Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO PUBLICIDADE LEITURA DA SENTENÇA OMISSÃO INVALIDADE NULIDADE REGIME LEGAL | ||
Nº do Documento: | RP202107071877/19.3T9VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/07/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Se a audiência decorrer sem publicidade, e na ausência de despacho do Juiz que determine a exclusão da leitura da sentença, ocorre uma nulidade insanável. II – Se o juiz determinar a exclusão da publicidade da audiência de julgamento, a leitura da sentença deve ser pública, não cominando a lei nenhuma invalidade. III – Se a audiência de julgamento é pública, e apenas a sentença não é lida publicamente, ocorre uma nulidade sanável que deverá ser arguida pelos interessados, sob pena de sanação. IV – Assim só ocorre nulidade insanável se não há a leitura da sentença publicamente no caso de a audiência de julgamento ter decorrido com exclusão de publicidade, ou seja, à porta fechada. V – Se o Ministério Público esteve de acordo com a não leitura da sentença, não pode vir agora suscitar esta questão por não poder agir contra a posição que adoptara anteriormente, conforme decorre de jurisprudência fixada. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Rec nº 1877/19.1T9VLG.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C. S. nº 1877/19.1T9VLG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Valongo - Juiz 1 em que é arguido B… E interveio como assistente C…, que deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €1.500 (mil e quinhentos euros) Por sentença de 18/1/2021 foi decidido: Nestes termos, julgando-se procedente a acusação pública, o tribunal decide: 1. Condenar o arguido B… pela prática em autoria material e na forma tentada de um crime de coação, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º, n.º 2, 73º, n.º 1 e 154.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de €845 (oitocentos e quarenta e cinco euros). 2. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante C… e condenar o arguido/demandado civil B…, a pagar-lhe a quantia de €300 (trezentos euros), acrescida de juros moratórios à taxa de 4% contados desde o trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento, do mais se absolvendo o demandado. Custas: - Custas Criminais: Vai, ainda, o arguido condenado no pagamento das custas do processo penal, fixando em 2 UC’s o valor da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo. - Custas cíveis relativas ao pedido de indemnização civil formulado, a fls 125 a 128: Sem custas (cfr. art.º 4º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais). Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões: 1- A douta sentença proferida pelo tribunal a quo enferma de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida; 2- Ficou demonstrado em audiência de julgamento que a testemunha D…, no dia e hora em que ocorreram os factos não estava nem nunca esteve presente no gabinete da assistente, não os presenciou; 3- A referida testemunha não é merecedora de qualquer credibilidade, prestou um depoimento totalmente incoerente, cheio de incongruências com a versão apresentada pela assistente, testemunho esse que foi posto em causa pela Digníssima Procuradora do Ministério Público; 4- O recorrente não praticou o crime pelo qual foi condenado, descrevendo o sucedido de forma clara. 5- A versão da assistente cai por terra, sustentada por uma testemunha que não presenciou os factos; 6- A expressão em causa foi caprichosamente acrescentada pela assistente para prejudicar o recorrente e enganar o tribunal, como já tentou fazer no âmbito de outro processo judicial cível que intentou contra o arguido. 7- O tribunal a quo considerou provados factos sem que tenha sido feita a prova em audiência de julgamento de que tais factos efectivamente ocorreram. O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso A assistente respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência. Nesta Relação a ilustre PGA considerando prejudicadas todas a questões levantadas, no seu parecer argui a nulidade insanável da falta de leitura pública da sentença. Foi cumprido o artº 417º2 CPP e não houve resposta ……………………………… ……………………………… ……………………………… + É a seguinte a questão a apreciar:- nulidade insanável por ausência de leitura publica da sentença - impugnação da matéria de facto (os pontos 6, 8, 10, 12, 13, 14 e 20 dados como provados) + O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto. Destes o arguido nenhum deles invoca e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos, mas nesta Relação a ilustre PGA considerando prejudicadas todas a questões levantadas, no seu parecer argui a nulidade insanável da falta de leitura pública da sentença. Importa por isso ponderar tal arguição. Como se vê da resposta ao recurso, o Mº Pº não levantou tal questão nem o faz o arguido, e apenas no seu parecer já nesta Relação tal questão é levantada, como nulidade insanável (revestindo por isso o seu conhecimento caracter oficioso) Dispõe o artº 372º 3 CPP “3 - Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade”, e o artº 373º CPP diz que: “1 - Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença. 2 - Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior. 3 - O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”, donde resulta inequivocamente que a lei pretende que a sentença seja lida publicamente, evitando o secretismo das decisões penais. Resulta do artº 87º CPP que a audiência é publica, salvo se a lei autorizar que o juiz determine em despacho a restrição de publicidade, e nessa circunstancia “4 - Decorrendo o acto com exclusão da publicidade, apenas podem assistir as pessoas que nele tiverem de intervir, bem como outras que o juiz admitir por razões atendíveis, nomeadamente de ordem profissional ou científica. 5 - A exclusão da publicidade não abrange, em caso algum, a leitura da sentença.” Donde tal norma apenas se refere a estas situações concretas de exclusão de publicidade, ou seja, mesmo que a publicidade da audiência possa ser restringida esta não abrange a leitura da sentença. Não é o caso dos autos, pois a audiência não decorreu com exclusão de publicidade e antes a determinação da não leitura da sentença, foi um acto de consenso entre os sujeitos processuais, como resulta da acta de audiência, após o arguido ter pedido e ser dispensado de comparecer à leitura da sentença, fundamentando-se o demais no seguinte: “Defere-se o requerido, dispensando-se o arguido de comparecer na leitura da sentença, considerando-se dela notificado na pessoa da sua ilustre advogada (cfr. art.º 373.º, n.º 3 do CPP). Acresce que, atentos os momentos difíceis e extraordinários em que vivemos, a braços com uma pandemia de coronovírus - apelando o governo da República que a população se abstenha na medida do possível de sair de casa - são, igualmente, necessárias medidas extraordinárias e de flexibilização. Assim e com vista a evitar-se a deslocação a este Tribunal dos intervenientes para a realização da audiência de leitura de sentença, notifique-se, neste momento, as ilustres advogadas presentes e a Digna Magistrada do Ministério Público, a fim de se pronunciarem quanto à possibilidade da referida diligência poder ser substituída pelo respetivo depósito no próximo dia 18 de janeiro de 2021, pelas 14:30 horas, com a respetiva disponibilização, no Citius, ficando o arguido, nos termos do disposto no artigo 373.º, n.º 3 do CPP, dela notificado na pessoa do seu ilustre defensor. Notifique. * Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público e às ilustres mandatárias presentes pelas mesmas foi dito nada terem a opor.* Seguidamente, a Mmª Juiz de Direito proferiu o seguinte:DESPACHO Atenta a concordância de todos os intervenientes, conclua os autos no próximo dia 18 de janeiro de 2021, pelas 14:30 horas, a fim de ser disponibilizada no Citius a sentença a proferir nestes autos. Notifique.” Por outro lado, dispõe o artº 321º CPP “1 - A audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável, salvo nos casos em que o presidente decidir a exclusão ou a restrição da publicidade. 2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 87.º 3 - A decisão de exclusão ou de restrição da publicidade é, sempre que possível, precedida de audição contraditória dos sujeitos processuais interessados.” Daqui decorre igualmente que a audiência de julgamento é publica e se não for assim ocorre nulidade insanável, a não ser que o presidente determine a exclusão da publicidade, caso em que a leitura da sentença é publica, como assinalado e resulta do artº 87º e do nº 2 deste artigo; Que acontece juridicamente se a sentença penal não é lida publicamente? Se a audiência decorrer sem publicidade e na ausência de despacho do Juiz que assim o determine, ocorre uma nulidade insanável (artº 321º) Se o juiz determinar a exclusão da publicidade da audiência de julgamento, a leitura da sentença deve ser publica, não cominando a lei nenhuma invalidade. Se a audiência de julgamento é publica, e apenas a leitura da sentença não é lida publicamente, que invalidade ocorre? Nulidade, nulidade insanável ou outra invalidade? O artº 372º3 CPP apenas assaca de nulidade à sentença que omita a leitura da fundamentação e do dispositivo, apelidando-a de obrigatória, donde, obviamente se não há sequer leitura, ocorrerá uma nulidade, dispondo o artº 118º 1 CP “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.” De que natureza? Não faz parte das nulidades insanáveis do artº 119º CPP nem como tal é cominada por outra disposição legal, donde, por esta via, se enquadra nas nulidades sanáveis, que não foi arguida pelos interessados (únicos com legitimidade para o efeito – artº 120º CPP), sendo que, em face do artº 121º 1 b) CPP, fica sanada. E isto porque como se viu os sujeitos processuais concordaram que não ocorresse a leitura da sentença, justificada pela doença Covid 19, sendo certo que o arguido fora dispensado de comparência, o que veio a ocorrer. Assim o ac. TRE de 5/02/2013 www.dgsi.pt: “1. A nulidade insanável cominada no artigo 321.º, nº1, do CPP vale apenas para a audiência de discussão e julgamento em sentido próprio ou estrito, excluindo a sentença. 2. Mantendo-se inalterados os termos da condenação na sentença reformulada em conformidade com o determinado pelo tribunal de recurso, a mera notificação da nova sentença aos sujeitos processuais, com cópia integral, e a garantia de acesso à mesma a quem esteja legitimado por um interesse no seu conhecimento, é suficiente para garantir o respeito pelas exigências que são pressupostas pelo princípio de que as decisões judiciais devem ser publicitadas, pelo que a falta de leitura daquela não integra a nulidade insanável a que alude o art. 321.º, n.º1, do CPP, nem a nulidade prevenida no n.º3 do art. 372.º do mesmo diploma legal.” Assim só ocorre nulidade insanável, se não há a leitura da sentença publicamente no caso de a audiência de julgamento ter decorrido com exclusão de publicidade, ou seja, à porta fechada. E a nosso ver, a decisão tomada, que podia ser outra e até não existir, atento o circunstancialismo que a fundamenta expressamente, não ofende a norma do artº 206º CRP que dispõe que “As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento”, pelo que partes da audiência podem ser excluídas de publicidade, e a decisão tomada em face do Covid 19 teve em vista garantir o seu normal funcionamento (se de normal se pode falar face às determinações restritivas da DGS) ou seja os tribunais para poderem funcionar tinham de observar vários, determinados e exigentes condicionalismos e a não comparência presencial nas salas do tribunal era uma delas) evitando o seu encerramento e a propagação da doença que podia levar àquele fecho. Diverso seria, ou podia ser, se imposta pelo tribunal e sem concordância com os interessados. Por outro lado, decorre da tomada de posição dos sujeitos processuais, entre os quais se inclui o Mº Pº, representado na Relação pelo ilustre PGA, que em face daquela concordância não podia suscitar esta questão por não poder agir contra a posição que adoptara anteriormente. É a Doutrina que se extrai do Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº2/2011, DR, I Série A de 27-01-2011 que dispõe “Em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 53.º e 401.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo” pelo que não pode pretender alterar algo com que concordara. Improcede assim esta arguição. ……………………………… ……………………………… ……………………………… + Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém a sentença recorrida. Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 3 Uc e nas demais custas. Notifique. Dn + Porto, 7/7/2021José Carreto Paula Guerreiro |