Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9177/16.2T9PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
PORROGAÇÃO DE PRAZO
Nº do Documento: RP201904119177/16.2T9PRT-B.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 795, FLS. 138-145)
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso à interceção e gravação de conversas telefónicas só pode ser autorizado se houver razões suficientemente fortes e objetivas para se considerar indispensável para a descoberta da verdade, ou que a prova seria, de outra forma, impossível, ou muito difícil, de obter (artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal).
II - Não se justifica a prorrogação do prazo de autorização respetivo quando, durante quase noventa dias de interceção dos três telefones móveis dos suspeitos, nenhuma informação relevante foi recolhida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 9177/16.2T9PRT-B.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Comarca: Porto
Tribunal: Matosinhos - Juízo de Instrução Criminal-J3
PROCESSO: Inquérito n.º 9177/16.2T9PRT

RECORRENTE: Ministério Público

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
1. Nos autos de inquérito supra referenciados que correm termos pela 3ª Secção do DIAP dos Serviços do Ministério Público de Matosinhos, estando indiciada, além do mais, a prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, foi autorizada a intercepção às conversações dos telemóveis dos suspeitos, com os n.ºs ……….., ……… e ………, por 90 dias.
2. Aproximando-se o termo do prazo concedido, o Ministério Público, mediante prévia sugestão do OPC respectivo (Polícia Judiciária) solicitou ao Juiz de Instrução Criminal respectivo (doravante JIC) a prorrogação dessas intercepções, por mais 90 dias, invocando, em suma, que “pese embora a ausência até ao momento de conversações com interesse para a prova, face à qualidade dos intervenientes (funcionários prisionais e reclusos) e ao local onde preferencialmente se contactam (o meio prisional, que é um espaço fechado e com acesso reservado) não é de excluir que surjam, apesar disso, conversações telefónicas com relevância para a prova – prova que atento as aludidas circunstância, se mostra de muito difícil obtenção com recurso aos meios de investigação tradicionais, justificando-se assim o recurso a meios excepcionais de obtenção de prova, concretamente as escutas telefónicas”.
3. Tal pretensão veio, porém, a ser indeferida por despacho proferido nos autos, a 8 de Fevereiro de 2019, com os seguintes fundamentos: (transcrição)
Despacho Recorrido
A fls. 1027 e 1028, o M.P. promove “se determine/autorize a prorrogação das intercepções telefónicas por mais noventa (90) dias - a contar do fim do prazo de 90 dias, antes determinado, que ocorrerá nos dias 7 e 10 de Fevereiro de 2019 - ao número ………, ao imei ……………, ao número ………., ao imei ……………, ao número ……… e ao imei ……………, e, bem assim, a obtenção dos registo de trace-back e a localização celular.”
Alega, para tanto, que “pese embora a ausência até ao momento de conversações com interesse para a prova, face à qualidade dos intervenientes (funcionários prisionais e reclusos) e ao local onde preferencialmente se contactam (o meio prisional, que é um espaço fechado e com acesso reservado) não é de excluir que surjam, apesar disso, conversações telefónicas com relevância para a prova - prova que, atento as aludidas circunstâncias, se mostra de muito difícil obtenção com recurso aos meios de investigação tradicionais, justificando-se assim o recurso a meios excepcionais de obtenção de prova, concretamente as escutas telefónicas”.
Além disso, remete o M.P. para as razões aduzidas a fls. 1024, onde a P.J. refere que, “apesar de as conversas telefónicas serem nulas até ao momento quanto a conteúdos sensíveis e comprometedores”, “as interceções telefónicas continuam a ser um meio técnico auxiliar imprescindível a uma monitorização mínima dos suspeitos no sentido de se conseguir determinar e contextualizar, o mais possível, o respectivo MODUS OPERANDI E VIVENDI - contactos, movimentos e encontros.”
Dispõe o art. 187.º, n.º 1, do C.P.P. que:
“1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas:
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º do Código Penal;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.
4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido;
ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
5 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar; se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam sei- usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.”
Por sua vez, o art. 189.º do C.P.P. dispõe o seguinte:
“1 - O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital e à intercepção das comunicações entre presentes.
2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.”
Analisados os autos, verifica-se que, até ao momento, não foi indicada qualquer conversação telefónica com interesse para a investigação (nenhuma tendo sido, por isso, transcrita), não se vislumbrando, por aqui, como se possa sustentar que as diligências promovidas são, neste momento, indispensáveis para a descoberta da verdade.
E o facto de a prova ser difícil (ou impossível) de obter de outra forma, quando nenhuma foi recolhida através das intercepções telefónicas, parece-nos uma contradição nos próprios termos.
Além disso, se as intercepções telefónicas continuam a ser, para a P.J., “um meio técnico auxiliar imprescindível a uma monitorização mínima dos suspeitos no sentido de se conseguir determinar e contextualizar, o mais possível, o respectivo MODUS OPERANDI E VIVENDI - contactos, movimentos e encontros”, tal não se mostra minimamente concretizado nos autos, de forma a podermos apreciar tal afirmação genérica e conclusiva. Assim, não nos parece também que por aqui se possa sustentar que, decorridos 90 dias de intercepções, as mesmas devam prolongar-se como promovido.
Aliás, parece-nos, salvo o devido respeito, faltar o mínimo de certeza e segurança quanto à relevância das intercepções telefónicas, pois que se diz apenas que “não é de excluir que surjam”, apesar de até agora serem nulas em termos probatórios, “conversações telefónicas com relevância para a prova”, sendo certo que aquelas duram, repita-se, há praticamente 90 dias. E não se vê que a qualidade dos intervenientes e o local onde preferencialmente se contactam contribuam para, muito ou pouco, elevar a possibilidade de tal surgimento.
Ora, a continuação das intercepções telefónicas pressupõe que haja “razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter” (cfr. art. 187.°. n°1, do C.P.P.), exigindo-se, como decorre da letra e espírito das normas do C.P.P. supra transcritas, urna ponderação cuidada entre os interesses da investigação de determinados ilícitos criminais e a reserva da vida privada que a intromissão nas comunicações (efectuadas e a interceptar) obviamente põe em causa.
Tal ponderação é imposta pelo carácter altamente invasivo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que as intercepções telefónicas comportam, e decorre da própria Constituição da República Portuguesa, que dispõe no seu art. 34º, n.º 1, que “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, sendo “proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (n.º 4 da mesma norma). Decorre ainda tal ponderação do disposto pelo artigo 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece que “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”, estando proibida a “ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
Assim, no caso dos autos, nenhum relevo probatório para a investigada actividade criminosa resultando das intercepções telefónicas em curso, iniciadas há quase 90 dias, não vemos como se possa concluir que a sua prorrogação seja, à luz das supra referidas normas, passível de deferimento.
Face ao exposto, por não se verificarem os pressupostos dos arts. 187.º e 189.º do C.P.P., indefere-se a douta promoção de fis. 1027 e 1028, relativamente à requerida prorrogação de intercepções telefónicas e demais diligências associadas.
4. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1. O recurso à realização de intercepções telefónicas está subordinado aos requisitos enunciados no artigo 187º, n.º 1 e 4 do Código de Processo Penal - ser o crime em investigação (um dos) crime do “catálogo” legal, os taxativamente enumerados no n.º 1 do citado normativo; que a diligência se revele de grande interesse para a descoberta da verdade material ou para a prova, que de outra forma seria impossível ou muito difícil de obter; e, que as pessoas relativamente às quais podem ser autorizadas intercepções telefónicas sejam suspeitas; e a sua prorrogação aos mesmos requisitos, tal como estatuído no n.º 6 do citado artigo 187º: “intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
2. Tal sucede nos presentes autos, pois que, como decorre da promoção do Ministério Público, a prorrogação das intercepções telefónicas solicitadas reporta-se apenas aos suspeitos da prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, n.º 1, e 24º, alíneas e) e h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01 (com última alteração introduzida pela Lei n.º 7/2017, de 02.03), com referência à Tabela IV anexa ao referido diploma legal, indiciado nos autos: a saber, os enfermeiros B…, C… e D…, todos a exercer funções na unidade de saúde do Estabelecimento Prisional do Porto, mantendo-se tal meio de obtenção de prova indispensável para a descoberta da verdade e essencial às investigações, pois que não existe nenhuma outra diligência que assegure a descoberta da verdade material e que seja menos lesiva dos interesses e direitos fundamentais em causa nos autos, atendendo, entre o mais, que o crime em causa é cometido no interior de um estabelecimento prisional, por pessoas que nele exercem funções e que qualquer actividade das autoridades policiais encarregadas da investigação com recurso a meios tradicionais de obtenção de prova seria desde logo anotada, alertando os agentes do crime e arruinando qualquer tipo de diligências que se pretendesse encetar;
3. E, pese embora não existam até ao momento conversações com interesse para a prova, tal não significa que essa prova não venha a ser obtida com a prorrogação por mais noventa (90) dias das intercepções telefónicas, porquanto estas continuam a mostrar-se indispensáveis para a descoberta da verdade e essenciais à investigação que, de outro modo, soçobrará por inexistir qualquer outra diligência passível de assegurar a descoberta da verdade material e a obtenção de prova, e que seja menos lesiva dos interesses e direitos fundamentais;
4. Por tudo isso, entendemos que, no caso dos autos, é manifesto que a prorrogação das intercepções telefónicas aos suspeitos B…, C… e D… deveria ter sido deferida/autorizada nos exactos termos da promoção do Ministério Público que acima se mostra transcrita;
5. Pelo que, ao indeferir tal promoção, o Mmº Juiz a quo interpretou e aplicou incorrectamente as normas dos artigos 268º, alínea f), 269º, n.º 1, alíneas e) e f), 187º, n.º 1, alínea a), e n.º 6, e 189º todos do Código de Processo Penal.
5. O recurso foi admitido e mandado subir (em separado) a este Tribunal da Relação do Porto, por despacho proferido a fls. 15[1].
6. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer previsto no art. 416º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, pronunciando-se no sentido do provimento do recurso para o que se louvou nos fundamentos que dele constam.
7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, que decorreu com observâncias das formalidades legais, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Resulta da estatuição do art. 412º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e é jurisprudência pacífica e perfeitamente estabilizada [v., além do mais, Acórdão do STJ, de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt] que o âmbito do recurso – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - é dado pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação.
Assim, no caso em apreço, a única questão suscitada é a de saber se a prorrogação ou reinício das intercepções telefónicas devia ter sido autorizada.
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2. Decidindo
Aproximando-se o termo do prazo da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas autorizada nos autos, por 90 dias, o Ministério Público requereu a respectiva prorrogação por prazo idêntico, mas viu a sua pretensão rejeitada pelo JIC.
Sustentando a essencialidade de tal meio de obtenção de prova para a investigação e descoberta da verdade, pretende a revogação dessa decisão.
Vejamos.
A intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, admitida como meio de obtenção de prova no art. 187º, do Cód. Proc. Penal, foi, no entanto, submetida a regime e formalidades muito estritas e exigentes, em virtude do seu elevado potencial danoso consensualmente reconhecido pelas mais variadas correntes doutrinárias e jurisprudenciais.
Desde logo, porque as escutas telefónicas podem conflituar com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente no tocante ao direito à reserva da vida privada e familiar e inviolabilidade dos meios de comunicação, elevados à categoria de direitos fundamentais nos arts. 26º, n.º 1, e 34º, n.º 1, da Const. Rep. Portuguesa, e que apenas podem sofrer restrições/compressões no confronto com outros igualmente tutelados, como seja o interesse público da realização da justiça ou, mais concretamente, da eficácia funcional da justiça penal e descoberta da verdade.
Sendo incontestável e pacífico que está em causa um meio de obtenção de prova gravemente intrusivo dos direitos dos cidadãos, também não foi questionado o facto de, in casu, se verificarem os requisitos formais da sua autorização: Os autos encontram-se na fase de inquérito, investiga-se um dos crimes de catálogo [tráfico de estupefacientes – alínea b), do n.º 1, do art. 187º] e são visados os telefones de suspeitos [alínea a), do n.º 4, do mesmo normativo].
Na verdade, a questão controvertida situa-se no plano da verificação dos pressupostos substanciais que devem presidir tanto à autorização como à manutenção/prorrogação das intercepções telefónicas, onde pontuam os parâmetros de excepcionalidade, adequação, proporcionalidade, necessidade e subsidiariedade. Quer dizer, o recurso à intercepção e gravação de conversas telefónicas só pode ser autorizado se houver razões suficientemente fortes e objectivas para se considerar “indispensável para a descoberta da verdade” ou que “a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter” – art. 187º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
O M.mo JIC explicitou, de forma cabal, exaustiva e muito clara, as razões porque entendia não ser possível formular qualquer desses juízos de prognose.
O Digno Recorrente discordou sem, contudo, apresentar argumentos concretos que lograssem contrariar ou sequer enfraquecer tal solução.
Na verdade, não basta invocar o interesse e essencialidade do meio de obtenção de prova em causa para a investigação, em moldes genéricos e conclusivos, quando é por demais evidente que, durante os quase 90 dias de intercepção dos 3 telefones móveis dos suspeitos, nenhuma informação relevante foi recolhida.
Aliás, se o enquadramento e contexto da actividade delituosa invocados [crime cometido no interior do EP, por pessoas que nele exercem funções] já mal se compaginava com o facto da diligência pretendida ser considerada fundamental para a descoberta da verdade [em termos de normalidade quem exerce funções no mesmo local trata dos seus assuntos presencialmente, sem necessidade de recorrer a comunicações telefónicas] a circunstância de, durante cerca de 3 meses, não haver qualquer conversação relevante para os factos em investigação corrobora o juízo formulado no sentido de que a prorrogação das intercepções não será o meio adequado ao desiderato pretendido.
É que, não vemos que seja possível justificar a continuada compressão do direito à reserva da vida privada dos visados, prorrogando as escutas de que vinham sendo alvo, sem que das antecedentes se indicie minimamente que destas possa resultar qualquer elemento probatório relevante para a descoberta da verdade.
Por outro lado, se as comunicações interceptadas são irrelevantes também não se vislumbra como poderão considerar-se “um meio técnico auxiliar imprescindível a uma monitorização mínima dos suspeitos no sentido de se conseguir determinar e contextualizar, o mais possível, o respectivo modus operandi”. E, quanto ao modus vivendi, sendo conhecidos os suspeitos, não vemos que seja necessário recorrer a este meio de obtenção de prova, sobretudo quando o OPC já dispôs de 90 dias para o efeito, nada de concreto tendo sido invocado que pudesse legitimar conclusão diversa.
Se bastasse a invocação abstracta e genérica dos interesses da investigação e da essencialidade da diligência para a descoberta da verdade, sem qualquer esteio e até contrariada pelos concretos elementos disponibilizados nos autos, estaria encontrado o meio de autorizar e manter indefinidamente intercepções telefónicas, pese embora a total falta de resultados que, repetidamente, daí adviesse, solução que, de modo algum, se compatibiliza com os critérios de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade a que as mesmas devem submeter-se por imperativo legal.
Cremos, pois, que a decisão recorrida não merece reparo acautelando devidamente o necessário equilíbrio entre a tutela que merece a realização da justiça, por um lado, e a reserva da vida privada, por outro.
Consequentemente, resta concluir que nenhuma censura merece a decisão recorrida, resultando infundada a pretensão da sua revogação.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto julgar improcedente o recurso do Ministério Público e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
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Sem tributação – arts. 522º, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[2]]
Porto, 11 de Abril de 2019
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Numeração deste apenso, como qualquer outra que venha a referir-se.
[2] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.