Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4508/15.5T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
PROVA PROIBIDA
SMS
Nº do Documento: RP201709134508/15.5T9MTS.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 46/2017, FLS.187-203)
Área Temática: .
Sumário: As mensagens (SMS) cujo envio à ofendida é imputado à arguida que as recebeu no seu próprio telemóvel, susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúria, constituem elemento válido de prova, sem mais, uma vez que não pressupõem nem intercepção nem intromissão nas comunicações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4508/15.5T9MTS.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
1. No Processo Comum (Singular) nº 4508/15.5T9MTS (do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3), em que é arguida B… (com os demais sinais nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 14.02.2017 foi proferida sentença (constante de fls. 185 a 200) onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante):
“Condenar a arguida B… pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, cometido no dia 17 de Julho de 2015, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €8,00, no valor total de €560,00 (quinhentos e sessenta euros).
Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante, condenando a demandada no pagamento da quantia de €300,00 (trezentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a presente data.
(…)”
2. Inconformada, a arguida interpôs recurso, constante de fls. 206 a 231, finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“I - O Tribunal a quo deu como provado no n.º 2 do factos provados que“Porque não depositou na conta da arguida a totalidade do dinheiro recebido, no dia 16 de Julho de 2015, pelas 21h13m, a arguida enviou do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida a seguinte mensagem: “O meu dinheiro quero amanhã na conta, se não estiver vais ver a surpresa que vais ter! Só te digo fazes-me ir aí que vais ver quem se vai rir. Não penses que eu sou o C… porque não sou! Aí vais conhecer quem eu sou de verdade…Eu tinha vergonha de ter uma irmã como tu! Teres a distinta lata de ficares com um dinheiro que não é teu e fazeres dos outros parvos”.”
II - Deu ainda o referido Tribunal como provado no n.º 3 dos factos provados que “Pelas 21h14m, enviou o seguinte: “E mais, tu devias ser actriz e não advogada!”.”
III - Por último, deu ainda como provado o ponto n.º 4 dos factos provados, nomeadamente que “No dia 17 de Julho de 2015, pelas 14h43m, enviou mais outra mensagem: “O teu prazo está a terminar…Além de ladra e vigarista, não passas de uma mentirosa! Não tens respeito por ninguém! Mas se pensas que isto já terminou, estás enganada! Continua…”
IV - Ora, com o devido respeito e desde logo, não resulta dos autos que o número de onde provieram as sms supra transcritas é propriedade da Recorrente.
V - Inexiste nos autos qualquer documento probatório ou outro qualquer meio de prova idóneo que ateste da propriedade daquele número por parte da Recorrente.
VI - Dos autos apenas resulta que, aquando da prestação do TIR por parte da Recorrente, aquela indicou aquele número como sendo aquele através do qual poderia ser contactada.
VII - E tal contacto apenas foi indicado após insistência e solicitação em sede de interrogatório, para eventuais contactos urgentes e notificações mais expeditas.
VIII - O número de telemóvel em crise nos autos não é da Recorrente, não é por si usado, nem tão pouco é da sua propriedade.
IX - E tendo ficado tudo isto por apurar, não pode a Recorrente ser condenada, tanto mais que tudo esteve ao alcance do conhecimento do Tribunal a quo averiguar.
X - Aliás, a resposta a estas e outras informações estava à distância de uma mera notificação às operadoras de telecomunicações.
XI - Salvo melhor entendimento, o facto de se indicar um número de telemóvel para eventual contacto, não significa automaticamente que se seja utilizador ou mesmo proprietário do mesmo.
XII - A Recorrente reitera que não enviou quaisquer sms à Recorrida.
XIII - Mal andaríamos se a alegação/declaração efetuada em sede de julgamento pela Recorrida de que aquele número era da Recorrente, para que tal servisse, sem mais, de prova da autoria das sms ou mesmo da propriedade do número.
XIV - Se assim fosse, qualquer cidadão poderia ter na sua agenda o contacto telefónico de outrem e atribuir-lhe a prática de um qualquer crime.
XV - Abrindo uma verdadeira caixa de pandora, para que qualquer cidadão que esteja desavindo com outrem por exemplo, se baste e se sirva com uma simples alegação de qual o número de telemóvel usado por essa pessoa para assim a poder incriminar judicialmente.
XVI - Com todo o respeito, a prova, por mais que o Tribunal a quo argumente que poderá ser por este apreciada livremente, terá de ter um mínimo de certeza e segurança jurídica, alicerçada em meios de prova idóneos.
XVII - Ora, o Tribunal a quo baseou-se em declarações exclusivas da Recorrida, bem como em suposições, presunções e encadeamentos alegadamente lógicos.
XVIII - Aliás, como resulta da própria sentença, a prova, nesta parte, baseia-se fundamentalmente nas declarações da Recorrida.
XIX - A palavra da Recorrida, por ser Advogada, beneficiará de uma especial valoração?
XX - A douta sentença, faz ainda de forma ligeira e corrida menção à prova documental que terá servido para formar a sua convicção de que a autoria das sms foram enviadas pela Recorrente.
XXI - No entanto, na referida sentença, o Tribunal a quo refere nominada e taxativamente que todos os factos provados basearam-se nas declarações da Recorrida e em prova documental.
XXII - Analisada a prova documental indicada pelo Tribunal a quo, a verdade é que não resulta daquela, a valoração ou indicação do TIR como fazendo parte dos documentos que sustentam a prova documental dos autos.
XXIII - Não se concebendo, por isso, que mais à frente, venha o Tribunal a quo, socorrer-se de tal documento para completar a sua tese de presunções e suposições.
XXIV - Reforça-se, o Tribunal a quo não demonstrou que a propriedade do número em crise era da Recorrente,
XXV - Todavia, não teve qualquer pejo em imputar-lhe a autoria das sms, apesar de a mesma a ter negado.
XXVI - Imputação aquela com fundamento num conjunto de suposições e presunções, pois sumariamente e na tese do Tribunal a quo, a Recorrente é a autora das sms pelas seguintes razões:
• Porque indicou aquele numero no TIR (apesar de não constar da prova documental usada pela Tribunal a quo para prova dos factos provados);
• Porque se trata de alguém próximo do irmão da Recorrida;
• Bem como pelo facto da Recorrida ter dito que foi a Recorrente que enviou as sms.
XXVII - O que no fundo até contraria totalmente o invocado pelo Tribunal a quo na motivação da matéria de facto aquando citação do principio da livre apreciação invocando que a mesma não pode ser puramente subjetiva.
XXVIII - Importa então questionar, quais os factos objetivos, materiais que em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos que permitiram ao Tribunal a quo atribuir à Recorrente a autoria das alegadas sms?
XXIX - Tais fundamentos serviram para fundar a decisão do Tribunal a quo, que não teve qualquer dúvida e deu como provada a autoria das sms pela Recorrente, diga-se, sem o mínimo, de principio de prova material.
XXX - Não obstante o direito criminal ser na sua génese iminentemente um direito de efetivas certezas, de efetivas, concretas e objetivas provas que demonstrem a prática de um crime,
XXXI - O Tribunal a quo a decidir como decidiu, socorrendo-se do princípio da livre apreciação da prova, descurando e negligenciando a inexistência de qualquer prova nos autos quer da propriedade do número do telemóvel, quer da autoria das sms.
XXXII - Ora, a condenação só é permitida desde que haja sido feita prova dos factos para além de toda a dúvida razoável.
XXXIII - O Tribunal a quo desconsiderou totalmente o principio em dúbio pro reo, o qual é dominado pelo principio da investigação ou da verdade material, impendendo sobre o Tribunal a obrigação de carrear todas as provas necessárias com vista à decisão final, isto porque é preferível a impunidade do culpado à condenação do inocente.
XXXIV - Ou seja, e com o devido respeito, o Tribunal a quo consubstanciou a sua decisão (convicção), não em factos, não em provas materiais ou elementos relevantes e integradores do crime de que a Recorrente vinha acusada, mas antes em suposições que guiam a sua convicção da prática de um crime que nem sequer constituem base sólida para delas se retirarem indícios suficientes.
XXXV - O Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado, como deu, o n.º 2, 3 e 4 dos factos provados.
XXXVI - A fls. 26-28 dos autos encontra-se o alegado teor das sms alegadamente rececionadas pela Recorrida.
XXXVII - Relativamente a essas fls. que contém as alegadas sms, o qual o Tribunal a quo é perentório em afirmar “não se tratar este de um auto de transcrição.” , importa tecer algumas considerações.
XXXVIII - No entanto, e previamente, sobre este documento, o Tribunal a quo, considera que o mesmo “atesta o teor das mensagens e a data e hora em que foram enviadas, tendo a assistente confirmado ser esse o teor das mensagens que recebeu.”
XXXIX - Ora, na modesta opinião da Recorrente o Tribunal a quo, grosseiramente, valorou prova legalmente inadmissível, fazendo tábua rasa de todos procedimentos e formalismos indispensáveis e observáveis relativamente à obtenção e posterior utilização deste meio de prova.
XL - O processo penal, atenta a sua natureza acusatória e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade, impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza, da precisão e da completude dos atos imputados, de forma que o arguido, no caso a Recorrente, deles se possa eficazmente defender.
XLI - Diz o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13-05-2015, no âmbito do processo n.º 1/13.9PEVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt que, “I – Só podem valer como prova em julgamento as comunicações [no caso, uma sms] que o Ministério Público mandar transcrever (ao órgão de polícia criminal que tiver efetuado a interceção e gravação) e indicar como meio de prova na acusação.”
XLII - Ora, nos presentes autos, o Ministério Público não mandou transcrever quaisquer sms, pese embora, registe-se, a Recorrida o ter solicitado.
XLIII - O teor das sms constantes do documentos de fls. 26-28 não foi exibido a qualquer órgão de policia criminal, nem tão pouco foi transcrito por aquele.
XLIV - O n.º 9 do artigo 188º do CPP refere que “Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que:
a) O Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação;
b) O arguido transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao requerimento de abertura da instrução à contestação; ou
c) O assistente transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao processo no prazo previsto para requerer a abertura de instrução, ainda que não a requeira ou não tenha legitimidade para o efeito.”
XLV - Porém, salvo entendimento diverso, a Recorrida e o Ministério Público não observaram nenhum dos procedimentos e formalismos atrás transcritos.
XLVI - A este propósito, o acórdão atrás citado é categórico ao afirmar que, “II – O art. 190.º, do CPP, trata de forma não diferenciada a inobservância de requisitos e condições de admissibilidade e o mero incumprimento de certas formalidades de procedimento da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas. III – A inobservância das regras do art. 188.º, do CPP, constitui nulidade que impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido.”
XLVII - O documento de fls 26-28 dos autos, contendo o alegado teor das sms rececionadas pela Recorrida, como já se referiu não foram mandadas transcrever ao competente órgão de policia criminal pelo Ministério Público,
XLVIII - Nem tão pouco foram exibidas ou copiadas pelo referido órgão de policia criminal a pedido da Recorrida,
XLIX - Nem sequer foram, exibidas e copiadas pela Recorrida perante o órgão de polícia criminal que as certificasse.
L - O documento de fls. 26-28 dos autos, com o alegado teor das sms rececionadas pela Recorrida, resulta única e exclusivamente de um documento word redigido e utilizado por aquela, por modo próprio, fazendo constar daquele documento o que bem entendeu, no caso, as sms dos autos.
LI - Ora, o Tribunal a quo a valorar tal documento abre mais uma caixa de pandora, deixando à imaginação e na disponibilidade de qualquer cidadão a possibilidade apresentar um procedimento criminal com base num documento word, no qual se poderá fazer constar as mais diversas imputações de crimes.
LII - Não colhe, pois, a tese defendida pelo Tribunal a quo.
LIII - Que grau de segurança oferece um documento word totalmente manipulado pela Recorrida, apresentado e redigido pela Recorrida, sem qualquer certificação ou validação, com as imputações que lhe bem apeteceu fazer?
LIV - Para o Tribunal a quo, por tal documento ter data e hora em que foram enviadas as sms, porque a Recorrida as fez lá constar, e por a mesma ter confirmado ser aquele o teor das mensagens que recebeu, tem valor.
LV - Que sinal trespassa para a sociedade perante tão leviana ponderação na valoração daquele documento? Que sinal se passa para a segurança e trafego jurídico?
LVI - Ora, socorrendo-nos ainda ao Acórdão já atrás citado, o Tribunal a quo ao considerar e valorizar o documento de fls. 26-28, o qual denomina de “Transcrição de mensagens de fls. 26-28;” , apesar de antes afirmar e confirmar que não o é, fá-lo de forma ilegal, “IV – Trata-se, portanto, não de uma nulidade da sentença, mas de uma invalidade que atinge apenas essas concretas conversações ou comunicações telefónicas, impedindo a sua utilização em juízo como meio que contribua para a formação da convicção dos juízes do julgamento. V – Arredado esse elemento probatório, impõe-se determinar se existem outros que permitam concluir pela responsabilidade criminal do arguido.”
LVII - Ou seja, o Tribunal a quo, valorizou prova proibida.
LVIII - O Tribunal a quo aquando da sua explanação sobre a motivação de Direito socorre-se, eventualmente por considerar ser situação idêntica à dos autos, “do Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2013 (Rel. Vieira Lamin, in dgsi.pt) nos seguintes termos: Como resulta dos autos, desde logo do auto de notícia, foi a assistente, destinatária/receptora das SMS que, por iniciativa própria, as apresentou à autoridade policial, limitando-se esta a tomar registo da denuncia e a fazer constar dos autos o teor dessas mensagens.”
LIX - Ora, a questão, e o ponto crucial para a Recorrente, é que a Recorrida, nem por iniciativa própria ou a pedido do Ministério Público, apresentou as sms à autoridade policial ou a quem quer seja! Nunca! A ninguém!
LX - Repete-se, as alegadas sms constantes dos autos, são fruto de um documento word elaborado exclusiva e integralmente pela Recorrida, sem validade, sem certificação ou tutela de quem quer que seja.
LXI - Para a Recorrente, não se coloca, nem se colocou qualquer questão relativa à intromissão abusiva na vida privada.
LXII - O Tribunal a quo defende que as sms rececionadas pela Recorrida deixaram, após terem sido lidas, de ter o valor de uma comunicação em transmissão para passar a ser antes uma comunicação já recebida,
LXIII - E em virtude daquele recebimento, defende o Tribunal a quo, que aquela comunicação terá o valor de correspondência, e por isso nada se diferenciando de uma carta remetida pelo correio.
LXIV - Concluindo, ainda, o Tribunal a quo por defender que aquelas sms não deverão merecer mais proteção que as cartas recebidas em papel e posteriormente guardadas numa gaveta, pasta ou arquivo.
LXV - A verdade é que, como e bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 29-03-2011, no processo n.º 735/10.0GAPTL – A.G1, disponível em www.dgsi.pt, “II - A lei não estabelece qualquer distinção entre mensagens por abrir ou já abertas.”
LXVI - Acaba o Tribunal a quo a sua tese, dizendo relativamente á valoração das mensagens transcritas a fls. 26-28 que, “Assim, nenhum vício afecta a prova relativa à transcrição das mensagens recebidas pela assistente e apresentadas por esta á autoridade de polícia criminal.”
LXVII - Esta última afirmação pelo Tribunal a quo seria perfeita, não fosse o facto, já denunciado e repetido, que a Recorrida/Assistente, nunca apresentou as alegadas mensagens recebidas à autoridade de polícia criminal.
LXVIII - Inexiste nos autos qualquer prova ou até mero indício dessa apresentação.
LXIX - Inexistem nos autos Autos de Transcrição das sms.
LXX - Nos autos apenas e relativamente às sms, existe tão só um documento word integral e exclusivamente elaborado pela Recorrida sem a chancela de qualquer autoridade policial, cf. fls 26 a 28.
LXXI - O Tribunal a quo socorreu-se de prova proibida, prova aquela que é um autêntico limite à descoberta da verdade material, barreiras colocadas à determinação do objeto do processo.
LXXII - Ademais, a prova proibida afeta sequencialmente as demais provas obtidas posteriormente com base naquela, no caso as declarações da Recorrida, já referidas supra, conforme se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 07-10-2015, no processo n.º 174/13.0GAVZL.C1, disponível em www.dgsi.pt, “III - A prova proibida afecta sequencialmente as demais provas obtidas posteriormente com base naquela.”
LXXIII - O artigo 127.º do C.P.P. ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova elege como ideia que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada,
LXXIV - No entanto, isso nunca poderá significar que a atividade de valoração da prova seja arbitrária e subjetiva, o que aconteceu manifestamente nos presentes autos.
LXXV - O Tribunal a quo deveria ter-se vinculado à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e por restrições legais, o que não fez, como supra se demonstrou.
LXXVI - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
LXXVII - Contudo, nos presentes autos, na modesta opinião da Recorrente, prevaleceu inequivocamente a intima convicção do julgador, que deu uma “machadada” nas regras da legalidade e admissão de prova em processo penal.
LXXVIII - Que ignorou totalmente a inexistência de prova documental, nomeadamente de autos de transcrição de sms,
LXXIX - Fazendo uma deficiente valoração da prova,
LXXX - Negligenciando o principio em dúbio pro reo.
LXXXI - E valorando prova proibida.
LXXXII - A sentença dos autos é nula por violação dos artigos 125º, 127º, alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do CPP.
LXXXIII - Pelo que deve ser revogada a totalidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, absolvendo-se a Recorrida das diversas condenações de que foi alvo, tudo com as legais consequências.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a totalidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as devidas e legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas. inteira Justiça!”

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 233.
4. O magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido (a fls. 269ª 274), respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):
“1. Preceitua o artigo 127º, do Código de Processo Penal, que, regra geral (excepcionalmente, há prova que se presume subtraída à livre apreciação, como é o caso da prova pericial – ar. 163º, n.º 1 do CPP), a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, no caso dos autos, o juiz que profere a decisão – princípio da livre apreciação da prova;
2. A livre apreciação da prova pressupõe um entendimento objectivo da mesma, afastando-se a compreensão do livre convencimento do juiz como sinónimo de uma liberdade sem freio na sua apreciação;
3. Tal princípio não deve ser entendido de forma arbitrária mas sim de tal maneira de que deve encontrar eco no artigo 374º, nº 2 do C. P. Penal, no que concerne à motivação ou fundamentação da sentença, na qual deverão constar os motivos de facto que a fundamentam, os quais não são, nem os factos provados, nem os meios de prova ou os factos probatórios, mas antes os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de certa forma os diversos meios de prova apresentados em audiência e não noutro;
4. A M.ª Juíza disse porque deu os factos como provados e formulou a sua convicção ao referir que foi com base em toda a prova testemunhal, lida à luz das regras da experiência comum, considerando as declarações da assistente D…, as transcrições das mensagens de fls. 26 a 28, com as quais foi confrontada, que a arguida é sua familiar, que como advogada celebrou o contrato de arrendamento referido em 1 dos factos provados, que tinha o nº de telemóvel da arguida nos seus contactos pessoais o qual corresponde ao indicado pela arguida aquando da prestação de TIR a fls. 60;
5. Por tal facto e da conjugação de tais elementos a M.ª Juíza não ficou com qualquer dúvida de que a arguida foi a autora das mensagens enviadas à assistente, apesar de ter referido não se tratar do seu nº e que as mesmas estão conexionadas com os serviços de advocacia prestados pela assistente, como se infere da factualidade dada como provada de 2 a 4 da sentença recorrida;
6. Por tudo o que ficou exposto dúvidas não nos restam que tal decisão assenta em pressupostos e motivos plausíveis, explicáveis com base na prova recolhida, bem como na normalidade do acontecer e nas regras da experiência comum;
7. A aplicação do princípio in dúbio pro reo afirma-se como um princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do Tribunal;
8. Ora a Mª Juíza, pela prova produzida e devidamente valorada, não ficou com qualquer dúvida que a arguida enviou através do seu telemóvel à assistente D… as referidas mensagens dadas como provadas, com as quais quis e conseguiu ofender a honra, consideração e idoneidade da assistente como profissional de advocacia, no exercício da sua atividade ou por causa dele, pela qual é inaplicável tal princípio;
9. Assim, a sentença recorrida, além de aplicar o DIREITO ao caso concreto, cumpriu com as regras processuais penais legalmente admissíveis e
10. Destarte, ao contrário do defendido pelo recorrente, esteve bem o Mm.º Juiz de Direito ao condenar o arguido pelo aludido crime, na sequência de uma correcta e fundamentada apreciação da prova produzida em sede de audiência e discussão em julgamento, pelo que, tal decisão não nos merece reparo, devendo ser mantida.
Porém, Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA!”

5. Também a assistente (desta feita a fls. 276 a 287) respondeu ao recurso concluindo no sentido da improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (não se transcrevem as conclusões que apresentou uma vez que as mesma não vinham incluídas no suporte informático que entretanto facultou).

6. Nesta Relação, o Exmo Procuradora-Geral Adjunto (a fls. 297 a 299) sufragando a resposta apresentada pelo Ministério Público de 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
7. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
8. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso (mas não havendo motivos para se ser demasiado exigente num convite à recorrente para, com o devido formalismo, aperfeiçoar as conclusões tendentes a sinteticamente resumir o alegado na motivação), seguindo uma ordem de precedência lógica, as questões a conhecer são as seguintes:
- Valoração de prova proibida
- Impugnação/alterabilidade da matéria de facto
- Saber se foi violado o princípio do in dubio pro reo
2. Decisão recorrida:
Definidas as questões a tratar, vejamos, desde já, o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):
Factos provados:
Com interesse para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A ofendida D… é advogada e no exercício da sua profissão tratou, a pedido do seu irmão, C…, de celebrar um contrato de arrendamento relativo a uma habitação, propriedade do irmão e da arguida, recebendo quantia em dinheiro e emitindo declaração de quitação.
2. Porque não depositou na conta da arguida a totalidade do dinheiro recebido, no dia 16 de Julho de 2015, pelas 21h13m, a arguida enviou do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida a seguinte mensagem: “O meu dinheiro quero amanhã na conta, se não estiver vais ver a surpresa que vais ter! Só te digo fazes-me ir aí que vais ver quem se vai rir. Não penses que eu sou o C… porque não sou! Aí vais conhecer quem eu sou de verdade…Eu tinha vergonha de ter uma irmã como tu! Teres a distinta lata de ficares com um dinheiro que não é teu e fazeres dos outros parvos”.
3. Pelas 21h14m, enviou o seguinte: “E mais, tu devias ser actriz e não advogada!”.
4. No dia 17 de Julho de 2015, pelas 14h43m, enviou mais outra mensagem: “O teu prazo está a terminar...Além de ladra e vigarista, não passas de uma mentirosa! Não tens respeito por ninguém! Mas se pensas que isto já terminou, estás enganada! Continua…” .
5. Agiu a arguida com o propósito conseguido de ofender a D… na sua honra e consideração, bem sabendo que as palavras que lhe dirigiu eram adequadas a produzir tal resultado, de resto, por ela visado.
Condições económicas e sociais da arguida:
6. A arguida não regista no seu certificado de registo criminal qualquer condenação.
7. O processo de desenvolvimento da arguida decorreu junto da sua família de origem, pais e seis irmãos, que residiam numa zona rural, sendo a subsistência assegurado pela actividade dos pais na agricultura. Dado o elevado número de filhos e a necessidade de assegurar as necessidades básicas dos mesmos os pais recorriam a um modelo educativo funcional.
8. B… em idade infantil concluiu a antiga quarta classe, tendo posteriormente e já na condição de trabalhadora estudante concluído o décimo segundo ano de escolaridade.
9. Desde idade precoce que o seu objectivo era sair da aldeia e passar a viver numa zona onde pudesse obter melhores condições de vida. Assim, com doze anos, deslocou-se para o Porto e começou a trabalhar como cuidadora de crianças em casa de uma família amiga da sua.
10. Volvidos uns anos, que não soube precisar, trabalhou num consultório médico, actividade esta que manteve durante onze anos. Posteriormente obteve um curso de maquilhagem e desde então tem sempre exercido funções nesta área, em perfumarias, em estações de televisão e em revistas.
11. No campo afectivo relacional vive em união de facto desde há vinte anos com o seu actual companheiro. Nos primeiros anos de relacionamento vivia no Porto, há cerca de onze anos, efectuou um movimento migratório para a zona onde residem actualmente.
12. Na generalidade, a vivência da arguida não apresenta alterações a nível pessoal, familiar e habitacional, desde a data dos factos. Com efeito, mantém a coabitação com o companheiro numa habitação arrendada, localizada numa zona não conotada com problemáticas de exclusão social.
13. A dinâmica do casal surge retratada como positiva e assente num relacionamento harmonioso e de cumplicidade.
14. A arguida que já se encontrou vinculada profissionalmente como maquilhadora, como seja na E… e na F…, presentemente trabalha como free lancer, segundo refere, também para estações de televisão e revistas de publicidade. Não quis especificar quanto aufere, ainda que tenha mencionado que os rendimentos são variáveis e acordo com os trabalhos que detém. O marido é comercial na operadora G….
15. B… considera que os serviços não têm que deter conhecimento da sua situação económica e por esse motivo não facultou informação nem avaliou este domínio da sua vida.
16. Do ponto da vista das suas características pessoais, a análise do discurso evidencia compreensão e reconhecimento do significado de desrespeito pela normatividade, com consciência das consequências dos comportamentos.
17. Presentemente, as rotinas da arguida decorrem em torno da sua actividade profissional, onde se encontra a investir no sentido de alargar a sua carteira de clientes, mencionando que os seus tempos livres são maioritariamente passados em casa.
18. Da articulação com a PSP aferimos a não existência de outras situações criminais contra si, sendo notório a não ligação da arguida a um modo de vida criminal.
19. A arguida é oriunda de um ambiente familiar humilde que vivia numa aldeia, meio social que não lhe proporcionava margem de progressão ao nível escolar e profissional. Desta forma, iniciou actividade profissional em idade precoce, ou seja com doze anos era empregada interna de uma família que residia na zona do porto o que lhe permitiu, em paralelo, investir na sua formação escolar.
20. Relativamente à sua trajectória profissional revelou capacidade de investimento e de compromisso com as tarefas que exerceu no ramo da maquilhagem e, do que aparenta, vem adquirindo estabilidade neste campo da sua vida. Beneficia ainda de enquadramento familiar, nomeadamente no que diz respeito à sua vivência conjugal. Como factores protectores podemos ainda assinalar o facto de não estarmos perante uma pessoa com ligações a um modo de vida criminal.
2.2 - Factos Não Provados
Inexistem factos não provados.
2.3 - Motivação da matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 124.º do C.P.P. constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade da arguida e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.
O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127.º, n.º 1 do C.P.P.: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente».
A este propósito, releva a apreciação feita pelo Cons. Armando Leandro no Ac. do STJ de 16/01/2002, Proc. nº 3649/01 - 3ª Secção, que afirma o seguinte:
“O critério da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP, não significa a possibilidade de apreciação puramente subjectiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objectiva e crítica e em boa medida objectivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos; engloba porém não só os factos probandos apreensíveis por prova directa mas também os factos indiciários, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles, tendo por base as referidas regras, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos, que constituem o tema da prova; tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve porém, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer com honestidade e maturidade para melhor impedir que possam ser fonte de arbitrariedade e permitir actuem, pelo contrário, como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível”.
Inspirados por este mote cumpre, então, explanar os elementos probatórios nos quais se baseou o tribunal para dar como provados e não provados os factos supra elencados.
Assim, os factos provados nºs 1 a 20 baseiam-se nos seguintes meios de prova:
Declarações da assistente:
- D….
Prova documental:
- Transcrição de mensagens de fls. 26-28;
- CRC de fls. 171;
- Cédula profissional da assistente de fls. 180;
- Relatório social de fls. 172 ss.

A convicção do tribunal relativamente aos factos provados nºs 1 a 7 resulta, essencialmente, das declarações prestadas pela assistente em audiência de julgamento conjugadas com a prova documental junta aos autos.
A arguida, tendo-se inicialmente remetido ao silêncio, entendeu no final da audiência prestar declarações. Negou a prática dos factos e referiu não ter enviado as mensagens em causa nem sequer ter o número da arguida.
Contudo, as suas declarações não se mostraram minimamente credíveis, tendo antes sido infirmadas pela restante prova produzida e constante dos autos, como se referirá.
A assistente explicou que, cerca de um mês antes do envio das mensagens referidas em 2. a 4., tinha tratado da celebração de um contrato de arrendamento de um imóvel de que o seu irmão é proprietário, tendo recebido o pagamento de €1.200 em numerário do arrendatário.
Referiu ter enviado o contrato celebrado, bem como a declaração de quitação da quantia que recebera para o irmão, tendo-lhe entregue essa quantia em duas vezes: 300€ a pedido do irmão por transferência bancária e o restante em mão, poucos dias depois.
A assistente referiu não ter dúvidas sobre a identidade de quem enviou as mensagens, pois sendo a arguida sua familiar (uma vez que é companheira do seu irmão há cerca de 20 anos), tinha o número desta gravado no seu telemóvel.
Tal mostra-se perfeitamente credível e de acordo com as regras da experiência comum, já que não obstante a assistente ter referido nunca ter tido uma boa relação com a arguida, mostra-se habitual ter o número da arguida gravado na sua lista telefónica por se tratarem de familiares próximas.
Para além disso, o conteúdo das mensagens indicia tratar-se de alguém muito próximo do irmão da assistente (de nome C…), e que esteja inteirada do assunto do contrato de arrendamento já referido, o que também aponta no sentido da autoria da arguida.
Finalmente, se dúvidas restassem quanto ao número de onde provinham as mensagens, a fls. 60, no TIR prestado pela arguida esta identificou o mesmo número como sendo o seu número de contacto.
Pelo que, já conjugação de todos estes elementos, não restaram ao tribunal quaisquer dúvidas quanto à autoria da arguida relativamente às mensagens enviadas à assistente, não obstante esta ter referido não se tratar do seu número.
Por outro lado, também não restam dúvidas sobre a qualidade de advogada da assistente, pois tal decorre quer do teor da mensagem referida em 3., o que demonstra que a arguida tinha perfeito conhecimento das funções da assistente, quer do teor da cédula profissional de fls. 180.
Para além disso, também não restam dúvidas da relação entre as mensagens enviadas pela arguida com a prestação de serviços de advocacia pela assistente, decorrendo aliás do teor das mensagens constantes de 2. a 4. a sua conexão com o valor das rendas recebidas pela assistente, como a própria afirmou.
Relativamente ao teor das mensagens, as mesmas resultam do documento de fls. 26-28. É certo não se tratar este de um auto de transcrição. Contudo, o documento atesta o teor das mensagens e a data e hora em que foram enviadas, tendo a assistente confirmado ser esse o teor das mensagens que recebeu.
Pelo que, da conjugação dos elementos probatórios referidos, o tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos referidos em 1. a 4.
Por sua vez, deve dizer-se que resulta do circunstancialismo apurado e lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida que a arguida, da forma como actuou, fê-lo com cognoscibilidade e intencionalidade, bem sabendo que ao actuar da descrita forma injuriava a ofendida, não se coibindo de actuar da forma supra descrita, sabendo ainda que tal é proibido e punível por lei, assim se dando como provada a matéria de facto vertida no ponto 5).
No que respeita aos antecedentes criminais da arguida, o tribunal atendeu ao CRC junto aos autos (facto assente em 6.)
Para prova das condições económicas e sociais da arguida (factos 7 a 20), foi tido em conta o relatório social junto aos autos.”
3. Conhecendo
1ª Questão: - Valoração de prova proibida
Argumenta a recorrente que o tribunal não poderia ter valorado as sms que constam dos autos a fls. 26 a 28 porquanto o Ministério Público não mandou transcrever quaisquer sms nem as mesmas foram exibidas ou copiadas por qualquer órgão de polícia criminal. Nessa sequência conclui que o tribunal socorreu-se de prova proibida e, por isso, nula à luz do que estabelecem os artigos 188º nº 9 e 190º, ambos do CPP.
Vejamos.
Dispõe o art. 125º, do Cód. Proc. Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Daqui decorre que não foi estabelecido o princípio da tipicidade dos meios probatórios mas antes o da legalidade.
Os métodos proibidos de prova foram consignados no art. 126.º, do Código Processo Penal, e estão intimamente associados às garantias constitucionais de defesa consagradas no art. 32º da Constituição da República Portuguesa
Assim, a consagração do n.º 8 desse artigo 32º de que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, no que se reporta, desde logo à intromissão na correspondência ou nas telecomunicações, aparece legalmente transposta no n.º 3, do citado art. 126º, que estatui, além do mais, que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão (…) na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Todavia, ao caso sub judice, diferentemente daquilo que pretende fazer crer a recorrente, não era aplicável o artigo 188º do CPP, normativo que integra o regime legal das escutas telefónicas, pois estas correspondem a meio de obtenção de prova que sacrifica a privacidade das comunicações.
Com efeito, no nosso caso, as mensagens (sms) imputadas à arguida tiveram por destinatária a própria assistente/ofendida que as recebeu no seu próprio telemóvel, conforme logo mencionou aquando da apresentação da denúncia de fls. 3 e segs, e foi a mesma que as forneceu aos autos como meio de prova.
Ou seja, nenhum terceiro se intrometeu ou teve interferência na obtenção das comunicações feitas pela arguida à assistente. Esta é que, como destinatária das mesmas que recebeu no seu próprio telemóvel, por com elas se ter sentido ofendida na sua honra e consideração, voluntária e legitimamente fez questão de as apresentar perante as autoridades, como meio de prova da queixa que havia apresentado e do crime de que tinha sido vítima. Daí que o, pela recorrente, invocado Ac. da Relação do Porto datado de 13.05.2015 (proferido no processo nº 1/13.9PEVNG.P1), por estar relacionado directamente com um caso em que tinha havido efectivamente intercepção de comunicação telefónica, nenhuma semelhança tem com o nosso caso.
Por isso, a validade da prova em causa nos nossos autos não estava sujeita ao invocado regime a que alude o invocado artigo 188º do CPP cuja violação, se tivesse ocorrido, acarretaria nulidade da mesma por força do que estabelece o artigo 190º do CPP.
Mas, como dissemos, não tendo ocorrido, no nosso caso, qualquer intercepção ou intromissão nas comunicações, não havia lugar ao cumprimento do artigo 188º do CPP, designadamente do seu nº 9, para assegurar a validade da transcrição que foi feita das sms.
Aliás, no mesmo sentido que preconizamos, vejam-se, entre outros, os sumários dos seguintes acórdãos, todos acessíveis in www.dgsi.pt:
Ac da RL de 29/03/2012, processo 744/09-1S5LSB-A.L1-9:
A junção aos autos da transcrição das mensagens SMS gravadas no telemóvel do queixoso, depois do consentimento deste, não está dependente da autorização do Juiz de Instrução Criminal.
Ac da RG de 15/10/2012, processo 68/10.1GCBRG.G1:
Da interpretação da norma do artº 189º, nº 1 do CPP, na redação da Lei 48/07 de 29 de Agosto, decorre que a transcrição de mensagens sms existentes no telemóvel de um queixoso pode valer como prova apesar de não ter sido ordenada pelo juiz de instrução.
Ac da RP de 3/04/2013, processo 856/11.1PASJM.P1:
I - As SMS recebidas no equipamento de comunicação (telemóvel) da ofendida e por ela disponibilizadas estão a coberto de qualquer procedimento de validação judicial.
II – Trata-se de um meio de prova fornecido de forma espontânea pelo receptor e seu legítimo detentor.
III – O seu uso em processo não constitui meio de prova proibido
Ac da RP de 22/05/2013, processo 74/07.3PASTS.P1:
I – As mensagens, depois de recebidas, deixam de ter a essência de uma comunicação em transmissão para passarem a ser uma comunicação já recebida, que terá porventura a mesma essência da correspondência, em nada se distinguindo de uma carta remetida por correio físico.
II - Tendo sido já recebidas, se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador ou no telemóvel, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo, visto o disposto no art. 194º, n.º 1 do C. Penal.
III – A junção voluntária aos autos feita pela pessoa que recebeu a mensagem, dispensa a intervenção de qualquer autoridade judiciária, designadamente do JIC.
Ac da RC de 10/07/2013, processo 907/10.7TAGRD.C1:
1.- Quando a vítima seja interlocutora e destinatária da comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, considera-se justificada a divulgação do teor da conversa telefónica pelo sistema de alta voz (a que é semelhante a mensagem sonora) quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças, ou injurias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças e, com o tal não constitui prova proibida;
2.- O arguido ao enviar a mensagem sonora para o telemóvel da ofendida sabia e queria que esta a ouvisse, sabendo que era gravada, com essa mesma finalidade de ser ouvida pelo destinatário. Não se trata de qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações que necessite de salvaguarda, porque não há sequer intromissão, não há violação à reserva constitucional da privacidade;
3.- Mesmo não utilizando a gravação (mensagem de voz gravada), ou seja, em telefonema direto, o teor da conversa pode ser escutado por terceiros, ou porque estão perto do auscultador do telefone ou, o aparelho é colocado em alta voz.
Ac da RL de 24/09/2013, processo 145/10.9GEALM.L2-5:
I - As mensagens electrónicas (sms) deixam de ter a essência de uma comunicação em transmissão para passarem a ser antes uma comunicação já recebida, que terá porventura a mesma essência da correspondência», em nada se distinguindo de uma «carta remetida por correio físico». E tendo sido já recebidas, «se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador (ou no telemóvel, acrescenta-se) a que se destinavam, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel em que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo», visto o disposto no art. 194, n° 1, do CP.
II - É o destinatário da correspondência que sobre a mesma tem toda a disponibilidade e não o seu remetente, tendo toda a legitimidade para divulgar o seu conteúdo, nomeadamente autorizar que deste tomassem conhecimento as autoridades policiais.
Ac da RP de 3/12/2013, processo 37/12.7TBALJ-A.P1:
I - Uma mensagem telefónica, vulgo SMS, uma vez aberta, recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
II – Em tese geral, o destinatário de um SMS pode fazer uso do mesmo em sede probatória uma vez descartada a confidencialidade da mensagem enviada ou algum dever especial de sigilo que possa impender, quer pela natureza da mensagem quer pela qualidade dos intervenientes nessa comunicação electrónica.
Ac da RP de 20/01/2016, processo 1145/08.4PBMTS.P1:
Se o arguido enviou ao ofendido mensagem por sms o seu destinatário pode fazer da missiva o uso que entender, nomeadamente apresentá-la às autoridades judiciárias para poder servir como prova de um crime de que é vitima.

Por tudo o que deixámos dito e, desde logo, amparados por esta vasta jurisprudência, sem necessidade de mais desenvolvimentos, consideramos que as transcrições em causa constituem prova válida, motivo pelo qual podiam ter sido valoradas pelo tribunal a quo. Nessa decorrência, cai também por terra a insinuada nulidade da sentença por alegada violação da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP.
Improcede, assim, este primeiro fundamento do recurso.

2ª Questão: Impugnação/alterabilidade da matéria de facto
Para além da invocação de ter sido valorada prova proibida (argumento que naufragou como acabado de analisar) alega também a recorrente que não resultando dos autos qualquer documento probatório ou outro qualquer meio de prova idóneo que ateste que o número de telemóvel de onde provieram as sms fosse propriedade da arguida nem que tivesse sido produzida prova de que tais sms fossem da sua autoria, considera a recorrente que o tribunal a quo nunca poderia ter dado como provados, como deu, os factos dos pontos 2, 3 e 4, factos esses que têm o seguinte teor (transcrição dos mesmos a negrito, sendo que a antecedê-los, para uma melhor contextualização, também enunciaremos os factos do ponto 1, apesar de não impugnado):
“1. A ofendida D… é advogada e no exercício da sua profissão tratou, a pedido do seu irmão, C…, de celebrar um contrato de arrendamento relativo a uma habitação, propriedade do irmão e da arguida, recebendo quantia em dinheiro e emitindo declaração de quitação.
2. Porque não depositou na conta da arguida a totalidade do dinheiro recebido, no dia 16 de Julho de 2015, pelas 21h13m, a arguida enviou do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida a seguinte mensagem: “O meu dinheiro quero amanhã na conta, se não estiver vais ver a surpresa que vais ter! Só te digo fazes-me ir aí que vais ver quem se vai rir. Não penses que eu sou o C… porque não sou! Aí vais conhecer quem eu sou de verdade…Eu tinha vergonha de ter uma irmã como tu! Teres a distinta lata de ficares com um dinheiro que não é teu e fazeres dos outros parvos”.
3. Pelas 21h14m, enviou o seguinte: “E mais, tu devias ser actriz e não advogada!”.
4. No dia 17 de Julho de 2015, pelas 14h43m, enviou mais outra mensagem: “O teu prazo está a terminar...Além de ladra e vigarista, não passas de uma mentirosa! Não tens respeito por ninguém! Mas se pensas que isto já terminou, estás enganada! Continua…”.
Vejamos.
Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal[1] que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da denominada “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que aludem as alíneas do nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3.
Na primeira situação (ou seja âmbito da “revista alargada”) decorre do artigo 410.º n.º 2 que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pag. 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Ora, lendo e relendo a sentença recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios, sendo ainda certo que também nenhum deles tinha sido, sequer, invocado pela recorrente.

Na segunda situação (ou seja no âmbito da impugnação ampla) a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o(s) concreto(s) facto(s) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar o documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que, segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º, “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o ac. do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.” (negrito e sublinhado nossos)
Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Neste âmbito da sua peça recursória, à primeira vista a recorrente lança argumentos no sentido de pôr em causa a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ela própria adquiriu em julgamento.
Todavia, ainda neste âmbito importa não esquecer a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º.
De acordo com o disposto no art. 127º a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O art. 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pag 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. (…) Um tal convicção existirá quando e só quando … o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável" (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, páginas 203 a 205).
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: «Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais " (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, páginas 233 a 234).
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (in C.J., ano XXVII, Tomo II, página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Por outro lado, também importa ter sempre presente que como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, apresenta-se o princípio do in dubio pro reo que obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).
Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”.
Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Ora, tecidas todas estas considerações sobre as exigências que incumbem a um qualquer recorrente quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, exigências essas assinaladas no já mencionado artigo 412º nºs 3 e 4, no caso sub judice, constata-se que, no que à prova oralmente produzida em sede de audiência de julgamento respeita, a recorrente nem sequer se deu ao cuidado de mencionar quaisquer passagens da gravação, desde logo da assistente (pois foi, essencialmente, com base no depoimento desta que o tribunal a quo fixou a factualidade criticada pela recorrente) que fossem susceptíveis de impor decisão diversa quanto aos sindicados factos, mormente por forma a pôr em causa determinados indícios que serviram de base à prova indirecta conduzente à conclusão de que os sms tinham sido da autoria da arguida.
Não obstante, este tribunal procedeu à audição integral do depoimento da assistente e de tal depoimento não detectamos que, na motivação da matéria de facto, o tribunal a quo, ali tivesse exarado algo que não tivesse sido dito pela assistente ou que tivesse extrapolado o que foi afirmado pela mesma.
Por tais razões, desde logo o depoimento da assistente jamais é susceptível de impor decisão diversa em relação a todos ou a qualquer um dos impugnados factos.
Por outro lado, diferentemente do que pretende fazer crer a recorrente, não é pelo facto de não ter sido junto aos autos qualquer documento idóneo que comprove que o número do telemóvel de onde provieram as mensagens estivesse atribuído à arguida que não se pudesse concluir que a autoria de tais mensagens não pertencesse à arguida.
Com efeito, muitas vezes a operadora à qual está associado um determinado número de telemóvel com carregamentos pré-pagos desconhece a verdadeira identidade do seu utilizador.
E quanto aos números de telemóvel pós-pago, ou de assinatura, também nada obsta ou impede a que o seu utilizador seja, ou possa ser, pessoa diversa daquela cujo número está atribuído/registado no contrato efectuado com a respectiva operadora.
Para além disso, importa não esquecer que na motivação da matéria de facto foi mencionado que aquando da prestação do TIR de fls. 60 a arguida indicou que o seu número de telemóvel, para efeitos de contacto, era o nº ………, número esse que corresponde exactamente ao número que a assistente disse ser da arguida (por tê-lo registado na sua própria lista de contactos) e de nas transcrições de fls. 26 a 28 estar registado tal número como sendo aquele de onde provieram as mensagens.
Acresce ainda que da audição do depoimento da assistente decorre ter esta referido que, apesar das suas relações com a arguida não serem as melhores, tal número de telemóvel da arguida fazia parte da sua lista de contactos que tinha inserida no seu telemóvel, desde logo porque a arguida é a companheira do seu irmão há vários anos.
Por outro lado ainda, importa também referir que, tal como decorre à evidência da leitura da motivação da matéria de facto, para a enunciação dos factos dados como provados, o tribunal não se ateve apenas ao depoimento da assistente e à transcrição das mensagens constante de fls. 26 a 28, pois serviu-se também da chamada prova indirecta ou indiciária.
Como se pode ver da motivação da matéria de facto, foi da conjugação e concatenação de toda a prova produzida (de carácter oral e documental) que o tribunal se alicerçou para dar como provados os factos tal qual os assim deu como positivamente assentes.
É certo que, na falta de prova directa de que tivesse sido a arguida a exarar e a enviar aquelas mensagens à assistente, o tribunal se baseou em prova indirecta ou indiciária para chegar à conclusão de que tinha sido a arguida a autora das mensagens e do seu envio para a assistente.
É por demais consabido que a prova do facto penalmente típico e ilícito tanto pode resultar de uma percepção imediata decorrente dos sentidos como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indirecta.
«Na prova indirecta a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova directa faz-se por percepção, a indirecta por percepção e presunção» Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 1999, páginas 93 e 94.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, «o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.
Em sede de apreciação, a prova (…) pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.° 125.°, do Código de Processo Penal; e o art.° 349.° do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.° 351.°, do Código Civil).
Depois, as presunções simples ou naturais (…) são simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. (…)
Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1-333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto.
Também Vaz Serra, em “Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 112 pág., 99, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência».
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção» Processo n.º 1/08.0FAVRS.E1-A.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos daquele Supremo Tribunal de 27.05.2010, Processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, 15.09.2010, Processo n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, 06.10.2010, Processo n.º 936/08.JAPRT - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, e 17.02.2011, Processo n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1- 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, todos in www.dgsi.pt/jstj.
A pertinência da prova indiciária deve assentar, em regra, num duplo substrato.
Por um lado, deve fundar-se, em regra, na existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis, admitindo-se que excepcionalmente baste um só indício pelo seu especial valor; por outro lado, deve assentar na racionalidade da inferência obtida de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência comum Cf. Francisco Pastor Alcoy, Prueba de Indícios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, 2003, página 25, assim como acórdão da Relação de Coimbra de 11.05.2005, Processo n.º 1056/05, relatado pelo ora Senhor Conselheiro Oliveira Mendes

E a questão que fundamentalmente se suscita é precisamente a de saber se são lícitas as ilações que o tribunal assim retirou, na avaliação que fez da prova produzida, ou se porventura tais ilações excederam o que lhe era consentido no âmbito da livre valoração da prova.
Sendo, no âmbito do processo penal, admissíveis todas as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125º do CPP), nesse leque de provas admissíveis incluem-se as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art. 349º do Código Civil).
Com efeito, o artigo 349º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).”- cfr. Ac STJ de 27/05/2010, acessível através do site www.dgsi.pt.
Por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, podem determinados factos que não são confessados por quem os pratica (por exemplo aqueles que pela sua própria natureza não são directamente perceptíveis pelos sentidos, havendo que inferi-los a partir da exteriorização de uma conduta) ser comprovados através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como assente. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
No entanto, a prova por presunção não é uma prova totalmente livre e absoluta, como aliás o não é a livre convicção (sob pena de abandono do patamar de segurança da decisão pressuposto pela condenação penal, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo) conhecendo limites que quer a doutrina quer a jurisprudência se têm encarregado de formular:
- Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação);
- Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se afirma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido);
- Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo (é esse, aliás, o sentido da restrição referida na parte final do exemplo que antecede).
Ou seja, em resumo dos três itens que acabamos de expor, importa não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade. Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) e a regra, seu corolário, do in dubio pro reo.
Regressando ao caso dos autos, consta-se que na sentença recorrida - no qual é analisada criteriosamente, e com sentido crítico, toda a prova produzida - é feito todo o juízo argumentativo de fundamentar pormenorizadamente os motivos pelos quais foram dados como provados os factos, designadamente os aqui sindicados pela recorrente.
E essa argumentação, alicerçada também em presunções, tem toda a razão de ser e não vai contra as regras da experiência comum.
Com efeito, entre outras razões, veja-se o seguinte:
- A assistente tem um irmão que se chama C… e a assistente é a companheira deste há vários anos;
- A assistente, na qualidade de advogada, tratou, a pedido do seu irmão, C…, de celebrar um contrato de arrendamento relativo a uma habitação, propriedade do irmão e da arguida, recebendo quantia em dinheiro e emitindo declaração de quitação (cfr. facto não impugnado e dado como provado no ponto 1).
- A assistente recebe no seu telemóvel aquelas mensagens provenientes de um número de telemóvel que na sua lista de contactos tem registado como sendo da arguida, sendo que aquando da prestação de TIR a arguida também havia dado tal número para eventuais contactos;
- O conteúdo daquelas menagens tem perfeita sintonia/contextualização com os dinheiros relacionados com tal contrato, com o facto da assistente ser advogada e ser irmã do companheiro da arguida.
- Nenhuma explicação foi dada por quem quer que fosse, designadamente pela arguida (a qual apenas prestou declarações já no final da audiência de julgamento) que pudesse justificar por que motivo aquando da prestação de TIR deu aquele número de telemóvel. Caso não fosse este o seu número de telemóvel certamente que daria um outro…e não o fez!
Ou seja, os factos-base elencados e inter-relacionados são suficientes para fundamentar o juízo de inferência efectuado e a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória efectuada pelo tribunal a quo - quando a dado passo da motivação da matéria de facto da sentença recorrida até refere que da “conjugação de todos estes elementos, não restaram ao tribunal quaisquer dúvidas quanto à autoria da arguida relativamente às mensagens enviadas à assistente”- revela-se inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento humano e por isso não merece qualquer censura que o tribunal a quo tenha também dado como provados os sindicados factos dados como provados nos pontos 2, 3 e 4.
Assim, e em síntese de tudo o que foi dito, considerando que os argumentos lançados no recurso jamais são susceptíveis de impor decisão diversa quando a toda a (ou sequer a parte da) sindicada factualidade, e não decorrendo da sentença recorrida que para dar como provada essa sindicada factualidade o tribunal a quo tenha usado de prova proibida ou que na valoração da prova tenha ido contra as regras da lógica ou da experiência ou que tivesse incorrido em qualquer violação do princípio da presunção da inocência ou do princípio do in dubio pro reo, nenhuma alteração se impõe quanto à factualidade dada como provada e criticada pela recorrente, factualidade que essa que, assim, se mantém inalterada.
Improcede, pois, o recurso, quanto a esta questão da impugnação da matéria de facto.

3ª Questão: - Saber se foi violado o princípio do in dubio pro reo.
Invoca também a recorrente que ocorreu violação do princípio do in dubio pro reo.
Como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, apresenta-se o princípio do in dubio pro reo que obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).
Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pro reo”.
Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
No caso vertente, o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, à forma do cometimento dos mesmos, bem como às finalidades pretendidas com cometimento dos mesmos, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida.
Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos imputados à recorrente, indicando exaustivamente as razões que fundaram a convicção do tribunal para o assentamento, pela positiva, da materialidade que deu como provada.
Perante esta decisão, tomada com toda a segurança, não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis. Esta dúvida impõe ao juiz que decida de modo a favorecer o arguido.
Não havendo dúvida sobre a prática dos factos desfavoráveis à arguida/recorrente não há lugar à aplicação de um tal princípio.
Por isso, naufraga também o recurso neste aspecto.

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões da recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados no recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a sentença recorrida.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento), sem prejuízo do apoio que já lhe foi concedido (cfr. fls. 170).
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(Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários)
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Porto, 13 de Setembro de 2017
Luís Coimbra
Maria Manuela Paupério
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[1] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem ou apenas com a sigla CPP.