; mantem ideação delirante residual de natureza persecutória e auto-referencial.
9. Face à personalidade que apresenta potencia a retoma dos comportamentos dissociais tão logo obtenha liberdade, o que decorre das limitações intelectuais pessoais de que padece.
10. Mantém-se a sua perigosidade latente, tal qual o quadro de inimputabilidade
11. Não possui consciência da doença – anosognosia – e da necessidade de medicação regular [Não revela capacidade plena e duradoura para discernir sobre a sua doença e aceitar de forma reiterada o necessário tratamento psiquiátrico (em regime institucional e cumprindo terapêutica psicofarmacologica regular (mesmo vigorosamente medicado, mantém actividade delirante residual, ideação irrealista de autonomia e auto-suficiência) tem sido capaz de estruturar razoavelmente o seu comportamento; o conteúdo persecutório e auto-referencial encontra-se francamente esbatido pela medicação neuroléptica, instituída com rigor em ambiente institucional protegido; em liberdade, nada garante que não abandone a medicação, desestruture o comportamento e se revele incapaz de reger adequadamente a sua pessoa e governar os seus bens)].
12. Medicado, mantendo controlo familiar, psiquiátrico e assistido socialmente, a sua inimputabilidade com perigosidade de repetição de actos, fica atenuada pela compensação clínica.
13. Necessita de urna tutela efectiva e constante no controlo dos seus comportamentos e no cumprimento das prescrições clínicas.
14. Dispõe de visitas regulares paternais (pessoa associada à sua ausência ilegítima) e da mãe (menos regulares) no estabelecimento prisional.
15. O pai do internado, consciente dos constrangimentos que as suas actuações geram na necessária garantia de rectaguarda para acompanhamento e supervisionamento comportamental do internado em liberdade, de forma estudada, apresenta alternativa junto de familiares, alternativa esta nunca testada (mas em relação à qual o pai do internado apresenta regular convívio) mormente ao nível da dificuldade no controlo dos seus comportamentos.
16. Não se mostra, no momento presente, exequível a integração do arguido em qualquer outra instituição.
17. Não goza – desde 2009 - de medidas de flexibilização, mormente LSJ.
2.2-Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como não provados:
A. Inexiste.
Tudo o que em contrário com o dado como com relevo para a decisão a proferir se assuma, ou se trate de matéria de direito, instrumental ou conclusiva e, como tal, insusceptível de ser chamada à colação nesta sede.
2.3-Motivação dos factos com relevo para a decisão a proferir:
O dever constitucional de fundamentação dos despachos judiciais basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito em que assenta a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, exigindo, pois, a indicação dos meios de prova que serviram para formar tal convicção, como, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se forme em determinado sentido ou se valorem de determinada forma os diversos meios de prova apresentados nos autos. Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base nos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas constantes do quanto é o somatório factual inerente aos relatórios juntos aos autos, tudo em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam dos mesmos.
Valorou-se, em particular:
A) certidão da(s) decisão(ões) condenatória(s);
B) certidão da(s) liquidação(ões) de medida(s) de segurança;
C) CRC (ou referência em sede de decisão(ões) condenatória(s)) do condenado;
D) print do SIP do condenado;
E) relatório de perícia psiquiátrica (art. 158.º, n.º 2 a) do CEP).
F) relatório da DGRS sobre a análise do enquadramento sócio-familiar e profissional do internado e a avaliação das suas perspectivas e necessidades de reinserção social (art. 158.º, n.º 3 a) do CEP).
G) relatório de avaliação sobre a evolução clínica e comportamental do internado (art. 158.º, n.º 3 b) do CEP).
H) Alegação do internado, existindo, parecer do Ministério Público.
4-O Direito aplicável:
O facto típico e ilícito só configura a pratica de um crime caso o comportamento do agente seja passível de uma censura ético-jurídica, ou seja, de culpa. A culpa, aqui, é aferida como capacidade pessoal do agente de se autodeterminar e pautar a sua conduta de acordo com a ordem jurídica. Assim, a culpa é a autonomia ou liberdade e o discernimento ou inteligência que dão a possibilidade de o agente ter consciência da ilicitude do facto. Nesta medida, não são passíveis de culpa e, portanto, inimputáveis, os menores de 16 anos de idade e as pessoas que padeçam de uma anomalia psíquica ([2]) dado serem incapazes de, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. Por seu turno o art. 40.º, n.º 3 do CP prescreve que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente, assim se postulando o comando constitucional ínsito na conjugação dos art.s 18.º, 27.º e 30 da CRP.
Ora, não havendo pena sem culpa, como tal, os inimputáveis, por agirem sem culpa, não podem ser punidos. Como tal, mesmo que imperativos de prevenção o exigissem, ao inimputável apenas pode ser aplicada medida de segurança, v.g. o internamento, e mesmo esta reacção tão só vigora quando perigosidade do inimputável e as exigências de defesa social o imponham, não constituindo aquelas mecanismos de resposta directa a um facto típico e ilícito mas tão só a uma perigosidade de que esse facto poderá constituir um indício. Prevalece, assim a noção de que o internamento de inimputáveis impõe uma inter-ligação entre as medidas de segurança e o facto, sempre em termos de a gravidade do mesmo ser considerada na ponderação da perigosidade ([3]), excluindo-se a aplicabilidade do internamento de inimputáveis à prática, ainda que iterada, de nadas penais. Dai que a medida de segurança – assentando exclusivamente na perigosidade – é aplicada a quem, tendo cometido um facto ilícito, for considerado inimputável, sempre que, por virtude da anomalia e da gravidade do facto praticado, haja fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie ([4]).
Decretado o internamento e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 91.º do CP, este finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem ([5]). Ainda assim, e salvo o disposto no n.º 3 do art. 92.º do CP, o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, sendo a revisão da sua situação obrigatória decorridos dois anos sobre o início do internamento (ou da decisão que o tiver mantido), podendo a situação, em casos justificados, ser apreciada fora daquela revisão obrigatória, para a cessação ou liberdade para prova, mas sempre respeitando o período mínimo de internamento definido no art. 91.º n.º 1 do CP ([6])([7]).
Nestes pressupostos – fazendo apelo ao quanto se diz no Ac. do STJ de 28out1998 ([8]) -“O internamento de inimputável perigoso tem em vista, por um lado, livrar a comunidade da presença de um cidadão que a põe em perigo por não se comportar de acordo com os valores éticos, morais e sociais da mesma, ma, por outro, e o mais relevante, fazer cessar no internando o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, fazendo regressar ao convívio da comunidade um cidadão apto a respeitar os direitos dela.” -, cientes que a execução da medida de segurança se orienta para o tratamento e reinserção do internado, prevenindo a prática de outros factos criminosos e servindo a defesa da sociedade e da vítima em especial ([9]), há que aquilatar se no presente e concreto momento opera necessidade de manutenção(prorrogação) do internamento, ou pelo contrário cessação de regime de internamento ([10]).
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Vejamos, pois, o caso concreto.
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In casu, considerando todos os elementos de prova juntos aos autos e de forma tão directa quão reveladora da crueza das próprias palavras que o relatório da perícia psiquiátrica inculca, há que dizer que se está perante um internado que revela ao nível do estado de saúde a manutenção de anomalia, situação esta que associada à gravidade do facto praticado e ao fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie, determina a manutenção(prorrogação) do internamento.
A propósito da doença que afecta o condenado, pode dizer-se, que a mesma se revela como uma deficiência a nível intelectual e psíquico. Incluem-se neste grupo as pessoas com atraso mental ligeiro, moderado ou profundo ou com outros problemas de desenvolvimento, traduzidos no funcionamento intelectual significativamente abaixo da média. (Na ICD-9-CM a deficiência mental classifica-se nas seguintes categorias e subcategorias: 317 Atraso mental médio High-grade defect QI 50-70; Mild mental subnormality; a partir de out2011 esta categoria passou a ser descrita como 317 Mild mental retardation intellectual disabilities; 318 outro atraso mental especificado; 318.0 atraso mental moderado QI 35-49; 318.1 atraso mental grave QI 20-34; 318.2 atraso mental profundo QI menor que 20; 319 Atraso mental não especificado). Em súmula, estamos perante um débil intelectual, ou mental, em virtude da hipertrofia da sua personalidade e da falta de uma crítica inteligente, que, como tal, não exerce fiscalização eficaz sobre os seus actos e sobre as suas percepções (v. Enrico Altavilla, in “Psicologia Judiciária”, vol. I, 3.ª ed., p. 229).
Associada está uma situação de esquizofrenia. A esquizofrenia, é a representante mais característica das psicoses, é uma doença da personalidade total que afecta a zona central do eu e altera toda a estrutura vivencial. Culturalmente o esquizofrénico representa o estereótipo do "louco", um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida, agindo como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural e que menospreza a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias (CID-9). Gruhle fala de uma alteração do próprio eu, em virtude da qual o doente tem a penosa impressão de que o mundo se modificou em relação a ele; torna-se, por isso, suspeitoso, desconfiado e não raro se deixa dominar por um delírio de perseguição, que pode determinar, potenciada por alucinações, uma atitude de defesa-agressão, da qual podem derivar crimes graves (cit. por Enrico Altavilla, in Psicologia Judiciária”, vol. I, p. 293).
Ora, presentemente mantém-se este especificado quadro de saúde mental com diagnóstico de esquizofrenia simples (CID 9 da OMS corresponde ao código 295.7 - a esquizofrenia é uma perturbação mental grave caracterizada por uma perda de contacto com a realidade (psicose), alucinações, delírios (crenças falsas), pensamento anormal e alteração do funcionamento social e laboral, sendo que na forma de psicose, se caracteriza como uma doença mental reveladora de distorção do senso de realidade, duma inadequação e falta de harmonia entre o pensamento e a afetividade). No seu tipo indiferenciado, residual ou por defeito, é uma categoria em que se descrevem apresentações que incluem sintomas proeminentes da fase ativa mas não satisfazem os critérios para Tipo Catatônico, Desorganizado ou Paranóide. Deste modo, o tipo residual serve para apresentações nas quais existem evidências contínuas da perturbação, mas os critérios para os sintomas da fase ativa não mais são satisfeitos, tais quais situações onde existem contínuas evidências da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos (por ex., afeto embotado, discurso pobre ou avolição) ou dois ou mais sintomas positivos atenuados (por ex., comportamento excêntrico, discurso levemente desorganizado ou crenças incomuns).
No caso, dos autos, independentemente da aparente flexibilidade do conceito de anomalia psíquica, própria de um sistema lato em que se salvaguarda um conteúdo mínimo sobreponível ao de perturbação do funcionamento psíquico e que importe tratamento especializado médico-psiquiátrico, a mesma flexibilidade empresta ao conceito a virtude de se poder distender a várias patologias e a adaptar-se à natural evolução da psiquiatria. Porém, introduz no sistema alguma fluidez conceptual quando essencialmente os juristas pretendem certezas e parece quererem exigi-las dos médicos. A objectivação tem vindo a fazer-se com recurso, por exemplo, a elementos de uma concepção mais restrita, como o recurso às classificações taxonómicas que, por sim só, sendo um elemento descodificador e sindicável não é suficiente. A “anomalia” pode ter base sociológica, valorativa, não apenas somática e não ser conceptualmente enquadrável naquelas tabelas (ou classificações como a de Kraepelin, da Associação Americana de Psiquiatria, da Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial de Saúde). Em qualquer dos casos o que nunca pode ser descurado é o conhecimento clínico do potencial doente em desfavor de critérios avulsos. A avaliação global e individual não pode esvair-se numa procura de conceptualização. Mais do que a existência de uma patologia específica e classificável, para a análise pretendida será mais relevante a caracterização dos estados psicológicos e suas traduções comportamentais do que o enquadramento na patologia subjacente. Existe alguma unanimidade quanto à aplicabilidade do conceito a doenças mentais como as psicoses orgânicas ou endógenas, mas muita resistência quanto às psicopatias ou as neuroses. Mesmo nas primeiras as dificuldades operativas mantém-se quando, na verdade, mais do que “doenças” se deverão valorizar os reflexos, comportamentos. Um esquizofrénico diagnosticado e portador de uma doença mental classificada pode experimentar os sintomas básicos, adaptando-se e compensando-os, mantendo capacidade de insight e desenvolvendo mecanismos de coping. Assim e não obstante a existência de “doença”, esta constatação não é suficiente pois só geralmente em descompensação, em estados agudos, em episódios psicóticos, se detectam as alterações que nos conduzem ao conceito de “anomalia” relevante.
A personalidade impulsiva e agressiva do internado só se mostra amortecida face à controlada medicação, sendo que em si o internado mantém o padecimento de personalidade anómala, com aspectos sociopáticos abundantes. Mais, só medicado, com manutenção de efectivo controlo familiar, psiquiátrico e assistido socialmente, a sua inimputabilidade com perigosidade de repetição de actos, fica atenuada pela compensação clínica, porquanto o internado não revela capacidade plena e duradoura para discernir sobre a sua doença e aceitar de forma reiterada o necessário tratamento psiquiátrico.
Em regime institucional e cumprindo terapêutica psicofarmacologica regular tem sido capaz de estruturar razoavelmente o seu comportamento. Em liberdade, nada garante que não abandone a medicação, desestruture o comportamento e se revele incapaz de reger adequadamente a sua pessoa e governar os seus bens.
E disso é exemplo o quanto sucedeu durante a fase de ausência ilegítima, pelo pai patrocinada, pai esse que é o mesmo que actualmente quer patrocinar a integração do internado junto de familiares, familiares estes com quem mantém assíduo convívio.
Nada, consequentemente, nos garante o férreo acompanhamento e supervisionamento comportamental que o internado necessita para ser um homem livre em liberdade.
Ora, sendo o instituto da liberdade para prova idóneo a salvaguardar, por um lado, a situação de liberdade do inimputável constitucionalmente protegida e, por outro, a defesa da sociedade face à perigosidade criminal enquanto se mantiverem dúvidas quanto à sua cessação, o certo é que o perigo inerente ao internado, o quadro de doença do mesmo, não nos garante que, ainda que com seguimento em ambulatório e com suficiente apoio (que garantido não se vislumbra estar no ponto e no mínimo grau que temos por adequado e exigível), se mostre atenuada a perigosidade social a um ponto tal que seja este o momento em que se afirme que é razoável esperar que a finalidade da medida de segurança imposta possa, no futuro, ser alcançada em meio aberto, devendo o risco inerente à libertação ser comunitariamente assumido e suportado.
Concluindo, toda esta manutenção dum especificado quadro de saúde mental com diagnóstico, sendo que não cessou o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento (dado que opera inexistência de garantias de diminuição da probabilidade de repetição de ilícitos), força a reiteração do status quo processual do internando.
De facto, a cessação do estado de perigosidade criminal é requisito essencial para que se mostre já legalmente possível a aplicação do regime de liberdade para prova - é o que decorre do art.s 92.º, n.º 1 do CP. No presente caso inexiste essa exigida condição subjectiva, o que força a conclusão de que é exigível a manutenção(prorrogação) da medida de segurança, em regime de internamento, do inimputável.
5-Decisão:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se:
A – manter o internado B…, com os demais sinais dos autos, na situação de execução de medida de segurança de internamento em que se encontra, aplicada no NUIPC 214/05.7GAARC do extinto TJ Arouca actual TJ Comarca Aveiro – Santa Maria da Feira – IC, 2.ª SCr J3, a qual se mantém pelo período legal de dois (2) anos – art. 91.º, n.º 2, 92.º, n.ºs 1 a contrario e 93.º do CP vigente, a contar de 27nov2015;
B – fixar que, sem prejuízo do n.º 1 do art. 93.º do CP, opera nova revisão no período legal de 2 anos sobre a decisão que mantém o internamento, ou seja, em 27nov2017 (art. 93.º, n.º 2 do CP), sem prejuízo de alteração desta data no caso de recurso improcedente, caso em que será a data que se vença 2 anos sobre essa decisão que será de considerar;
C – notifique o Ministério Público, o internado, o IDO/IM – art. 161.º a) do CEP;
D – após trânsito comunique ao NUIPC da condenação [NUIPC 214/05.7GAARC do extinto TJ Arouca actual TJ Comarca Aveiro – Santa Maria da Feira – IC, 2.ª SCr J3], ao Sr. Director da Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental (CPSM) - Estabelecimento Prisional de C… e à DGRSP – art. 161.º b) do CEP;
E – solicite ao Sr. Director da Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental (CPSM) - Estabelecimento Prisional de C… a elaboração e remessa do relatório de avaliação periódica (de imediato e a cada ano) a que alude o art. 129.º, n.º 2 do CEP.
***
Consigno que, como supra se fixou, para efeitos de nova revisão se deve atender à data de 27nov2017 (art. 93.º, n.º 2 do CP), sem prejuízo de alteração desta data no caso de recurso improcedente, caso em que será a data que se vença 2 anos sobre essa decisão que será de considerar.
Deve a secção, em 27ago2017:
a) solicitar a realização de perícia psiquiátrica e sobre a personalidade (esse relatório deve fornecer juízo sobre a capacidade de o condenado/internando prestar declarações em audição pelo Juiz do TEP) (art. 158.º, n.º 2 a) do CEP);
b) solicitar à Equipa de Reinserção Social da DGRSP que para efeitos do art. 158.º, n.º 3 a) do CEP remeta aos autos relatório que contenha a análise do enquadramento sócio-familiar e profissional do condenado/internando e a avaliação das suas perspectivas e necessidades de reinserção social;
c) solicitar à Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental (CPSM) - Estabelecimento Prisional de C… que para efeitos do art. 158.º, n.º 3 b) do CEP, remeta aos autos relatório de avaliação sobre a evolução clínica e comportamental do condenado/internando;
d) juntar CRC actualizado.
Estes relatórios devem ser juntos aos autos, impreterivelmente, até 27out2017.
Juntos, abra vista ao Ministério Público para que o mesmo requeira o que tiver por conveniente para os efeitos do art. 158.º, n.º 2 b) do CEP.
***
[Alarme Citius/Habilus para 27ago2017- (sendo caso, o dia útil imediatamente anterior)]
***
D.N.
•notificações/comunicações (cuja junção material aos autos dispenso, bastando a verificação em Citius/Habilus) a operar, preferentemente, por via electrónica
– art.s 111.º ss. CPP; 149.º; 150.º CEP; 258.º RGEP; 1.º, 28.º, 32.º Port. 280/2013 26ago
Porto, d.s. (27nov2015)
revisto; com aposição de assinatura electrónica
art. 94.º, n.º 2 CPP; Port. 593/2007 14mai
O verso da (s) folha (s) encontra-se em branco”
***
Importa analisar, agora, sobre os fundamentos suscitados pelo recorrente, em atenção às questões formuladas de saber: (i) se a sentença proferida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) se a mesma sentença incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova ou da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão; e (iii) se a mesma sentença de revisão do estado de perigosidade se encontra injustificada por violação dos princípios do in dubio pro reo, da subsidiariedade e da proporcionalidade, bem como dos Art.ºs 94.º, n.º 1, do Código Penal, e do Art.º 504.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do CPPenal, impondo-se que seja revisto ao internado o seu estado de perigosidade ao contrário do que considerou o tribunal de primeira instância.
***
(i) Se a sentença proferida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
No seu primeiro fundamento de recurso o internado invoca a omissão de pronúncia porquanto a decisão recorrida deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar ou conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, violando também o preceituado no Art.º 504.º, n.º 3, e 508.º, n.º 4, ambos do CPPenal. Assim, na decisão refere-se que não se procedeu à audição do internado (atendendo ao teor do relatório pericial com indicação de juízo negativo sobre a capacidade para prestar declarações), quando isso não é verdade, tendo omitido claramente essas declarações quando as mesmas são importantes e pertinentes na tomada de decisão e deveriam nela ser repercutidas, sob pena da mesma ser nula como sucede, nulidade que se invoca nos termos do preceituado no Art.º 379.º, n.º 1, al) c, do CPPenal.
Cumpre apreciar.
E, na verdade, devemos concluir que a decisão recorrida incorreu, na verdade, no vício apontado pelo recorrente uma vez que omitiu a consideração do contraditório e não levou em conta, nos pressupostos da mesma decisão, as declarações do internado que se realizaram efectivamente e que não dispensariam uma fundamentação que as levasse devidamente em conta, o que efectivamente não aconteceu.
Não se diga, como defende o Ministério Público na sua resposta, que o assunto foi posteriormente considerado com uma rectificação material do relatório da decisão, quando na verdade o que aqui se constata é que não só se verifica tal erro no relatório como não se faz menção ao teor dessas declarações e à sua valorização ou desvalorização para o sentido da decisão que verteu sobre o objecto em apreço: a manutenção do regime de internamento do aqui recorrente.
Assim, do ponto de vista material, este “internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem” - cfr. Art.º 92.º, n.º 1, do Código Penal. Acresce que de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, “se o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a 8 anos e o perigo de novos factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselha a libertação, o internamento pode ser prorrogado por períodos sucessivos de 2 anos até se verificar a situação prevista no n.º 1”.
Estamos perante uma excepção à regra prevista no n.º 2 que se justifica com a ocorrência de "um facto típico de extrema gravidade praticado pelo delinquente e, não obstante o empenho dos serviços especializados no tratamento, o perigo de o delinquente praticar novos factos da mesma espécie subsiste, sendo desaconselhável a libertação, cujo risco a comunidade não pode ignorar".
Segundo decidiu o tribunal recorrido, as circunstâncias apuradas permitem concluir que o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento ainda não cessou como veio confirmar a peritagem médica.
Uma última nota para referir que a cessação do estado de perigosidade criminal é um requisito essencial para que, depois da sua prorrogação, possa o internamento findar, não se mostrando já legalmente possível a aplicação do regime de liberdade para prova – assim, nas disposições conjugadas dos Art.ºs 92.º, n.ºs 1 e 3, e 94.º, n.º 2, segunda parte, ambos do Código Penal.
A revisão, prorrogação e reexame do internamento, tem lugar de acordo com o procedimento previsto no Art.º 504.º do CPPenal e nos Art.ºs 158.º a 162.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
A revisão obrigatória da situação do internado tem lugar com audição (exercício do contraditório) do Ministério Público, do defensor e do internado, só podendo a presença deste ser dispensada se o seu estado de saúde tornar a audição inútil ou inviável.
A decisão sobre esta revisão é fundamentada, sendo essa mesma fundamentação exigível da decisão que prorroga o internamento (cfr. Art.ºs 92.º, n.º 3, 94.º, n.º 3, e 97.º, n.º 5, todos do Código Penal).
A esta decisão, pelas repercussões que tem na vida do internado, constituindo-se como um complemento da sentença condenatória em execução, não se podem aplicar os fundamentos formais e substanciais de um mero despacho que também eles não poderão deixar de ser fundamentados. Tal como acontece na decisão que não concede a liberdade condicional, também aqui se deverão aplicar as exigências aplicáveis à sentença.
Por outro lado, sabe-se que esta decisão conhece, a final, do objecto deste incidente processual de repercussões materiais óbvias na liberdade do internado e na execução da medida de internamento a que se encontra sujeito, impondo-se quanto a ela uma exigência de fundamentação acrescida, tal como se demonstra evidente no caso em apreço – assim, Art.ºs 97.º, n.º 1, do CPPenal, e os Acs. do STJ de 27/5/2010, processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1, e de 25/3/2009, processo n.º 577/09.
A decisão prevista no Art.º 161.º do CEPMPL culmina um procedimento que é estabelecido por um determinado objecto, audição das partes, produção de prova, alegações e decisão final.
Daí que sejam aplicáveis a esta decisão os requisitos formais e a matéria das nulidades específicas de que tratam os Art.ºs 379.º e 380.º, ambos do CPPenal.
Ora, surge como evidente que a desconsideração que a sentença faz do teor das declarações produzidas pelo internado (ou o seu sentido) e pela sua defesa não pode ser indiferente para aferir do sentido da decisão aqui impugnada, pelo seu objecto e pela definição do que tinha
de ser a revisão da situação de internamento do aqui recorrente. Sendo que o objecto deste incidente também é definido pelas alegações de facto e de direito do internado e do Ministério Público, sendo que as declarações do mesmo internado terão de valer como um meio de prova inultrapassável. Tudo isto não se pode compor com uma simples rectificação material do relatório da decisão.
Porque se demonstra que esta elucidação probatória, factual e de fundamentação não foi efectivamente realizada, só poderemos concluir que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre matéria a que se encontrava adstrito, não só pelo thema decidendum que lhe estava cometido, pois os factos apurados continuam insuficientes para a decisão, mas também por via da indispensável pronúncia do tribunal a quo sobre as questões suscitadas pelo internado e pela sua defesa.
Sabemos que o tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre a mencionada matéria, podendo dizer-se que se limitou a tomar como pressuposto que não devia ou não necessitava dela conhecer.
Não o fazendo incorreu o mesmo tribunal numa omissão de pronúncia que consubstancia uma (invalidade) nulidade de sentença, pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar – cfr. Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal.
Esta omissão de pronúncia não pode ser suprida por esta via de recurso (mesmo por via do disposto no n.º 4 do Art.º 379.º do CPPenal).
A sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, conhecendo-se nela das matérias mencionadas que o mesmo tribunal deveria ter apreciado, ampliando, se for caso disso, o acervo de factos provados e não provados e a fundamentação da decisão na consideração das declarações realizadas pelo internado e as alegações da sua defesa.
Nos termos expostos, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto ao não apreciação das matérias mencionadas (acima descritas), devendo o tribunal a quo, pelo mesmo juiz, produzir uma nova sentença que delas conheça efectivamente.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo internado B…, no fundamento conhecido da omissão de pronúncia quanto às questões acima descritas, anulando-se a sentença recorrida por omissão de pronúncia e determinando-se a elaboração de uma outra sentença, pelo mesmo juiz, que contenha a apreciação dessas mesmas matérias.
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Sem custas.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 27 de Abril de 2016
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso
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[1] Operando detenção, seguida de m.c. privativa da liberdade há lugar a desconto – art. 80.º do CP - neste sentido cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §439 e §443; Maria da Conceição Ferreira da Cunha, in Desconto das Medidas Processuais Privativas da Liberdade - Análise de Algumas Questões, Iure et de Iure – Nos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998, p. 873/899; e Ac. do STJ, de 2out2013, REl. Cons. Pereira Madeira in www.dgsi.pt/jstj
[2] cfr. art.s 19.º e 20.º do CP
[3] cfr. art. 91.º, n.. 1 do CP
[4] cfr. art. 91.º do CP
[5] cfr. art. 92.º, n.º 1 do CP
[6] cfr. art.s 93.º, n.º 1 e 94.º do CP
[7] cfr., com particular interesse, Prof. Doutora Anabela Miranda Rodrigues, in “A fase de execução das penas e medidas de segurança no Direito Português” BMJ 380.º/5 e ss., em especial, 52 e ss.
[8] in BMJ 480.º/99
[9] cfr. art. 2.º do CEP
[10] cfr. art. 92.º, n.º 3 do CP