Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18943/16.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
QUOTIZAÇÕES
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA ACTIVA
DANO FUTURO IMPREVISÍVEL
Nº do Documento: RP2018062718943/16.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 677, FLS 33-41)
Área Temática: .
Sumário: I - A atuação do administrador enquanto órgão executivo do condomínio rege-se, por aplicação analógica do artigo 987º do Código Civil, pelas normas do mandato, na medida em que sejam compatíveis com as disposições específicas da propriedade horizontal.
II - Deste modo, o administrador que falte culposamente ao cumprimento dos seus deveres funcionais, exceda os seus limites ou exerça-os indevidamente torna-se responsável pelos prejuízos que cause ao conjunto dos condóminos nos termos definidos no artigo 798º do Código Civil.
III - As quotizações de condomínio servem para que todas as partes comuns do prédio estejam cuidadas, sendo, por isso, da responsabilidade de todos os condóminos já que a eles pertence a sua manutenção e conservação, as quais estruturalmente são verdadeiras obrigações resultantes da natureza real do instituto da propriedade horizontal (obrigações propter rem).
IV - Malgrado a finalidade a que se destinam, os valores monetários resultantes das quotizações não integram, contudo, um património autónomo que esteja afeto à administração, já que o condomínio não é um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, a não ser relativamente a questões meramente funcionais relacionadas com a gestão das partes comuns.
V - Como assim, as quotizações que venham a ser realizadas pertencerão ao conjunto dos condóminos que procederam ao respetivo pagamento e não aos condóminos singularmente considerados.
VI - O dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, pelo que o sujeito do direito ofendido somente poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, ou seja, depois de lesado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 18943/16.8T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

B..., Ld.ª intentou a presente ação declarativa com processo comum contra C..., Ld.ª, na qual conclui pedindo:
a) A condenação da ré no pagamento à Autora do montante de € 1.735,00, correspondente ao valor das comparticipações de condomínio que na parte proporcional às fracções AA e AB a Autora deixou de beneficiar, em consequência da omissão da Ré, e da falta de cobrança da quantia total de € 36.157,49 devida pela fracção AC;
b) A condenação da ré no pagamento da quantia de € 34.421,93, ao condomínio do prédio onde são sitas as fracções da Autora, o remanescente da quantia de € 34.421,93;
c) Subsidiariamente, e quando se entenda que este crédito terá que ser entregue na totalidade ao condomínio, sempre deverá a Ré ser condenada a pagar àquele condomínio, de que a Autora faz parte integrante, e fez, desde pelo menos 2008, o referido montante total de € 36.157,49;
d) Quando se entenda que ainda não estão fixados os danos causados, pois que a fracção C ainda não foi vendida judicialmente, sempre requer a Autora, subsidiariamente, que a Ré seja condenada a pagar os valores que o condomínio deixar de receber, correspondentes à diferença entre € 36.157,49 e o produto que da venda da fracção AC o condomínio vier a receber e se vier a receber;
e) Mais deve a Ré ser condenada a reconhecer que a quantia exequenda e que consta da apresentação nº 29 de 11 de Fevereiro de 2008, no montante de € 9.563,73, não lhe pertence, mas antes ao condomínio chamado;
f) Deverá ainda a Ré ser condenada a restituir e pagar esse montante ao condomínio, assim como o remanescente dos montantes acima referidos, uma vez tendo-se arrogado dona dessas quantias impediu a Autora e o condomínio de as reclamar em nome próprio.
g) Mais deve ser admitida a intervenção provocada do condomínio Réu, para intervir nos autos como associado da Autora, e devido ao patente conflito de interesses que existe na Ré, por estar a ser demandada pelo incumprimento das suas obrigações contratuais, enquanto representante de um condomínio que tem que indemnizar, requer seja nomeado pelo Tribunal um representante especial, para ser citado em representação do condomínio, sugerindo o condómino com maior permilagem, a ser informado e identificado pela empresa Ré.
Para substanciar tais pretensões alegou, em suma, ser dona das frações identificadas pelas letras AA e AB de prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sendo que a ré não vem cumprindo as funções que lhe competem enquanto administradora do condomínio, posto que desde, pelo menos, 11 de fevereiro de 2008 não tendo diligenciado pela cobrança das comparticipações devidas pelo proprietário da fração AC.
Citada a ré apresentou contestação na qual, desde logo, se defendeu por exceção dilatória, invocando quer a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (na medida em que a autora baseia a ação em medos e receios, não concretizando factos constitutivos do prejuízo que invoca), quer a ilegitimidade da autora uma vez que esta deixou de ser proprietária da fração identificada na petição inicial; impugnou ainda parcialmente os factos vertidos na petição inicial.
Respondeu a autora pugnando pela improcedência das suscitadas exceções.
Realizou-se tentativa de conciliação que, todavia, se frustrou. Foi então proferido saneador/sentença, no qual se decidiu julgar a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos contra si aduzidos.
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1.- A Recorrente pretende e pediu que a Recorrida fosse condenada a reconhecer que o crédito que reclama através de execução instaurada em seu nome, pertence ao condomínio e se obrigasse a entregar àquele condomínio as respetivas importâncias.
2.- A douta sentença recorrida é nula, porquanto deixou de pronunciar-se sobre tais questões colocadas à sua apreciação pela Recorrente;
Sem prescindir,
3.- A douta sentença recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 483.º, 486.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.º1 e 2 e 566.º, n.º2 e 3 todos do Código Civil.
4.- Não é aceitável entender-se que o dano causado pela Recorrida, em virtude da omissão culposa das suas funções, ou do seu cumprimento defeituoso, inexiste ou é insuscetível de quantificação ou reclamação.
5.- No conceito de dano incluem-se ainda os danos futuros, previsíveis, decorrentes da atuação ou omissão culposa da Recorrida.
6.- Se a Ré não reclamou os créditos do condomínio que representava e em nome deste; se não o fez pelo montante que em cada ano se ia vencendo; se não promoveu nem prosseguiu as diligências de penhora e execução do crédito, com respetiva ampliação; e se permitiu a constituição de uma hipoteca voluntária a onerar e diminuir a garantia do condomínio receber o crédito, é manifesto e indubitável que causou um dano ao condomínio.
7.- E se tal atuação da Ré, relativamente a tal devedora, é divergente e contraditória da atuação que teve em relação a outros devedores, designadamente a Autora, tal comportamento é tão ou mais grave, porquanto importa desigualdade de atuação da Ré.
Por outro lado, e sem prescindir,
8.- Violou o Mmo. Juíz do Tribunal a quo, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 33.º, n.º 1 e 2 do C.P.C.
9.- O conjunto dos dois direitos reais: um, de propriedade singular, outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns, é incindível na esfera jurídica dos condóminos, e, por isso, temos de concluir que a relação material controvertida, no caso, respeita a todos os condóminos, sendo uma relação complexa já que importa litisconsórcio necessário em relação às partes e direitos de crédito comuns.
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A ré não apresentou contra-alegações.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
. da (in)verificação dos pressupostos para responsabilizar civilmente a ré.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
i. A Autora era dona das fracções identificadas pelas letras AA e AB de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial sob o nº 601 da freguesia ..., concelho do Porto, até 29-9-2016;
ii. A Ré é administradora do condomínio do edifício onde são sitas as fracções da Autora, desde pelo menos 2008.
iii. Em 11 de Fevereiro de 2008 foi levado a registo, sob a apresentação 29, uma penhora sobre a fracção AC para garantia do pagamento da quantia em divida pela proprietária daquela fracção, e condómina do edifício, denominada actualmente D..., SA.;
iv. A sociedade D..., Lda. constituiu a favor de um terceiro credor, a Autoridade Tributária e Aduaneira, serviço de Finanças de Lisboa 4, uma hipoteca voluntária para garantia do montante de € 106.303,01, e levou a registo tal hipoteca pela apresentação 730 de 07 de Abril de 2014, a impender sobre a referida fracção “AC”.
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III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1 - Da nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questão que o tribunal devia apreciar

Nas conclusões de recurso a apelante começa por arguir a nulidade da sentença com fundamento no art. 615º, nº 1 al. d) do Cód. Processo Civil, argumentando que o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre questão que devia apreciar, concretamente sobre o pedido que formulou de condenação da ré a reconhecer que o montante que ela está a executar em seu nome pessoal, e que consta da apresentação nº 29, de 11 de fevereiro de 2008, na quantia de €9.563,73, pertence ao condomínio que ela representa e não a si própria, que figura em tal execução e no registo como a credora.
O citado preceito legal prevê, com efeito, a nulidade da sentença quando o juiz não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento.
A referida consequência anulatória encontra-se, assim, especialmente conexionada com o disposto no nº 2 do art. 608º do Cód. Processo Civil, posto que é neste normativo que se mostram definidas quais as questões que o tribunal deve apreciar e quais aquelas cujo conhecimento lhe está vedado. Aí se postula expressamente que, na sentença, o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Portanto, a assinalada nulidade visa, pelo menos em parte, sancionar a inobservância, por banda do Tribunal do princípio do dispositivo, na vertente em que este limita o conhecimento do juiz às questões que foram suscitadas pelas partes, impondo, por via de regra, que o tribunal conheça das questões suscitadas pelas partes e apenas conheça dessas mesmas questões.
A respeito do conceito questões que devesse apreciar, ANSELMO DE CASTRO[1] advoga que tal expressão deve «ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”.
LEBRE DE FREITAS et alii[2] têm a respeito de tal matéria uma visão algo distinta, pois consideram que devendo “o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado”.
Ainda sobre esta temática mostra plena atualidade a lição de ALBERTO DOS REIS[3] para quem resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.
Na esteira de tal perspetiva das coisas e atendendo ao regime processual vigente, afigura-se-nos ser esta a interpretação que melhor reflete a natureza da atividade do juiz na apreciação e decisão do mérito das questões que lhe são colocadas, pois o juiz não se encontra vinculado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Assim sendo, não se vislumbra a ocorrência, in casu, do apontado vício formal, já que, ao invés do que advoga a recorrente, na decisão sob censura houve expressa pronúncia sobre a mesma, aí se afirmando, que a autora carece de legitimidade para formular pedido com o aludido objeto.
Improcedem, pois, as conclusões 1ª e 2ª.
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IV.2 – Da (in)verificação dos pressupostos para responsabilizar civilmente a ré

Através da propositura da presente ação declaratória, a autora - arrogando-se proprietária das frações autónomas identificadas pelas letras AA e AB[4] que integram o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nºs ..., ..., Porto, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 601, da freguesia ..., Porto – visa responsabilizar civilmente a ré pela forma como vem exercendo as suas funções de administradora do respetivo condomínio, designadamente por não desenvolver as necessárias démarches para obter o pagamento das contribuições devidas por banda de condóminos relapsos.
O problema vem colocado, assim, em sede de questionar se o administrador pode ser responsável perante os condóminos pela sua atuação.
O Código Civil não contém, a este propósito, qualquer referência à responsabilidade do administrador decorrente do exercício da sua função, mormente, como é o caso, quando essa atividade é levada a cabo por terceiro que não assuma a qualidade de condómino[5].
Ora, independentemente de saber qual a exata qualificação ou enquadramento jurídico da posição do administrador nessa posição, na esteira da doutrina que se vem pronunciando sobre tal temática[6], deve considerar-se aplicável, por analogia, o preceituado no art. 987º do Cód. Civil, que manda regular os direitos e obrigações daquele pelas regras do mandato, na medida em que sejam compatíveis com as disposições específicas da propriedade horizontal.
Deste modo, o administrador que falte culposamente ao cumprimento das suas obrigações, exceda os seus limites ou use indevidamente os poderes-deveres que a lei lhe confere torna-se responsável pelos prejuízos que cause ao condomínio nos termos definidos no art. 798º do Cód. Civil.
Dentre as funções ou deveres (que se mostram, ainda que de forma não taxativa, enunciados no art. 1436º do Cód. Civil) a que o administrador se encontra adstrito enquanto órgão executivo do condomínio conta-se, no que ao caso releva, o de “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas” (al. e)). E estas são todas aquelas que a assembleia de condóminos, no uso dos seus poderes normais e mediante a adequada deliberação, decidiu aprovar, ou como despesas ordinárias e como tal incluídas no respetivo orçamento, ou como despesas extraordinárias para ocorrer a qualquer encargo urgente de fruição, conservação ou reparação, à efetivação de inovações ou, até, à reconstrução do edifício.
Essas contribuições servem, assim, para que todas as partes comuns do prédio estejam cuidadas, sendo, por isso, o seu pagamento da responsabilidade de cada um dos condóminos em proporção do valor relativo da respetiva fração (cfr. arts. 1418º e 1424.º, n.º 1, do Cód. Civil) já que a eles pertence a sua manutenção e conservação, contribuições essas que, atento o seu escopo, são estruturalmente verdadeiras obrigações resultantes da natureza real do instituto da propriedade horizontal (obrigações propter rem) [7].
Malgrado a finalidade a que se destinam, os valores monetários resultantes das quotizações não integram, contudo, um património autónomo que esteja afeto à administração, já que o condomínio não é (ao contrário dos entes societários em que existe uma clara distinção entre o património social e o património pessoal dos sócios) um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, a não ser relativamente a questões meramente funcionais relacionadas com a administração das partes comuns. Como assim, as quotizações que venham a ser realizadas pertencerão ao conjunto dos condóminos que procederam ao respetivo pagamento e não aos condóminos singularmente considerados.
Por via disso, tal como considerou o juiz a quo, a autora carece de legitimidade substantiva para exigir para si o pagamento de importâncias que sejam devidas por condómino que não haja liquidado tempestivamente a sua quota-parte, sendo certo que a lei (cfr. art. 6.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 268/1994, de 25 de outubro) defere essa competência ao administrador do condomínio o qual, para esse efeito, deve instaurar ação judicial (ação executiva), contra o condómino relapso tendo por base, como título executivo, a ata da reunião da assembleia que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
A apelante aduziu ainda um conjunto de pretensões de tutela jurisdicional que se traduzem na condenação da ré a pagar ao condomínio as importâncias que ainda não cobrou a título de contribuições devidas pelo proprietário da fracção AC, sendo que, como se referiu, em arrimo jurídico desses pedidos convoca a responsabilidade civil desta última em resultado do comportamento omissivo que vem assumindo no cumprimento das suas funções.
Ora, na medida em que, como se assinalou, o interesse em causa pertence diretamente ao conjunto dos condóminos e não a qualquer dos condóminos singularmente considerados, segue-se, pois, que, em consonância com o disposto no nº 2 do art. 33º do Cód. Processo Civil, somente esses condóminos conjuntamente detinham legitimidade ad causam para propor ação com o conteúdo constante dos pedidos aduzidos nestes autos, não podendo, naturalmente, a autora formular pretensão a favor de terceiro na ausência de demonstração dos necessários poderes representativos.
É facto que a demandante requereu a intervenção principal provocada nos demais condóminos o que, primo conspectu, constituiria uma forma válida de suprir a ilegitimidade processual à luz do preceituado no art. 316º, nº 1 do Cód. Processo Civil.
No ato decisório sob censura, reconhecendo embora que a autora era parte ilegítima para a generalidade dos pedidos que formulou, o juiz a quo entendeu, mesmo assim, conhecer do mérito afirmando que não se verificam os pertinentes pressupostos para responsabilizar civilmente a ré, mormente porque os danos invocados ainda não ocorreram.
E, em boa verdade, com adequado fundamento jusprocessual o fez.
Com efeito, nos termos do nº 3 do art. 278º do Cód. Processo Civil “[A]s exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do nº 2 do artigo 6º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.
Como é sabido, a generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os seus interesses em juízo e não seja indevidamente incomodada com a propositura de ações inúteis ou destituídas de objeto.
É, precisamente, para estas situações que o referido normativo, estipula que, ainda que a exceção dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte.
Como se referiu, reconhecendo, embora, a ilegitimidade da autora, o tribunal a quo, por se lhe afigurar manifesta a sua falta de razão decidiu do mérito da causa, absolvendo a ré dos pedidos contra si aduzidos.
E fê-lo de acordo com os parâmetros definidos no artigo 278º, nº3, 2ª parte do Cód. Processo Civil, indo ao encontro da decisão que manifestamente seria mais favorável à ré e visto que o processo consentia o conhecimento de meritis, o decisor de 1ª instância, sacrificando a forma ao mérito, avançou para a decisão da causa, por integralmente favorável a esta por falta de verificação dos requisitos para a responsabilizar civilmente.
Já se deu nota que o administrador que com o seu comportamento (ação ou omissão) provoque danos aos condóminos responde segundo as comuns regras da responsabilidade contratual, o que pressupõe, por conseguinte, o preenchimento dos pressupostos normativos enunciados no art. 798º do Cód. Civil.
No caso, a autora considera que a ré incumpriu as suas obrigações porquanto não tem diligenciado no sentido de cobrar as contribuições devidas pelo proprietário da fração AC.
Em conformidade com a respetiva regulação normativa (cfr. arts. 1436º, al. e) e 1437º, nº 1 do Cód. Civil e art. 6º, nºs 1 e 2 do DL nº 268/94, de 25.10) o administrador exonera-se da obrigação de “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas” procurando obter de cada um o respetivo pagamento e, em última instância, instaurando ação executiva com base na ata da reunião da assembleia dos condóminos que tenha aprovado o respetivo montante e que, assim, é um dos documentos a que, por disposição especial, é atribuída força executiva (art. 703º, nº 1 al. d) do Cód. Processo Civil).
Ora, como emerge dos autos (cfr. fls. 124 e seguintes), a ré, em resultado do não pagamento de contribuições por parte do proprietário da fração AC moveu contra o mesmo ação executiva (na qual, e ao invés do que a apelante refere, atua na qualidade de representante do condomínio, como deflui, designadamente, do respetivo requerimento executivo) que, sob o nº 4382/06.2TBVFX, corre seus termos pelo 1º Juízo Cível de Vila Franca de Xira, no âmbito da qual foi penhorada essa fração.
Advoga a autora que, malgrado a atividade processual desenvolvida pela ré, ainda assim a sua atuação é geradora de responsabilidade, porquanto não tem esta impulsionado a ação executiva, permitindo que entretanto fosse constituída sobre a fração do executado uma hipoteca voluntária, o que, na expressão da apelante, “faz recear que o produto da venda de tal fração não seja suficiente para satisfazer o crédito do condomínio”.
Na presença dessa afirmação, o juiz a quo afastou essa responsabilidade por considerar que o dano invocado assume natureza de dano futuro imprevisível, que, enquanto tal, não é (ainda) suscetível de reparação.
A autora apelante insurge-se contra o referido segmento decisório, argumentando que “não é aceitável entender-se que o dano causado pela recorrida, em virtude da omissão culposa das suas funções, ou do seu cumprimento defeituoso, inexiste ou é insuscetível de quantificação ou reclamação”.
Quid juris?
Dispõe, a este propósito, o nº 2 do art. 564º do Cód. Civil, que “[N]a fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (…)".
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
No transcrito inciso normativo estabelece-se um distinguo entre dano (futuro) previsível e imprevisível.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; no caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível.
Na economia da referida normatividade a aludida destrinça assume especial relevância posto que o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, pelo que o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
No concernente aos danos previsíveis, tem sido corrente subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível; já o dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
Este carácter eventual pode conhecer vários graus, isto é, desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer nem futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável; já naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência[8]).
De qualquer modo, só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente, sendo que neste domínio, como bem sublinha ALMEIDA COSTA[9], “há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar”.
Assim sendo, revertendo ao caso em apreço, resulta dos elementos que podem ser colhidos nos autos que a ré instaurou ação executiva no âmbito da qual foi penhorado prédio urbano (sendo essa a única penhora registada), o que, dadas as caraterísticas de sequela e de preferência que andam associadas a essa garantia, prima facie, possibilitará a satisfação coerciva do crédito exequendo.
Como assim, o invocado dano futuro não passa de uma hipotética eventualidade (como, aliás, a própria apelante reconhece quando suporta a sua pretensão num alegado receio de que o produto da venda do imóvel não se revele suficiente para obter o pagamento das contribuições em dívida), que nem sequer é mediatamente certa, por se desconhecer, designadamente, qual o valor que resultará da alienação da fração no processo executivo.
Nestas circunstâncias, condenar quem (alegadamente) haja ofendido o direito de outrem a indemnizar o ofendido, ainda não lesado, por um mero receio cuja mediata concretização é meramente hipotética, carece de sentido, de justificação prática, de utilidade, uma vez que sempre seria necessário que, em futura ação, se viesse a determinar se o invocado receio se transformou em realidade.
Consequentemente, na espécie, o invocado dano assume-se como meramente eventual, naquele grau de maior incerteza que equivale à imprevisibilidade.
Como assim, não sendo o dano imprevisível indemnizável como dano futuro, o pedido da autora em apreço tem, necessariamente, que improceder, como improcedeu.
Falece, destarte, a argumentação decorrente das conclusões 3ª a 7ª.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.

Porto, 27.06.2018
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
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[1] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 142.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 704.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143. No mesmo sentido militam ainda ANTUNES VARELA et alii, Manual de Processo Civil, pág. 688.
[4] Qualidade que presentemente não detém, posto que, como emerge dos autos, dois dias após ter intentado a ação transmitiu, por ato entre vivos, essas frações a terceiro, concretamente Nuno Fernando Carvalho de Sousa. A realização desse ato alienatório não lhe retira, contudo, legitimidade para prosseguir com a demanda por mor da regra consagrada no art. 263º do Cód. Processo Civil.
[5] Já a lei adjetiva (art. 1056º) contempla no elenco dos processos de jurisdição voluntária o processo de exoneração judicial do administrador das partes comuns de prédio sujeito a regime de propriedade horizontal, que pode ser desencadeado por qualquer condómino com fundamento na prática de irregularidades ou em negligência daquele.
[6] Cfr., por todos, HENRIQUE MESQUITA, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIII, pág. 132 e ARAGÃO SEIA, in Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 194. Em análogo sentido milita SANDRA PASSINHAS (in A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2002, pág. 349 e seguinte), convocando, contudo, a disposição vertida no art. 164º, nº 1 do Cód. Civil, argumentando que esta norma autoriza a aplicação das regras do mandato no que toca à responsabilidade do administrador perante o condomínio.
[7] Cfr., sobre a questão, por todos, HENRIQUE MESQUITA, in Obrigações Reais e Ónus Reais, 2003, pág. 102.
[8] Como se refere no acórdão do STJ de 11.10.94 (processo nº 084734), acessível em www.dgsi.pt, não se exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. A avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
[9] In Direito das Obrigações, 11ª ed., págs. 591 e seguinte.