Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
107/22.3YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: REPARAÇÃO DE VEÍCULO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
APTIDÃO PARA SATISFAZER AS NECESSIDADES DO LESADO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
Nº do Documento: RP20220504107/22.3YRPRT
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação do veículo é superior ao seu valor venal, já que sendo um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo tem dentro do património do lesado.
II - O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, pode ainda assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, o qual não se pode satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, por se ver privado das comodidades que esse veículo ainda lhe proporcionava.
III - Assim, tal valor, que integra o património do lesado, não pode ser desprezado no momento em que se pondere pela adequação ou não da reconstituição natural como forma de reparação do lesado.
IV - Para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos, podendo a mesma ser apreciada e resolvida em abstracto, sendo aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº107/22.3YRPRT
Entidade recorrida: Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
AA contribuinte fiscal n.º ..., residente no Porto, apresentou Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) reclamação contra X... Companhia de Seguros S.A., com sede em Lisboa, para resolução de litígio emergente de um acidente de viação.
Com fundamento na ocorrência de um acidente de viação, reclamou da ré, enquanto seguradora do veículo causador do acidente, o pagamento da quantia de € 5.145,00 para indemnização dos danos que sofreu em consequência do mesmo e cuja responsabilidade atribuem ao condutor do veículo segurado na reclamada.
No dia 10/09/2021, no Tribunal Arbitral daquele Centro, realizou-se audiência de julgamento arbitral, após o que foi proferida decisão arbitral julgando a reclamação parcialmente procedente e condenando a reclamada a pagar à reclamante a quantia de € 3.47,66 referente à reparação do veículo, mais IVA à taxa legal e a quantia de € 750.00 a título de reparação do veículo.
Do assim decidido, veio a reclamada interpor recurso, terminando as suas respectivas alegações com as seguintes conclusões:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença arbitral proferida a fls., no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada pela Reclamante, condenando, em consequência, a Reclamada, ora Recorrente, ao pagamento à Reclamante do valor global de € 4.225,66 (€ 3.475,66 a título de reparação do veículo ..-..-PJ e € 750,00 a título de indemnização pela privação do uso do veículo ..-..-PJ), com o qual a Reclamada, ora Recorrente, salvo o devido respeito, não se poderá conformar.
2.°
As presentes alegações de recurso visam alterar quer a matéria de facto como a de direito, pretendendo a ora Recorrente, impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos previstos no n°1 do artigo 640.° do CPC; e pugnar pela alteração do teor da Sentença proferida com base na factualidade dada como provada nos presentes autos.
3.°
Com efeito, face àquela que foi a prova produzida, a ora Recorrente considera incorrectamente julgados os pontos K; L; M; N; O; P; Q; e R; na medida em que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e dos demais elementos probatórios constantes dos presentes autos, não é possível, salvo o devido respeito, concluir pela procedência do entendimento seguido pelo douto Tribunal a quo.
4.°
Efectivamente, não poderão ser dados como provados os supra referidos pontos (de K a R), atendendo a toda a prova carreada para os presentes autos. Tanto mais que, a ora Recorrida, não fez qualquer prova quanto ao por si alegado em sede de reclamação, limitando-se a prestar declarações de parte, as quais o Tribunal a quo valorou na íntegra e sem necessidade de qualquer outra prova.
5.°
O douto Tribunal a quo considerou que ficou demonstrado que a ora Recorrida fez uma pesquisa do valor do PJ, no mercado de usados e que apurou valores diferentes e que o veículo PJ, à data do acidente, encontrava-se em muito bom estado de conservação, na medida em que teria sofrido em 2019 uma reparação no valor de € 800,00.
6.°
Ademais, concluiu o Tribunal a quo que a Reclamante tinha muita estima pelo veículo PJ, por este ter pertencido a um familiar seu, e que a privação do uso do referido veículo causou transtornos e prejuízos à Reclamante.
7.°
Sucede que, o douto Tribunal Arbitral fundamentou a sua decisão unicamente nas declarações de parte da ora Recorrida, conforme facilmente se constata pelo teor da sentença, uma vez que, em sede de Audiência de Julgamento, apenas foram ouvidas a Recorrida e uma testemunha arrolada pela ora Recorrente, sendo certo que, quanto a esta testemunha, o Tribunal Arbitral nada considerou do seu depoimento.
8.°
Sucede que, as declarações de parte da Reclamante, ora Recorrida, não podem servir unicamente para dar como provados todos os factos alegados por aquela. Desde logo porque, não têm a coerência, fluidez e espontaneidade necessária para lhe seja atribuída a credibilidade nos termos que constam da decisão e, bem assim, não foram confirmadas por outra qualquer testemunha e/ou meio de prova!
9.°
Os tribunais portugueses, ao contrário do que sucedeu na sentença de que se recorre, têm adoptado a tese do princípio de prova, segundo a qual as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. 
10.°
Sucede que, o douto Tribunal a quo entendeu que as declarações de parte da Reclamante, ora Recorrida, foram suficientes para se considerar provado que o veículo PJ tinha um valor patrimonial na esfera jurídica da Reclamante superior ao valor venal atribuído pela Congénere (e que mereceu a concordância da Reclamada, ora Recorrente) e, bem assim, para considerar provados os danos decorrentes da alegada privação do uso do veículo PJ.
11.°
Porém, a ora Recorrente entende, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal a quo andou mal na forma como valorou as declarações de parte em sede de audiência de julgamento, assim como na conjugação de tais declarações com o depoimento da testemunha BB e, bem assim, com a demais prova documental já existente no processo.
12.°
É verdade que, o Tribunal a quo aprecia livremente as provas por via do princípio da livre apreciação da prova, não obstante, tal apreciação encontra-se subordinada à experiência e à prudência do julgador e a uma análise séria e objectiva de toda a factualidade produzida em Audiência de Julgamento, não se tendo tratado obviamente de uma decisão arbitrária.
13.°
Sucede que, in casu, a matéria dada como provada foi incorrectamente apreciada, tendo conduzido a uma decisão injusta e incoerente com a factualidade efectivamente apurada nos autos. Desde logo porque, in casu, todos os factos considerados como provados sob os pontos K; L; M; N; O; P; Q; e, R; tiveram como base única e exclusivamente as declarações de parte da Reclamante, ora Recorrida, e nada mais.
14.°
Sendo que, o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, desconsiderou por completo o depoimento da testemunha BB, prestado em sede de audiência de julgamento e tomou como certas unicamente as declarações de parte da Reclamante, ora Recorrida.
15.º
Mais, nos termos do disposto no artigo 342.°, n°1 do CC, impendia exclusivamente sobre a Reclamante, ora Recorrida, a prova da factualidade alegada em sede de Reclamação. Sucede que, conforme facilmente se constata pelas peças processuais juntas aos autos e pela ata da audiência de julgamento, a Reclamante, ora Recorrida, não arrolou qualquer testemunha capaz de enunciar os danos por si sofridos na sequência do acidente ou mesmo o valor patrimonial que o veículo PJ alegadamente tinha para si.
16.°
Não tendo junto qualquer outra prova, nomeadamente, documental, capaz de corroborar a posição vertida em sede de reclamação, designadamente no que diz respeito ao valor do veículo PJ e à alegada privação do uso.
17.°
Ora, conforme acima se referiu, impendendo desde logo sobre a Reclamante o ónus de alegar, e subsequentemente provar, a factualidade necessária para que o Tribunal pudesse apurar e determinar os danos por si efectivamente sofridos na sequência do acidente, e não tendo a Reclamante logrado demonstrar e/ou provar os danos peticionados, designadamente, que o veículo PJ tinha um valor patrimonial superior ao valor venal atribuído pela Congénere e que o referido veículo esteve paralisado e daí decorreram danos, sempre se dirá que, deverá a dúvida sobre tais factos resolver-se contra a Demandante (nos termos previstos no artigo 414.° do CPC).
18.°
De facto, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a ora Recorrente concordar, de forma alguma, com a douta decisão proferida nos autos, por considerar que o Tribunal não pode, em termos legais, substituir-se à Reclamante, bastando-se com as declarações de parte daquela para dar como provada praticamente toda a matéria alegada em sede de reclamação.
19.°
Pelo que, não tendo sido produzida qualquer prova bastante e suficiente sobre a matéria de facto elencada nos referidos pontos considerados como provados, entende a ora Recorrente que os pontos K; L; M; N; O; P; Q; e R deveriam ser julgados NÃO PROVADOS, o que desde já se requer.
20.°
Não tendo resultado provado, como não resultou, os factos elencados nos pontos K; L; M; N; O; P; Q; e R; não poderia a ora Recorrente ter sido condenada nos termos em que foi.
21.°
Com efeito, no que concerne à perda total do veículo PJ, não se provou, conforme supra explanado, que os valores apurados pela Reclamante eram diferentes dos valores apurados pela Congénere, e muito menos que os valores apurados por aquela eram superiores aos valores indicados pela Congénere, como parece fazer crer, nas entrelinhas da douta sentença ora recorrida, o Tribunal a quo.
22.°
A Reclamante não fez prova de que os valores indicados pela Congénere não tivessem cabimento ou fossem infundados e não demonstrou que o veículo PJ tivesse sofrido uma reparação em 2019 no valor de € 800,00, nem provou que o referido veículo estivesse em "muito bom estado de conservação".
23.°
Atente-se que, além das declarações de parte, a Reclamante não juntou quaisquer fotografias aos autos relativamente ao estado de conservação do veículo PJ, nem juntou qualquer factura da alegada reparação realizada em 2019 - prova documental que sempre estaria ao seu alcance.
24.°
A Reclamante, ora Recorrida, além de não ter logrado provar que o veículo PJ tinha sido reparado em 2019 e estava em "muito bom estado", não provou que o mesmo tinha pertencido a uma familiar seu e que, nessa medida, lhe tinha muita estima.
25.°
Mais, o Tribunal a quo, tendo dado como provado, como deu, que tanto a Congénere como a aqui Recorrente consideraram o veículo PJ como estando em situação de perda total, nada mais se tendo provado em sentido diverso, sempre deveria ter concluído pela procedência do alegado pela Reclamada, ora Recorrente, em sede de Contestação e, portanto, sempre deveria ter atribuído à Reclamante, ora Recorrida, uma indemnização pela perda total do veículo PJ e não, como fez, condenar a ora Recorrente no pagamento da reparação do referido veículo.
26.°
Assim, com o devido respeito, errou o Tribunal a quo ao condenar a ora Recorrente a pagar à Recorrida o valor necessário à reparação do veículo PJ, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 342.°, n°1; 483.°, n°1; 562.°; 563.°; 564.°, n°1; 566.° todos do CC; e414.° do CPC.
27.º
No que concerne à alegada privação do uso do veículo PJ, atente-se que não resultou provada qualquer matéria factual capaz de sustentar a condenação da ora Recorrente a este respeito. Sendo que, também no que concerne a esta matéria, apenas foi ouvida, em sede de declarações de parte, a Reclamante, aqui Recorrida.
28.º
De facto, não resultou provado que o veículo PJ fosse o único veículo da Reclamante, nem que a alegada privação do uso lhe tivesse trazido transtornos e prejuízos indemnizáveis, designadamente nas suas deslocações ao Hospital. Da mesma formo como não resultou provado durante quanto tempo esteve a aqui Recorrida alegadamente privada do uso do veículo PJ!
29.°
De facto, a douta sentença de que ora se recorre limitou-se a referir, em sede de fundamentação e apenas en passant, "Quanto à paralisação do PJ, e sendo a privação do uso susceptível de indemnização, mesmo que o lesado não faça prova, que dessa privação resultou o "específico" prejuízo material, o Tribunal, com a prova produzida resultado das declarações da Reclamante e documentos juntos aos autos, apurou que a Reclamante este privada do PJ mais de um mês.".
30.°
Ou seja, o douto Tribunal a quo além de admitir expressamente que a Reclamante não fez prova dos prejuízos decorrentes da alegada privação, admite entrelinhas que desconhece o tempo exacto da alegada privação, afirmando, contudo, que a Reclamante, ora Recorrida, esteve privada do PJ "mais de um mês".
31.°
Acresce que, não resultaram provados os transtornos e prejuízos decorrentes da alegada privação. De facto, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provados os alegados transtornos e prejuízos de uma forma genérica e sem qualquer fundamentação. Ficando inclusivamente por explicar de que forma o Tribunal arbitrou a quantia de € 750,00 a título de privação.
32.°
Salvo melhor entendimento, estamos perante um juízo discricionário do douto Tribunal Arbitral, sem qualquer fundamentação, desconhecendo, por isso, a ora Recorrente a que lapso temporal se refere a indemnização atribuída a título de privação. Sendo, por isso, a douta sentença arbitral de que ora se recorre omissa na sua fundamentação.
33.°
Ademais, tendo a Recorrente colocado à disposição da ora Recorrida uma indemnização pela perda total do veículo PJ, indemnização essa que a Reclamante, ora Recorrida, não aceitou apenas porque entendeu querer reparar o veículo PJ, não poderia a ora Recorrente ter sido condenada a pagar uma indemnização pela alegada privação.
34.°
Face ao exposto, e tendo em conta a inexistência de matéria factual provada capaz de fundamentar a condenação da ora Recorrente numa indemnização pela alegada privação do uso do veículo PJ, sempre deveria a ora Recorrente ter sido absolvida de tal pedido.
35.°
Não obstante, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, que a matéria de facto considerada como provada não merece reparo, importa ter em linha de conta algumas considerações que, inexplicavelmente, não mereceram qualquer atenção por parte do Tribunal a quo.
36.°
No que concerne à perda total do veículo PJ, sempre se dirá que, não tendo resultado provado que o veículo PJ tivesse um valor patrimonial diferente do seu valor venal (este sim provado - veja-se o ponto F da matéria de facto provada), não poderia o Tribunal a quo ter partido desse entendimento para desconsiderar a indemnização pela perda total e condenar a Reclamada, ora Recorrente, a pagar o valor correspondente à reparação do veículo PJ e que, espante-se, é quatro vezes superior ao valor venal do referido veículo.
37.°
De facto, atenta a prova produzida, resultou claro que a reparação do veículo PJ mostrava-se excessivamente onerosa para o devedor, nos termos do disposto no artigo 566.° n°1 do CC, desde logo porque afigura-se quatro vezes superior e porque é manifestamente desproporcional quando comparada com o interesse da lesada em reparar o veículo!
38.°
Nos termos do disposto no artigo 41.°, n°1, al. c) do Decreto-Lei n.°291/2007, de 21 de Agosto, um veículo considera-se em situação de perda total quando se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
39.°
Ora, no caso dos presentes autos, a soma da estimativa de reparação com o valor do salvado superava largamente o valor venal do veículo a que se reporta o preceito legal citado. Pelo que, não restam dúvidas de que o veículo PJ se encontrava em situação de perda total.
40.°
De facto, considerando as características do veículo PJ, é perfeitamente possível adquirir um veículo semelhante pelo valor da indemnização supra referida, acrescida do valor do salvado, conforme anúncios juntos aos autos pela aqui Reclamada, ora Recorrente.
41.°
Não havendo dúvidas de que a reparação do veículo da Reclamante afigura-se excessivamente onerosa, porquanto é quatro vezes superior ao valor do veículo antes da eclosão do acidente.
42.°
Não podendo a Reclamada, aqui Recorrente, ser condenada a pagar o montante orçamentado para a reparação do veículo PJ, sob pena de clara violação do disposto no artigo 566.°, n°1 do CC, porquanto, a reparação afigura-se, conforme supra referido, excessivamente onerosa.
43.°
Veja-se, a este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28/05/2020, proferido no âmbito do processo n.°289/19.1T8MCN.P1, no qual se defendeu precisamente que tendo resultado provado que a reparação do veículo ascendia ao valor de € 4.174,76 e que o valor de mercado do veículo antes do acidente era de € 750,00; e que, portanto, a reparação, a ser realizada, custaria à R. um preço mais do que 5 vezes superior ao valor que o veículo tinha à data do acidente, afigurava- se absolutamente indiscutível a excessiva onerosidade a que se refere o artigo 566.°, n.°1, do Código Civil, dada a manifesta desproporção entre o valor do bem e o custo da sua reparação, sem qualquer vantagem conhecida para a segurada.
44.°
Assim, e considerando que, no presente caso, a reparação do veículo PJ afigura-se quatro vezes superior ao valor venal do mesmo, na esteira do douto Acórdão supra referido, sempre teria de se concluir que, in casu, é absolutamente indiscutível a excessiva onerosidade da reparação, dada a manifesta desproporção entre o valor do bem e o custo da sua reparação, sem qualquer vantagem conhecida para a aqui Recorrida (reitere-se que, a este respeito, nada provou a Reclamante).
45.°
Assim, deverá a douta decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a ora Recorrente a pagar à Recorrida, apenas e só, o valor correspondente ao valor venal do veículo PJ, deduzido do valor do salvado, sob pena de manifesta violação do disposto nos artigos 342.°, n.°1; 483.°, n.°1; 562.°; 563.°; 564.°, n.°1; 566.° todos do CC; e 414.° do CPC.
46.°
No que concerne à alegada privação do uso do veículo PJ, existe jurisprudência com entendimento diverso do adoptado pela douta sentença de que ora se recorre, nomeadamente, que entende ser necessária a prova concreta dos efectivos prejuízos e danos causados por tal privação.
47.°
De facto, ainda que se admita que a paralisação de um veículo possa per si representar, para o respectivo proprietário, um prejuízo, afigura-se necessário alegar e provar factos que demonstrem a efectiva verificação de danos na esfera jurídica do proprietário do veículo.
48.°
Dito isto, importa referir que, da matéria considerada como provada nos presentes autos e supra transcrita, não resultou que a ora Recorrida tenha sofrido danos decorrentes da privação do uso do veículo PJ e em que medida. Efectivamente, da matéria de facto considerada como provada apenas resultou que a ora Recorrida, na sequência da alegada privação do uso do veículo PJ, sofreu transtornos e prejuízos.
49.°
Ora, na esteira de grande parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a ora Recorrente entende que, de facto, a privação do uso de um veículo não basta, só por si, para fundar uma obrigação de indemnizar, incumbindo ao lesado uma obrigação de efectiva prova da existência de prejuízos de ordem patrimonial ou não patrimonial decorrentes da não utilização do bem.
50.°
Sucede que, a ora Recorrida não logrou provar ter sofrido ou vir a sofrer qualquer dano resultante da impossibilidade de utilizar o veículo PJ, circunstância que não se pode, de todo, ignorar!
51.°
Não resultou provado, da prova produzida nos autos, qualquer dano emergente ou um lucro cessante com repercussão na esfera jurídica da Reclamante, aqui Recorrida, conforme, de resto, facilmente se constata da matéria considerada como provada nos presentes autos e supra transcrita.
52.°
Ora, como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 04/07/2013, "a privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundara obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados", disponível em www.dgsi.pt.
53.°
Motivo pelo qual, face à ausência de suporte táctico capaz de consubstanciar a indemnização peticionada pela ora Recorrida a título de privação do uso do veículo PJ, a ora Recorrente entende que nem sequer devia ter sido condenada a indemnizar a ora Recorrida por este alegado dano.
54.°
Neste sentido, e face a tudo o que antecede, entende a ora Recorrente que nenhuma indemnização deverá ser arbitrada à ora Recorrida a título de privação do uso do veículo PJ, porquanto a mesma não logrou provar nem a privação do uso, nem a existência de prejuízos verificados na sua esfera jurídica em consequência da alegada privação, devendo, assim, a douta sentença ser revogada, e em consequência, a Reclamada, ora Recorrente, ser absolvida do pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de privação do uso do veículo, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.°, 562.° e 563.° todos do CC.
55.°
Não obstante, considerando-se não ser necessária a prova dos danos concretos causados pela privação do uso do veículo em causa, sempre se dirá que importa ter em atenção que não basta que tenha existido uma imobilização forçada do veículo para que a Seguradora responsável seja, pura e simplesmente, condenada no pagamento das quantias indiscriminadamente peticionadas pelos lesados.
56.°
De facto, no âmbito deste instituto procura-se encontrar o valor indemnizatório duma forma equilibrada e razoável, dentro dos elementos que a factualidade dada como provada nos proporciona. Não se podendo compreender como entendeu o Tribunal a quo fixar o valor de € 750,00 a título de privação.
57.°
Não podemos de forma alguma olvidar que a atribuição da indemnização pela privação do uso deve ser calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do artigo 562.° do CC e com recurso à equidade, nos termos do artigo 566.° n.°3, pelo que, a ser a ora Recorrente condenada a indemnizar a ora Recorrida pelos alegados danos decorrentes da privação do uso do veículo PJ, tal condenação sempre deveria ter sido bastante inferior à fixada pelo Tribunal.
58.°
Tendo o Tribunal a quo considerado que a Reclamante esteve privada do uso do veículo durante "mais de um mês" - facto que não resultou provado, repita-se - ainda que se admita que a Recorrida esteve privada do veículo PJ durante um mês e meio (o que não sabemos e, portanto, não se aceitai), o Tribunal, ao condenar a ora Recorrente no pagamento do montante de € 750,00 a título de privação do uso, pecou por excesso, porquanto, tal montante indemnizatório resulta numa média de€ 16,60 por dia.
59.°
Sendo que, os Tribunais Superiores tendem a considerar diárias no valor de € 7,50 e € 10,00 para arbitrar indemnizações a este título. Neste sentido, atente-se o teor dos seguintes Acórdãos:
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/07/2018, no âmbito do processo n.°3.664/15.T8VFX.L1-6;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/12/2019, no âmbito do processo n.°3088/19.7YRLSB-2;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 26/10/2017 (Relator desembargador José Cravo);
-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11/07/2017 (Relatora Desembargadora Maria dos Anjos S. Melo Nogueira);
-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 21/09/2017 (Relatora Desembargadora Helena Melo.
60.°
Assim, perante tudo o que acaba de se expor, no entender da Recorrente, o montante arbitrado encontra-se fora das margens definidas pela Jurisprudência proferida pelos Tribunais Superiores, desrespeitando o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência nacional, devendo concluir-se que o valor fixado se encontra fora de parâmetros admissíveis, considerando, quer os contornos factuais do caso apurados, quer os de casos similares.
61.°
Nestes termos, e pelas razões expostas, não pode a ora Recorrente concordar com o valor arbitrado, salvo o devido respeito, com a douta sentença proferida, na medida em que a interpreta e aplica de forma incorrecta e/ou imprecisa, as normas legais constantes dos artigos 562.°, 563.° e 566.°, n.°3 do Código Civil, devendo ser substituído por um montante indemnizatório diário a título de privação do uso nunca superior a € 7,50 e que, no total, não ultrapasse o valor de € 400,00.
62.°
Nesta medida, e por qualquer dos identificados fundamentos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a douta sentença recorrida, e substituindo-se a mesma por uma decisão que condene a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização no valor de € 895,00 pela perda total do veículo PJ e absolva a mesma da indemnização peticionada a título de privação do uso do referido veículo, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Por seu turno a apelada conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
1ª - A decisão judicial sob recurso procedeu a uma correcta e ponderada aplicação do direito aos factos provados e é, s.m.o., imerecedora de qualquer censura. Donde, afigura-se que a pretensão recursiva da recorrente deverá improceder.
2.ª Na verdade, entendemos que a convicção formada pela Exma. Juiz "a quo", no que a este particular diz respeito, foi prudente e ponderada, pelo que o recurso oferecido pela Recorrente tem de ser julgado improcedente.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, é definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
Perante o antes exposto, são as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão de facto;
2ª) A alteração da decisão proferida no que toca à indemnização arbitrada pela reparação do veículo sinistrado e à privação do uso do mesmo.
*
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A. No dia 17/06/2020, cerca das 18h50m, na Rua 5 de Outubro, no Porto, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PJ, conduzido por AA, aqui Reclamante, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-VS-.., conduzido por CC, com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro, titulado pela Apólice ....
B. A Reclamada assumiu a responsabilidade do acidente, tendo neste sentido considerado o condutor do VS o responsável pelo acidente dos autos.
C. A resolução do sinistro foi regularizada no âmbito da Convenção IDS, tendo sido a Seguradora da Reclamante, congénere, a responsável pelo relatório de peritagem.
D. Neste sentido a congénere considerou o PJ na situação de perda total, nos termos do n° 1 do artigo 41° do Decreto-Lei 291/2007.
E. Fez uma estimativa de reparação em 4.275,00€.
F. Apurou o valor venal em 1.000,00€.
G. E avaliou o salvado através de empresa certificada para o efeito em 105,00€., conforme doe. junto aos autos.
H. A Reclamada não efectuou peritagem ao PJ, assumindo o relatório de peritagem da congénere.
I. E os valores propostos pela mesma a título da perda total.
J. A Reclamante não aceitou a perda total, pretendendo reparar o PJ.
K. No entanto, após a informação da perda total, a Reclamante fez pesquisa do valor do PJ, no mercado de usados e apurou outros valores diferentes dos apresentados pela congénere.
L. Verificou, também, que os valores apurados não se enquadravam nas características do PJ, nomeadamente a quilometragem, não correspondia à do PJ.
M. O PJ, à data do acidente encontrava-se em muito bom estado de conservação.
N. Em finais de 2019 tinha sofrido uma reparação no valor aproximado de 800,00€ para o manter em bom estado.
O. O PJ era o veículo utilizado pela Reclamante no quotidiano, e satisfazia perfeitamente a Reclamante nas suas conduções, sendo que a mesma lhe tinha muita estima pois tinha pertencido a um familiar, seu Tio.
P. Com o acidente o PJ deixou de poder circular, sendo este o único veículo da Reclamante utilizado, diariamente, nos seus afazeres, quer profissionais, quer pessoais.
Q. Pelo que a sua privação causou-lhe transtornos e prejuízos.
R. Nomeadamente nas suas deslocações ao Hospital, pelo seu problema de saúde.
S. Em consequência desse embate, a Reclamante peticiona a quantia de 5.145,00€, da qual a quantia de 4.275,00€ respeitante à reparação, conforme relatório de peritagem, junto aos autos, a quantia de 750,00€ a título de paralisação do PJ e a quantia de 120,00€ respeitante ao parqueamento do PJ.
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Na mesma decisão foi dado como não provado o seguinte facto:
A despesa sofrida com o parqueamento do PJ e consequentemente o valor peticionado a este título.
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Como também consta de forma expressa na decisão recorrida é a seguinte a motivação decisão de facto proferida:
“Atenta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunha produzida, e tudo o que foi possível apurar em Audiência de Julgamento, ficaram provados, apenas, os seguintes factos:..”
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Ficou já visto que neste seu recurso da decisão de facto, a reclamada ora apelante quer que sejam dados como não provados os seguintes pontos de facto: K, L, M, N, O, P.
Perante tal alegação, o que cabe desde logo dizer é o seguinte:
Segundo dispõe o art.º607º, nº3 do NCPC, a propósito da fundamentação da sentença, é imposto ao juiz que discrimine os factos que considera provados e indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes.
De acordo com o disposto no nº4 do mesmo artigo, “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.”
É consabido que a violação do dever de fundamentação gera a nulidade nos termos do art.º615.º, nº1, alínea b) do NCPC, determinando que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Sabe-se, igualmente, que não obstante tais exigências, se vem entendendo quer na doutrina quer na jurisprudência que só a falta absoluta de motivação, que não a meramente deficiente ou medíocre, conduz àquela nulidade.
Não se discute que não obstante a sua particular natureza (cf. o art.º 209.º, n.º 2, da CRP), os tribunais arbitrais também se encontram sujeitos ao dever de fundamentação.
Assim, e por força do disposto no art.º42.º, nº3 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei n.º 63/2011, de 14/12, que a aprovou e que aqui é aplicável, (cf. os seus artigos 4º, nº1 e 6º), “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º, o que aqui não ocorre.
Já o art.º13.º, alínea e), do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, aprovado pela Assembleia Geral de 31 de Maio de 2010, nos termos previstos no art.º12.º, alínea i), dos Estatutos do CIMPAS – Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, que rege o Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, manda fazer constar da decisão arbitral “os fundamentos, de facto e de direito, da decisão”.
O art.º14º do mesmo Regulamento manda aplicar as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (nº1) e, em caso de omissão, subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral – nº2.
No art.º18.º, nº2, deste Regulamento está consignada a obrigação de que a acta contenha a “caracterização sumária do litígio e respectiva decisão, devidamente fundamentada.”
Voltando aos autos é a decisão aqui recorrida o que se verifica é que na mesma tais regras foram respeitadas, tendo nomeadamente em conta a natureza específica deste tipo de processos.
Perante a decisão proferida, impunha-se às rés/apelantes o cumprimento pontual dos ónus previstos nas várias alíneas do nº1 do art.º 640º do CPC.
Assim sendo e como vem sendo entendido, no recurso de apelação que envolve a impugnação da decisão da matéria de facto, provada e não provada, deve o recorrente concretizar quer os segmentos da decisão que considera erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. I. pág.770, “nos termos do nº1, alínea b) recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus que actua numa dupla vertente; cabe-lhe, de foram suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.”
Regressando aos autos o que se verifica é o seguinte:
Para justificar este seu recurso da decisão da matéria de facto, a reclamada/apelante limita-se a afirmar que para fundamentar a decisão proferida quanto a estes pontos de facto o Tribunal “a quo” teve exclusivamente em conta as declarações de parte da reclamante aqui apelada.
Alega também que a ser assim e não tendo sido produzida qualquer outra prova bastante, suficiente e inequívoca sobre a referida matéria, não podia a mesma ter sido dada como provada.
Ora salvo melhor opinião, parece-nos evidente que mesmo tendo em conta a natureza do processo dos autos tal alegação não cumpre devidamente o ónus previsto no art.º 640º, nº1, alínea b) do CPC, o que só por si leva, nesta parte, à rejeição do recurso.
Por outro lado, também ficou já visto que contrariamente, ao que agora vem referido nas alegações de recurso, a decisão de facto proferida não se baseou exclusivamente nas declarações de parte da reclamante, mas teve também em conta os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal produzida.
E a ser assim também por aqui não merece provimento o recurso interposto pela reclamada/apelante X....
Deste modo e pelo conjunto de razões acabadas de referir, mantém-se nos seus estritos e integrais termos a decisão da matéria de facto antes proferida.
E mantendo-se, como se mantém, tal decisão de facto nenhuma censura nos merece a decisão de direito que face à mesma acabou por ser proferida.
Se não vejamos.
É consabido que o princípio geral em sede de obrigação de indemnizar é o que está estabelecido no artigo 562° do Código Civil, segundo o qual, "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
Sabe-se, igualmente, que para o artigo 566°, do mesmo diploma, nos seus números 1 e 2:
"1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que feria nessa data se não existissem danos.”.
Face a tais normas pode pois concluir-se que a lei distingue a reconstituição natural - na qual o dano é perspectivado como destruição ou alteração de bens, que cumpre restituir ao estado anterior da indemnização pelo equivalente - na qual o dano é traduzido numa diferença de valores no património -, preferindo-se a primeira solução, sempre que esta se mostre possível, repare integralmente o dano e não seja excessivamente onerosa para o responsável.
Aplicando tais regras ao caso concreto o que importa salientar é o seguinte:
Vimos desde logo que a reclamante/recorrida veio pedir o ressarcimento do dano patrimonial decorrente do custo de reparação dos estragos sofridos pelo veículo de sua propriedade, por virtude do acidente sofrido.
Está pois em causa um dano emergente, cuja quantificação deve, em princípio, corresponder ao montante efectivamente despendido ou a despender nessa reparação.
No entendimento da reclamada/apelante tal reparação é excessivamente onerosa, já que o custo da mesma excede o valor do veículo.
A este propósito, merece ser acolhida a tese segundo a qual para aferir da excessiva onerosidade da reparação há que tomar como referência não o valor venal do veículo imediatamente antes do acidente, mas sim o valor que o mesmo representa dentro do património do lesado.
Subscrevemos também a ideia de que a tal não obsta o previsto no artigo 41° do Decreto-Lei n°291 /2007, de 21 de Agosto, no qual se prescreve o seguinte:
“1. Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se considere que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado ao valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2. O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3. O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, por forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização".
Vale igualmente o entendimento de que tal normativo tem em vista a fixação de parâmetros para a composição, por via negociada, da controvérsia relativa à obrigação de indemnização, deixando de ser aplicável quando seja pedida em juízo a resolução do litígio (neste sentido e entre outros cf. os Acórdãos desta Relação do Porto de 14.06.2010, proc. n°2247/08.2TBMTS.P1 e de 14.07.2010, proc. n°2775/06.4TBGDM.P1, www.dgsi.pt).
A este propósito, importa ainda referir o que defende Laurinda Guerreiro Gemas, "A indemnização dos danos causados por acidentes de viação - Algumas questões controversas", Julgar, n°8, págs. 43 e 44, a propósito do aparente confronto entre a alínea c) do n°1 do art.º 41° do Decreto-Lei n°291/2007, de 21 de Agosto e o princípio geral da reconstituição natural consagrado nos artigos 562° e 566°, n°1 do Código Civil e que é o seguinte:
“(...) os tribunais não deverão ser indiferentes à pretensão do lesado que, sendo proprietário de veículo bem estimado, por exemplo com oito anos, mas que serve perfeitamente as suas necessidades profissionais ou familiares, manifeste interesse na reparação do mesmo, tanto mais que, como é consabido, são frequentes os casos de veículos usados em aparente bom estado, mas com «passado» duvidoso (por anterior envolvimento em acidentes graves ou manipulação dos seus conta-quilómetros).”
Mais ainda quando afirma: "Nestas situações haverá que aplicar as regras básicas do ónus da prova, podendo o lesado formular pedido de condenação da seguradora no pagamento da quantia necessária à pretendida reparação, provando o montante da mesma, cabendo a esta, caso pretenda prevalecer-se do disposto no art.º 41°, a alegação e prova de facto impeditivo, em particular no caso da ai c), provando que o autor podia adquirir no mercado, e por determinado preço, um outro veículo que substituísse o veículo sinistrado.”
No caso concreto, impõe-se desde logo recordar que a reclamada/apelante entendeu por bem não realizar a peritagem ao PJ, assumindo o relatório de peritagem da congénere, e que após a informação da perda total, a reclamante/apelada procedeu à pesquisa do valor do seu veículo, no mercado de usados apurando outros valores diferentes dos apresentados pela congénere.
Importa ter também em conta que os valores apurados não se enquadravam nas características do veículo, nomeadamente a quilometragem, não correspondia à que este apresentava à data do sinistro.
Perante tais elementos, tem razão a reclamante/apelada quando defende ter ficado por demonstrar que a atribuição a atribuição de uma quantia monetária correspondente ao valor venal atribuído ao veículo pela reclamada/apelante lhe permitirá a aquisição de veículo que satisfaça as suas necessidades, pelo menos de forma equivalente.
E também quando afirma ser de manter o decidido na sentença proferida, nomeadamente quanto à condenação no pagamento do custo da reparação do seu veículo.
Tudo isto pelo seguinte conjunto de razões:
Todos sabemos que a restauração natural pode ter lugar de duas formas: ou reparando o veículo ou entregando ao lesado um veículo da mesma marca e modelo e em condições semelhantes de uso e de mecânica.
Ninguém discute que a restauração natural está prevista na lei em benefício de ambas as partes.
Segundo a reclamante/apelada, qualquer uma das duas opções supra identificadas poderia ter sido seguida no caso concreto por uma e outra das partes, prevalecendo, em caso de oposição, a que conduzisse a um maior equilíbrio dos interesses de ambas as partes, desde que o lesado não ficasse, claro está, de alguma forma, prejudicado.
Defende também a ideia de que se a reclamada/apelante lhe tivesse oferecido um veículo equivalente e se tivesse despendido na sua aquisição uma quantia inferior ao da reparação, poderia então ser equacionada a questão de saber se a restauração natural deveria ser efectuada desta forma, menos dispendiosas para a seguradora, ou através da reparação.
Mas tal situação não ocorreu verificando-se sim que a reclamante/apelada procedeu à reparação do seu veículo e optou por pedir o preço da reparação como forma de restauração natural.
Sendo assim, resta pois a análise da onerosidade excessiva (ou não) da reparação.
Nas suas contra alegações a reclamante/apelada defende e bem que não é pelo facto do preço da reparação exceder o triplo ou o quádruplo do valor comercial do veículo, que se tem de concluir pela onerosidade excessiva.
E isto porque esta também depende dos montantes concretos que têm de ser despendidos, no caso pela seguradora do veículo responsável pelo acidente.
Aceita-se que o valor da reparação é excessivo quando puser em causa o sentimento jurídico da justa proporcionalidade na repartição dos sacrifícios económicos entre lesado e lesante.
Segundo a reclamante/apelada, nos autos a seguradora não conseguiu provar que tal circunstância se verifica.
Para suportar a tese que advoga alude a uma decisão jurisprudencial na qual se considerou que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de € 14.626,36, quando o valor comercial do veículo de € 3.009,00 (cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.04.2010, CJ, ano XXXV, tomo II, pág.115).
Ora também nós subscrevemos o entendimento de que a reparação integral do dano pode não coincidir com uma indemnização equivalente ao valor comercial ou venal do veículo, se não tiver em conta o valor de uso do mesmo.
Neste sentido vai entre outros o Acórdão do STJ de 19.03.2009, processo 09B0520, www.dgi.pt., onde no respectivo sumário se refere o seguinte:
“1. Na obrigação de indemnizar, deve em princípio, proceder-se à reconstituição natural, sendo sucedânea a indemnização por equivalente.
2. Mas a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer não o interesse do lesante mas o do lesado, em benéfico de quem regem tais princípios.
3. O lesante apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro; e, sendo este o caso, pode também discutir o respectivo montante.
4. No caso da danificação de um veículo, essa excessiva onerosidade tem que ser aferida entre o valor da reparação e o valor que o veículo representa no património do lesado.
5. Assim, verificando-se que o veículo sinistrado era uma viatura pesada de transporte de cimento a granel e que na altura do acidente circulava por força da dessa actividade da Autora, estando “especialmente preparado” para a mesma, apesar de o valor do veículo ser de apenas 3.500€ e de o valor da reparação ser de 23.584,74€, tal não implica excessiva onerosidade, pois a matéria de facto não indicia que com aquele montante, a lesada pudesse adquirir um veículo idêntico.”
Assim por ter aplicado tal entendimento ao caso dos autos, não merece reparo a decisão recorrida.
E o mesmo ocorre no que toca ao dano da privação do veículo:
Assim, sabemos que a reclamante/apelada veio pedir uma indemnização correspondente ao dano sofrido no período em que esteve privada do uso do veículo e até à reparação do mesmo.
Hoje em dia ninguém questiona que tal dano pode e deve ser ressarcido.
Na hipótese dos autos, está demonstrado que o veículo dos autos era o único que a Autora possuía e tinha disponível, que o mesmo era utilizado no quotidiano, e satisfazia perfeitamente a sua proprietária nas suas deslocações profissionais e pessoais, nomeadamente para ir às compras, para actividades de lazer, idas ao médico e ao Hospital.
E a ser assim, bem andou o Tribunal “ a quo” quando considerou o seguinte:
“Quanto à paralisação do PJ, e sendo a privação do uso susceptível de indemnização, mesmo que o lesado não faça prova, que dessa provação resultou o “especifico” prejuízo material, o Tribunal, com a prova produzida resultante das declarações da Reclamante e documentos juntos aos autos, apurou que a Reclamante esteve privada do PJ mais de um mês.
Tendo em conta o valor reclamado a este título, o Tribunal considera atendível o valor reclamado, tendo por respeito os juízos de equidade.”
A este propósito é de referir o que foi decido no Acórdão do STJ de 09.03.2010, proc.1247/07.4TJVNF.P1.S1, www.dgsi.pt. onde se refere o seguinte:
“Para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas a ressarcibilidade também não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito.”
Deste modo, também nesta parte em que se julgou adequada a indemnização de € 750,00, nenhuma censura nos merece o que nos autos foi decidido.
Por isso e improcedendo como improcedem os argumentos recursivos da reclamada/apelante, impõe-se confirmar sem mais a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante/reclamada (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 4 de Maio de 2020
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço