Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
415/15.0T8ESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCESSIONÁRIA DA AUTO-ESTRADA
INDEMNIZAÇÃO
INDISPONIBILIDADE DA VIA
Nº do Documento: RP20161122415/15.0T8ESP.P1
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 742, FLS.131-134)
Área Temática: .
Sumário: I - O prejuízo decorrente da perda de remuneração pela disponibilidade da via que uma dada concessionária deixou de receber do Estado em razão da interrupção do trânsito na auto-estrada é adequadamente causada pelo facto ilícito que esteve na origem do acidente de viação gerador do corte da via.
II - Pelo ressarcimento de tais danos patrimoniais é responsável, nos termos contratualizados, a seguradora que assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente da circulação do veículo responsável pelo sinistro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Processo 415/15.0T8ESP.P1

Recorrente(s): Companhia de Seguros B…, S.A.;
Recorrido(s): C…, S.A.
Comarca de Aveiro – Espinho – Instância Local - Secção de Competência Genérica

I – Relatório
A “C…, S.A.” propôs a presente acção declarativa, que segue a forma de processo comum, contra a “Companhia de Seguros B…, S.A.”, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 5.168,57€, acrescida de juros calculados à taxa legal até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que, nas circunstâncias de tempo e lugar que descreve, o condutor do veículo de matrícula “..-IV-..”, cujo risco decorrente da circulação estava à data transferido para a ré, circulava na A.. e que, tendo-se despistado, foi embater nas guardas de segurança da via, facto que lhe causou danos patrimoniais enquanto concessionária da referida via.
A ré contestou, defendendo-se por impugnação.
Foi realizado o julgamento, produzida a prova carreada pelas partes e veio a ser proferida sentença a qual, na parte dispositiva, ora se transcreve:
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e condeno a ré a pagar à autora a quantia de 4.982,35€, acrescida de juros legais à taxa de 4%, sobre a quantia de 2.886,86€, desde o dia 18 de Novembro de 2015 até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo da autora e da ré na proporção do decaimento.
*
A Ré não se conformou com o decidido e deduziu o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
1º O presente recurso restringe-se à reapreciação do problema do nexo causal, que a sentença recorrida desconsiderou, entre o sinistro dos autos e o dano alegadamente sofrido pela Autora em consequência da “indisponibilidade da via” causada pelo sinistro dos autos.
2. Nos termos da decisão ora em recurso, a Primeira Instância entendeu considerar tal dano adequadamente causado pelo sinistro dos autos sem mais averiguações, em virtude de isso emergir da legislação que remodelou o contrato de concessão (DL 44-C/2010 de 5 de Maio e Bases LXV nºs 3 e 4 e o ponto 96 (Capitulo XIII) da resolução do Conselho de Ministros nº. 39D/2010), e sem possibilidade de afastamento da causalidade assim estabelecida.
3. Esta decisão, perfeitamente ilegal, inaceitável e injusta, enferma vários vícios que a tornam nula quanto aos seus efeitos.
4. Em primeiro lugar, faz uma errada interpretação e aplicação do Direito aludido no Ponto 2 supra, na medida em que ali não se encontra qualquer dispositivo legal que faça impender sobre terceiros, alheios ao contrato de concessão, os resultados das negociações e os valores dos danos estabelecidos internamente nesse contrato, a serem praticados entre a concessionária da A.. e o Estado Português.
5. Tão pouco ali se encontra qualquer dispositivo que afaste a teoria da causalidade adequada em matéria da obrigação de indemnizar ou que venha alterar o disposto no artigo 406 nº. 2 do C.C. em matéria da eficácia externa das obrigações, ou o conteúdo do art. 483 nº. 1 do mesmo diploma referente à responsabilidade extracontratual.
6. Desta forma, a decisão recorrida não pode valer face ao Direito Português, porque viola abertamente os citados dispositivos legais.
7. Na verdade, o Direito que ela pretende aplicar ao caso dos autos não visa impor “erga omnes”, como direito imperativo, os cálculos e resultados das negociações e acordos celebrados entre os outorgantes do contrato de concessão da A... Isso seria um tremendo abuso de direito, perante o qual todos os utentes da via ficariam amarrados, sem qualquer defesa.
8. Tal Direito pretende antes fixar e uniformizar os contratos de concessão, por forma a harmonizar as relações internas entre Concedente e Concessionário.
9. Face ao que se deixa exposto, a recorrente deve ser absolvida de pagar à Autora a quantia de 2.886,84€ correspondente à perda de ganho que ela alegou ter tido por causa da chamada “indisponibilidade da via”, o que, desde já, se requer.
10. Tal dano, a existir, não foi obviamente causado pelo sinistro dos autos mas terá resultado apenas de um acordo entre a Autora e o Estado, sem qualquer tipo de sindicância, por parte da Recorrente e que, por isso mesmo, não lhe é oponível. (Art. 406 nº. 2 do C.C.)
Termina a recorrente peticionando o provimento do presente recurso devendo a sentença recorrida ser revogada e a Recorrente absolvida de pagar à Autora a quantia de 2.886,84 e os respectivos juros.
Foram produzidas contra-alegações pela ré onde termina requerendo a confirmação da sentença proferida.

II – Factos Provados
Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1) No dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 15h30 horas, D… circulava na A.. ao volante do veículo ligeiro de mercadorias da marca “Iveco”, modelo “…..”, com a matrícula “..-IV-..”, propriedade de “E…, S.A.”, no sentido de marcha Norte/Sul, no sublanço … - ….
2) Nessas circunstâncias, aproximadamente ao Km (PK) …+…, freguesia de …, concelho de …, o condutor perdeu o controlo do veículo, entrou em despiste, foi embater nas guardas de segurança existentes na berma direita e acabou por se imobilizar mais à frente entre a via direita e a berma.
3) O lanço rodoviário da A.. apresenta piso betuminoso, sem haver registo quanto a obstáculos na via.
4) No local a via forma uma curva à esquerda.
5) Na sequência do despiste, foram danificados e inutilizados:
- 28 metros lineares (ML) de guardas de segurança em perfil W, incluindo os respectivos prumos e amortecedores, o que corresponde a sete conjuntos de guardas de segurança, com o custo de 1.397,20€.
- cinco conjuntos de dispositivos de protecção para motociclos, com o custo de 420,95€.
- dois delineadores de meia-cana, com o custo de 77,36€.
6) Tais materiais foram substituídos pelo pessoal ao serviço da autora.
7) Houve necessidade de proceder à lavagem do pavimento por ter havido derrame de óleo, o que importou o custo pelo trabalho executado pelos Bombeiros de 200,00€.
8) A autora despendeu a quantia de 48,00€ na obtenção da participação do acidente de viação.
9) A autora tomou conhecimento do sinistro pelas 15h50.
10) Por causa do despiste e da posição em que o veículo ficou imobilizado, o trânsito passou a circular com dificuldade pela via esquerda, até que ficou bloqueado pela impossibilidade de passagem de um veículo pesado.
11) O trânsito passou a circular pela via esquerda às 16h36 depois de o veículo acidentado ter sido removido e colocado entre a via direita e a berma.
12) A via da direita foi cortada entre as 16h36 numa extensão entre o Pk ..+… e o Pk ..+….
13) Pelas 18h24 deu-se por regularizado o sinistro.
14) A reparação das guardas de segurança implicou a supressão parcial da via, numa extensão de 150 metros, entre as 9h42 e as 12h17.
15) A autora sofreu a dedução de remuneração relativa à concessão de 2.886,84€ por indisponibilidade da via.
16) A autora teve despesas administrativas com a regularização do sinistro.
17) A ré emitiu o recibo de indemnização n.º………., no valor de 2.095,51€, para pagamento à autora dos danos do sinistro.
18) A autora não movimentou o recibo referido em 17).
19) A responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente da circulação do veículo de matrícula “..-IV-..” estava à data transferida para a ré por força do contrato titulado pela apólice n.º……..
20) A ré é concessionária da auto-estrada designada A.., entre os denominados nós de … e do ….
III – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes. Assim, temos em causa nos autos, o pedido de reapreciação do nexo causal entre o sinistro dos autos e o alegado dano da Autora em consequência da “indisponibilidade da via” causada pelo sinistro dos autos.

IV -Fundamentação de direito.
Em causa nos autos, como resulta das alegações de recurso, apenas o pagamento da quantia respeitante à quantia deduzida pelo Estado (2.886,84€) por causa da indisponibilidade da via e que deixou de ser paga à autora, ora apelada; neste contexto, surge como inequívoca a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483º do Código Civil, advindos do comportamento ilícito da ré que desencadeou o acidente em causa.
No mesmo sentido, registe-se que a apelante igualmente não põe em causa que tal acidente o trânsito passou a circular com dificuldade pela via esquerda, até que ficou bloqueado pela impossibilidade de passagem de um veículo pesado ou que a via da direita foi cortada numa extensão entre o Pk ..+… e o Pk ..+… ou ainda que a reparação das guardas de segurança implicou a supressão parcial da via, numa extensão de 150 metros, entre as 9h42 e as 12h17. Finalmente todos aceitam que a autora sofreu a dedução de remuneração relativa à concessão de 2.886,84€ por indisponibilidade da via.
Pois bem. A nosso ver, à luz do exposto, a perda de remuneração que a A. sofreu foi adequadamente causada pelo acidente por cujas consequências é responsável a recorrente. Na verdade, tal facto ilícito e a consequente interrupção de trânsito foram uma condição “sine qua non” para que o Estado não pagasse à recorrida a quantia ora em causa.
Nos termos do artigo 562º do Código Civil, incumbe ao lesante a reparação integral dos danos, não podendo o lesado ser onerado com qualquer encargo; daí que o montante da indemnização resulte da diferença entre a situação que o património do lesado apresenta e a que apresentaria se não se tivessem verificado as consequências patrimoniais produzidas pelo facto ilícito.
Qual foi essa diferença? Justamente a que se concretiza no montante que a concessionária deixou de receber da parte de quem lhe pagava pela disponibilização da via sendo que, por força da conduta do lesante, esta quedou, por um dado período, indisponível. Essa quantia de 2.886,84€ foi precisamente a arbitrada pela primeira instância (no mesmo sentido, com uma argumentação que acompanhamos de perto, leia-se Ac. da Relação de Coimbra de 27 de Maio de 2015, processo 3511/13.4TBVIS.C1, em dgsi.pt).
Também nesse aresto agora citado o recorrente invocava, como nestes autos, um eventual abuso de direito; neste sentido, invoca a recorrente seguradora que não se poderá “impor “erga omnes”, como direito imperativo, os cálculos e resultados das negociações e acordos celebrados entre os outorgantes do contrato de concessão da A... Isso seria um tremendo abuso de direito, perante o qual todos os utentes da via ficariam amarrados, sem qualquer defesa.”
Em relação a este argumento, afirma-se nesse douto Acórdão da Relação de Coimbra que “não faz qualquer sentido colocar a questão de saber se os contribuintes em geral e os utentes das auto-estradas em particular estão, no seu conjunto, a suportar quantias excessivas, a título de disponibilidade dessas vias”. E, mais adiante, “o que está aqui demonstrado é que, em cumprimento dum contrato administrativo outorgado, consolidou-se na esfera jurídica da A o direito a receber uma determinada remuneração e que a mesma deixou de receber parte desta como consequência do facto ilícito, estando a R obrigada a reparar os danos por este gerados.”
Ou seja, dizemos nós, não está em causa a intervenção, ou ausência dela, da recorrente na definição dos termos desse contrato, cuja vigência e legalidade ninguém questiona, nomeadamente quanto aos valores fixados; o que releva é que, não fora o facto ilícito, a lesada teria recebido tal quantia a qual seria incorporada ao seu património. Sucede que esse prejuízo causado terá que ser ressarcido e deve faze-lo quem impediu essa normal cobrança.
Concluímos, portanto, pela improcedência total do recurso formulado.
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Resta proceder à sumariação conclusiva imposta pelo artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
I) O prejuízo decorrente da perda de remuneração pela disponibilidade da via que uma dada concessionária deixou de receber do Estado em razão da interrupção do trânsito na auto-estrada é adequadamente causada pelo facto ilícito que esteve na origem do acidente de viação gerador do corte da via.
II) Pelo ressarcimento de tais danos patrimoniais é responsável, nos termos contratualizados, a seguradora que assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente da circulação do veículo responsável pelo sinistro.
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso formulado, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante.

Porto, 22 de Novembro de 2016
José Igreja Matos
Rui Moreira
Fernando Samões