Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8807/17.3T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS FISCAIS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201911128807/17.3T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição dos créditos fiscais é de conhecimento oficioso, mesmo no âmbito da reclamação de créditos, deduzida em processo de insolvência.
II - A apreensão de bens nesse tipo de processos, ou seja, nos processos de insolvência, é condição de eficácia dos privilégios creditórios associados aos créditos que neles se reclamem.
III - Assim, não havendo bens apreendidos, não podem ser reconhecidos esses privilégios.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8.807/17.3T8VNG-A.P1
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1 - Nos autos de reclamação de créditos que correm por apenso ao processo de insolvência em que figura como Insolvente, B…, foi proferida sentença, no dia 07/05/2019, que, na sequência da impugnação deste Insolvente, declarou prescritos todos os créditos reconhecidos à Administração Tributária por dívidas de IRS, IMI, IVA, coimas e custas fiscais, mantendo-se apenas o crédito por dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP, no montante de 2.402,50€.
2 - Inconformado com esta sentença, reagiu o Ministério Publico, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1ª- A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação de créditos apresentada pelo insolvente e declarou a prescrição de todos os créditos reconhecidos à administração tributária por dívidas de IRS, IMI e IVA, além das coimas e das custas fiscais.
2º- O meio próprio para arguir a prescrição seria em nosso entender a oposição à execução fiscal prevista no artigo 203º e seguintes do CPPT, junto do tribunal materialmente competente – o tribunal fiscal – e não na jurisdição comum.
3º - A prescrição tributária tout court encontra o seu propósito nos artigos 48º e 49º da LGT, relevando para o caso as normas que definem os conceitos de interrupção e o efeitos da citação dos artigos 326º nº 1 e 327 º nº 1 do Código Civil, aplicáveis por remissão do artigo 2º alínea d) da LGT, bem como, a fundamentação de alguma jurisprudência, de que destacamos o Acórdãos do STA de 23.11.2016, proferido no Processo 01121/16 e de 19.09.2012, proferido no Processo 0883/12, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt.
4ª - As citações efetuadas nos processos de execução identificados, ocorridas entre 11.04.2011 e 04.06.2011, interromperam o prazo prescricional relativamente a cada um e, tendo como efeito inutilizar todo o tempo até aí decorrido, nos termos definidos no artigo 49º da LGT, reiniciando-se a contagem de novo prazo de oito anos.
5ª - O artigo 100º do CIRE não contende com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos artigos 48º a 49º da LGT citados.
6ª- Como são tidas em atenção, complementarmente as normas que definem os conceitos de interrupção e o efeito da citação previstos nos artigos 326º nº 1 e 327 º nº 1 do Código Civil.
7ª- É forçoso concluir que não obstante o tempo efetivamente transcorrido as da(s) obrigação(ões) exequenda(s), referentes aos atos de liquidação de IRS dos períodos de tributação de 2008 e 2009 exigidas nos PEF nºs 1910201101017896 e 1910201101022490 e de IMI do período de tributação de 2010 exigida no PEF 1910201101056050, bem como dos atos de liquidação de IVA dos períodos de tributação de 2008 e 2009 exigida nos PEF 39642010001098250, 3964201001105434, 3964201001036220, de IMI do período de tributação de 2009 exigido no PEF 3964201001089692, e dos atos de liquidação de IRS dos períodos de tributação de 2006 e 2007 exigidos nos PEF 3964201001014510, 3964201001014510 e 3964201001015656 ainda não se mostram prescritas por força da interrupção decorrente da citação do devedor e da suspensão decorrente da vigência do processo de insolvência do mesmo devedor, ora insolvente.
8ª - Mesmo que mera hipótese se admitisse desconsiderar a citação postal do executado nos processos de execução visados, para o cômputo do prazo prescricional, ainda assim as obrigações exigidas nos PEF nºs 1910201101022490 por dívida de IRS do período de tributação de 2009 e PEF 1910201101056050 por dívida de IMI do período de tributação de 2010, não se encontrariam prescritas.
9ª - O carácter ex lege da obrigação tributária, que está na origem do regime da indisponibilidade dos créditos tributários e, justifica o facto de as condições para a redução ou extinção dos créditos tributários dependerem de normas legais, assegurando- se, desta forma, o respeito pelo princípio da igualdade, v. artigo 30º, n.º 2 da LGT.
10ª - Além de indisponíveis, os créditos fiscais são irrenunciáveis, e, por tal facto, definitivos, v. artigo 60º do CPPT. Com efeito, percorrendo a legislação fiscal, verificamos que em momento algum o legislador concede a possibilidade de sacrifício dos créditos tributários. Aliás, a própria concessão de moratórias encontra-se vedada, a não ser nos casos e condições expressamente previstos na lei – v. artigos 36º n.º 3 da LGT e 85º n.º 3 do CPPT.
11ª - Confirmando-se que in casu estão em causa quantias exequendas que não excedem as 500 unidades de conta - cf. artigo 191º, nº 1 do CPPT -, a citação efetua-se mediante simples postal, podendo, como decorre do disposto no nº 4 do mesmo artigo, também ser efetuada por transmissão eletrónica de dados, que equivale, como decorre do próprio texto legal, à remessa por via postal simples nos casos a que se refere o nº 1 do preceito.
12ª - E, nos casos de citação através de postal, simples ou registado sem aviso de receção, previstos no artigo 191º do CPPT não se estabelece qualquer presunção de recebimento do mesmo, como se infere do preceituado no artigo 193º, que impõe a citação pessoal do executado no momento da penhora e a citação edital, se esta não for possível.
13ª - Pese embora se possa argumentar a inconveniência da citação através de postal, o certo é que este meio de citação é legal, atentos os formalismos legais definidos, mormente o montante da(s) dívida(s) exequenda(s) em causa.
14ª - Carece de sentido colocar o enfoque numa eventual falta de citação para a execução, no que concerne às obrigações exequendas - de IRS e creia-se de IMI -, cujos processos de execução fiscal pendem neste Serviço de Finanças/Órgão de Execução Fiscal, com a motivação assente na falta de demonstração desse ato por parte da AT.
15ª - A utilização da citação de postal que a doutrina e a jurisprudência designam de provisória, é de aceitar-se, já que, não havendo penhora de bens, como de facto não houve, não resulta do(s) processo(s) lesão patrimonial para o devedor contra quem corre a execução e, consequentemente, não se torna indispensável assegurar-lhe a possibilidade de defesa contra a pretensão do exequente e/ou credor Estado.
16ª - A sentença violou o disposto nos artºs 203º, 60º, 36º, nº 3, 85º, 91º, 85º e 91º do CPPT, 326º, nº 1 e 327, nº 1, do CC, 2º, alínea d), 48º, 49º, 30, nº 2, 36º, nº 3 da LGT, e 100º do CIRE.
Termos em que se conclui que a douta sentença deverá ser revogada e substituída por outra que, relativamente aos créditos de IRS, IMI e IVA oportunamente reclamados pelo Ministério Público, julgue improcedente a impugnação apresentada e os gradue, juntamente com os demais créditos, observando a sua natureza comum”.
3- Não consta que tivesse sido apresentada resposta.
4- Entretanto, depois de interposto o recurso, o Ministério Público veio desistir do mesmo em relação aos créditos constantes dos processos de execução fiscal (PE) nº 3964201001098250, 396420100105434. 3964200901108166, 3964201001036220 e 3964201001089692.
5- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objeto
O objeto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, levando em consideração este critério e a desistência parcial do recurso já aforada, cinge-se o objeto do presente à questão de saber se os créditos indicados pelo Apelante não se encontram ainda prescritos e, nesse caso, quais as implicações na graduação de créditos.
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2- Fundamentação
A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- B… foi declarado insolvente por sentença datada de 03/11/2017, tudo conforme termos de fls. 19/21 do processo principal.
2- O Serviço de Finanças foi citado a 07/11/2017, conforme documento eletrónico com a referência 386526904, constante do Citius.
3- A Senhora AI reconheceu à administração tributária um crédito global no valor de 28.497,42€, sendo:
a) 10.181,34€, por dívidas de IRS.
b) 1.190€, por dívidas de IMI.
c) 13.265,99€, por dívidas de IVA.
d) 2.402,50€, por dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP,
e) 1.457,59€, por coimas e custas fiscais, tudo conforme termos da relação de credores de fls. 3 e 4, cujo teor aqui se dá por reproduzida.
4- Nos processos de execução fiscal relativos a IRS:
a) 1910201101017896, instaurado em 30/03/2011, o período de tributação é de 2008/01/01 a 2008/12/31.
b) 1910201101022490, instaurado em 03/04/2011, o período de tributação é de 2009/01/01 a 2009/12/31.
5- Nos processos executivos fiscais relativos a dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP:
a) n.º 351420140104120, que se reporta ao período de 2011/06/01 a 2011/09/30, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/02/13.
b) n.º 3514201401063251, que se reporta ao período de 2010/11/01 a 2010/12/31, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/02/24.
c) 3514201401063260, que se reporta ao período de 20/1/03/01 a 2011/06/30, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/02/25.
d) 3514201401063278, que se reporta ao período de 2010/11/01 a 2010/11/30, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/02/25.
e) 3514201401063286, que se reporta ao período de 2010/10/01 a 2011/11/30, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/02/24.
f) 3514201401078950, que se reporta ao período de 2011/09/01 a 2011/10/31, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/03/03.
g) 3514201401089064, que se reporta ao período de 2011/10/01 a 2011/10/31, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/03/09.
h) 3514201401089072, que se reporta ao período de 2011/10/01 a 2011/10/31, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/03/09.
i) 3514201401114859, que se reporta ao período de 2011/10/01 a 2011/10/31, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/03/27.
j) 3514201401130455, que se reporta ao período de 2011/02/01 a 2011/02/28, a citação fez-se por via postal simples, com data de 2014/04/07.
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B - Na mesma sentença, não se julgou provado que nos processos executivos fiscais relativos a IRS referidos em 4), a citação do devedor foi efetuada em 11/04/2011 por via postal simples.
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C- Análise dos fundamentos do recurso
Está nele em causa, em primeiro lugar, a questão de saber se os créditos fiscais indicados pelo Apelante (Ministério Público) não se encontram prescritos. Estamos a falar dos créditos provenientes do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referentes aos anos de 2006 (PE n.º 3964201001015656), 2007 (PE n.º 3964201001014510), 2008 (PE n.º 1910201101017896) e 2009 (PE n.º 1910201101022490), bem como do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo ao ano de 2010 (PE n.º 1910201101056050).
Na sentença recorrida, entendeu-se que sim; que “todos os créditos reconhecidos à Administração Tributária por dívidas de IRS, IMI, IVA, coimas e custas fiscais” estão prescritos, só subsistindo o crédito por dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP, no montante de 2.402,50€.
Mas, o Apelante não se conforma com esta solução. E alega, desde logo, que essa prescrição não ocorre em relação aos créditos indicados, por ter sido interrompida com a citação do devedor.
Sucede que, quanto a tais créditos, não está demonstrada essa citação. Pelo contrário, julgou-se, na sentença recorrida, que a citação do devedor nos processos de execução fiscal que lhe foram movidos pelos créditos de IRS dos anos de 2008 e 2009, não ficou demonstrada. E, em relação aos demais, também não há qualquer alusão em tal sentença a semelhante ato.
Neste contexto, competia ao Apelante, se quisesse ver demonstrado o ato de citação em conformidade com o que alega, impugnar a matéria de facto. Mas, impugná-la de acordo com os requisitos legais. Ou seja, indicando, designadamente, os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida e, nesse caso, qual decisão (artigo 640º, nº 1, do CPC).
Só que o Apelante não o fez; isto é, não cumpriu estes requisitos. De modo que a sua pretensão de ver reconhecido o efeito interruptivo da prescrição ao ato de citação do devedor, só pode ser julgada improcedente.
Numa outra vertente, alega o Apelante que a prescrição invocada pelo Insolvente só poderia ter sido arguida no processo de oposição à execução fiscal e não nestes autos.
Mas, não é assim.
Efetivamente, ao contrário do que sucede com a prescrição das obrigações civis, em que em que o “tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição” (artigo 303.º do Código Civil), vigora para as obrigações tributárias, justamente, a regra contrária; ou seja, “[a] prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver feito” – artigo 175.º do CPPT[1].
E esta regra é também aqui aplicável. Desde logo, porque não sabemos, como dissemos, se o devedor foi, efetivamente, citado para deduzir oposição. E, depois porque o Estado não pode cobrar coercivamente tributos, seja por que modo for, que não sejam exigíveis. O Estado está sujeito nessa, como noutras atividades, ao princípio da legalidade (artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP) e, portanto, não pode atuar à margem da lei. Essa é uma garantia dos contribuintes que justifica, aliás, ainda que não totalmente, o conhecimento oficioso da prescrição das obrigações tributárias. Esse conhecimento, com efeito, é também justificado por uma razão assistencial, permitindo que a eventual renuncia à prescrição seja expressa e esclarecida e não resulte de mera ignorância do devedor[2], já que estamos, nitidamente, perante uma relação desequilibrada e não paritária, como sucede no domínio das obrigações civis. Daí que, como dissemos, a lei imponha o conhecimento oficioso da prescrição das obrigações tributárias em qualquer domínio em que o cumprimento das mesmas seja exigido.
Ora, havendo esta imposição, sempre seria indiferente que o Insolvente arguisse, ou não, a prescrição dos tributos que lhe são exigidos.
E é, por isso mesmo, aliás, que se impõe averiguar se esses tributos estão, ou não, prescritos.
Estamos a falar, já o dissemos, dos créditos provenientes de IRS dos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, bem como do IMI, relativo ao ano de 2010.
Tais tributos, porque se trata de impostos periódicos, prescrevem no prazo de oito anos, contados do termo do ano em que se verificou o facto tributário. É o que resulta do disposto no artigo 48.º, n.º 1, da LGT[3].
Mas, esse prazo interrompe-se, conforme se estabelece no artigo 49.º, n.º 1, da LGT, com “a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo”.
Além disso, o prazo de prescrição legal também se suspende:
a) “Em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizados”;
b) “Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”;
c) “Desde a instauração até ao trânsito em julgado da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público”.
d) “Durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente”.
e) Desde “a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença” – artigo 49.º n.ºs 4 e 5, da LGT.
E, suspende-se igualmente, ainda que com algumas especificidades[4], com a declaração de insolvência - artigo 100.º do CIRE[5].
Ora, no caso em apreço, não estando demonstrado qualquer facto interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição, é inevitável a conclusão de que todos os créditos emergentes do IRS referente aos anos de 2006, 2007, e 2008, prescreveram antes de ter sido declarada a insolvência do devedor; ou seja, antes do dia 03/11/2017. Isto porque até essa data passaram mais dos oito anos necessários para se produzir esse efeito.
Já quanto aos outros, ou seja, aos créditos emergentes do IRS de 2009 e do IMI de 2010, a conclusão terá, necessariamente, de ser a oposta. Não só a declaração de insolvência do devedor ocorreu antes de passarem os ditos oito anos, contados do termo do ano a que os impostos originadores de tais créditos dizem respeito, como o Insolvente teve, antes, conhecimento de que o pagamento de tais tributos lhe estava a ser exigido judicialmente nestes autos. Em palavras mais simples, o termo do prazo de prescrição do crédito por IRS ocorreria apenas no dia 01/01/2018, e o proveniente do IMI, no dia 01/01/2019. Ora, o Insolvente deduziu a sua impugnação no dia 21/12/2017. O que significa que teve o aludido conhecimento antes desta data.
Recorde-se, para melhor compreensão, que a prescrição, nos termos do artigo 323.º, n.º1, do Código Civil, se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, e que, portanto, tendo essa intenção sido, neste caso concreto, levada ao conhecimento do Insolvente antes de esgotado o prazo para a prescrição ocorrer, a mesma não pode ser reconhecida.
Daí que, em suma, tais tributos sejam devidos.
Aliás, em relação ao IMI do ano de 2010, o Insolvente nem sequer o impugnou (cfr. fls. 17v.º a 21). Nem ele, nem mais ninguém. O que significa que esse crédito devia ter sido, de imediato, reconhecido (artigo 130.º, n.º 3, do CIRE).
Neste enquadramento, importa, assim, apenas saber qual o lugar a ocupar por estes créditos, na fase de pagamento.
Não há, como resulta da sentença recorrida, qualquer bem apreendido para a massa insolvente. A graduação de créditos exarada nessa sentença foi feita para a hipótese de haver necessidade do fiduciário proceder à distribuição do valor remanescente que eventualmente resulte dos rendimentos que lhe forem cedidos pelo devedor, em cumprimento do disposto no artigo 241.º, n.º 1, al. d), do CIRE.
Ora, em tal hipótese, nenhum dos aludidos créditos goza de qualquer privilégio creditório.
Os créditos provenientes de IMI, não gozam desse privilégio porque só os créditos desse tipo “inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou ato equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos” a esse imposto e, no caso presente, como dissemos, não foi apreendido qualquer bem imóvel – artigo 744.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 122.º do CIMI[6].
E os créditos oriundos do IRS, também só gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário, uma vez que só dele beneficiam os créditos relativos aos últimos três anos, “sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro ato equivalente”, e não foi, repetimos, apreendido, neste caso, qualquer bem – artigo 736.º, n.º 1, do Código Civil, e artigo 111.º, do CIRS[7].
A apreensão de bens, assim, era condição de eficácia de qualquer um destes privilégios creditórios. Ou seja, embora a sua constituição se tivesse verificado com os atos ou factos de que a lei fazia depender a sua atribuição, só a apreensão de bens os podia concretizar[8]. O que, efetivamente, não sucedeu.
Assim, ambos os créditos devem ser pagos como créditos comuns.
Ou seja, em resumo, não há qualquer hierarquia de pagamentos a estabelecer, mas os créditos provenientes do IRS de 2009 e do IMI de 2010, devem ser satisfeitos tal como os demais créditos comuns já reconhecidos na sentença recorrida.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda - se em:
1.º Conceder parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se, também parcialmente, a sentença recorrida e, reconhecendo os créditos por IRS do ano de 2009 e oriundos de IMI do ano de 2010, determina-se que os mesmos sejam pagos a par dos restantes créditos comuns.
2.º Quanto ao mais, julga-se improcedente este recurso e confirma-se, nessa medida, a sentença recorrida.
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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas, pelo Estado (Administração Tributária) e pela massa insolvente, na proporção, respetivamente, do valor dos créditos não reconhecidos e reconhecidos nesta instância – artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC, e artigo 51.º, n.º 1, al a), do CIRE.

Porto, 12 de Novembro de 2019
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na sua versão atual.
[2] Neste sentido, Carlos Valentim, Sobre a prescrição da Obrigação Fiscal, consultável em cej.mj.pt, pág. 115 e 116.
[3] Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, na sua versão atualizada.
[4] Resultantes da declaração de inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, declarada, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 577/2018, de 23/10/2018, em relação aos devedores subsidiários, havendo também quem considere a mesma inconstitucionalidade para os demais devedores (neste sentido, entre outros, se pronunciou o STA, em Acórdão proferido no dia 03/10/2018, Processo n.º 0694/17.8BEALM 0789/18, consultável em www.dgsi.pt).
[5] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/2004 de 18 de Março.
[6] Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro
[7] Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro.
[8] Neste sentido, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 4ª Ed., Almedina, págs. 134 e 135.