Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9162/20.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVO
TÍTULO COM AUSÊNCIA DE PRAZO DE CUMPRIMENTO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Nº do Documento: RP202103119162/20.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento comum de execução coativa do direito à prestação de facto positivo, em que o correspondente título executivo não estabelece qualquer prazo para o cumprimento da prestação, inicia-se com a fixação judicial do correspondente prazo prestacional.
II - A interpelação admonitória extrajudicial para cumprimento de facto positivo não é o meio idóneo substitutivo para a fixação judicial do prazo, com vista a posteriormente se iniciar a correspondente ação executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 9162/20.0T8PRT-B.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos; António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1. No processo n.º º 9162/20.0T8PRT-B do Juízo de Execução do Porto, J6, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Embargada/Exequente: B…, Lda.

Recorrida/Embargante/Executada: C…, Lda.

foi proferido despacho-saneador em 23/nov./2020, no qual se decidiu o seguinte:
“Por isso, nos termos dos artigos 868º, 874º e 875º do Código de Processo Civil a exequente (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho), tem que, antes de mais, pedir ao Tribunal para fixar um prazo para a realização das obras.
E só depois de cumprido o disposto no art, 874º é que o Tribunal – não a exequente – poderá fixar o prazo para a prestação.
“E ainda nesse caso, só haverá lugar à fixação de uma indemnização pela não realização da prestação se o facto for infungível (o que não vem alegado, nem parece ser o caso), porque se for fungível, o que há lugar é à prestação do facto por terceiro e a uma indemnização moratória.
Daí que também o incidente de liquidação requerido pela exequente não tem qualquer fundamento legal.”
1.1. A exequente tinha apresentado como título executivo o acórdão do tribunal arbitral de 17/set./2014, formulando as seguintes pretensões, mantendo a numeração primitiva:
45 – Assim, a executada deve à exequente a quantia de € 220.000,00, acrescida de juros comerciais desde a data de citação para acção arbitral, que se cifram provisoriamente em € 88.102,77, num sub-total de € 308.102,77, bem como do montante calculado nos termos do art.
829º-A, n.º 4, e que aqui se cifra em € 62.805,48, num total de € € 370.908,25.
46 – Bem como a quantia de € 710.708,00, à qual deverão acrescer juros comerciais desde a data da conversão da mora em incumprimento definitivo conforme descrito em art. 4º do presente requerimento por ser este o valor devido em substituição da prestação, ou seja, € 130.848,16, num total de € 724.556,16.
47 – Bem como a quantia de € 413.583,22, resultante da soma dos montantes descritos e com as proveniências em arts. 35, 36, 37, 38 e 39 do presente requerimento executivo, acrescida de juros de mora à taxa comercial supletiva desde a citação.
48 – Num total de € 1.509.047,63, acrescido de juros de mora à taxa comercial supletiva desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
49 – Mais se requer a V. Exa. a condenação da executada no pagamento de € 5.000,00, correspondente a aproximadamente 0,332% do total do montante em dívida, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação da quantia exequenda, nos termos e com fundamento no disposto no art. 829º-A, n.º 1 CCiv., a liquidar mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção, nos termos do disposto no art. 716º, n.º 3 CPC.
50 - Caso, subsidiariamente, se entenda que o Tribunal deve fixar prazo para o cumprimento da obrigação de prestação de facto que está incumprida e que aqui se deu à execução, requer-se que V. Exa. determine um prazo de 20 dias para conclusão da prestação de facto supra elencada em art. 1, al. c) e d), após trânsito em julgado da sentença que o ordene, que se reputa razoável e mais do que suficiente para aferir da impossibilidade imputável ao devedor de execução da sua prestação considerado que não o logrou fazer entre Setembro de 2014 (data de prolação de acórdão arbitral) e 15 de Outubro de 2017 (data de termo de prazo fixado para o efeito por interpelação admonitória), ordenando o cumprimento do disposto no art. 869º CPC e a conversão da execução.”
1.2. A executada deduziu embargos contra esta execução, formulando o seguinte pedido:
a) declare que a exequente não dispõe do crédito no valor de 220.000,00 € sobre a embargante, resultante da aplicação de multa contratual, pois que tal crédito se extinguiu por compensação em 02/02/2015, com a consequente extinção da execução nesse âmbito;
b) declare que a embargada não dispõe de título executivo relativo aos “pedidos” que formula nos pontos 42. a 49. do requerimento executivo e, nesse âmbito, declarar extinta a execução por falta de título bastante;
c) declare que o requerimento executivo apresentado pela embargante é manifestamente irregular, por violação do n.º 1 do art. 864.º e art. 874.º e 875.º do c.p.c. e art. 877.º, n.º 2 do c.c., uma vez que a prestação exequenda pressupõe tempo para a realização da mesma e esse prazo não se encontra fixado no título executivo, devendo, em consequência, ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, com a cominação de indeferimento da execução;
d) declare que a embargante executou a prestação de remontagem do avac em conformidade com o novo projecto que para o efeito lhe foi disponibilizado pela embargada e que só não foi elaborado o auto de vistoria e subsequente entrega da obra pelo facto de a embargada ter proibido a embargante de aceder às suas instalações;
e) declare que em relação ao pedido subsidiário, e no pressuposto que os trabalhos de remontagem do avac realizados pela embargante estejam no estado em que os deixou e as máquinas em funcionamento, a confirmar por perito a indicar pelo tribunal, a embargante reputa como suficiente o prazo de 20 dias para a realização de testes, ensaios e elaboração do auto de entrega de obra, contra o recebimento da quantia que lhe é devida, como consignado no título executivo;
1.3. A exequente contestou impugnando a versão da executada/embargante, terminando do seguinte modo:
“Termos em que deve a presente oposição à execução ser julgada improcedente, prosseguindo a execução das quantias peticionadas no requerimento executivo.
Subsidiariamente, e caso V. Exa. assim não entenda, sempre deverá ser determinada a abertura de incidente de liquidação de danos para efeitos de integração de quantitativo a integrar a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação em tudo o que exceda o peticionado em requerimento executivo dos arts. 35º a 39º e 45º do requerimento executivo inicial, determinando-se o prosseguimento de execução de imediato quanto aos montantes com esta proveniência”.
2. A exequente insurgiu-se contra aquele referenciado despacho-saneador, interpondo recurso do mesmo, apresentando as seguintes conclusões:
I. O despacho saneador a quo rejeita as pretensões da exequente formuladas no art. 4º e 6º do seu requerimento executivo,
II. recusando o prosseguimento imediato da execução e ordenando a tramitação de diligências para fixação de prazo para cumprimento da obrigação executiva, e
III. recusando a forma de tutela alternativa indemnizatória peticionada pela exequente, que consistia na indemnização pelo incumprimento em detrimento da realização da prestação exequenda por terceiro.
IV. É destes dois incisos que se interpõe o presente recurso nos termos do art. 644º, n.º 1, al. b) CPC, ou outros que V. Exas. doutamente supram.
V. O saneador a quo rejeita prosseguir com a execução das prestações de facto cuja condenação à sua realização foi proferida pelo acórdão arbitral que se dá à execução, determinando a realização de diligências judiciais para fixação do prazo necessário para conclusão das obras.
VI. Ora, neste caso não é necessário proceder-se à aplicação do disposto nos arts. 874º e 875º CPC.
VII. O que estas normas visam é, simplesmente, dotar a obrigação contida no título executivo de exigibilidade. Desempenham, assim, papel semelhante às normas dos arts. 715º, 716º, 724º, n.º 1, al. h), 861º, n.º 2, CPC, tendo por objectivo garantir que a obrigação exequenda é exigível, além de líquida e certa.
VIII. Assim, se a obrigação exequenda já é exigível, não é necessário torná-la exigível.
IX. Com efeito, as normas dos arts. 875º e 876º CPC estão previstas para os casos em que o título executivo que contem a condenação à prática de determinado facto não fixa prazo para a prestação de facto nem outra qualquer vicissitude ocorre na relação entre as partes.
X. Não existe diferença substantiva entre a obrigação assumida convencionalmente e a constante de uma sentença ou acórdão arbitral: a única diferença é o cariz executivo.
XI. Mas ambas, uma vez incumpridas, estão incumpridas com as mesmas consequências jurídicas. E ambas, na ausência de disposição expressa, são regidas pela aplicação de normas supletivas.
XII. Veja-se a jurisprudência citada em corpo de texto, demonstrando que às obrigações contidas em título executivo é plenamente aplicável o regime do CCiv..
XIII. As partes estipularam prazo para execução da obrigação exequenda ao abrigo do art. 777º, n.º 1 CCiv.: foi alegado na contestação à oposição mediante embargos de execução, nos seus arts. 119º, 125º - 129º, 141º, 178º e 194º e documentos acompanhantes, o que aqui se renova.
XIV. Portanto, procedeu-se à fixação convencional de prazo de execução de prestação de facto.
XV. Estipulado que foi este prazo, o devedor passou a estar em mora a partir do momento em que não cumpre com o mesmo – cfr. art. 805º, n.º 2, al. a) CCiv..
XVI. Neste circunstancialismo, a exequente interpelou admonitoriamente a executada e declarou a obrigação executiva definitivamente incumprida.
XVII. Portanto, a obrigação é já plenamente exigível por força do disposto no art. 808º, n.º 1 CCiv., e regime associado, não sendo necessário lançar mão do regime processual consignado nos arts. 874º e 875 CPC, competindo ao Tribunal apenas verificar se a obrigação exequenda foi cumprida nos termos do título executivo, o que se requer que V. Exas. sancionem.
XVIII. Seguidamente, o despacho a quo recusa tutela indemnizatória à exequente, afirmando que “só haverá lugar à fixação de uma indemnização pela não realização da prestação se o facto for infungível (...) porque se for fungível, o que há lugar é à prestação de facto por terceiro e uma indemnização moratória”.
XIX. A letra do art. 868º CPC não permite dúvidas, ao usar a conjunção disjuntiva OU: “(...) ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação (...)”.
XX. Idem, a norma do art. 828º CCiv..
XXI. No mesmo sentido, mais de dez autores citados em corpo de texto nos autos e a jurisprudência recolhida.
XXII. Repare-se, aliás, que não é possível outra leitura depois de lido o art. 828º CCiv. – o credor tem a faculdade de requerer que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor.
XXIII. Ora, se tem a faculdade de requerer isto, tem o direito de requerer indemnização compensatória nos termos gerais de Direito, como alternativa.
XXIV. É a regra geral plasmada no art. 798º CCiv.: quem incumpre é responsável pelos danos que causou. O Código nunca pretendeu coartar o direito à indemnização do credor, apenas alargar os meios de tutela ressarcitória ao seu dispor prevendo a possibilidade de optar pela execução específica em casos determinados.
XXV. Termos em que se deverá considerar que a exequente pode optar pelo pedido indemnizatório, como decorre directamente da letra do disposto no art. 868º, n.º 1 CPC.
3. A embargante respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª - O título executivo subjacente à presente execução – decisão arbitral – não fixou prazo para a executada realizar a prestação de facto positivo fungível em que foi condenada (remontar o equipamento de AVAC, no espaço a ele destinado, e de harmonia com os elementos do projecto que o dono da obra lhe entregará), sendo a fixação de tal prazo absolutamente necessária, atenta a natureza da obrigação. Assim,
2.ª - A exequente, ao intentar a presente execução, deveria ter requerido no requerimento executivo a fixação do prazo pelo Tribunal, indicando o prazo que reputava suficiente para a execução, em conformidade com o que dispõe o art.º 874.º do C.P.C..
3.ª - Só após a fixação do prazo judicial para a realização da prestação exequenda e o decurso do mesmo sem que a executada tenha realizado a prestação, é possível afirmar o incumprimento da obrigação por parte da executada e, em tal hipótese, requerer a conversão da execução, passando a mesma a ser tramitada como execução para pagamento de quantia certa, de modo a obter o montante necessário ao pagamento do custo da prestação (art.ºs 870.º a 873.º do C.P.C.), podendo o exequente pedir uma indemnização moratória (art.ºs 804.º a 806.º do C.C.), que será liquidada com as contas respeitantes ao custo da prestação a realizar por terceiro (art.º 871.º, n.º 2, do C.P.C.).
4.ª - O douto despacho recorrido, ao atender apenas ao pedido subsidiário e ao desconsiderar os restantes pedidos formulados pela exequente, limitou-se a ‘regularizar’ a instância, em conformidade com o que dispõem os art.ºs 868.º, 874.º e 875.º do C.P.C..
5.ª - O despacho recorrido não é merecedor de qualquer censura, devendo por isso ser integralmente mantido, com a consequente improcedência do recurso.
4. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 27/jan./2021, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso
6. O objeto do recurso incide sobre o momento e a natureza da fixação de prazo para o cumprimento da prestação de facto decorrente de uma sentença.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Circunstâncias a considerar
1.1. A decisão recorrida
“Não há dúvidas que a decisão exequenda condena a executada em duas obrigações: uma obrigação de pagamento de quantia certa - a quantia de € 220.000,00 e três obrigações de prestação de facto - Proceder à reparação do pavimento em epoxy das instalações sanitárias femininas; Remontar o equipamento de AVAC; Proceder à entrega da obra.
Também não há dúvidas de que estes pedidos podem ser cumulados, nos termos do art. 710º do Código de Processo Civil aplicável ex vi art. 705º do Código de Processo Civil.
O que acontece é que a exequente ultrapassou todos os passos processuais previstos nos artigos 868º e seguintes do Código de Processo Civil e fixou ela própria o prazo, declarou o incumprimento, liquidou uma indemnização e converteu a execução, que devia ser para prestação de facto, numa execução para pagamento de quantia certa.
Tal não é processualmente admissível – o que aliás a exequente aceita, pois subsidiariamente pede a fixação do prazo.
A decisão exequenda não fixou o prazo da prestação, que é uma prestação de facto positivo.
Por isso, nos termos dos artigos 868º, 874º e 875º do Código de Processo Civil a exequente (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho), tem que, antes de mais, pedir ao Tribunal para fixar um prazo para a realização das obras.
E só depois de cumprido o disposto no art, 874º é que o Tribunal – não a exequente – poderá fixar o prazo para a prestação.
E só depois de terminar tal prazo e desse concluir que a obrigação não foi cumprida – nº 2 do art. 875º e art. 877º - é que o exequente poderá requerer a conversão da execução, nos termos dos artigos 869º a 863º.
E ainda nesse caso, só haverá lugar à fixação de uma indemnização pela não realização da prestação se o facto for infungível (o que não vem alegado, nem parece ser o caso), porque se for fungível, o que há lugar é à prestação do facto por terceiro e a uma indemnização moratória.
Daí que também o incidente de liquidação requerido pela exequente não tem qualquer fundamento legal.
1.2. No referenciado Tribunal Arbitral foi proferido acórdão em 17 de Setembro de 2014
1.2.1. Nessa ação em que a B…, Lda., demandada “C…, Lda.”, foi esta última condenada a:
a) Pagar à demandante o valor de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), acrescido de juros, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de multa contratual, por atraso injustificado no cumprimento do prazo de execução do contrato de empreitada que subjazia ao litígio dos autos;
b) Proceder à reparação do pavimento em epoxy das instalações sanitárias femininas no piso -1, bem como do sistema de águas quentes sanitárias, por os mesmos terem sido executados com defeito que lhes é imputável;
c) Remontar o equipamento de AVAC, no espaço a ele destinado, e de harmonia com os elementos
de projecto que o dono da obra lhe entregará, de maneira a assegurar, de forma operacional, a circulação no local e o fácil acesso às máquinas para efeitos do seu manuseamento e manutenção, mais devendo o mesmo ficar conforme com o Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/2006, de 8 de Abril, procedendo à sua entrega mediante a submissão dos ensaios prévios de receção, executados nos termos do artigo 18º do mencionado diploma;
d) Proceder à entrega da obra, com a correspondente elaboração e outorga do “auto de recepção provisória”, na data em que a mesma for ressarcida dos montantes que lhe são devidos pela Demandante, nos termos do decidido em sede de reconvenção.
1.2.2. Em sede de reconvenção, e pelo mesmo acórdão, foi a exequente condenada a pagar à executada a quantia global de € 556.141,87, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia global de € 55.273,71, acrescido de juros de mora contados a partir da data de citação e até efectivo e integral pagamento, a título de sobrecustos com a manutenção do estaleiro em obra.
1.3. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto, J4, no processo n.º 12041/16.1T8PRT-A
Em que é exequente “C…, Lda.” e executada B…, Lda., foi proferida decisão, transitada em julgado, segundo a qual “a aqui exequente deve - ou melhor, apenas pode - exercer o direito a receber os valores que a executada lhe foi condenada a pagar quando estiver apta a cumprir a obrigação de entregar a obra (com as reparações que foi condenada a realizar) à executada, mediante a outorga e assinatura do auto de recepção provisória (...) Só após tal fixação do prazo e seu decurso poderá a exequente, após ter cumprido as obrigações de reparação e com a interpelação da executada/embargante para a realização a entrega da obra e assinatura do auto de recepção provisória, pode exigir da executada o pagamento dos valores que a mesma foi condenada a pagar, pois só então está apta a cumprir, em simultâneo, a obrigação de entrega que sobre si recai.”
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2. Fundamentos do recurso
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) ao regular a execução para prestação de facto, enuncia no seu artigo 868.º n.º 1 que “Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”, acrescentando no n.º 2 que “O devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio”.
Por sua vez, ainda no âmbito da execução para prestação de facto e no que concerne à fixação do correspondente prazo prestacional, consagra-se no seu n.º 1 que “Quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente; o exequente requer também a aplicação da sanção pecuniária compulsória, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 868.º”. Enuncia-se depois no n.º 2 que “Se o executado tiver fundamento para se opor à execução, deve logo deduzi-la e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo”. Mais se adianta no artigo 875.º, n.º 1 que “O prazo é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias”, seguindo-se no n.º 2 que “Se o devedor não prestar o facto dentro do prazo, observa-se, sem prejuízo da segunda parte do n.º 1 do artigo anterior, o disposto nos artigos 868.º a 873.º, mas a citação prescrita no artigo 868.º é substituída por notificação e o executado só pode deduzir oposição à execução nos 20 dias posteriores, com fundamento na ilegalidade do pedido da prestação por outrem ou em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação a que se refere o artigo anterior e que, nos termos dos artigos 729.º e seguintes, seja motivo legítimo de oposição”.
Nesta conformidade, se o título executivo não estabelecer prazo para o cumprimento da prestação de facto positivo, a execução inicia-se com a fixação judicial do correspondente prazo prestacional. Para o efeito, o requerimento inicial deve indicar tal prazo, só podendo o credor exigir e o devedor realizar o correspondente cumprimento após a sua determinação. Só desde modo pode ter lugar o procedimento comum de execução coativa do direito à prestação de facto positivo cujo prazo de cumprimento não consta do título executivo.
Mais será de referir, de acordo com o disposto no artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil, que “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação” – o n.º 2 vem precisar que “A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente”. E de acordo com a jurisprudência, de que é exemplo o Ac. STJ de 18/nov./2004 (Cons. Custódio Montes, www.dgsi.pt), “A interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, 1 do CC, apenas pode ser efectuada após a verificação da mora e no condicionalismo que tal normativo impõe”. E esta previsão legal insere-se no domínio do não cumprimento, contida nos artigos 790.º a 816.º do Código Civil (secção II), estando a regulação da realização coactiva da prestação estabelecida a partir do artigo 817.º do Código Civil (secção III), segundo o qual “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”.
Daí que a mencionada decisão do tribunal arbitral quanto às alíneas b), c) e d) esteja dependente da fixação judicial de prazo para a sua execução coactiva, não existindo qualquer procedimento extrajudicial substitutivo, como foi invocado pela exequente/embargada. Mais será de referir, que a invocada interpelação admonitória extrajudicial é destituída de qualquer fundamento legal, porquanto a sua previsão legal não se insere no domínio do cumprimento coercivo da prestação, e é este que tem lugar no âmbito da execução da prestação de facto positivo. Não temos, por isso, qualquer censura a fazer à decisão recorrida, improcedendo o presente recurso.
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Na improcedência do recurso as suas custas ficam a cargo da recorrente – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela B…, Lda. e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas deste recurso a cargo da recorrente.

Notifique.
Porto, 11 de março de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço