Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3261/17.2T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTENTICAÇÃO
VALIDAÇÃO
REGISTO INFORMÁTICO
PRAZO
Nº do Documento: RP201811083261/17.2T8AGD.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO EXECUTIVA
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 150, FLS 287-294)
Área Temática: .
Sumário: I - Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se necessário a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes.
II - A declaração cuja autenticação se impõe é a da pessoa que se obrigou (a pagar, a entregar certa coisa ou a prestar determinado facto), ou seja a do devedor.
III - A validade dessa autenticação implica que seja efectuado o registo informático do respectivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho.
IV - A inobservância do referido condicionalismo temporal implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 3261/17.2T8AGD.P1
Comarca de Aveiro
Águeda - Instância Central - Juízo de Execução
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Teles de Menezes
2.º Adjunto: Des. Mário Fernandes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B..., residente na ..., n.º .., Ílhavo instaurou acção executiva, sob a forma de processo sumário contra C..., residente na Rua ..., n.º .., Ílhavo.
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Por despacho datado de 29.01.2018 foi indeferido liminarmente o requerimento executivo.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio “D...” interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I.Por despacho proferido em 29 de Janeiro de 2018 e notificado à ora Exequente por notificação elaborada em 30 de Janeiro do mesmo ano, foi liminarmente indeferido o Requerimento executivo deduzido pela Exequente, ora Apelante, por se verificar a falta de título executivo, por ter considerado o Tribunal a quo que «No caso dos autos, verificamos, por um lado, que autenticação apenas foi feita perante a executada e não perante a exequente, também interveniente no documento em causa. Mais verificamos que o registo informático do termo de autenticação não foi realizado no momento da prática do ato, nem nas 48h seguintes ao mesmo, conforme estipula o artigo 4.º da Portaria 657/B/2006 de 29.06», concluindo e sentenciando que se verifica «a falta de título executivo a que o alude o artigo 726.º, n.º 2, al. a) do CPC. Assim, ao abrigo do disposto da citada norma legal do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o requerimento executivo».

II. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos supra mencionados.

III. O Tribunal a quo sufragou o entendimento que o documento particular apresentado pela Executada como título executivo - diga-se, desde logo denominado “Declaração” e não “acordo de regularização de dívida” - não pode valer como título executivo, argumentando essencialmente que, in casu, não foram cumpridos os requisitos legais relativos à sua autenticação, não só porque autenticação apenas ocorreu na presença da executada e não perante a exequente, como também, por não ter adquirido a natureza de documento particular autenticado “(...) pelo facto de não ter sido autenticado nem no dia nem nas 48 horas seguintes à sua celebração, mas quase três meses depois daquela data”.

IV. Com o presente recurso visa, a Recorrente questionar:
- a exigência requisitada pelo douto Tribunal a quo da presença da Exequente na autenticação realizada ao título dado à execução, bem como,
- a apreciação realizada pelo douto Tribunal quanto à aplicação e interpretação do artigo 4.º da Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho.

V. Quanto ao primeiro ponto, conforme resulta do requerimento executivo, por documento particular, denominado “Declaração”, datado de 25 de Maio de 2017, a Executada declarou ser devedora e a Exequente (aqui Recorrente) credora da quantia total e única de €6.000,00 (seis mil euros), decorrentes do preço não pago da cessão da quota da Exequente na sociedade E..., Lda. à Executada. - cfr. doc. n.º 1 junto ao Req. executivo.

VI. Mais declararam no referido documento, aceitarem o pagamento da referida dívida “dentro do prazo máximo e improrrogável de 4 (quatro) anos” a contar da data da assinatura do referido documento. - cfr. doc. n.º 1 junto ao Req. executivo.

VII. Porém, logo após a assinatura do referido documento, - porque o mesmo não reflectia o que as partes, inicialmente, tinham acertado quanto à exequibilidade do referido documento, bem como quanto ao plano de pagamento do mesmo - Exequente e Executada decidiram dotarem o referido documento de forma executória (por termo de autenticação das vontades envolvidas), na condição “única” para que a Exequente, e aqui Recorrente, aceitasse o plano de pagamento da referida quantia até 31 de Maio de 2021 - que a Executada retirasse o nome de “F...” na designação social da sociedade E..., Lda, sendo pois esta a condição necessária, dado que inicialmente, o que tinha ficado combinado seria o pagamento faseado.

VIII. Todavia, não obstante a executada ter procedido, em 17 de Agosto de 2017, ao termo de autenticação da confissão de dívida constante do referido documento, não removeu até à presente data o nome de “F...” da designação social da mencionada sociedade (vide certidão permanente com o código de acesso ....-....-....), provocando a recusa por parte da Exequente da sua assinatura com termo de Autenticação do plano de pagamento constante do referido documento, tornando a presente dívida, imediatamente, exigível. - cfr. doc. n.º 2 junto ao Req. executivo.

IX. Pelo que, o título de execução dado à execução (doc. n.º 2 junto com o Req. Executivo) mais não é que uma CONFISSÃO DE DÍVIDA, expressa pela Executada em documento particular devidamente autenticado, não sendo pois necessário a assinatura, muito menos autenticada, da Exequente.

X. Quanto à segunda questão, importa referir que na sequência da publicação do DL n.º 76-A/2006, de 29.03, os advogados passaram a poder “autenticar documentos particulares (...) nos termos previstos na lei notarial” (art. 38.º, n.º 1), sendo que as autenticações por eles efetuadas “conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial” (art. 38.º, n.º 2).

XI. Para tal, todavia, nos termos do artigo 38.º, n.º 3 do DL n.º 76-A/2006, de 29.03, o ato de autenticação apenas pode ser validamente praticado por advogado “mediante registo em sistema informático”, o qual veio a ser implementado pela Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho.

XII. Sendo que no concernente à oportunidade temporal da sua execução rege o seu art. 4.º, que no n.º 1 estipula que “o registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato”, acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que “se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do ato, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes”.

XIII. Ora, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, parece à ora Recorrente que o “momento da prática do ato” referido no n.º 1, do artigo 4.º Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho corresponde ao momento do acto de autenticar e não o momento da elaboração do documento particular.

XIV. Na verdade, concluiu o douto Tribunal a quo que “o documento dado à execução não foi autenticado nem no dia nem nas 48horas seguintes à sua celebração, mas quase três meses depois daquela data, pelo que não adquiriu a natureza de documento particular autenticado”.

XV. Conclusão essa, salvo o devido respeita, contraria o preceituado no n.º 1, do artigo 4.º Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho.

XVI. No caso em apreço, o documento particular junto ao requerimento executivo como doc. n.º 2, intitulado “DECLARAÇÃO”, datado de 25.05.2017, foi apresentado pela Executada à Ilustre Advogada G..., para a autenticação da vontade daquela expressa em tal documento.

XVII. Efectivamente, perante a Ilustre Advogada, no dia 17.08.2017, apresentou-se a Executada, tendo esta última confirmado perante ela “(....)Que já assinou e tem perfeito conhecimento do conteúdo do documento como título de “Declaração”, datado de 25 de Maio de 2017, na qual reconhece ser devedora à Sra. C... da quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), comprometendo-se a efectuar tal pagamento até dia 31 de Maio de 2021, exprimindo tal documento a sua vontade.”, tendo subsequentemente o termo de autenticação sido lavrado com observância dos requisitos estabelecidos nos citados arts. 150.º e 151.º do Cód. do Notariado, contendo, nomeadamente, a declaração da Executada (devedora) de que se encontra inteirada do conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade nele declarada.

XVIII. Finalmente, num terceiro momento foi efectuado o registo informático (registado no portal em 2017.08.17, pelas 15:29, com o n.º 53910C/68) em conformidade com o que se mostra estabelecido na citada Portaria n.º Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho.

XIX. Entende assim a ora Recorrente que o documento dado à execução reúne as condições necessárias para desencadear a démarche processual executiva, por se estar em presença de documento particular (“Confissão de Dívida”) que foi devidamente autenticado por advogado, sendo que o mesmo contém o reconhecimento por banda da executada da obrigação pecuniária.

XX. Violou, pois, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 703.º, n.º 1, al. b) e 726.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 150.º e 151.º do Código do Notariado, 38.º do DL n.º 76- A/2006, de 29.03 e 4.º da Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho.

XXI. Deverá ser dado provimento ao recurso e, consequentemente ser o despacho de indeferimento liminar do Requerimento Executivo deduzido pela Apelante, revogado e substituído por despacho inicial de admissão do referido pedido, com as consequências legais.”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste em saber se a exequente dispõe de título dotado de força executiva que legitime a instauração da acção executiva.
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3. Conhecendo do mérito do recurso:

3.1 - Factos assentes
Com relevância para o conhecimento do recurso mostram-se assentes os seguintes factos:

1. B..., residente na ..., n.º .., Ílhavo instaurou acção executiva, sob a forma de processo sumário contra C..., residente na Rua ..., n.º .., Ílhavo.
2. Por documento particular, denominado “Declaração”, datado de 25 de Maio de 2017, a executada declarou ser devedora e a exequente credora da quantia total e única de € 6.000,00 (seis mil euros), decorrente do preço não pago da cessão da quota da exequente na sociedade E..., Ld.ª e aceitarem o pagamento da referida quantia “dentro do prazo máximo e improrrogável de 4 anos”.
3. O acordo referido no ponto anterior e dado à execução, foi autenticado pela Sr.ª advogada G..., como consta de fls. 13, em 17.08.2017, constado expressamente que a referida advogada registou online o ato de autenticação de documento particular na Ordem dos Advogados, identifica aí a ora executada, o número e a data da autenticação.
4. Por despacho datado de 29.01.2018 foi indeferido liminarmente o requerimento executivo.

II. Fundamentos de Direito
Decorre do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código de Processo Civil que "Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva".
“Por definição, o título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, já que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente” - cfr. Castro Mendes, Lições de Direito Civil, 1969, pág. 143.
O título executivo é um pressuposto processual específico da acção executiva - aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida - cfr. art.º 10.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Do ponto de vista formal, o título é o documento em si próprio e, do ponto de vista material, é a demonstração legal do direito a uma prestação - cfr. o mesmo Autor, “A causa de Pedir na Acção Executiva” - Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XVIII, págs. 189 e segs.
O título executivo define, portanto, os limites subjectivos e objectivos da acção executiva, constituindo a sua base, discutindo-se, a este propósito, qual a efectiva causa de pedir neste concreto tipo de ação. Assim, enquanto uns entendem que a causa de pedir é o título executivo de per se, outros consideram que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos alegados no âmbito da obrigação subjacente e, ainda, outros defendem que a causa de pedir é a conjunção do título e da alegação dos factos da obrigação subjacente.
Como quer que seja, à luz da lei adjectiva, o título executivo apresenta-se como requisito essencial (rectius, como pressuposto processual específico) da acção executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, terá de ser um documento susceptível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo - cf. Lebre de Freitas, A acção executiva: à luz do Código revisto, 2.ª edição, págs. 56 e seguintes.
Dada a necessidade de observância desse condicionalismo, a lei considera como ponto de interesse público que não se recorra a medidas coactivas próprias do processo executivo contra o património do executado sem um mínimo de garantia (prova) sobre a existência do direito do exequente.
Daí que o artigo 703º do Código de Processo Civil apresente uma enumeração taxativa dos títulos executivos que podem servir de fundamento a uma acção executiva, não sendo admissíveis, conforme tem sido recorrente sublinhado pela doutrina, convenções entre as partes pelas quais estas decidam atribuir força executiva a um determinado documento que não se encontre abrangido pelo elenco dos documentos mencionados no aludido normativo - cfr., Antunes Varela, Manual de Processo Civil, págs. 79 e seguinte e Teixeira de Sousa, A acção executiva singular, págs. 67 e seguintes.
Como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII - que deu origem ao novo Código - com a restrição dos títulos executivos constituídos por documentos particulares o legislador visou proteger os executados do risco de execuções injustas e evitar que a discussão que não tivera oportunidade de ocorrer na acção declarativa eclodisse em sede de oposição à execução
Estabelece a propósito o referido artigo 703º do Código de Processo Civil que:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
De acordo com o disposto no artigo 363º do Código Civil, os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares (n.º 1).
Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares (n.º 2).
Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (n.º 3).
Documento autenticado é, pois, o documento particular cujo conteúdo é confirmado pelas partes perante o notário, que em consequência, nele lavra um termo de autenticação, sendo que, desde o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, não são apenas os notários que procedem à autenticação mas também as Câmaras de comércio e indústria, Conservadores, Oficiais de registo, Advogados e Solicitadores.
No caso vertente, a questão que é trazida a este Tribunal de recurso traduz-se, na essência, em dilucidar se o documento que a exequente apresentou a fls. 2.verso e 3 consubstancia título executivo à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do citado artigo 703º, nos termos da qual “à execução apenas podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
O tribunal a quo sufragou o entendimento de que tal suporte documental não pode valer como título executivo, argumentando essencialmente que, in casu, a autenticação apenas foi feita perante a executada e não perante a exequente e que não foram cumpridos os requisitos legais relativos à sua autenticação.
É exactamente neste ponto que se situa o âmago do objecto do presente recurso, já que, na perspectiva da apelante, esse documento reúne as condições necessárias para desencadear a démarche processual executiva, por se estar em presença de documento particular que foi devidamente autenticado por advogado, sendo que o mesmo contém o reconhecimento por banda da executada de uma obrigação pecuniária.
Quid juris?
Como emerge da interpretação do inciso transcrito, presentemente o documento particular somente valerá como título executivo quando importe a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação e seja devidamente autenticado por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal.
Portanto, para se conferir exequibilidade a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes, não sendo, pois, suficiente o simples reconhecimento de assinaturas.
Em consonância com o que se dispõe nos artigos 35º, nº 3, 150º e 151º, todos do Código do Notariado, esse procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade.
Registe-se, neste conspecto, que a declaração cuja autenticação se impõe, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, é, naturalmente, a da pessoa que se obrigou (a pagar, a entregar certa coisa ou a prestar determinado facto), ou seja a do devedor. Com efeito, o título dado à execução (doc. n.º 2 junto com o requerimento executivo) mais não é que uma confissão de dívida, expressa pela executada em documento particular devidamente autenticado, não sendo pois necessário a assinatura, muito menos autenticada, da exequente.
A autenticação de documentos particulares era anteriormente da competência atribuída ao notário pelo artigo 363.º n.º 3 do Código Civil, que permite atribuir ao documento, nos termos do artigo 377.º do mesmo código, a força probatória dos documentos autênticos, ainda que não os substituam quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto.
O artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Maio, procedeu à extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, além de outras entidades ou profissionais, aos advogados.
Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/1992, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial (n.º 1).
Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas no número anterior conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial (n.º 2).
Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça (n.º 3).
Assim, na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29.03 (que adoptou medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais), os advogados, para além de outras competências que anteriormente se encontravam exclusivamente reservados aos notários, passaram a poder “autenticar documentos particulares (…) nos termos previstos na lei notarial” (artigo 38º, nº 1).
No entanto, por mor do disposto no nº 3 do citado artigo 38º, o acto de autenticação apenas pode ser validamente praticado por advogado “mediante registo em sistema informático”, o qual veio a ser implementado pela Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho.
Por conseguinte, como deflui do descrito quadro normativo, o procedimento tendente à autenticação de um documento particular por advogado pressupõe três momentos ou etapas. Assim, num primeiro momento esse documento é outorgado e assinado pelas respectivas partes, sendo que o advogado - enquanto entidade autenticadora - não outorga nem subscreve o documento.
Num segundo momento, o documento particular assinado pelas partes é apresentado ao advogado para autenticação, devendo subsequentemente o termo de autenticação ser lavrado com observância dos requisitos estabelecidos nos citados artigos 150º e 151º do Código do Notariado.
Finalmente, num terceiro momento, deve ser efectuado o registo informático em conformidade com o que se mostra estabelecido na citada Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, sendo que no concernente à oportunidade temporal da sua execução rege o seu artigo 4º, que no nº 1 estipula que “o registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato”, acrescentando o nº 2 do mesmo normativo que “se, em virtude de dificuldades de caráter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do ato, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes”.
Exposto, deste modo, o regime legalmente instituído para a autenticação de documentos particulares, cumpre agora avançar para a resolução da questão central que consubstancia o objecto do presente recurso.
Como se viu, na presença da “declaração” que a exequente utilizou como título para desencadear a acção executiva, o Tribunal a quo considerou que o mesmo não pode valer como título executivo, porque a sua autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, dada a ausência da exequente no acto da autenticação e por o registo informático do termo de autenticação não ter sido realizado no momento da prática do acto, nem nas quarenta e oito horas seguintes ao mesmo, conforme estipula o artigo 4.º da Portaria 657-B/2006, de 29.06.
Como emerge das alegações recursórias que apresentou, a apelante não põe em crise que, efectivamente, não se encontrou presente no momento da autenticação, nem que no documento que suporta a execução que instaurou não foi feita a aludida menção e bem assim que o registo informático foi realizado mais de 48 horas depois da prática do acto.
Advoga, no entanto, que o título dado à execução mais não é do que uma confissão de dívida, expressa pela executada em documento particular devidamente autenticado, não sendo pois necessário a assinatura, muito menos autenticada, da exequente, defendendo, no demais, que a realidade invocada não contende com a validade da autenticação, constituindo antes mera irregularidade que não afecta a força executória do documento em causa.
Não podemos, contudo e nesta última parte, concordar com esse posicionamento, porquanto o descrito regime normativo aponta decisivamente no sentido de que a autenticação do documento particular somente será válida se for efectuada no prazo e com observância dos demais requisitos legalmente fixados.
Na verdade, o nº 3 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março expressamente condiciona a validade do acto de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006, a qual, no seu artigo 1º, reitera que a validade desse acto depende da efectivação do registo nas condições definidas nos artigos 3º (que estabelece os concretos elementos ou dados recolhidos que devem ser registados no sistema informático) e 4º (que concretiza o momento em que deve ser executado o registo nesse sistema).
Ora, a propósito da oportunidade temporal em que deve ser executado o registo na plataforma informática, a lei é clara no sentido de estabelecer que esse registo tem obrigatoriamente de ser efectuado “no momento da prática do ato”, ressalvando apenas a situação (excepcional) de nesse momento ocorrer dificuldade de carácter técnico de acesso ao sistema, caso em que o acto é válido mesmo sem o registo, contanto que esse facto seja expressamente referido no documento que o formaliza e o registo seja efectuado nas 48 horas seguintes.
Perscrutando as razões que subjazem à imposição do imediato registo informático do termo de autenticação, afigura-se-nos que a mencionada determinação legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exacta definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documento (que, como se referiu, passa a ter a força probatória do documento autêntico).
Como assim, dada a natureza cogente dos artigos 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pela apelante, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada.
Daí que, sendo a autenticação efectuada fora do condicionalismo temporal definido no artigo 4º da citada Portaria fica afectada a sua validade, pelo que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil.
Em análogo sentido se pronunciam Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A ação executiva anotada e comentada, pág. 141, aí escrevendo que «a autenticação apenas será considerada se o ato for registado de imediato no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (…), pelo que, sendo apresentado à execução documento autenticado sem que o respetivo registo tenha sido efetuado nos termos sobreditos, deverá concluir-se que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo” – cf. ainda acórdão da Relação do Porto de 23.01.2017, processo n.º 871/14.5T8LOU-A.P1, www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto.
Consequentemente, considerando que, no caso em apreço, no documento não foi feita expressa referência à impossibilidade de aceder à plataforma informática no momento da realização do registo e considerando igualmente que esse registo não foi efectuado nas 48 horas subsequentes à prática do acto, na decorrência das considerações expendidas, tal implica que o documento que foi dado à execução carece de exequibilidade extrínseca que legitime e suporte a démarche processual executiva.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação e a confirmação da decisão recorrida embora por fundamentos não integralmente coincidentes.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.
Porto, 08 de Novembro de 2018.
Paulo Dias da Silva (Relator; Rto 193)
Teles de Menezes
Mário Fernandes