Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3057/11.5TBPVZ-M.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
DA PRECLUSÃO E DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES
JUÍZO DA NECESSIDADE
Nº do Documento: RP202302063057/11.5TBPVZ-M.P1
Data do Acordão: 02/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os poderes-deveres do juiz estabelecidos no art. 411º CPC que se fundam no princípio do inquisitório, não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes.
II - O exercício de tais poderes coexiste com o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
III - O juiz apenas deve ordenar as diligências na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
IV - O juízo de necessidade resulta do confronto entre a prova produzida e os factos controvertidos a apreciar, alegados pelas partes e relacionados com os temas de prova (art. 5º e 410º CPC e art. 341º e seg do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Prova-3057/11.5TBPVZ-M.P1
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SUMÁRIO[1](art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Por apenso ao processo de insolvência de AA e BB veio a Massa Insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, demandar, em ação declarativa comum, a A..., Lda, id nos autos, apenso ao qual foi atribuído a letra H).
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O processo seguiu os termos processuais e em sede de julgamento, na sessão do dia 11 de novembro de 2022, a autora Massa Insolvente formulou os requerimentos que se transcrevem:
1 - Tendo em conta as declarações prestadas pelo Sr. CC, perito que elaborou o documento constante dos autos e uma vez a questão e dúvida aqui suscitada sobre o valor do milho em grão ou o milho de forragens, afigura-se necessário para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que seja realizada uma peritagem no sentido de apurar o preço do milho para forragens dos anos de 2012 até 2019, época em que a Ré explorou o prédio rústico objeto dos autos, o que se requer, nos termos referidos.
2- Tendo em conta os depoimentos que aqui foram trazidos pelas testemunhas da Ré, em que, segundo as suas versões apresentadas, deram a entender que, até determinada altura, os subsídios pagos pelo IFAP eram decorrentes de direitos anteriores e não relacionados com a área, nem exploração agrícola ou pecuária, admitindo, porém, que a partir de determinada altura poderá ter havido uma alteração em que a área e, eventualmente, as culturas ou criação de gado possam ter relevância na atribuição de subsídios, motivou um estudo por parte da Autora, dando conta de uma inúmera legislação.
Considerando que a vasta legislação, nomeadamente diretivas e regulamentos Europeus, é muito específica e técnica, para que se possa conseguir, através dela, aferir, sem margem de dúvida se a Ré obteve alguma vantagem paga pelo IFAP e, em caso positivo, qual o montante, em virtude da utilização/exploração do prédio rústico objeto dos autos por parte da Ré, estando crente a Autora que assim aconteceu, afigura-se essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que aquele organismo público seja oficiado no sentido de prestar os seguintes esclarecimentos:
1) Em que ano foi declarado pela Ré, junto do IFAP, o imóvel objeto dos autos, que corresponde ao número parcelário ... da parcela de ..., freguesia ..., concelho de Póvoa de Varzim.
2) Se tal declaração daquele imóvel junto do IFAP trazia com ele algum direito e/ou constituía alguma vantagem económica para a Ré, nomeadamente, pela atribuição de subsídios, compensações, que ficaram a ser atribuídos à Ré.
3) Em caso positivo quais os montantes.
4) Tendo sempre em conta a legislação em vigor em cada momento, no período compreendido no período entre 2012 e 2019, a que se referem os documentos juntos aos autos pelo IFAP, se em cada ano os montantes recebidos pela Ré têm alguma relação direta ou indireta com o parcelário anteriormente referido em 1), quer pela área do mesmo ou pela sua exploração agrícola/pecuária.
5) Em caso de resposta positiva, quais os montantes que recebeu a Ré e que não receberia no período compreendido entre 2012 e 2019, conforme documentos juntos pelo IFAP nos autos, caso não fizesse parte do procedimento instruído pela Ré destinado a receber subsídios/compensações, o imóvel objeto dos autos, que corresponde ao parcelário referido no ponto 1).
Termos em que se requer”.
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Concedeu-se prazo para a ré se pronunciar sobre o requerido e no exercício do direito de resposta veio pronunciar-se nos termos que se transcrevem:
A..., Lda, ré nos autos de ação acima identificados que seguem a tramitação dos processos urgentes,
Vem dizer, genericamente, quanto aos dois requerimentos apresentados pela autora massa insolvente no final da última das sessões de julgamento, depois de produzida toda a prova requerida pelas partes, que os mesmos só denotam o desespero da autora por não ter feito prova da matéria cujo ónus probatório lhe incumbia.
Pronunciando-se concretamente acerca de cada um deles, diz o seguinte:
a) quanto ao primeiro requerimento apresentado pela autora massa insolvente, no final da última das sessões de julgamento, impõe-se antes de mais realçar que o depoimento do senhor avaliador que fez o relatório no apenso C foi extremamente esclarecedor, tendo o mesmo admitido não ter qualquer formação na área, nem conhecimentos específicos acerca da produção agrícola. Através do indicado depoimento, oficiosamente determinado, visara avisadamente o tribunal verificar do rigor e conhecimentos técnicos daquele relatório, infirmado pela prova testemunhal.
Isto posto, atenta a natureza dos autos, porque já passou a fase dos articulados e já terminou a produção de prova que havia sido oportunamente requerida e admitida nos autos, cremos por demais evidente já se encontrar precludida a apresentação/ requerimento de meios de prova pela autora.
Impendendo sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, uma das inovações do CPC de 2013 foi, precisamente a obrigatoriedade de as partes indicarem os respetivos meios de prova logo na petição inicial e na contestação, pelo que a regra passou a ser a de que as provas são requeridas nos articulados em que se aleguem os factos atinentes (artigo 552º nº 6 CPC).
A autora, que alegou na PI, entre outras coisas, que o prédio rústico tinha determinada produção e um dado rendimento, aí indicou e requereu todos os meios de prova que entendeu convenientes, os quais confirmou em sede de audiência prévia, ocasião em que se fixaram os temas de prova.
Nem num momento, nem noutro, requereu a realização de peritagem. Como tal, e tendo presente que se mantém em vigor o normativo do artigo 139º nº 3 do CPC segundo o qual o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, temos por certo que o requerimento que a autora ora apresentou é manifestamente extemporâneo, devendo ser indeferido.
b) Quanto ao segundo requerimento apresentado pela autora massa insolvente, no final da última das sessões de julgamento, no sentido de o tribunal notificar o IFAP para vir aos autos – os quais seguem a tramitação de processo urgente –responder a cinco novas questões, vem dizer o seguinte:
Como referido supra, nos termos do NCPC as provas são requeridas nos articulados em que se aleguem os factos atinentes. No articulado superveniente a autora requereu, especificamente, que se notificasse o IFAP para fornecer determinados e específicos documentos.
Requereu, então, a prova que entendeu por conveniente.
Tendo sido juntos uns, e faltando outros, insistiu a autora pela sua junção, a qual foi ordenada e, imediatamente notificada aquela entidade, procedeu à junção em 21-10-2022 desses outros documentos, (os documentos instruídos pela ré para obtenção de subsídios junto do IFAP entre o ano de 2012 e de 2019).
Notificada dos mesmos a autora, a mesma, dentro do prazo para exercido do contraditório não requereu qualquer esclarecimento acerca desse conjunto de documentos.
Vem fazê-lo agora, volvidos 18 dias sobre a data da sua notificação (em 21-10-2022).
Assim, tendo presente que se mantém em vigor o normativo do artigo 139º nº 3 do CPC segundo o qual o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, é por demais evidente que o requerimento que a autora ora apresentou é manifestamente extemporâneo, devendo ser indeferido.
Acresce não poder colher a justificação que a autora invoca para o requerimento tardiamente apresentado, pois o estudo sobre a matéria e a legislação envolvida – tanto mais vasta, específica e complexa – haveria de ser feito previamente à apresentação do articulado superveniente, onde foi deduzido pedido atinente a essa matéria, pelo que sempre, e por cautela, se invoca o princípio da auto-responsabilização das partes.
TERMOS EM QUE DEVEM SER INDEFERIDOS OS MEIOS DE PROVA REQUERIDOS E SER DESIGNADA DATA PARA A CONCLUSÃO DO JULGAMENTO, em consonância com a natureza urgente do processo”.
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Proferiu-se o despacho com a decisão que se transcreve:
“Requerimentos probatórios formulados pela Autora Massa insolvente na última sessão de audiência de julgamento:
Veio a autora Massa insolvente, na segunda e previsível última sessão de audiência de julgamento, requerer que seja realizada uma peritagem no sentido de apurar o preço do milho para forragens dos anos de 2012 até 2019, época em que a Ré explorou o prédio rústico objeto dos autos. Sustenta o seu pedido, tendo em conta as declarações prestadas pelo Sr. CC, perito que elaborou o documento constante dos autos e considerando que a questão e dúvida aqui suscitada sobre o valor do milho em grão ou o milho de forragens afigura-se necessária para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
A sociedade ré já se pronunciou, pugnando pelo indeferimento desta perícia, uma vez que a mesma não fora requerida em tempo oportuno.
Cumpre apreciar.
Nos termos do art. 552.º, n.º 2, CPC, o autor deve oferecer logo na petição inicial os seus meios de prova, podendo completar os seus requerimentos probatórios em sede de audiência prévia – art. 598.º CPC; devendo ainda apresentar os meios de prova no seu articulado superveniente – art. 588.º, n.º 5, CPC.
A autora Massa Insolvente delineou a sua estratégia processual, juntando aos autos o relatório pericial elaborado pelo Perito CC, no âmbito da ação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente também apensa ao processo principal de insolvência.
Não requereu a realização de prova pericial nestes autos na petição inicial, nem em sede de articulado superveniente ou audiência prévia.
Fora produzida toda a prova oral e documental requerida pelas partes, designadamente, foram ouvidas as testemunhas da ré que depuseram, entre outra matéria, sobre o valor do milho para forragens, distinguindo esse preço por Kg do preço do milho grão. Dado que no relatório pericial junto pela Massa era indicado outro preço do milho (bastante mais elevado do preço referido pelas testemunhas e próximo do preço apontado para o milho grão), mas sem ali ser especificado na perícia se era o milho grão ou para forragens, e por forma a o Tribunal dissipar qualquer dúvida e poder valorar de forma conscienciosa a prova oral já produzida, optara o Tribunal por oficiosamente determinar a audição do sr. Perito que elaborara aquele relatório. O Sr. Perito fora ouvido, tendo prestado o seu depoimento, revelando não saber precisar se era o valor de milho grão ou milho para forragens, acabando, no entanto, por reconhecer que seria o milho mais caro, o milho grão e revelando ainda desconhecer atualmente o preço do milho.
Ora, não se nos afigura essencial para a formação da convicção do tribunal determinar a realização de uma prova pericial, já depois de produzida toda a prova requerida pelas partes e ainda ter o Tribunal determinado oficiosamente uma outra diligência, diligência determinada precisamente com o intuito de verificar se existiam razões objetivas para infirmar os depoimentos já prestados em audiência quanto ao preço do kg do milho para forragens.
Sublinhe-se que no processo civil existem regras processuais próprias, designadamente, no que respeita ao momento processual próprio para requerer provas, as quais devem ser respeitadas, sob pena de se protelar indefinidamente um processo, causando violações de processo equitativo, por não ser proferida decisão em prazo razoável.
Não pode a parte vir adaptando os seus requerimentos probatórios, requerendo novas diligências, apenas e só, porque a prova produzida não lhe correu conforme pretendia.
Não podemos afirmar que do depoimento do Perito tenha sido criada dúvida quanto ao preço do milho, pois que já havia sido produzida prova testemunhal sobre a matéria, simplesmente o tribunal tinha necessidade de remover eventuais dúvidas quanto aos depoimentos prestados nessa matéria, o que fez, ouvindo o sr. Perito.
Ademais, nos termos do disposto no art. 388.º do C. Civil, a prova pericial só se justifica quando para a perceção ou apreciação de factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
Ora, saber o preço do milho para forragens dos anos de 2012 até 2019 não carece de conhecimentos especiais para a sua perceção, porquanto eles são de fácil perceção, podendo ser provados por prova testemunhal ou por pesquisas referentes ao preço do milho.
Assim, afigura-se-nos que a perícia agora requerida se afigura impertinente, assumindo um caráter dilatório, sendo intempestivo este requerimento probatório, pelo que ao abrigo do art. 476.º, n.º 2, CPC, indefere-se a realização da perícia requerida.
Requer ainda a Massa Insolvente uma outra diligência probatória, novo ofício ao IFAP.
Refere a Massa Insolvente que após a sessão de julgamento de dia 02.11.2022, e face aos depoimentos prestados efetuou um estudo da legislação. Considerando que a vasta legislação, nomeadamente diretivas e regulamentos Europeus, é muito específica e técnica, para que se possa conseguir, através dela, aferir, sem margem de dúvida se a Ré obteve alguma vantagem paga pelo IFAP e, em caso positivo, qual o montante, em virtude da utilização/exploração do prédio rústico objeto dos autos por parte da Ré, alega que considera essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que aquele organismo público seja oficiado no sentido de prestar os seguintes esclarecimentos:
1) Em que ano foi declarado pela Ré, junto do IFAP, o imóvel objeto dos autos, que corresponde ao número parcelário ... da parcela de ..., freguesia ..., concelho de Póvoa de Varzim.
2) Se tal declaração daquele imóvel junto do IFAP trazia com ele algum direito e/ou constituía alguma vantagem económica para a Ré, nomeadamente, pela atribuição de subsídios, compensações, que ficaram a ser atribuídos à Ré.
3) Em caso positivo quais os montantes.
4) Tendo sempre em conta a legislação em vigor em cada momento, no período compreendido no período entre 2012 e 2019, a que se referem os documentos juntos aos autos pelo IFAP, se em cada ano os montantes recebidos pela Ré têm alguma relação direta ou indireta com o parcelário anteriormente referido em 1), quer pela área do mesmo ou pela sua exploração agrícola/pecuária.
5) Em caso de resposta positiva, quais os montantes que recebeu a Ré e que não receberia no período compreendido entre 2012 e 2019, conforme documentos juntos pelo IFAP nos autos, caso não fizesse parte do procedimento instruído pela Ré destinado a receber subsídios/compensações, o imóvel objeto dos autos, que corresponde ao parcelário referido no ponto 1).
A ré opôs-se a este requerimento, alegando em síntese, a intempestividade e impertinência do requerido.
Mais uma vez se destaca que este requerimento probatório é claramente intempestivo. A prova deve ser requerida pelas partes nos seus articulados ou na audiência prévia.
No caso concreto, no articulado superveniente a autora requereu, especificamente, que se notificasse o IFAP para fornecer determinados e específicos documentos. Requereu, então, a prova que entendeu por conveniente.
Tendo sido juntos uns, e faltando outros, insistiu a autora pela sua junção, a qual foi ordenada e o IFAP procedeu à junção em 21-10-2022 desses outros documentos, (os documentos instruídos pela ré para obtenção de subsídios junto do IFAP entre o ano de 2012 e de 2019).
Notificada dos mesmos a autora, no prazo legal do contraditório, não requereu qualquer esclarecimento acerca desse conjunto de documentos, sendo por isso intempestivo vir agora nesta sessão de julgamento de 11.11.2022 peticionar novo ofício, apenas porque os depoimentos das testemunhas da ré não foram ao seu encontro.
Por outro lado, o estudo da legislação aplicável já podia e devia ter sido efetuado em tempo anterior, não se justifica agora este retardar dos autos e da conclusão da audiência, com base no estudo do mandatário da autora só ter sido efetuado após a audição da prova testemunhal. Não está, assim, justificada a apresentação tardia deste requerimento.
Mais uma vez repete-se, não pode a parte vir formular requerimentos probatórios tardios, ou mesmo “às pingas”, ao sabor de como correu a prova oportunamente indicada pelas partes.
Ademais, as diligências de prova não servem para apurar o direito ou tecer considerações sobre o direito, sempre podendo e devendo os mandatários aproveitar as alegações orais para expor as considerações relevantes em matéria de direito, além das alegações em matéria de facto, pelo que terá a autora massa insolvente a oportunidade em sede de alegações de salientar a legislação aplicável.
Pelo exposto, por extemporâneo, impertinente e dilatório, vai indeferida a diligência probatória de novo ofício ao IFAP”.
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A Autora Massa Insolvente de AA e BB veio interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
1. A A./recorrente impugna o despacho recorrido, o qual rejeitou a prova requerida pela A..
2. Decorrente de factos novos trazidos aos autos pelas testemunhas da R., sem que tivessem sido alegados por esta, como deveria, até porque são matéria de exceção, nomeadamente, de que o preço do quilo de milho de grão, constante no relatório pericial, é diferente do preço do quilo do milho de silagem, bem como como de que a atribuição de subsídios pelo IFAP, até determinada altura, não estariam relacionados com o imóvel que era pertença da A., Massa Insolvente, o Tribunal apenas decidiu ouvir o Sr. Perito, relativamente à diferença do preço do milho, para que este prestasse os devidos esclarecimentos sobre o trabalho que realizou.
3. Perante factos novos, nunca alegados pela R., que suscitou dúvidas ao Tribunal de forma a ter procedido ao chamamento do Sr. Perito, conjugado com o depoimento por si prestado, que não foi esclarecedor relativamente ao preço do milho de silagem, entendeu por bem a A., por mera cautela, apresentar um requerimento que ditou para a ata, com o teor supra transcrito e constante da ata de audiência de discussão e julgamento de 11/11/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido, por uma questão de economia processual.
4. A este requerimento foi proferido um despacho de indeferimento, de que se recorre, destacando-se aqui alguns passos da sua fundamentação:
“Nos termos do art. 552.º, n.º 2, CPC, o autor deve oferecer logo na petição inicial os seus meios de prova, podendo completar os seus requerimentos probatórios em sede de audiência prévia – art. 598.º CPC; devendo ainda apresentar os meios de prova no seu articulado superveniente – art. 588.º, n.º 5, CPC.
A autora Massa Insolvente delineou a sua estratégia processual, juntando aos autos o relatório pericial elaborado pelo Perito CC, no âmbito da ação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente também apensa ao processo principal de insolvência.
Não requereu a realização de prova pericial nestes autos na petição inicial, nem em sede de articulado superveniente ou audiência prévia.”
(…)
“Ora, não se nos afigura essencial para a formação da convicção do tribunal determinar a realização de uma prova pericial, já depois de produzida toda a prova requerida pelas partes e ainda ter o Tribunal determinado oficiosamente uma outra diligência, diligência determinada precisamente com o intuito de verificar se existiam razões objetivas para infirmar os depoimentos já prestados em audiência quanto ao preço do kg do milho para forragens” (realce nosso).
Sublinhe-se que no processo civil existem regras processuais próprias, designadamente, no que respeita ao momento processual próprio para requerer provas, as quais devem ser respeitadas, sob pena de se protelar indefinidamente um processo, causando violações de processo equitativo, por não ser proferida decisão em prazo razoável. Não pode a parte vir adaptando os seus requerimentos probatórios, requerendo novas diligências, apenas e só, porque a prova produzida não lhe correu conforme pretendia.”
“Não podemos afirmar que do depoimento do Perito tenha sido criada dúvida quanto ao preço do milho, pois que já havia sido produzida prova testemunhal sobre a matéria, simplesmente o tribunal tinha necessidade de remover eventuais dúvidas quanto aos depoimentos prestados nessa matéria, o que fez, ouvindo o sr. Perito”
Ademais, nos termos do disposto no art. 388.º do C. Civil, a prova pericial só se justifica quando para a perceção ou apreciação de factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
Ora, saber o preço do milho para forragens dos anos de 2012 até 2019 não carece de conhecimentos especiais para a sua perceção, porquanto eles são de fácil perceção, podendo ser provados por prova testemunhal ou por pesquisas referentes ao preço do milho”.
5. Relativamente à fundamentação vertida, o A./recorrente não pode concordar, uma vez que nem o processo civil tem as regras rígidas e fechadas que perante factos supervenientes não possa ser requerida prova, antes pelo contrário, nem vislumbra a A. que conhecimentos possa ter ex oficio o Tribunal no sentido de poder saber o preço do milho de silagem entre os anos 2012 a 2019.
6. Foi o Tribunal que permitiu que as testemunhas depusessem sobre factos não constantes nas peças processuais da R., com os quais a A. não se conforma, carreando para o processo factos novos, como seja, o preço de silagem ser diferente do preço do milho em grão (não obstante a A. ter manifestado a sua oposição). 7. Porém e à cautela, não sendo esclarecedor o depoimento prestado pelo Sr. Perito, deveria oficiosamente o Tribunal requerer aquilo que foi requerido pela A..
8. Porém, do que resulta da fundamentação do Tribunal, o depoimento solicitado ao Sr. Perito, não foi destinado aos necessários esclarecimentos sobre a peritagem, para a descoberta da verdade material, mas antes para reconhecer ou não credibilidade ao depoimento prestado pelas testemunhas da R.. O que coloca em causa o princípio da imparcialidade, da equidade, princípio basilar no processo, constituindo uma violação no preceituado no artigo 4.º do CPC.
9. Seguisse o Tribunal o mesmo critério que usou para fundamentar a decisão de indeferimento dos requerimentos apresentados pela A./Recorrente, sempre caberia dizer que na contestação a R. deve expor as razões de facto e de direito que se opõe à pretensão da A., expor os factos que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo (cfr. artigo 572.º /b) e c) do CPC).
10. Bem como de que preceitua o artigo 573.º do CPC que: “ 1 - Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”
11. Contudo, o Tribunal ao permitir o que permitiu à R., de que a prova testemunhal se desenrolasse sobre factos que não constam na contestação, nem são temas de prova, para além de não ter acolhimento na lei, uma vez que não se tratam de atos instrumentais, desequilibrou a igualdade de armas e o processo equitativo entre as partes.
12. De igual modo, perante a prova testemunhal desenrolada pela R., ao arrepio da contestação e dos temas de prova, no sentido de que a posse do terreno, que era propriedade da A. não lhe trazer qualquer benefício junto do IFAP, de que tais subsídios até determinada altura eram obtidos à custa de uns alegados “direitos”, tornou-se pertinente que fosse oficiado o IFAP para esclarecer tal matéria, tendo em consideração o alegado, a sua complexidade e, já agora, porque estamos a falar de dinheiros públicos, que são de todos nós, que não devem ser entregues a quem não era à data proprietário do terreno. Neste sentido, tendo em conta a passividade do Tribunal, a A. apresentou requerimento que ditou para a ata, com o teor constante na mesma e supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Sobre tal requerimento foi proferido despacho de indeferimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido por uma questão de economia processual, de onde se destaca alguma da fundamentação vertida:
“Mais uma vez se destaca que este requerimento probatório é claramente intempestivo. A prova deve ser requerida pelas partes nos seus articulados ou na audiência prévia.”
“No caso concreto, no articulado superveniente a autora requereu, especificamente, que se notificasse o IFAP para fornecer determinados e específicos documentos. Requereu, então, a prova que entendeu por conveniente.
Tendo sido juntos uns, e faltando outros, insistiu a autora pela sua junção, a qual foi ordenada e o IFAP procedeu à junção em 21-10-2022 desses outros documentos, (os documentos instruídos pela ré para obtenção de subsídios junto do IFAP entre o ano de 2012 e de 2019).
Notificada dos mesmos a autora, no prazo legal do contraditório, não requereu qualquer esclarecimento acerca desse conjunto de documentos, sendo por isso intempestivo vir agora nesta sessão de julgamento de 11.11.2022 peticionar novo ofício, apenas porque os depoimentos das testemunhas da ré não foram ao seu encontro.
Por outro lado, o estudo da legislação aplicável já podia e devia ter sido efetuado em tempo anterior, não se justifica agora este retardar dos autos e da conclusão da audiência, com base no estudo do mandatário da autora só ter sido efetuado após a audição da prova testemunhal. Não está, assim, justificada a apresentação tardia deste requerimento.
Mais uma vez repete-se, não pode a parte vir formular requerimentos probatórios tardios, ou mesmo “às pingas”, ao sabor de como correu a prova oportunamente indicada pelas partes”.
14. A fundamentação de indeferimento do Tribunal é, essencialmente, assente na extemporaneidade do requerido, nomeadamente, que o A./recorrente já havia tido oportunidade por se pronunciar sobre os documentos apresentados pelo IFAP.
15. Da fundamentação do Tribunal parece resultar que tudo parece o que A. teve a oportunidade de requerer, assim foi determinado. Porém, tal assim não aconteceu.
16. Existia um despacho do Tribunal de 28/02/2022, que não havia sido cumprido pelo IFAP, pelo que, disso dando conta o A./Recorrente, dirigiu um requerimento ao Tribunal, em 03/10/2022 (ref.: 33435915).
17. Porém, mais uma vez, na mesma linha dos indeferimentos de que se recorre, o Tribunal à “chamada de atenção” pelo não cumprimento do despacho por parte do IFAP, respondeu com a decisão de indeferimento, por despacho de 07/10/2022:
“Quanto ao ofício do IFAP, já fora dado cumprimento a tal ofício e a resposta já consta dos autos desde 29.03.2022 (cfr. e-mail de 29.03.2022), sendo certo que por despacho de 20.05.2022 já foram as partes notificadas para se pronunciarem e apesar de na notificação do despacho não constar anexo o e-mail, o certo é que o despacho faz expressa menção a esse e mail e o e-mail consta dos autos, tendo os mandatários acesso aos autos para poder consultar esse mesmo e-mail”.
18. Não fora o A./Recorrente ter visto, sem ter a obrigação de ver, os documentos que não lhe foram notificados, pronunciando-se sobre os mesmos (req. de 02/06/2022, ref.: 32456819), e estaria perante mais uma rejeição de prova essencial para a descoberta material.
19. Pois que, só após o requerimento do A./Recorrente dando disso conta, insistindo que o despacho que se encontrava por cumprir (requerimento de 11/10/2022, ref.: 33517060), é que teve uma decisão favorável do Tribunal, conforme resulta do despacho proferido em 19/10/2022.
20. Voltando aos documentos juntos pelo IFAP e ao requerimento que recebeu um despacho de indeferimento, não vislumbrava a A. que quando foi notificada dos documentos enviados pelo IFAP, que se iriam suscitar questões novas através das testemunhas da R., jamais alegadas pela R., que constituem exceções, que não fazem parte dos temas de prova, no sentido de a posse do imóvel, o seu cultivo e/ou área, até determinado momento não teria qualquer relevância na atribuição de subsídios.
21. O requerimento ditado para a ata para que fosse oficiado o IFAP a prestar os esclarecimentos considerados pertinentes, resultou da inquirição das testemunhas da R. sobre factos que não constam da contestação, nem dos temas de prova, mas que o Tribunal permitiu que a inquirição fosse feita.
22. Só perante tais factos novos e surpreendentes é que a A. teve a necessidade de requerer, à cautela, aquilo que se tornou pertinente e que entende a A. que seria um poder-dever do Juiz, não se conformando o A./Recorrente, contudo, com o extravasamento da matéria dos articulados.
23. Deste modo, a pertinência dos requerimentos apresentados resultou do desenrolar da audiência de discussão e julgamento, de factos novos trazidos para o processo e não em resultado de considerações tecidas pelo Tribunal, bem dispensáveis, como as de que: (…)” Não pode a parte vir adaptando os seus requerimentos probatórios, requerendo novas diligências, apenas e só, porque a prova produzida não lhe correu conforme pretendia” (…) ou “não pode a parte vir formular requerimentos probatórios tardios, ou mesmo “às pingas”, ao sabor de como correu a prova oportunamente indicada pelas partes”.
24. Conforme refere o sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 11/01/2021, no âmbito do processo n.º 549/19.1T8PVZ-A.P1, ao qual a A./Recorrente manifesta a sua concordância:
“O artigo 411.º do CPC (princípio do inquisitório) estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, incumbindo-lhe também realizar ou ordenar oficiosamente as diligências relativas aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que julgue que aquelas são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio relativamente a factos que o Tribunal pode (e deve) conhecer.”
25. No mesmo sentido vai o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3/14.8TJVNF.G1, proferido em 12/05/2016, de onde resulta do seu sumário o seguinte:
I) - O dever do juiz ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes.
II) - Resultando da motivação de facto que integra a sentença recorrida, que o juiz “a quo” ficou com dúvidas sobre a real existência do facto em discussão, em face da prova produzida nos autos, considerando exíguos os elementos probatórios constantes do processo, deveria, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artº. 607º, nº. 1 do NCPC (conjugado com os artºs 6º e 411º do mesmo Código), lançar mão de todos os instrumentos legais ao seu alcance para sanar tais dúvidas, por determinar a reabertura da audiência e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias (designadamente a realização de uma perícia à assinatura aposta no documento em discussão) para, no confronto com a demais prova produzida, consolidar a convicção do Tribunal sobre a decisão a proferir quanto à matéria de facto.
III) - O Tribunal não pode ficar com dúvidas quando é possível saná-las com a realização de outras diligências de prova, devendo, até mesmo, ordená-las oficiosamente, caso não tenham sido requeridas pelas partes, estando tal procedimento inserido nos amplos poderes conferidos ao juiz (cfr. artºs 6º e 411º do NCPC).
IV) - Não tendo o juiz “a quo” tomado tal iniciativa e não constando do processo todos os elementos de prova que permitam a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 2, al. c) do NCPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o Tribunal “a quo” ordenar oficiosamente a realização das diligências necessárias com vista a alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direção do processo.
26. Não se trata, pois, como entende o Tribunal, de uma mera questão de pertinência ou de impertinência, ou ainda, de uma apreciação de deve/haver da prova produzida, cuja eventual análise compete às partes, mas antes resultante das alterações ocorridas no Código de Processo Civil, em 2013, que vieram intensificar a descoberta da verdade material, atribuindo ao Juiz um poder-dever, mitigando o princípio do dispositivo.
27. Reitera-se, que, o Tribunal não teve o mesmo entendimento em relação à R., quando permitiu que as testemunhas por si arroladas extravasassem a matéria dos autos, não constante na contestação nem nos temas de prova, com a qual o A./Recorrente não concordou, tendo dado disso conta ao Tribunal.
28. Resulta do exposto, que o despacho de indeferimento de 25/11/2022, relativo aos dois requerimentos apresentados pela A. /Recorrente violou várias dispositivos legais, nomeadamente, os artigos 4,º, 6.º, 411.º, todos do CPC e ainda os artigos 1.º, 2.º e 3.º da Constituição da República Portuguesa.
29. Resulta ainda que as decisões proferidas, estão feridas de nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, uma vez que foram praticados dois actos (de rejeição) que violam as disposições legais referidas, incidindo sobre prova fundamental para A. que poderá influir no exame e boa decisão da causa.
30. Nulidade que aqui se argui, com as devidas e legais consequências.
Termina por pedir que seja concedido provimento ao recurso e revogadas as decisões proferidas e em sua substituição seja admitida a prova requerida pela recorrente.
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A ré veio apresentar resposta ao recurso, no qual concluiu que deve ser indeferido o requerido efeito suspensivo do recurso e confirmados os despachos recorridos.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em apurar se o juiz do tribunal “a quo” omitiu diligências de prova, ao abrigo do art. 411º CPC, verificando-se a nulidade prevista no art. 195º/1 CPC.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
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3. O direito
- Da nulidade processual -
Nas conclusões de recurso a apelante veio arguir a nulidade dos despachos recorridos, ao abrigo do art. 195º/1 CPC, por violação do disposto nos art. 4º, 6º e 411º do CPC.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 23, a apelante faz um relatório do incidente suscitado, sem impugnar os fundamentos de direito em que assentaram os despachos recorridos.
De igual forma, enuncia um conjunto de argumentos nos pontos 2, 3, 5, 6, 21 das conclusões de recurso, para justificar o motivo pelo qual foram formulados os requerimentos de prova, os quais não foram oportunamente alegados quando formulados os respetivos requerimentos.
Relembrando os requerimentos formulados:
1 - Tendo em conta as declarações prestadas pelo Sr. CC, perito que elaborou o documento constante dos autos e uma vez a questão e dúvida aqui suscitada sobre o valor do milho em grão ou o milho de forragens, afigura-se necessário para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que seja realizada uma peritagem no sentido de apurar o preço do milho para forragens dos anos de 2012 até 2019, época em que a Ré explorou o prédio rústico objeto dos autos, o que se requer, nos termos referidos.
2- Tendo em conta os depoimentos que aqui foram trazidos pelas testemunhas da Ré, em que, segundo as suas versões apresentadas, deram a entender que, até determinada altura, os subsídios pagos pelo IFAP eram decorrentes de direitos anteriores e não relacionados com a área, nem exploração agrícola ou pecuária, admitindo, porém, que a partir de determinada altura poderá ter havido uma alteração em que a área e, eventualmente, as culturas ou criação de gado possam ter relevância na atribuição de subsídios, motivou um estudo por parte da Autora, dando conta de uma inúmera legislação.
Considerando que a vasta legislação, nomeadamente diretivas e regulamentos Europeus, é muito específica e técnica, para que se possa conseguir, através dela, aferir, sem margem de dúvida se a Ré obteve alguma vantagem paga pelo IFAP e, em caso positivo, qual o montante, em virtude da utilização/exploração do prédio rústico objeto dos autos por parte da Ré, estando crente a Autora que assim aconteceu, afigura-se essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que aquele organismo público seja oficiado no sentido de prestar os seguintes esclarecimentos:[…]
Da análise dos requerimentos decorre que não constitui fundamento para requerer a prova, os alegados factos supervenientes que terão resultado da produção de prova testemunhal, como refere a apelante nos pontos 2, 3, 5, 6, 21 das conclusões de recurso.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[2].
O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[3].
Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida. Em regra deve aplicar a lei vigente ao tempo da decisão e cingir-se aos factos sobre que esta incidiu. .
A respeito da alegação de factos novos refere expressamente o ilustre Professor CASTRO MENDES: “[a] invocação de factos novos parece só ser possível até ao encerramento da discussão em primeira instância[…]”[4].
Na jurisprudência entre outros sobre esta questão, podem ler-se: os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 (http://www.dgsi.pt).
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes; e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Ponderando o exposto a respeito do objeto do recurso, verifica-se que os factos e novos argumentos que a apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos, já que não sustentaram os requerimentos apresentados, nem foram considerados na decisão objeto de recurso e ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem” está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte (art. 609º CPC e art. 635º CPC).
Nos pontos 24 a 30 das conclusões de recurso suscita a nulidade processual das decisões por considerar que o tribunal oficiosamente devia promover as diligências de instrução requeridas pela apelante, ao abrigo do art. 411º CPC.
Trata-se, assim, de apurar se a omissão de produção de prova constituiu uma nulidade, que interfere no exame e decisão da causa.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[5].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[6].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão de pronúncia a respeito de um meio de prova não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s actos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”[7].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que foi notificado o despacho que indeferiu os requerimentos apresentados.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Contudo, seguindo os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE[8], ALBERTO DOS REIS[9] e ANTUNES VARELA[10], porque existe a decisão recorrida que se pronunciou sobre os meios de prova requeridos pela apelante, o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso.
Considera-se, assim, que a irregularidade foi suscitada em tempo, pelo meio próprio, mas o indeferimento da pretensão da apelante não interferiu na apreciação do mérito.
Efetivamente, prevê o art. 411º CPC que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Os poderes-deveres do juiz estabelecidos no preceito em análise, que se fundam no princípio do inquisitório, não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes[11].
Contudo, o exercício de tais poderes coexiste com o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, “de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente, quando esteja precludida a apresentação de meios de prova”[12].
Como observa o Professor LEBRE DE FREITAS o juiz apenas deve ordenar a diligência: “na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”[13].
Esse juízo de necessidade resulta do confronto entre a prova produzida e os factos controvertidos a apreciar, alegados pelas partes e relacionados com os temas de prova (art. 5º e 410º CPC e art. 341 e seg do CC)[14].
Nos requerimentos formulados, a apelante não indicou os concretos factos a provar com as diligências que requereu, nem justifica o requerido com dúvidas sobre a prova de um determinado facto, motivo pelo qual não estava demonstrada nem a necessidade, nem o relevo de tais meios de prova para a justa composição do litígio.
Para o efeito, não basta que se reproduza a expressão da lei, como fez a apelante nos requerimentos que apresentou, sendo necessário para avaliação do relevo dos meios de prova que se demonstre a efetiva necessidade no contexto de toda a prova produzida e ponderando sempre os factos a provar. Tal exigência justificava-se de modo particular pelo facto de estar concluída a produção de prova indicada pelas partes, sobre quem recaía o ónus de indicação e produção de prova (art. 552º e 572º CPC).
Conclui-se que não se verifica qualquer irregularidade que possa interferir na decisão do mérito da causa, pelo facto de se indeferir os requerimentos de prova, por não estarem preenchidos os pressupostos do art. 411º CPC.
Improcedem as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar as decisões recorridas.
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Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Porto, 06 de fevereiro de 2023
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[3] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, vol V, pag. 382, 383.
[4] CASTRO MENDES, ob cit., pag. 25-26.
[5] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[7] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486
[8] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pág. 183
[9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ob. cit., pag.424
[10] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, pág. 393
[11] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, vol. II, 3º Edição, Almedina, Coimbra, julho 2017, pag.208
[12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, setembro 2018, pag. 484
[13] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 208
[14] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 206