Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
186/13.4PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: DEFENSOR OFICIOSO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
SENTENÇA ORAL
PROCESSO SUMÁRIO
Nº do Documento: RP20180110186/13.4PTPRT.P1
Data do Acordão: 01/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º742, FLS.266-276)
Área Temática: .
Sumário: I – Em casos de manifesta situação de vulnerabilidade e carência de defesa do arguido, v.g. por indisponibilidade de facto de defensor oficioso, o prazo para recorrer interrompe-se até ser nomeado novo defensor, iniciando-se após essa nomeação novo prazo.
II – A expressão “ou excepcionalmente, se as circunstancias do caso o tornarem necessário” para a elaboração da sentença por escrito previsto no artº 389 –A CPP, deve ser interpretada como abrangendo os casos que exigem maior rigor e ponderação na decisão, quer pela complexidade do processo em si, quer do crime em apreciação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 186/13.4PTPRT.P1
Comarca do Porto
Juízo Local de pequena criminalidade.

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I - Relatório.
No Processo Abreviado n.º 186/13.4PTPRT.P1 da Comarca do Porto, juízo local de pequena criminalidade, juiz 2, foi submetido a julgamento, na sua ausência, o arguido B… identificado a fls. 9 e 53 destes autos.
A sentença de 19 de Setembro de 2013, depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«DECISÃO:
Por tudo o exposto, julgo a acusação procedente e decido:
a) Condenar o arguido B… pela prática em 09/03/2013, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia total de €300,00 (trezentos euros).
b) Condenar, também, o arguido B… na sanção acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 3 (três) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, devendo o mesmo proceder à entrega da carta de condução neste tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de dez dias após o trânsito da presente sentença, (artºs 69º, nrs.2 e 3 do CP e 500º nr.2 do CPP), sob pena de não o fazendo incorrer num crime de desobediência (cfr. Acordão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2013, de 09/01).
O arguido vai, ainda, condenado nas custas do processo, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa – artigo 513º, nº 1 do CPP e artigo 3º, nº 1, 8º, nº 5 do RCP e Tabela III do mesmo.
*
- Notifique, sendo o arguido pessoalmente e deposite.
- Após trânsito:
- Remeta boletim à D.S.I.C., comunique à A.N.S.R. e à I.M.T.T. a proibição de conduzir (artºs 69º, nr.3 do CP e 500º nr.1 do CPP).»
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Inconformado com a decisão veio o arguido interpor recurso, para o que apresentou a competente motivação que rematou com as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso é tempestivo na medida em que se deve aplicar o regime contido no art. 39.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de harmonia com o espírito do legislador que, em matéria processual penal, estatui um regime altamente proteccionista do Arguido com vista a diminuição da inerente e genética fragilidade da sua posição. É dessa forma que deve ser lido todo o regime previsto na Lei 34/2004.
II - Desta forma, com recurso ao art. 44.º, n.º 1, da Lei 34/2004, é possível aplicar o regime previsto no art. 34.º Lei 34/2004, razão pela qual o prazo de recurso interrompeu, voltando a correr aquando da notificação do defensor oficioso nomeado.
III - Outro entendimento, além de ferir flagrantemente a justiça e o sentido de bom senso, também fere a CRP, pois permitirá casos em que, como sucede nos autos, o Arguido não pudesse apresentar um recurso porque o seu defensor nomeado estaria doente (não podendo assegurar o patrocínio) e, continuando o prazo em curso, o defensor substituto fosse nomeado após o término do mesmo.
IV - Deste modo, a interpretação das normas conjugadas dos arts. 24.º, n.º 5, 34.º n.ºs 1, 2 e 6, 39.º, n.ºs 1 e 10, 41.º, n.º 3, 42.º, n.º 3, 44.º, n.º 1, todos da Lei 34/2004, 63.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, al. e) e 66.º, n.ºs 2 e 4 do CPP, no sentido de se admitir que o pedido de escusa em processo penal de defensor nomeado, não faz interromper o prazo de recurso em curso, é inconstitucional, por violação dos arts. 20.º n.º 1, 2, e 4 e 32.º n.º 1, n.º 3, da CRP, constitucionalidade esta que desde já se invoca.
V - Por outro lado, a diferença de tratamento entre a parte, em processo civil, e o Arguido, em processo penal, faz levantar sérias dúvidas quanto a validade dessa diferenciação, na medida em que, como se disse, a posição do Arguido é geneticamente frágil, daí que, tentando equilibrar a balança, o Legislador consagre inúmeros direitos a este.
VI - Por isso, não faz sentido que uma posição em sede de processo civil esteja mais salvaguardada, quanto ao curso dos prazos, do que a posição do Arguido em processo penal.
VII - Nessa medida, parece-nos resultar evidente que a interpretação das normas conjugadas dos arts. 24.º, n.º 5, 34.º n.ºs 1, 2 e 6, 39.º, n.ºs 1 e 10, 41.º, n.º 3, 42.º, n.º 3, 44.º, n.º 1, todos da Lei 34/2004, 63.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, al. e) e 66.º, n.ºs 2 e 4 do CPP, no sentido de se admitir que o pedido de escusa em processo penal de defensor nomeado, não faz interromper o prazo de recurso em curso, quando, em processo civil, não há duvidas quanto a essa interrupção, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, na medida em que não há razões substanciais para se fazer uma discriminação do Arguido, que tem uma posição processual muito mais desfavorecida, em relação a uma parte, em processo civil.
VIII - Seja como for, ao Arguido sempre foi transmitida a informação de que o prazo estaria interrompido, tendo o próprio Tribunal contribuído para o aumento dessa crença, com o deferimento (despacho de 13-06-2017, com a referência 382520164), ainda que parcial, do seu requerimento no qual, entre outros pedidos, solicita a interrupção do prazo para poder interpor recurso (a fls. 246).
IX - Assim, o Arguido confiou legitimamente nas indicações (fossem verbais, dos Srs. Funcionários, fossem através de despachos que não infirmaram a sua solicitação, tendo inclusivamente deferido parcialmente outras solicitações que fez) do Tribunal a quo, enquanto órgão de soberania, pelo que deverá ser sempre admitido o recurso, por tempestivo.
X - Outro entendimento, nomeadamente a interpretação das normas conjugadas dos arts. 24.º, n.º 5, 34.º n.ºs 1, 2 e 6, 39.º, n.ºs 1 e 10, 41.º, n.º 3, 42.º, n.º 3, 44.º, n.º 1, todos da Lei 34/2004, 63.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, al. e), 66.º, n.ºs 2 e 4, do CPP, e 157.º, n.ºs 1 e º 6, do Código de Processo Civil, no sentido de que as informações que são prestadas pelos funcionários judiciais do Tribunal, afirmando que o prazo de recurso em curso interrompe com o pedido de escusa do defensor oficioso nomeado, só se iniciando com a nomeação de novo defensor, bem como a actuação do Tribunal no sentido corresponder ao requerido pelo Arguido, não vinculam os Tribunais a quo ou ad quem, quanto à interrupção do prazo de interposição do recurso, é inconstitucional por violação do Princípio da Confiança, como emanação do Princípio do Estado de Direito Democrático, ínsito no art. 2.º da CRP.
XI - De todo o modo, o Arguido não foi notificado da sentença na medida em que a mesma, tendo sido proferida ao abrigo do art. 389-A, aplicável ex vi do art. art. 391.º-F, ambos do CPP, é composta pela parte lavrada em acta (dispositivo) e pela parte documentada no sistema de gravação do Tribunal (relatório e fundamentação).
XII - Não tendo o Arguido recebido esta última arte, mediante a estrega do CD áudio onde está inscrita a gravação da audiência, não se pode considerar o Arguido notificado da sentença, para os efeitos do art. 333.º, n.º 5, do CPP, o que, para todos o efeitos, acarreta que o prazo de recurso não começou a correr.
XIII - Sem embargo, O Arguido prestou TIR estando ainda alcoolizado, com os efeitos daí advenientes, isto é, não tendo consciência daquilo que estava a fazer, nem estando capacitado para perceber as consequências relevantes da prestação do TIR,
XIV - No momento da prestação do TIR, o Arguido teria pelo menos uma taxa de alcoolemia de 1,71 g/l, em virtude de ter restado TIR, nem uma hora volvida deste o momento em que foi fiscalizado (a. fls. 5 e 9) e tendo em consideração que a velocidade de eliminação do álcool por parte do organismo é de, no máximo, 0,15 g/l por hora.
XV - Por consequência, estava temporariamente incapacitado para a prestação do TIR, uma vez que é pressuposto desta, em virtude do seu regime e das implicações em matéria de notificação, que os Arguidos estejam cientes, ou seja, não estejam com o discernimento toldado, neste caso, pelo álcool.
XVI - Só pode, por isso, entender-se que a prestação de TIR, ocorrida naqueles termos, é inválida.
XVII - De igual modo, a notificação para comparecer em julgamento no dia 11-03-2013 (a fls. 10), pese embora assinada pelo Arguido, não pode ter-se por válida, exactamente pelos mesmos motivos.
XVIII - De facto, o Arguido só tomou conhecimento de que havia sido julgado quando foi notificado da sentença (como nos demonstra o e-mail a fls. 248).
XIX - A invalidade da prestação de TIR implica que o Arguido não possa ser notificado para a morada indicada no mesmo, nem tampouco possa ocorrer o julgamento na sua ausência - como ocorreu -, em conformidade com os arts. 332.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1 (a contrario), ambos do CPP.
XX - Do mesmo modo, a invalidade do TIR implica que o Arguido não possa ser submetido a julgamento sem ser ouvido no inquérito (ou na fase preliminar, no caso de processo sumário) - como veio a suceder - , à luz do art. 272.º, n.º 1 do CPP.
XXI - Donde decorre que foi cometida a nulidade do art. 119.º, al. d), do CPP, uma vez que houve ausência do arguido em actos cuja presença era obrigatória, nulidade essa que desde já se argui para os efeitos legais havidos por convenientes, nos termos do art. 122.º do CPP.
XXII - Em nome da celeridade processual, o Legislador estabeleceu como regra, no art. 389.º-A, n.ºs 1, aplicável ao processo abreviado pelo art. 391.º-F, ambos do CPP, a prolação oral da sentença, só tendo que ficar reduzido a escrito na acta, o dispositivo.
XXIII - No entanto, o Legislador consagrou, no art. 389.º-A, n.º 5, do CPP, que em caso de aplicação pena privativa de liberdade ou se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o meritíssimo juiz deverá elaborar a sentença por escrito.
XXIV - Não tendo sido aplicada pena privativa de liberdade, resta saber se as circunstâncias do caso fazer vir à tona a necessidade de redução a escrito da sentença.
XXV - Quanto a nós, com todo o respeito por opinião diversa, parece-nos que a sentença deveria ter sido reduzida a escrito, pois a redução a escrito não serve só para habilitar uma maior ponderação e fundamentação do julgador, mas também para permitir que o destinatário da decisão melhor a compreenda.
XXVI – Ora, um Arguido que foi julgado na ausência não perceberá a decisão (ainda para mais se só lhe for entregue o dispositivo), razão pela qual emerge uma circunstância que impõe a redução a escrito da sentença.
XXVII - Não tendo sido reduzida a escrito, a douta sentença do Tribunal a quo padece, salvo melhor opinião, de nulidade ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, al. a), por violação do art. 389-A, n.ºs 1 e 5, aplicável ao processo abreviado pelo art. 391.º-F, todos do CPP.
XXVIII - O Tribunal a quo, na sua douta sentença, deu como provado que o Arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punível por lei.
XXIX - Porém, o Tribunal a quo não exprimiu, ainda que de modo conciso, quanto a este ponto em específico, o processo que o levou a chegar a essa conclusão.
XXX - No caso em concreto, vislumbra-se que toda a prova (seja a documental dos autos, seja o depoimento do Sr. Agente autuante) só se debruçou sobre o facto do Arguido estar a conduzir sob influência de álcool, tendo a motivação do Tribunal a quo espelhado esta realidade.
XXXI - Em momento algum, se percebe onde o Tribunal a quo fundou a sua decisão relativamente à circunstância dos factos praticados pelo Arguido terem sido praticados de modo deliberado, livre e consciente.
XXXII - Por conseguinte, o Tribunal a quo incorreu no vício de falta de fundamentação, que fere de nulidade a sentença nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.
Termina pedindo que seja admitido o presente Recurso e, por via disso, seja dado provimento ao mesmo, declarando-se:
- A nulidade insanável, por ausência do arguido nos actos em que a sua presença é obrigatória, nos termos do art. 119.º, al. d), do CPP; ou,
- A nulidade da sentença por violação do art. 389-A, n.ºs 1 e 5, aplicável ex vi do art. 391.º-F, todos do CPP, em virtude na não redução a escrito da mesma; ou,
- A nulidade da sentença por falta de fundamentação, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.»
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O recurso foi admitido, na 1ª instância, por despacho constante a fls. 292 dos autos.
O Ministério Público junto do da 1ª instância veio apresentar a sua resposta, que remata com as seguintes conclusões:
«I-O recurso deve ser rejeitado, por extemporâneo, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P.
II-Da conjugação do artigos 39.º, n.º 1, 41.º, n.º 3, 42.º n.º 3 da Lei 34/2006 e artigo 66.º n.º 4 do CPP resulta que o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes enquanto não for substituído.
III- A interpretação conjugada das normas dos art.s 24.º, n.º 5, 34.º n.s 1 e 2, 39.º n.s 1 e 10, 41.º n. 3, 42.º n.º 3, 44.º n.º 1 todos da Lei 34/2004, 63.º, n.º 1, 64.º n.º 1 al. e) e 66.º, n.º 2 e 4 do CPP, no sentido que o pedido de escusa em processo penal de defensor nomeado não faz interromper o prazo de recurso não é inconstitucional, por violação dos art.s 20.º, n.º 1, 2 e 4 e 32.º n.º 1 e 3 da CRP.
IV- Decorre do artigo 391-F, inserido no Titulo II, Processo Abreviado, que é correspondentemente aplicável à sentença o disposto no artigo 389.º-A do C.P.P., sendo assim sentença oral, apenas sendo reduzida a escrito se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário.
V- Não se verificando no caso nenhuma destas circunstâncias, foi a sentença proferida oralmente, constando o dispositivo, que é ditado, da acta.
VI- Tendo o arguido sido notificado da acta, onde consta o dispositivo, encontra-se o mesmo regularmente notificado da sentença.
VII- E sempre poderia o mesmo, querendo, solicitar uma cópia da gravação.
VIII- Não ocorre a nulidade prevista no artigo 119.º n.º1 alínea d) do C.P.P.
IX – O Recorrente foi julgado em processo abreviado, tendo prestado regularmente TIR e encontrando-se regularmente notificado para comparecer em audiência de julgamento.
X- A sentença não é nula por violação do disposto no artigo 389-A, n.ºs 1 e 5 do C.P.P.
XI - A sentença não é nula por falta de fundamentação, por o Tribunal ter dado como provado que o arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punível por lei, nada tendo sido referido na motivação que permitisse chegar a essa conclusão.
XII - As nulidades da sentença estão previstas no artigo 379.º do C.P.P..
XIII- O Tribunal enumerou os factos dados como provados, fazendo uma exposição, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame cítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
XIV- O Tribunal enumerou quais as provas que serviram para dar como provados todos os factos constantes da acusação.
XV- Assim, a sentença encontra-se fundamentada.
XVI- Afigura-se-nos que a discordância do Recorrente é antes com a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal.
XVII- Sucede que o Recorrente, não observa o disposto no art.º 412.º, n.s 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.
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Nesta Relação a Excelentíssimo PGA emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Posta em causa a tempestividade do recurso impõe-se decidir dela como questão prévia.
Questão prévia - Da tempestividade do recurso.
Para decisão da questão importa ter em atenção a marcha processual que segue:
- A sentença recorrida foi ditada para a acta em 19 de Setembro de 2013, na presença do defensor do arguido, tendo o arguido estado ausente à totalidade da audiência de julgamento.
- O arguido foi notificado da sentença a 04.05.2017 – fls. 246/v.º
- No dia 1 de Junho de 2017 o arguido enviou, através de correio electrónico, para o processo um requerimento [constante de fls. 246 a 253] dirigido ao Juiz onde, em síntese, expôs e requereu:
- Não teve conhecimento de nada até ao dia 4 de Maio de 2017, em que a PSP entregou a sentença e me disseram que tinha 30 dias para recorrer dessa sentença terminando o prazo para esse recurso da multa e da carta no dia 3/06/2017.
- Contactei o tribunal dizendo-me os senhores do tribunal que tinha advogado nomeado e deveria falar com ele para recorrer da sentença e que ele era obrigado a prestar-me todo o auxílio para a defesa dos meus direitos.
- O advogado do Estado nomeado chama-se Dr. C…, tentei contactar com ele, através de e-mail, o mesmo disse-me que estava doente e não me podia ajudar, nem estava no Porto e para pedir apoio judiciário em Cascais que é onde resido actualmente.
- Liguei para ordem dos advogados e disseram-me que esse advogado devia dizer no processo que estava doente e pedir a escusa do processo para me nomearem outro para não perder o prazo urgente do meu recurso.
- Não consigo contactar o advogado nomeado Dr. C…, nem o mesmo me respondeu ao meu e-mail a pedir a sua ajuda para este recurso da multa e da minha carta.
- Liguei hoje para o tribunal e o Sr. Escrivão, aconselhou-me a escrever ao Sr. Meritíssimo e pedir que me nomeassem outro advogado e se possível da zona próxima de onde moro (Rua … nº …, …. - … CASCAIS) para fazer o recurso e poder defender-me, e ainda me disse para pedir ao Meritíssimo que seja este prazo do recurso parado até me nomearem um outro advogado.
- Assim venho pedir ao Sr. Meritíssimo que me seja nomeado outro senhor advogado para o meu processo e haja uma interrupção deste prazo que termina no dia 03/06/2017, para ter tempo o novo advogado de ter o tal prazo de 30 dias para fazer o recurso, porque estou numa situação aflitiva da vida e preciso de ajudar a minha companheira e filhota que irá nascer brevemente.
- Peço ao Senhor Meritíssimo que me nomeie outro advogado da zona de Cascais se possível e porque o meu nomeado está doente, e que o prazo do recurso seja interrompido e ter o novo advogado tempo para me ajudar ainda.
-Por despacho de 13.06.2017, proferido a fls. 259 dos autos o tribunal a quo despachou, além do mais que ora não releva: «Fls. 246 e segs.: Diligencie a Secção pela nomeação de novo defensor ao arguido tendo-se em consideração, se possível, a morada onde este reside, conforme requerido.
Notifique»
- Entretanto, nesse mesmo dia 1 de Junho o anterior defensor nomeado deu entrada com requerimento onde solicitava a junção ao processo do pedido de escusa em anexo em virtude de se encontrar doente.
- Quer em relação ao requerimento quer em relação ao pedido de escusa, foi através do já referido despacho de fls. 259 ordenada a notificação do arguido, do seu teor.
- Entretanto após sucessivas nomeações e justificativos de dispensa veio a ser nomeado defensor no dia 16 de Junho de 2017, o Sr. Dr. D….
- O Tribunal no dia 21.06.2017 [fls. 270] notificou o referido defensor D… que ao abrigo do n.º3 do artigo 64º do CPPenal foi nomeado nos autos ao arguido acima indicado, em substituição do patrono anteriormente nomeado.
- E no dia 22.06.2017 [fls. 271] o Tribunal notificou o arguido, além do mais no mesmo sentido.
- No dia 17 de Julho de 2017 o arguido deu entrada nos autos de requerimento de conhecimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e Pagamento de compensação de defensor oficioso.

Vejamos
O direito do arguido a escolher advogado e a ser assistido por defensor em todos os actos do processo tem consagração no artigo 32.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, beneficia igualmente de protecção no artigo 6.º n.º 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e encontra-se previsto no artigo 61.º n.º 1, alíneas e) e f) do Código do Processo Penal.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem salientado uniformemente que o direito do arguido à assistência de um defensor não se restringe apenas a uma designação formal e implica necessariamente especiais obrigações para o Estado, incumbindo-lhe tomar medidas positivas destinadas a assegurar o exercício efectivo desse direito. O acusado tem direito a uma defesa efectiva, incumbindo às autoridades competentes, respeitando a independência dos advogados, actuar de modo a assegurar ao interessado o gozo efectivo daquele direito (vide os Acórdãos do TEDH nos casos Czekalla c. Portugal de 10.10.2002, Panasenko c. Portugal de 22.07.2008, Bogumil c. Portugal de 07.10.2008, acessíveis a partir da ligação http://direitoshumanos.gddc.pt/4/IVPAG4_3_3_3.htm.)
«Nos casos em que o arguido seja assistido por defensor oficioso, a «carência de defesa», quando for manifesta, impõe-se ao juiz, exigindo a atenção e intervenção activa deste no respeito pelo artigo 6.º § 3 c), da CEDH. O juiz deve, por isso, verificar e considerar os pedidos ou mesmo os sinais que o arguido envie ao processo, quando não tenha defensor constituído e esteja em situação vulnerável…» - vide Henriques Gaspar, in Código do Processo Penal Comentado, 2014, p. 236 e 237).
Vem a propósito chamar ao caso a jurisprudência expendida no AC. do TRL de 07.02.2001, disponível in www. Dgsi.pt: «… a nomeação, dispensa e substituição do defensor ao arguido em processo penal tem regras próprias, que são as que se encontram nos arts. 62º a 67º do CPP (obrigatoriedade de assistência por defensor, nomeação de defensor ainda que não requerida, dispensa de uma situação de carência económica).
Porém, essa especificidade não pode significar um prejuízo para os direitos que assistem o arguido em processo penal, principalmente se comparados com os de qualquer outro sujeito processual que beneficie de apoio judiciário.
Isto é, se qualquer pessoa tem certos direitos previstos na lei por pedir, no âmbito do apoio judiciário, a nomeação, dispensa ou substituição de patrono, por exemplo, porque se interrompem os prazos processuais em curso, também o arguido em processo penal tem de ter esses direitos em caso similar, pois a inaplicabilidade ao arguido de certas normas do Dec. Lei nº 387-B/87 não resulta de qualquer questão de princípio, mas de existirem na lei de processo penal regras próprias.
(…)
…se o arguido, no decurso do prazo para recorrer de uma decisão judicial, vier requerer a substituição de defensor oficioso, alegando motivo justificado (art. 66º, nº 3, do CPP), interrompe-se o prazo em curso…
A nosso ver (…) o nº 4 do art. 66º do CPP não responde a esta questão, pois o que aí se dispõe diz respeito a actos do processo e não a actos a praticar pelo próprio arguido no processo, como é a interposição de um recurso («enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo»).
Parece mais razoável que se interrompa o prazo em curso para recorrer enquanto não for nomeado um novo defensor, pois, sendo o prazo estabelecido para beneficio processual do arguido e não podendo este praticar o acto por si próprio mas só através de defensor, a impossibilidade do defensor para interpor recurso … não pode deixar de fazer parar a contagem do prazo em curso.
Parece-nos mais razoável, em suma, que … se considere, mesmo oficiosamente, configurada uma situação de justo impedimento para a prática do acto (artº 107º, nº 2, do CPP), que tem por efeito prático a interrupção da contagem do prazo de recurso enquanto durar o impedimento (ou seja, enquanto não for nomeado um novo defensor ao arguido), de acordo com as regras definidas para o apoio judiciário e por similitude de situações.
Note-se que temos falado em "interrupção" da contagem do prazo e não em suspensão, pois é aquela a expressão usada no art. 24º, nº 2, do DL nº 387-B/87, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro. «O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido interrompe-se por efeito da sua apresentação e reinicia-se a partir da notificação do despacho que dele conhecer».
É, assim inegável que a nova redacção do preceito teve em vista dizer que, uma vez deferido o pedido de apoio judiciário, o prazo em curso reinicia-se desde o seu ponto inicial, como se nunca tivesse estado a correr. Aliás, esse é o sentido técnico-jurídico da expressão "interrupção" quando aplicado à contagem dos prazos (art. 326º do CC), por oposição à suspensão (art. 318º do CC).
De outro modo, o novo defensor podia confrontar-se com a situação insólita de ter sido nomeado para um processo que não conhece e aperceber-se que o prazo para praticar o acto findava nesse dia ou no dia seguinte. (…)» - vide Ac. do TRL de 07.02.2001, Relator José Vaz dos Santos Carvalho.
Concordamos com a jurisprudência expendida e perante o alegado pelo arguido no requerimento que sumariamos, na escusa do seu defensor por doença, além de que este havia sido nomeado para a audiência de julgamento que tinha ocorrido há mais de três anos e nada tinha feito no sentido de interpor recurso quando o arguido dela foi notificado e quando com o prazo a esgotar-se vem ao processo pedir a sua substituição, verificamos e entendemos que, nessa medida se configura manifestamente uma situação de vulnerabilidade e carência de defesa do arguido.
Além disso as démarches encetadas pelo Tribunal, como demos conta, em conjugação com a admissão do recurso na primeira instância, indiciam que o tribunal teve o prazo do recurso por interrompido após o referido requerimento do arguido.
Assim, o prazo para recorrer é de 30 dias, contados de forma seguida desde a notificação da sentença em 04.05.2017 [pois o arguido este ausente da totalidade do julgamento] – art. 411º, nº 1 e 333º, n.º5, 104º do CPP e 138º, n.º1 do CPC.
Em 1 de Junho, data em que o arguido requereu ao tribunal a nomeação de outro advogado ainda não se tinha esgotado o prazo de interposição de recurso.
A notificação do novo defensor (que aceitou o encargo) foi feita por carta enviada a 21.06.2017.
Tal carta, por via postal registada, presumiu-se recebida no 3º dia útil posterior ao do envio (art. 113º, nº 2, do CPP), ou seja, em 26 de Junho de 2017.
Os 30 dias para interpor recurso iniciaram-se, portanto, em 26 de Junho de 2017 e terminariam, assim, no dia 11 de Setembro de 2017.
Pelo exposto, tendo o recurso sido interposto em 30 de Agosto de 2017 mostra-se o mesmo tempestivo, o que se decide.
Posta a tempestividade do recurso, e face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a decidir:
- Nulidade insanável-artigo 119º, n.º 1 al. d) do CPP.
- Nulidade de sentença por violação do art.389-A, n.ºs 1 e 5 do CPP:
- Nulidade de sentença por falta de fundamentação.
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2. Decisão sob escrutínio [após audição seguindo-se transcrição, efectuada pela Relatora].
«O tribunal dá como provados os factos que constam da acusação que são os seguintes:
O arguido B…, no dia 09.03.2013, pelas 06h20, conduzia pelo …, no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula .. - … - JG, fazendo-o com uma taxa de álcool no sangue de 1,86g/l.
Sabia o arguido que estava a conduzir um veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue superior ao limite máximo legal, o qual também conhecia, tendo agido querendo conduzir em tal situação.
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais dá como provado:
Não são conhecidos quaisquer rendimentos ao arguido.
Do CRC do arguido nada consta.
Motivação.
O Tribunal teve em consideração, face à ausência do arguido, as declarações do agente autuante, a testemunha de acusação E…, este agente confirmou em síntese o que consta do auto de notícia, referiu que este arguido foi fiscalizado numa operação de Stop que o mesmo foi identificado através do cartão de cidadão, BI e através da carta de condução; o Tribunal, também teve em consideração o teor do auto de notícia de onde consta que o indivíduo foi identificado através do cartão de cidadão e através de carta de condução; teve-se igualmente em consideração o teor do talão de exame efectuado à detecção do álcool que consta de fls. 5 e o teor do CRC.
*
O aqui arguido está acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelos artigos 292º, n.º1 e 69º, n.º1 al. a), do Código Penal.
Considerando os factos que o tribunal deu como provados conclui que se mostram verificados os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime.
É um crime que é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias a que acresce a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados no período de três meses a três anos.
- Considerando que o aqui arguido não tem antecedentes criminais, aliás se o arguido tivesse estado presente podia-lhe ter sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo.
- Considerando também que se trata de um crime que é pela gravidade da taxa de álcool que foi detetada, o tribunal considera que uma pena de 60 dias de multa é suficiente do ponto de vista das exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso em apreço e numa taxa diária de 5,00€, uma vez que não são conhecidos quaisquer rendimentos ao aqui arguido.
O Tribunal, nos termos do artigo 69º, n.º1 al. a), do Código Penal, considerando a ausência de antecedentes criminais da parte do arguido considera que o período mínimo de proibição de conduzir veículos motorizados por três meses, também é suficiente do ponto de vista dessas exigências.
O Tribunal notifica o arguido pessoalmente do teor da sentença e para no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença apresentar a sua carta de condução neste tribunal ou em qualquer posto policial, nomeadamente o da área de residência.
Também o adverte que se não entregar a carta de condução dentro desse prazo incorre na prática do crime desobediência de acordo com o ac. de fix. de jurisprudência n.º 2/2013 de 9 de Janeiro.
O tribunal também condena o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc acrescida dos demais encargos a que a sua actividade deu causa e que decorrem do regulamento das custas.
Foi perguntado se prescindem da gravação quer ao ministério Público quer ao defensor do arguido, e por ambos foi respondido afirmativamente.
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3. Apreciação do mérito do recurso.
3.1. - Nulidade insanável-artigo 119º, n.º 1 al. d) do CPP.
Sustenta o arguido em síntese que quando foi fiscalizado, no dia 9-03-2013, pelas 6:32 horas, apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,86 g/l. Às 7:19 horas, o Arguido prestou TIR (a fls. 9); nem uma hora tinha corrido desde do momento da ocorrência; o álcool, de todas as consequências, a curto, médio e longo prazo, afecta as capacidades motoras e cognitivas; afectando também, por via disso, a capacidade de percepção da realidade (julgamento) e a memória a curto prazo; a eliminação do álcool do nosso organismo produz-se a uma velocidade de 0,15 g/l por hora; no momento em que prestou o TIR, o Arguido teria pelo menos uma taxa de alcoolemia de 1,71 g/l; o que o impossibilitaria de conduzir, sob pena de prática de outro crime; portanto, se estava incapaz de voltar a conduzir, sendo certo que a condução envolve uma grande articulação entre funções motoras e cognitivas, também estaria incapaz de perceber muito do que se estava a passar; por consequência, estava temporariamente incapacitado para a prestação do TIR, uma vez que é pressuposto desta, em virtude do seu regime e das implicações em matéria de notificação, que os Arguidos estejam cientes, ou seja, não estejam com o discernimento toldado, neste caso, pelo álcool; o órgão de polícia criminal, bem sabendo da taxa de alcoolemia do Arguido e dos efeitos do álcool, não só na condução, mas também nos aspectos gerais da vida, deveria ter aguardado mais tempo para efectivar a prestação do TIR; tempo esse que era vital para que o Arguido pudesse ter o discernimento necessário à prestação do TIR; não tendo aguardado, existe o risco de acontecer o que efectivamente aconteceu, isto é, o Arguido, devido aos efeitos do álcool (entre outros e como se referiu a perda de memória de curto prazo), não se lembra de ter prestado TIR, muito menos das consequências dessa prestação; daí que o TIR prestado seja inválido, na medida que a sua prestação implica necessariamente a capacidade para fazê-lo, o que não sucedeu no caso; de igual modo, a notificação para comparecer em julgamento no dia 11-03-2013 (a fls. 10), pese embora assinada pelo Arguido, não pode ter-se por válida, exactamente pelos motivos enunciados; o que explica a falta de comparência do Arguido, estando aliás tal evidenciado no email enviado por este ao Tribunal a quo, em que afirma não saber da existência do julgamento (a fls. 248).
E conclui que a falta de prestação válida de TIR implica que não se possa fazer uso processual do regime de notificação previsto no art. 113.º, n.º 1, al. c), do CPP, de onde decorre que o Arguido não pode ser notificado para a morada indicada no TIR, nem tampouco pudesse ter ocorrido julgamento na sua ausência, em conformidade com os arts. 332.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1 (a contrario), ambos do CPP.
Igualmente, não poderia o Arguido ter sido submetido a julgamento sem ser ouvido no inquérito (ou na fase preliminar, no caso de processo sumário), como dimana do art. 272.º, n.º 1 do CPP.
Deste modo, infere-se que foi cometida a nulidade do art. 119.º, al. d), do CPP, uma vez que houve ausência do arguido em actos cuja presença era obrigatória, nulidade essa que desde já se argui para os efeitos legais havidos por convenientes, nos termos do art. 122.º do CPP.

Vejamos.
Argumenta o arguido que não se lembra de ter prestado o TIR e muito menos das consequências dessa prestação, para concluir que o TIR prestado é inválido, na medida que a sua prestação implica necessariamente a capacidade para fazê-lo, e de igual modo, a notificação para comparecer em julgamento no dia 11-03-2013 (a fls. 10) pese embora assinada pelo Arguido, não pode ter-se por válida. E a fechar conclui que a falta de prestação válida de TIR implica que não se possa fazer uso processual do regime de notificação previsto no art. 113.º, n.º 1, al. c), do CPP, para a morada indicada no TIR, nem tampouco pudesse ter ocorrido julgamento na sua ausência, em conformidade com os arts. 332.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1 (a contrario), ambos do CPP.
Sobre a prestação de TIR e a sua validade.
Não há dúvidas que o arguido prestou TIR, o próprio arguido concorda com esse facto ao dizer que assinou o auto.
E parece pretender que estava transitoriamente incapacitado de entender o alcance da prestação do TIR, por isso diz que não se lembra de o ter prestado nem das consequências dessa prestação.
Será assim?
Parece-nos que não.
O arguido ampara-se na taxa de alcoolemia e mais precisamente no impedimento de conduzir pelo período de doze horas, nos termos do art. 154º do CE, para dizer que se estava incapacitado para conduzir também estava incapacitado para inteligir as consequências da prestação do TIR e mesmo para reter na memória essa prestação.
É clara que as coisas não se passam deste modo.
E não se passam deste modo, porque o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos. O que significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção pelo legislador, as mais das vezes fundada numa observações empírica de que a situação é perigosa em si mesma…vide Paula Ribeiro de Faria, CCCP, Tomo II, págs. 1093.
Presunção de perigo que funda o crime condução de veículo em estado de embriaguez e é extensiva ao período de 12 horas, consagrado no artigo 154º do C.E.. Período de 12 horas, onde a lei ficciona aquele perigo para quem apresentar resultado positivo no exame de pesquisa de álcool no ar expirado ficando por isso impedido de conduzir. E que se trata de uma mera presunção nos termos expostos, resulta desde logo do facto de nesse mesmo n.º1, do artigo 154º do CE, se fazer cessar o impedimento de conduzir se o arguido comprovar, antes de decorrido esse período, que não está influenciado pelo álcool, através de exame por si requerido.
Daqui resulta que não existe qualquer presunção do legislador de que uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l traduz um perigo concreto para bens jurídicos e, portanto, que o arguido não esteja em concreto na posse das suas capacidade de entender e querer, e muito menos de reter na memória os acontecimentos passados enquanto sob a influência da taxa de álcool demonstrada.
O legislador ficciona que esse perigo existe, dadas as implicações que o exercício da condução tem ou pode ter na vida dos transeuntes das redes viárias, e estende essa presunção ao referido período de 12 horas seguidas ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado positivo, para efeitos do artigo 153º do CE.
Tudo o mais são meras considerações, do recorrente, indemonstradas por qualquer meio, tendo-se sempre em atenção que a inimputabilidade transitória, que é afinal onde vão colidir as alegações do recorrente, veja-se o teor da argumentação da última conclusão, terá de ser verificada em concreto por reporte ao momento da prática do facto. Ora, sobre o estado biopsicológico do arguido em concreto no momento da prestação do TIR nada resulta dos autos. Não há qualquer indício, muito pelo contrário, dado que os dizeres constantes do TIR não foram postos em causa em qualquer das suas vertentes, que a taxa de alcoolemia que o arguido acusou lhe tenha diminuído ou alterado de forma ténue ou profunda as capacidades decisivas para a formação da sua vontade.
Quanto à afectação da memória trata-se de alegação sem sentido, sabido como é do ponto de vista médico [falamos sempre em abstracto] que as chamadas alterações mnésicas, situam-se num quadro de consumo excessivo de álcool num curto espaço de tempo, resultando de uma rápida chegada ao sistema nervoso central do álcool dando origem a amnésias chamadas transitórias, pequenos períodos, em que a pessoa está intoxicada e em que não há memória para os factos ocorridos, o chamado “Binge Drinking”. A amnésia para os factos ocorridos também ocorre em alcoólicos crónicos com um problema de dependência muito agravada, em que a amnésia envolve outras áreas.
Ora, tendo em atenção o que consta dos autos, o arguido terá ingerido bebidas alcoólicas [que estão na origem de lhe ter sido detectada uma taxa de alcoolemia de 1,86g/l] pelo menos antes das 6:32 horas do dia 09.03.2013 [momento do teste de alcoolemia segundo o talão junto a fls. 5], o arguido prestou TIR pelas 07.19h e foi libertado pelas 07:30h ora esta sequência cronológica está muito longe de configurar, mesmo que só em abstracto, que o consumo que se terá verificado se enquadre num consumo excessivo de álcool num curto espaço de tempo, que só pelo decurso do período que vais das 6:32h às 7:30h já envolve um período de tempo considerável para o desfazer do pretendido efeito de choque ao álcool, por outro lado, não há quaisquer indícios de que o arguido seja alcoólico crónico.
Por tudo isto o TIR prestado é válido e tem como obrigações, como nele é expressamente advertido:
«… obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter á disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado;
… obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legítima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nas quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art.º 333 do Código de Processo Penal.»
Tudo de acordo com as obrigações que ao tempo decorriam do disposto nas alíneas a) a d) do artigo 196º do CPP, na redacção então vigente, que foi a operada pelo D.L 320-C/2000.
Tanto basta para que tenhamos por seguro que era legítima a sua representação por defensor em todo os actos processuais a que tinha o direito de estar presente como é o caso do julgamento [onde esteve representado por defensor] e, portanto, de a audiência ser realizada na sua ausência, nos termos do artigo 333º do CPP e, tratando-se de processo abreviado, ainda nos termos do 391-E do CPP.
Finalmente sustenta o arguido que não poderia ter sido submetido a julgamento sem ser ouvido no inquérito (ou na fase preliminar, no caso de processo sumário) como dimana do artigo 272º, n.º1 do CCP.
Dispõe o artigo 272º, n.º1 do CPP que:
1 - Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.
É claro que esta é uma norma geral, pensada e com relevo no processo comum, que não tem qualquer aplicação ao processo sumário ou abreviado como decorre das disposições conjugadas dos artigos 381, n.º1 [1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º,…], 382º, n.º3 [O Ministério Público pode interrogá-lo nos termos do artigo 143.º, para efeitos de validação da detenção e libertação do arguido, sujeitando-o, se for caso disso, a termo de identidade e residência, ou apresenta-o ao juiz de instrução para efeitos de aplicação de medida de coação ou de garantia patrimonial, sem prejuízo da aplicação do processo sumário.] e 384º, n.º 2 [Para os efeitos do disposto no número anterior, o Ministério Público pode interrogar o arguido nos termos do artigo 143.º, para efeitos de validação da detenção e libertação do arguido, sujeitando-o, se for caso disso, a termo de identidade e residência, devendo o juiz de instrução pronunciar-se no prazo máximo de 48 horas sobre a proposta de arquivamento ou suspensão.] e 391º, n.ºs 1 e 3, todos do CPP, no caso, porque o arguido foi detido em flagrante delito e, portanto, a prova é muito simples e evidente - vide corpo do n.º3 e respectiva al. a) do artigo 391º A do CPP.
Pelo exposto improcede a questão da nulidade insanável do artigo 119º, n.º1 al d) arguida pelo recorrente.
*
3.2.- Nulidade de sentença por violação do art. 389-A, n.ºs 1 e 5 do CPP.
No essencial, em relação à invocação desta nulidade, e tendo em conta o disposto no artigo 389-A, n.ºs 1 e 5 do CPP, defende o arguido que a necessidade de redução a escrito da sentença não se esgota com os casos de maior complexidade, mas também será necessária quando o arguido estiver ausente. Pois, argumenta, devendo a sentença ser (pessoalmente) notificada ao arguido, visando-se, também, o conhecimento da mesma por parte deste, a não redução a escrito da sentença, quando o arguido esteve ausente no julgamento, fará com que o Arguido não perceba o que aconteceu, por não ter assistido à actuação da justiça.
E conclui que a circunstância de o arguido ter sido julgado na sua ausência se enquadra nas circunstâncias excepcionais que obrigam a redução a escrito da sentença, sob pena de o Arguido ser duplamente “penalizado”: 1) não assistir (às vezes por razões que lhe são imputáveis, outras não) ao seu julgamento; 2) não perceber as razões que subjazem à sua condenação.
Para concluir que a sentença que condenou o arguido deveria ter sido reduzida a escrito, pelo que não o tendo sido a mesma padece de nulidade ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, al. a), por violação do art. 389-A, n.ºs 1 e 5, aplicável ao processo abreviado pelo art. 391.º-F, todos do CPP.
Vejamos, com brevidade, visto que a falta de razão do recorrente se nos antolha clara.
Prescreve o art. 389-A, do CPP, aplicável ao processo abreviado atento o teor do art. 391.º-F:
1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:
a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º
2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta.
3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º
4 - É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º
5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.
A excepção à regra da oralidade da sentença [em processo sumário ou abreviado, por força da aplicação do regime da sentença do processo sumário ao processo abreviado, art. 391º- F do CPP] está prevista no n.º 5 do artigo 389-A, do CPP, segundo o qual, quando seja aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.
Parece-nos claro que a expressão “ou excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário” não pretende abranger, nem abrange, os casos em que o arguido esteja ausente do julgamento.
Com efeito, esses casos ficam resolvidos com o fornecimento da cópia da gravação a que alude o n.º 4, do art. 389-A do C. Processo Penal, que é, não tanto a cópia da gravação do julgamento, mas sim a cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais – vide a propósito o AC. do TRC de 08.07.2015., embora em sentido não totalmente coincidente.
O que estará em causa, atendendo à teleologia da norma e ao elemento sistemático [assenta a oralidade na celeridade processual e na simplicidade da prova] e tal como acontece quando for de aplicar medida privativa da liberdade [onde se reconhece que será uma exigência de maior rigor e ponderação na decisão e mais aturada fundamentação, quer de facto, quer de direito, que justificam a exigência de elaboração por escrito da sentença – vide o Ac. do TRC de 18.03.2015] serão os casos que exijam o referido maior rigor e ponderação na decisão, quer pela sua complexidade - número de intervenientes envolvidos, número de factos, número de documentos para analisar – ou mesmo complexidade do crime em causa, tendo sempre em atenção que em processo sumário e abreviado podem ser julgados “crimes puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos, ou mesmo crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.”
No caso impõe-se mais duas observações. O defensor do arguido dispensou a cópia da gravação, como resulta do transcrito e consta da gravação da audiência.
Mesmo assim, se o recorrente o entendesse podia fazer pedido nesse sentido, como aliás decorre da parte final do n.º 4, do artigo 389ºA do CPP, para se inteirar da totalidade da sentença [a parte oral] e assim se inteirar das razões da sua condenação, pelo que não colhe o argumento de que assim o arguido fica sem perceber o que aconteceu, por não ter assistido à actuação da justiça.
Acresce, como se refere, no Ac. TRL de 17-12-2014: que o legislador não cominou com nulidade a inobservância do disposto no n.º 5 do art. 389.º-A do CPP, ao contrário do que fez com a inobservância do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que a violação do preceituado naquele dispositivo, não integrando qualquer das nulidades previstas nos arts. 119.º ou 120.º do CPP, constitui mera irregularidade.
Por outro lado, perante o que deixamos transcrito, resultado do que foi ditado oralmente pelo Tribunal a quo, verifica-se que o tribunal fundamentou de forma suficiente embora sucinta a decisão quer de facto quer de direito.
Pelo exposto improcede a arguida nulidade.
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3.3.- Nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo deu como provado que o Arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punível por lei, mas que nada referiu na sua motivação que permita ao arguido perceber como é que chegou a essa conclusão.
E, argumenta, que no caso concreto, toda a prova (seja a documental dos autos, seja o depoimento do Sr. Agente autuante) só se debruçou sobre o facto de o arguido estar a conduzir sob influência de álcool. E que a motivação do Tribunal a quo espelha essa mesma realidade. Em momento algum, se percebe onde o Tribunal a quo fundou a sua decisão relativamente à circunstância dos factos praticados pelo Arguido terem sido praticados de modo deliberado, livre e consciente.
Por conseguinte, o Tribunal a quo incorreu no vício de falta de fundamentação, que fere de nulidade a sentença nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.
Vejamos.
Cumpre referir em primeiro lugar que o recorrente não recorreu de facto, nos termos do artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, pelo que esgrimir com o que disse ou não disse o Sr. Agente Autuante é pura perda de tempo.-
O Tribunal a quo deu como provado: «O arguido B…, no dia 09.03.2013, pelas 06h20, conduzia pelo …, no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula .. - .. - JG, fazendo-o com uma taxa de álcool no sangue de 1,86g/l. Sabia o arguido que estava a conduzir um veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue superior ao limite máximo legal, o qual também conhecia, tendo agido querendo conduzir em tal situação
Os transcritos factos não foram postos em causa, pelo que a conclusão de que “o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” vem no seguimento daqueles dois factos provados como sendo uma conclusão do que normalmente acontece, atentas as regras da experiência comum, sempre tendo em atenção a menor exigência de fundamentação, e simplicidade, de uma sentença num processo especial, como é o caso, e quando a exigência é a de “exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão”.
Uma última nota para remeter o recorrente para o que deixamos expendido na primeira questão decidida e nomeadamente para as considerações feitas a propósito da não alteração das capacidades decisivas para a formação da sua vontade.
Pelo exposto, improcede mais esta questão e o recurso.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recursos interposto, com a consequente manutenção da sentença em recurso.
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Custas pelo recorrente nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º9 do regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa de justiça em 5 [cinco] UC, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
*
Notifique.
*
Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do C.P.P.
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Porto, 10 de Janeiro de 2018
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares