Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2872/13.0T2OVR-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
ENCARREGADO DA VENDA
REMUNERAÇÃO
NÃO CONSUMAÇÃO DA VENDA
Nº do Documento: RP202306262872/13.0T2OVR.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Em ação executiva para pagamento de quantia certa, o encarregado da venda por negociação particular que durante quase cinco meses exerceu essas funções, obtendo uma proposta de compra do bem imóvel objeto de venda judicial de valor superior ao valor base tem direito a haver a remuneração prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, ainda que a venda não se venha a consumar por motivos que não lhe são imputáveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2872/13.0T2OVR-G.P1


Sumário do acórdão proferido no processo nº 2872/13.0T2OVR-G.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


1. Relatório
Nesta ação executiva sob forma comum, para pagamento de quantia certa, instaurada em 22 de agosto de 2013, nos Juízos de Execução de Ovar, Comarca de Aveiro, pelo Banco 1..., S.A. contra A..., S.A. em 29 de dezembro de 2020 a Sra. Agente de Execução proferiu decisão de extinção da ação executiva “por inutilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 849 nº1 alínea f) e art. 277º al. e) do C.P.C. em virtude da extinção do crédito exequendo por confusão nos termos do disposto no art. 868.º do CC”, sendo após isso apresentada nota discriminativa pela Sra. Agente de Execução.
Em 30 de dezembro de 2020, B..., S.A.R.L., na qualidade de credora reclamante, veio requerer a renovação da instância executiva.
Em 11 de julho de 2021 foi proferido o seguinte despacho[1]:
Reclamação da nota discriminativa elaborado pelo Agente de execução:
I – Em 15.04.2021, a Executada (agora Exequente) A..., S.A. apresentou reclamação da nota discriminativa elaborada, em 19.01.2021, pela Sr.ª Agente de Execução designada nos autos, contestando a retribuição do encarregado da venda.
A Sr.ª Agente de Execução contabilizou, naquela nota discriminativa, a quantia de €88.642,53 a título de retribuição do encarregado da venda.
A Executada (agora Exequente) questiona o cálculo daquela retribuição, alinhando, para tanto, os seguintes fundamentos:
- A execução tem o valor de €232.829,55;
- Não foi concretizada qualquer alienação pelo encarregado da venda tendo, dado que a Exequente obteve o pagamento por via de confusão (aquisição do crédito exequendo pela Executada mediante pagamento ao credor que daquele era titular, isso sem qualquer intervenção por parte do encarregado da venda);
- O encarregado da venda não exibe qualquer documento comprovativo das deslocações que alega ter efetuado e das cópias, antes amparando uma e outra quantificação em documentos por si próprio produzidos e que não permitem a mínima chance de sindicância;
- Não é feita menção ou detalhe de qualquer diligência concreta e documentada de promoção da venda por negociação particular que se frustrou nestes autos ou à prestação de qualquer outro serviço para lá do serviço administrativo e de consultor;
- O valor reclamado pelo encarregado da venda a título de remuneração (fora deslocações) exorbita largamente o limite fixado no dito número 6 do artigo 17º do RCP.
O encarregado da venda foi notificado para, no prazo de 10 dias, justificar o montante da sua retribuição (€88.642,53) e elaborar um relatório contendo, de forma especificada, cada diligência por si realizada no âmbito da venda.
Em resposta, o encarregado da venda referiu, entre o mais, que haviam sido previamente acordadas entre as partes na execução as condições de cálculo da sua remuneração, condições essas que lhe permitem exigir 5% sobre o valor da melhor proposta.
Foi notificada a Executada (agora Exequente) para que, no prazo de 10 dias, se pronunciasse sobre a existência de acordo sobre o cálculo da remuneração devida ao Encarregada da Venda.
Aquela parte respondeu, alegando que nunca celebrou qualquer acordo com o Encarregada da Venda relativamente às condições de cálculo da remuneração devida pela respetiva intervenção nos autos, nunca aceitou, seja enquanto executada seja enquanto exequente, que tal remuneração fosse diversa da que resulta do critério da Lei e outrossim não tem conhecimento de que tenha sido realizado, entre as demais partes na execução e aquela entidade, um acordo com essa finalidade.
Notificado daquela resposta, o encarregado da venda reconhece que a sociedade A..., S.A., nunca celebrou diretamente qualquer acordo com consigo relativamente às condições de cálculo da remuneração devida pela respetiva intervenção nos autos; mas alega que as respetivas condições de atuação do encarregado da venda foram remetidas e acertadas com a Exequente anterior e com o Agente de Execução, e sem qualquer objeção da, então, Executada, aquando da nomeação do encarregado da venda. Acresce que a agora Exequente assumiu a posição processual da Exequente anterior e, como tal sucedeu-lhe nessa posição.
II - Factos com relevo para apreciação do litígio:
a) Em 12.02.2014 foi lavrado auto de penhora relativo ao prédio urbano composto por armazém descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ...01, da freguesia ..., que se encontrava registada a favor da então Executada A..., S.A., penhora essa que se encontra registada mediante a Ap. ...97, de 19/12/2013;
b)Em 12.03.2014 foi lavrado auto de penhora relativo à fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º ...69, da freguesia ... e ..., com o valor patrimonial de €292.270,00, que se encontrava registada a favor da então Executada A..., S.A.; nesse auto de penhora, a referida A..., S.A. foi nomeada depositário daquele imóvel nos termos do disposto na al. a) do n.º1 do artigo 756.º do CPC; a penhora encontra-se registada mediante a Ap. ...86 de 2014/02/07;
c)Em 26.06.2015, realizou-se a diligência de abertura de propostas, encontrando-se à venda aqueles dois bens imóveis, e, por falta de proponentes, a venda prosseguiu na modalidade de negociação particular nos termos do disposto na al. d) do art. 832.º do CPC;
d) Por requerimento datado de 13.07.2015, o Exequente inicial “Banco 2..., S.A.”, tendo sido notificado para indicar Mediador Oficial para proceder à venda por negociação particular, veio aos autos indicar a sociedade “C...” com sede na Av. ..., ... Aveiro;
e) Em 06.11.2015, o Agente de Execução anuncia que aqueles dois bens imóveis se encontram à venda na modalidade de negociação particular;
f) Em 06.11.2015, o Agente de Execução notifica as partes, informando que “foi nesta data no âmbito da venda por negociação particular nomeada a sociedade "C..." com sede na Av. ... ... Aveiro, como encarregada de venda dos imóveis penhorados na presente execução.”;
g) Em 06.11.2015, o Agente de Execução dirige notificação à sociedade “C...”, com os seguintes dizeres: “Fica V.ª Exa. notificado que foi nomeado para encarregado de venda, para procederem à venda por negociação particular, dos imóveis constantes da verba 1 e 2 dos autos de penhora que se anexam, aí melhor identificados. Assim, e no âmbito das funções que lhe são conferidas, deverá proceder à venda num prazo que não deverá ultrapassar os sessenta dias. Importa referir, que o valor base dos imóveis é o seguinte: - O bem Imóvel constante do Auto de Penhora elaborado em 2014-02-12, correspondente a: Valor base do bem penhorado proposto: 1.667,000,00€ (um milhão e seiscentos e sessenta e sete euros); Valor a anunciar para venda proposto: 1.416,950,00€ (um milhão e quatrocentos e dezasseis euros e novecentos e cinquenta euros), correspondente a 85% do valor base do bem. - O bem Imóvel constante do Auto de Penhora elaborado em 2014-03-12, correspondente a: Valor base do bem penhorado proposto: 321.500,00€ (trezentos e vinte e um mil e quinhentos euros); Valor a anunciar para venda proposto: 273.275,00€ (duzentos e setenta e três mil e duzentos e setenta e cinco euros), correspondente a 85% do valor base do bem. Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com os melhores cumprimentos”;
h) Em 02.02.2016, o Agente de Execução notifica às partes as propostas de compra obtidas pela encarregada de venda referente aos bens imóveis penhorados: € 90.000,00 para a fracção autónoma designada pela letra “A”; e € 850.000,00 para o armazém;
i) Em 02.03.2016, o Agente de Execução notifica às partes as propostas de compra obtidas pela encarregada de venda referente aos bens imóveis penhorados: €102.000,00 para a fração autónoma designada pela letra “A”; e €910.000,00 para o armazém;
j) Em 08.04.2016, o Agente de Execução notifica às partes a proposta de compra obtida pela encarregada de venda referente à fração autónoma designada pela letra “A”: €160.000,00;
k)Em 22.04.2016, o Agente de Execução notifica às partes as propostas de compra obtidas pela encarregada de venda referente aos bens imóveis penhorados: €186.000,00 para a fração autónoma designada pela letra “A”; e €1.100.000,00 para o armazém;
l) Em 28.06.2016, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que a executada aceita a venda do prédio ...69... pelo preço de €186.000, autorizo a venda por este preço. Quanto aos demais prédios em venda, considero oportuno que se realize uma perícia de avaliação como forma de evitar a situação de impasse a que se chegou. No entanto, como os encargos dessa perícia será a cargo da sociedade executada, nos termos do art. 532.º, n.º 2, 2.ª parte, do nCPC, notifique esta executada para que esclareça se pretende a realização da perícia de todas ou só de algumas das verbas.”;
m) A executada A..., S.A., por requerimento datado de 31-08-2016, veio no ponto 10 afirmar que não se opõe à realização de uma perícia ao imóvel no qual se encontra instalada a sede da executada, constante do auto de penhora lavrado em 2014-02-12 e que corresponde ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...01 da freguesia ..., concelho de Aveiro, indicando no ponto 11 o Sr. AA como Perito avaliador para o efeito;
n) Em 30.08.2017, a "C..." junta requerimento comunicando que a proposta de €1.100.000,00 para o armazém está na iminência e desistir;
o) Em 10.10.2017 é nomeado perito avaliador do armazém;
p) Em 04.01.2018 é junto aos autos o relatório pericial;
q) Em 19.02.2018, é proferido despacho que determina que a proposta a apresentar no âmbito da negociação particular para venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º ...24, da freguesia ..., não deve ser inferior a €1.339.500,00;
r) Em 28.09.2020, a encarregada da venda junta aos autos uma proposta para o armazém, no valor de €1.339.500,00;
s) Em 13.10.2020 e em 21.10.2020, a sociedade “D..., S.A.” apresentou propostas nos autos para a aquisição do armazém, sendo a última pelo valor de €1.350.000,00;
t)Por força do contrato de cessão de créditos celebrado, em 22.07.2020, entre a sociedade E..., S.A., com o número único ...52, na qualidade de exequente inicial, e a Executada A..., S.A., a primeira transmitiu à segunda, que o adquiriu, o crédito exequendo, pelo preço de €74.000,00 (cf. ref.ª Citius 10725630 de 01/11/2020, e designadamente as cláusulas 1.ª e 2.ª daquele contrato);
u) Em 03.11.2020, a encarregada da venda junta aos autos mais duas propostas: uma no valor de €1.361.000,00; e outra no valor de €1.425.000,00.
III – Dispõe o art. 17.º n.º 1 do RCP que “As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, “A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por força deste último preceito legal, pode-se, desde já, concluir que é irrelevante para a situação dos autos que o encarregado da venda tivesse apresentado ao Agente de Execução, no momento em que foi nomeado, as condições para a sua intervenção nos autos, nos ternos que resultam do documento junto em anexo ao requerimento apresentando pelo Agente de Execução em 19.01.2021.
Com efeito, não sendo a venda executiva, ainda que extrajudicial, uma venda privada, nem todo regime jurídico para esta previsto se aplica àquela, nomeadamente, para o que aqui interessa, no que se refere à remuneração do encarregado da venda, relativamente à qual o n.º 2 do art. 17.º do RCP é expresso quanto à sua natureza imperativa. Isto significa que, não obstante a remuneração seja fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, esse valor deve conter-se dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem (cf. n.º 4 do art. 17.º).
Assim sendo, o que se tem de aplicar ao caso sub judico é o critério geral estabelecido pelo n.º 3 do art. 17.º do RCP, segundo o qual a remuneração é fixada tendo em consideração, nomeadamente, o tipo de serviço e os usos do mercado, em função do serviço ou deslocação.
Uma vez que está em causa a remuneração do encarregado da venda, cumpre aplicar posteriormente o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, nos termos do qual “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.”
No entanto, a aplicação da percentagem até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos pressupõe que o ato da venda se concretize, dado que a racionalidade da norma pressupõe e exige que exista conexão entre o exercício das funções de encarregado da venda e o pagamento do credor; quer dizer: se aquela percentagem corresponde a um incentivo para que o ato da venda tenha lugar, naturalmente que esse incentivo não se pode aplicar caso o ato da venda não se concretize, ainda que por motivo não imputável ao encarregado da venda, pois nessa situação a obtenção da satisfação do crédito, a existir, não será devido à atuação daquela entidade.
Assim sendo, parece dever entender-se que o argumento teleológico pressupõe que o ato da venda tenha êxito, total ou parcialmente, para que seja devida ao encarregado da venda a remuneração adicional prevista no n.º 6 do art. 17.º do RCP.
No caso sub judicio, as partes na execução celebraram, em 22.07.2020, contrato de cessão de créditos, tendo a Executada A..., S.A., adquirido, por virtude desse mesmo contrato, o crédito exequendo, pelo preço de €74.000,00 (cf. ref.ª Citius 10725630 de 01/11/2020, e designadamente as cláusulas 1.ª e 2.ª daquele contrato).
Em consequência, tornou-se inútil o ato de venda por negociação particular, que não se
consumou.
À vista disso, decide-se pela não atribuição ao encarregado da venda da remuneração prevista no n.º 6 do art. 17.º do RCP.
Vejamos, agora, quais os valores que lhe devem ser pagos em função do serviço concretamente prestado.
No que se refere a este item, e de acordo com a matéria de facto provada, o encarregado da venda diligenciou, durante cerca de 5 anos, pela obtenção de propostas, tendo apresentado nos autos sete propostas; suportou despesas de economato que computa no valor de €213,60 e €31,50, bem como de análise e estudo do processo que computa no valor de €733,60; além disso, efetuou deslocações cujo valor reclamado é de €52,00.
Alguns destes valores não estão documentados no processo, mas considera-se serem adequados à informação que resulta do histórico eletrónico, são compatíveis com o que é expectável em função dessa mesma informação e não ultrapassam os valores previstos na tabela iv anexa ao RCP.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, fixo a remuneração do encarregado da venda no montante de €1.031,00.
Notifique.
Em 01 de outubro de 2021, C.... interpôs recurso de apelação da decisão proferida em 11 de julho de 2021, recurso que por despacho proferido em 08 de novembro de 2021 não foi admitido com fundamento em intempestividade, decisão que foi objeto de reclamação e que por decisão singular proferida em 16 de dezembro de 2021 foi confirmada, a qual, por sua vez, foi objeto de reclamação para a conferência sendo confirmada por acórdão proferido em 22 de fevereiro de 2022.
Em 15 de março de 2022, a Sra. Agente de Execução foi notificada para tomar posição sobre o requerimento para renovação da instância executiva apresentado em 30 de dezembro de 2020, tendo em 02 de maio de 2022 proferido decisão de renovação da instância executiva, notificando na mesma data a C.... para prosseguir “com as diligências de venda do imóvel constante do auto de penhora de 2014.02.12, com a maior brevidade possível.
Em 01 de junho de 2022, no âmbito do incidente de habilitação de cessionário que constitui o apenso E da ação executiva de que estes autos foram extraídos, foi proferido despacho a decretar a suspensão da instância nesse incidente e bem assim na ação executiva de que constitui apenso pelo prazo de trinta dias, suspensão que por despacho proferido em 30 de junho de 2022 foi prorrogada por mais vinte dias, decisões que não foram notificadas nem à Sra. Agente de Execução, nem ao Sr. Advogado que patrocina a ora recorrente.
Em 16 de agosto de 2022, foi junta à ação executiva documento da encarregada da venda datado de 12 de agosto de 2022 e no qual informava ter comunicado à Sra. Agente de Execução a obtenção de uma proposta de aquisição da verba nº 1 no montante de €1.530.000,00, tendo a Sra. Agente de Execução em 06 de setembro de 2022 notificado os diversos intervenientes para, querendo, em dez dias se pronunciarem e que findo o aludido prazo, dado que a proposta obtida supera o valor mínimo fixado para a venda, serão encetadas as diligências necessárias para a transmissão do imóvel ao proponente.
Entretanto, em 04 de outubro de 2022, no já referido apenso E foi proferida sentença homologatória de transação outorgada entre a sucessora da credora reclamante que requereu a renovação da instância executiva e a executada.
Em 21 de outubro de 2022, a Sra. Agente de Execução apresentou nota discriminativa de honorários e despesas, incluindo na mesma a remuneração à Sra. Encarregada da Venda, C... no montante de €76.500,00, acrescida de IVA, tudo no total de €94.095,00, tendo a executada reclamado contra tal nota discriminativa.
Em 21 de novembro de 2022 foi proferido o seguinte despacho[2]:
Requerimentos de 21/10/2022 e 21/11/2022 apresentados pela Encarregada da Venda C..., S.A.:
No que se refere à remuneração da C..., S.A., já existe decisão judicial que aprecia com carácter de definitividade a questão da atribuição de remuneração percentual à Encarregada da Venda, que é o despacho proferido a 11/07/2021, que não foi revogado pela Relação do Porto.
Por conseguinte, por força do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, previsto no art. 613.º, n.º 1 do CPC, e do caso julgado, a que se refere o art. 619.º, n.º 1 do mesmo Código, nada mais se determina, devendo ser cumprido o despacho de 11/07/2021.
Falta, agora, apreciar as diligências e despesas ocorridas após aquele despacho.
A diligência efetuada pela Encarregada da Venda foi ter conseguido obter a apresentação de uma proposta pelo preço de € 1.530.000,00, com data de 12/08/2022.
Essa proposta refere-se ao seguinte imóvel: prédio urbano composto por armazém amplo e bloco administrativo de rés do chão e primeiro andar, com área total de 7300 m2, sendo 3100 m2 de área coberta e 4200 de área descoberta, com valor patrimonial de 112.890,00 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ...01, da freguesia ..., inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo ...58, penhorado à ordem dos presentes autos sob a Ap. ...97 de 2013/12/19 (verba 1 do auto de penhora).
A venda executiva não foi realizada, tendo em conta a transação alcançada[3], no âmbito do apenso E, entre a sociedade D... S.A., cessionária do crédito reclamado no apenso A por Banco 3..., S.A. (garantido pelas hipotecas registadas sob as Ap. ... de 2001/09/18 e Ap. ... de 2007/12/12), e a sociedade executada, acordo esse que abrange o destino daquele imóvel penhorado, tendo sido entregue àquela credora.
O que se discute é, mais uma vez, saber se o encarregado da venda tem direito à remuneração percentual prevista no Regulamento das Custas Processuais (cf. art. 17.º) no caso de a venda executiva não se realizar.
Dispõe o art. 17.º n.º 1 do RCP que “As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, “A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por força deste último preceito legal, há que entender que é irrelevante para a situação dos autos que o encarregado da venda tivesse apresentado, no momento em que foi nomeado, as condições para a sua intervenção nos autos.
Com efeito, não sendo a venda executiva, ainda que extrajudicial, uma venda privada, nem todo regime jurídico para esta previsto se aplica àquela, nomeadamente, para o que aqui interessa, no que se refere à remuneração do encarregado da venda, relativamente à qual o n.º 2 do art. 17.º do RCP é expresso quanto à sua natureza imperativa. Isto significa que, não obstante a remuneração seja fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, esse valor deve conter-se dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem (cf. n.º 4 do art. 17.º).
Assim sendo, o que se tem de aplicar ao caso sub judico é o critério geral estabelecido pelo n.º 3 do art. 17.º do RCP, segundo o qual a remuneração é fixada tendo em consideração, nomeadamente, o tipo de serviço e os usos do mercado, em função do serviço ou deslocação.
Uma vez que está em causa a remuneração do encarregado da venda, cumpre aplicar posteriormente o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, nos termos do qual “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.”
No entanto, a aplicação da percentagem até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos pressupõe que o ato da venda se concretize, dado que a racionalidade da norma pressupõe e exige que exista conexão entre o exercício das funções de encarregado da venda e o pagamento do credor.
Com efeito, aquela percentagem corresponde a um incentivo para que o ato da venda tenha lugar; esse incentivo não se pode aplicar caso o ato da venda não se concretize, ainda que por motivo não imputável ao encarregado da venda, pois a obtenção da satisfação do crédito não ocorreu em virtude da venda executiva.
Assim sendo, parece dever entender-se que o argumento teleológico pressupõe que o ato da venda tenha êxito, total ou parcialmente, em resultado da atividade do encarregado da venda para que a este seja devida a remuneração adicional prevista no n.º 6 do art. 17.º do RCP.
No caso sub judicio, as partes na execução celebraram, em 22.07.2020, contrato de cessão de créditos, tendo a Executada A..., S.A., adquirido, por virtude desse mesmo contrato, o crédito exequendo, pelo preço de € 74.000,00 (cf. ref.ª Citius 10725630 de 01/11/2020, e designadamente as cláusulas 1.ª e 2.ª daquele contrato).
Por sua vez, no âmbito do apenso E, foi alcançada transação entre a sociedade D... S.A., cessionária do crédito reclamado no apenso A por Banco 3..., S.A. (garantido pelas hipotecas registadas sob as Ap. ... de 2001/09/18 e Ap. ... de 2007/12/12), e a sociedade executada, acordo esse que abrange o destino daquele imóvel penhorado, tendo sido entregue àquela credora.
Em consequência, tornou-se inútil o ato de venda por negociação particular, que não se consumou.
À vista disso, decide-se pela não atribuição ao encarregado da venda da remuneração prevista no n.º 6 do art. 17.º do RCP.
Vejamos, agora, quais os valores que lhe devem ser pagos em função do serviço concretamente prestado.
No que se refere a este item, deverá a Encarregada da Venda indicar as despesas por si suportadas (incluindo os km percorridos), mas apenas relativamente à angariação da proposta apresentada em 12/08/2022, no valor de €1.530.000,00.
Assim sendo, notifique a Encarregada da Venda para, no prazo de 10 dias, indicar as despesas por si suportadas e outras remunerações a que tenha direito, como o pagamento dos km percorridos relativamente à angariação da proposta apresentada em 12/08/2022.
Notifique.
Em 12 de dezembro de 2022, em expediente datado de 09 de dezembro de 2022, C.... requereu o seguinte:
A C..., SA., Encarregada de Venda Judicial nomeada nos autos à margem referenciados, em conformidade com o por V/ Ex.ª solicitado, vem pelo presente, indicar os custos/despesas resultantes das diligências levadas a cabo no âmbito da nomeação desta Entidade, em conformidade com o despacho com a referência 124191818, no que concerne ao processo em epígrafe mencionado:
No que concerne à alínea a):
(Em conformidade com os artigos 529º/1 e 3, 532º/2 e para efeitos do artigo 533º/2 b) e 3, todos do Código de Processo Civil)
- Serviço Administrativo – 2h00 de serviço administrativo, que a €40,00 por hora, perfaz o total de €80,00;
Este serviço corresponde à tramitação administrativa do processo, nomeadamente, as diversas comunicações trocadas com as mais diversas partes processuais, a elaboração de relatório, propostas e demais inerentes.
- Serviço de Consultor – 6h00 de serviço de consultor, que a €40,00 por hora, perfaz o total de €240,00;
Este valor diz respeito ao tempo despendido pelos consultores desta Encarregada de Venda Judicial aquando das deslocações junto do imóvel penhorado com visitas, a deslocações a Albufeira para diligências em reuniões com o Proponente entre outras com objetivo de tratamento do processo de venda.
Total: €320
Já no que concerne à alínea b):
(De acordo com o artigo 17º/6 do Regulamento de Custas Processuais e tabela IV anexa)
1ª Deslocação – 15/06/2022 (Albufeira reunião com Proponente)
2ª Deslocação – 19/07/2022 (Imóvel Penhorado)
3ª Deslocação – 02/08/2022 (Imóvel Penhorado)
Em cada diligência com visitas ao imóvel penhorados foram percorridos 12,80.Kms (ida e volta dos escritórios desta EVJ, sitos em Aveiro, até à morada do imóvel penhorado), o que, a €0,40 por Km, perfaz o total de €5,12 por cada deslocação efetuada, o que perfaz o total de 10,24€, sendo que acresce ainda a deslocação para a diligencia com o proponente, nomeadamente os 1040Kms (ida e volta dos escritórios desta EVJ, sitos em Aveiro e o local da reunião com o proponente em Albufeira) o que, a €0,40 por Km, perfaz o total de €416,00 acrescido do valor das portagens, valor calculado através do artigo anteriormente referido do RCP.
A este valor acresce, a título de portagens, no montante de €74,67, sendo que o valor global da diligência é de €490,67.
Total: €500,91
Em relação à alínea c):
40 Cópias que a 0,15€ a unidade, resulta num total de €6,00.
Todos os valores aqui apresentados são unicamente resultado das despesas respeitantes às diligencias encetadas para a angariação da proposta no valor de €1.530.000,00, que resultam num valor final de €826,91, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor, perfazendo assim um total de €1.017,10.
Face ao exposto, REQUER a V. Ex.a,
Se digne comunicar junto aos autos do processo, para ser determinado e/ou ordenado o que entender por mais conveniente.
Em 14 de dezembro de 2022, inconformada com a decisão que precede, C.... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – O despacho recorrido viola as obrigações contratuais advenientes de contrato celebrado entre os intervenientes processuais/autos e a Encarregada de Venda e as regras afectas à responsabilidade civil contratual. Aliás do próprio art. 833º do CPC decorre que “Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar.”.
II – O despacho recorrido viola o previsto no art. 833º do CPC e 17º/6 do RCJ.
III – A Encarregada de Venda foi devidamente contratada para o exercício das suas funções nos moldes contratualmente previstos e legalmente sustentados, vide: A EVJ foi assim designada em 06.11.2015 para estes autos e para efeitos de venda dos imóveis penhorados, no âmbito das competências legais conferidas ao Sr. Agente de Execução e com indicação do exequente e concordância de demais intervenientes (e falamos da actual exequente e não outra, por assunção de posição processual com direitos e obrigações inerentes), e audição sem oposição da executada, sob as condições previamente comunicadas e apreciadas, já conhecidas dos autos, e como tal aceites, na medida em que a designação vem inclusive impelidada de despacho proferido para efeitos de promoção de venda.
Tudo assim sob as respectivas condições conhecidas e acordadas no âmbito das respectivas competências e liberdade.
IV – Veio a Agente de Execução, por determinação judicial, à data de 02/05/2022, notificar a C... para, enquanto Encarregada de Venda, prosseguir com as diligencias de venda - “Ficam V. Exas notificados para prosseguirem com as diligências de venda do imóvel constante do auto de penhora de 2014.02.12, com a maior brevidade possível.”.
Sublinhando a notificação da Sr.ª Agente de Execução no ponto em que pede tratamento com a maior brevidade possível, esta Entidade conseguiu apresentar uma proposta de 1.530.000,00€ com data de 12/08/2022, ou seja proposta esta que conseguia almejar valores superiores ao valor de venda anunciado de 1.339.500,00€ de acordo com o indicado pela Sr.ª Agente de Execução e conforme despacho do Meritíssimo Juiz de 19/02/2018 com a referência 100695441, também comunicado pela Sr.ª Agente de Execução a 16/02/2022.
Não se olvidando que sob alçada da nova designação da EVJ, intervenção, noutros moldes e sob díspares circunstâncias processuais, detinha o valor de acção, correspectivo ao crédito exequendo de 2.213.669,84€.
V - Conforme jurisprudência diversa, de que se aduz apenas em exemplo o Acórdão do TRL de 03-12-2009 – “Na venda por negociação, sub-espécie da venda extrajudicial, o encarregado da venda é equiparado ao “mandatário” –art.º 905.º do CPC; A sua actuação pautar-se-á pelas regras do contrato de mandato civil, assim se justificando a sujeição da actuação do encarregado da venda às regras do mandato; No caso particular das vendas em processo executivo, o encarregado da venda actua mandatado pelo tribunal“.
V - Posto isto, o contrato de mandato desde logo nos termos da Lei presume-se oneroso e competindo só ao mandatado. A actividade da Encarregada de Venda é uma actividade de meios e não de resultados, e só assim pode ser compreendida sob pena desta inúmeras vezes se descapitalizar e despender recursos, vendo o objecto do seu trabalho invariavelmente postergado por acordo entre as partes ou até por remição, ou mesmo adjudicação dos próprios credores. Ou seja, quer os autos, o Tribunal, Agente de Execução, credores, etc… beneficiavam e enriqueciam sem causa no que concerne ao trabalho alocado e recursos desenvolvidos pela Encarregada de Venda.
VI - Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda,
VII - A este propósito e a título de exemplo do quanto vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência enuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2019 in DGSI, quando expressa em resposta especifica à questão única a decidir que “consiste em saber se o encarregado da venda tem direito a receber a remuneração devida pela atividade que desenvolveu, apesar de não ter procedida à venda do bem penhorado.”.
“A resposta à questão colocada prende-se com a interpretação e aplicação do n.º1 do art.º 17.º do regulamento das Custas Processuais. O recorrente entende que estando prevista proposta de venda, o recebimento de 5% do valor da venda não é devido à encarregada da venda quando esta não procede a qualquer venda, sob pena de violação do nº 1 do artigo 17º do Regulamento das Custas. Em sentido oposto entendeu a decisão recorrida, considerando-se que “apesar de não ter sido concretizada a venda, a encarregada da venda tem direito a receber a remuneração devida pelo labor desenvolvido tendo em vista a venda, não podendo ignorar-se que a mesma deslocou-se ao local, elaborou uma brochura que divulgou na sua plataforma eletrónica e enviou a mesma para a sua carteira de clientes, realizando outras diligências e obtendo um total de 16 propostas”. Ora, é evidente que não podemos deixar de acompanhar a interpretação seguida pelo tribunal a quo. Com efeito, sob a epígrafe “Remunerações fixas”, reza, na parte que aqui importa, os n.ºs 1 e 6 do art.º 17.º do Regulamento das Custas Processuais: 1 – As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento. 6 – Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
Assim, resulta expressamente deste preceito legal que a entidade encarregada da venda (excluindo o agente de execução, pese embora este possa, ao abrigo do n.º2 do art.º 833.º, do CPC, ser encarregado da venda por negociação particular) recebe a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na Tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal – n.º 6 do artigo 17.º do RCP.
Donde, resulta do seu n.º6 o critério a observar na quantificação dessa remuneração.
Na verdade, enquanto o seu n.º1 estabelece a regra geral de que o encarregado da venda (entre outros), que colabore em diligências processuais, tem direito à remuneração prevista no Regulamento das Custas processuais, o seu n.º6 fixa os critérios que deve presidir à fixação em concreto dessa remuneração, em particular quando a taxa seja variável, como no caso concreto, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais anotado”, 2013, 5.ª ed., Almedina, p. 286, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros”.
Esta retribuição integra o conceito legal de encargos do processo, como decorre da alínea h) do n.º1 do art.º 16.º do R. C. Processuais, e entra na conta de custas da parte, são imputados na conta de custas da parte ou partes responsáveis por custas, na proporção da condenação – seu art.º 24.º.
Entender-se de outro modo, como defende o recorrente, a encarregada da venda, apesar das diligências efetuadas e encargos suportadas com vista á realização da venda não teria qualquer direito a remuneração sempre que a venda não chegasse a efetivar-se, o que seria totalmente inadmissível, violando-se, desde logo, o princípio geral previsto n.º 1 do citado art.º 17.º, ao prever a remuneração para quem coadjuve em qualquer diligência, independentemente do seu resultado, entenda-se.
Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
A sociedade nomeada, na execução, encarregada da venda, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor do processo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do art.º 17.º do Regulamento das Custas processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado”.
VIII- Face à actividade incumbida, desenvolvida e prestada, no decurso de mandato directo e exclusivo para o acto, por conta e em nome de intervenientes, de acordo com a designação havida, deverá a EVJ ser devidamente ressarcida, em Justiça e respeito pelas funções que com profissionalismo e dignidade exerceu, nos exactos termos em que o veio requerer, nos termos do contrato de mandato e da Lei e usos, aqui incluindo a remuneração percentual prevista.
IX - De facto, como conhecido de todos proveu actividade conforme expresso nas informações prestadas aos autos pelo AE (mais ou menos detalhadas e totalmente alheias a esta), sendo que para além de diversos contactos directos com potenciais interessados e parceiros (presenciais e telefónicos), dirigiu-se com os seus respectivos meios ao imóvel e junto de potenciais interessados, levando a cabo os actos procedimentais atinentes e comunicados, para consultoria, avaliação e estudo de mercado tendo em vista a potenciação do imóvel no mercado e a venda.
X - Identificando o bem sem fácil colaboração e operando a sua especificação e registo fotográfico, de modo a sendo caso prover ao Sr. AE e por via deste aos autos meios que serviriam aliás para eventuais diligências, propostas e ponderações processuais futuras de todas as partes (como o foi nas diversas propostas obtidas),
XI - Sendo amiúde verificável que as deslocações e promoção de publicidade e/ou contactos, implicam tempo de consultor/promotor, e despesas com viatura própria, de ida e respectiva volta, que contendem assim com encargos com viatura (categoria 2), gasóleo, portagens e recursos humanos, para além dos respectivos honorários a prover de acordo com período temporal e carga horária adstrita quanto ao desenvolvimento e acompanhamento processual e administrativo.
XII - No demais dirá que a natureza da actividade e as regras da experiência permitem aferir que a mesma não poderá ser desenvolvida sem uso de meios humanos, papel e caneta, impressões e cópias, comunicações telefónicas e ou outras, e recurso a meios informáticos e internet, e as consequentes despesas que tal contende sem prejuízo da difícil comprovação nominada, mas por serem levadas a cabo a favor e por conta do processo e parte deverão ser consideradas nos termos gerais.
XIII - Ora, a Encarregada de Venda não só procedeu a inúmeras diligências de índole de assessoria processual, como almejou o resultado de uma perspectivada venda (vide proposta carreada), auxiliando à percepção de condições mais favoráveis às partes com a potencial negociação que operaram (ao invés de aguardar de desfecho de venda face a propostas obtidas pela EVJ).
XIV - Pelo que é inusitado e leviano dizer que a sua actividade não haja auxiliado e conduzido à ponderação e resultado havido.
XV - E apenas aquando conhecimento desta EVJ de suspensão dos autos e existência de transacção, foi requerido ressarcimento, com 5% do valor da proposta superior almejada, que excede o valor mínimo estabelecido (o que nada condiciona ou compromete o sucesso e o trabalho desenvolvido pela Encarregada de Venda).
XVI - Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda – vide o dispositivo legal que é claro.
XVII - O artigo 17º/6 do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
XVIII - Isto é, resulta a sapiência que, díspar àquela fixação, a título remuneratório deverá ser fixada pelo tribunal quantia “até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior”.
XIX - Resulta ainda do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa ou dos bens administrados, se este for inferior. Sendo no caso concreto as partes e os autos conhecedores para efeitos de pretensão de designação desta EVJ, de condicionante contratual aquando da adjudicação do mandato do ressarcimento pré-determinado a 5% acrescido de IVA.
XX - Não é nem seria lógico que a Encarregada de Venda exercesse actividade profissional gratuitamente, adiantando inclusivamente despesas para exercer tal actividade de forma indefinida no tempo, despesas estas que, quiçá, poderia nem sequer ver devidamente tidas como verificadas e aceites nos autos…!
XXI - E assim se compreende porque a Encarregada de Venda Judicial tem uma natureza em similitude legal a liquidatário/administrador, e não é equiparável a uma qualquer agência imobiliária/mediador só pago com a venda, na medida em que não é, de todo, a sua actuação processual circunscrita às tarefas por aquelas desenvolvidas, competindo-lhe para além da promoção no mercado, uma vasta panóplia de procedimentos processuais e perante as partes, em respeito da Lei, ao que ademais é desde logo exemplo as exigências adstritas ao respectivo alvará de actividade.
XXII - Dirá ainda como é de conhecimento de experiência comum, que nenhuma empresa do ramo de mediação de venda actual, com algum sustento no mercado, fixa comissão abaixo de 5% + IVA em regime de exclusividade, sendo que, nem comummente, uma qualquer outra cobra abaixo de 3% + IVA, reiterando que as exigências atinentes à actividade de Encarregada de Venda (desde logo a nível de normas legais, requisitos e seguro adstrito), e a sua actuação e natureza de funções vão muito além das singelamente tipificadas àquelas (confusão comummente feita), tendo ainda em conta a reputação e respeito granjeado pela aqui Encarregada de Venda.
XXIII – A nota de honorários apresentada foi-o nos termos do Regulamento de Custas Processuais e para efeitos do seu artigo 17º/6, não olvidando, para o quanto a fixar naqueles moldes, as condições pré-configuradas, ao abrigo da sua liberdade negocial e de designação, no que concerne à respectiva nomeação enquanto EVJ, i.é, a fixação de 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados.
XXIV - Ocorrendo adjudicação ou resolução da pendência entre exequente e executado, certo é que a mesma o foi sobre égide, tratamento processual da Encarregada de Venda, considerando-se aliás, se não foi precisamente pelo resultado de potenciação no mercado promovido pela Encarregada de Venda que tal tenha sido almejado.
XXV - Tendo-o sido seguramente porque a existência da Encarregada de Venda e pressão adveniente junto das partes com a previsibilidade de venda, em face nomedamente da proposta bem superior ao preço minimo para tal, conseguiu na realidade prática e vivencial que fossem almejadas as condições adequadas a tanto.
XXVI - E neste caso o valor apresentado a cobrança consolida o desiderato de uma prévia definição, ao abrigo da liberdade contratual, cujos contornos, aqui incluindo o ressarcimento, moldes e percentagens, foram entre as partes e Tribunal pré-conhecidos, e como tal, em boa fé e lisura que sempre terá de existir também perante a EVJ, assumidos.
XXVII - Ora, o valor da causa é definido pelo somatório do crédito exequendo inicial com os demais créditos reconhecidos e a serem pagos no respectivo processo pelo produto dos bens penhorados e em venda, e que é superior a 2.213.669,84€., sendo que os bens administrados para venda o foram no valor base inicial fixado pelo próprio Tribunal de 1.339.500,00€, tendo sido obtida proposta que conseguia almejar valores superiores ao valor de venda anunciado, no valor de 1.530.000,00€.
XXVIII - Acresce que a EVJ, como decorre dos autos, logrou a apresentação de várias propostas de aquisição ao longo do tempo, administrando a sua promoção no mercado em prol do respectivo processo e todos os credores. Como resultado destas diligências, esta EVJ submeteu, junto aos autos do processo, diversas propostas, conforme relatório, e nomeadamente no que contende com o crédito e designação ora em apreço, sendo a mais elevada quanto no valor de 1.530.000,00€.
XXIX - Atendendo a tal, o resultado conseguido por esta Entidade seguramente impeliu e permitiu a prossecução da transacção que acabou por fazer confluir os interesses de executada e exequente, estas que se viram satisfeitas pela definição dos seus intuitos, seja por ressarcimento, seja por redução de responsabilidade de pagamento de valor do crédito.
XXX - É inusitado e leviano dizer que por não ter procedido a venda efectiva (note-se que não por resultado de actividade, mas por contingências das partes e processuais) a sua actividade não haja auxiliado e conduzido à ponderação e resultado havido, e desonesto intelectualmente não considerar a sua remuneração para efeitos do art. 17º/6 do RCP.
XXXI - E apenas foi requerido o ressarcimento com base nas prévias condições conhecidas em base da sua designação enquanto EVJ e legalmente previstos 5% do valor da melhor proposta obtida (o que nada condiciona ou compromete o sucesso e o trabalho desenvolvido pela Encarregada de Venda, sendo a percentagem a contratualmente estabelecida ab initio entre as partes em questão, e nessa medida sob a sua liberdade, em respeito ao próprio art. 17º do RCP).
XXXII - Requer assim em acrescento material a exigível apreciação e fixação de remuneração fixa nos termos e para efeitos do art. 17º/6 do RCJ, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação, tudo o quanto a ser imputado nos termos definidos em custas, e sendo caso adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ, pois que a sua designação o foi ao abrigo de determinação judicial.
XXXIII - Foi a Encarregada de Venda que foi contactada para o exercício da sua actividade, não foi esta que coagiu a sua contratação! Foram as partes que aceitaram tacitamente as condições para o exercício da actividade da EVJ de acordo com a respectiva liberdade, não foi esta que coagiu a tanto!
XXXIV - Não é colocado em causa o conhecimento das condições da Encarregada de Venda nem quanto à legalidade da sua nomeação, actividade e intervenção, e não é despiciente a aceitação às mesmas, pois que se assim não fosse a EVJ não aceitaria a sua nova designação.
XXXV - E não pode, com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a Quo, substituir-se ora a tal, se, os próprios autos, em despacho e previamente conhecedor das condições, se vincularam a tanto, a que as partes tacitamente se determinaram, nos limites definidos e balizados e em respeito do critério geral estabelecido no art. 17º/2, 3, 4 e 6 do RCP.
XXXVI - Não se limita a actuação da EVJ no que concerne tout court à venda de bens, (aliás, nem maioritariamente a tal, do que é exemplo a resolução directa e in loco de toda a panóplia de problemas e impedimentos providos as quantas das vezes pelos executados e pessoas a si ligadas, do quanto AE e exequente se libertam), encontrando-se o Encarregado de Venda investido de poderes de mandato compete-lhe em exclusivo a responsabilidade de gestão do processo de venda, independentemente de um potencial adquirente advir directamente de si, de terceiro ou de adjudicação (ou como no caso negociação directa entre executado e exequente).
XXXVII - Ocorrendo adjudicação ou resolução da pendência entre exequente e executados, certo é que a mesma o foi sobre égide, tratamento processual da Encarregada de Venda, considerando-se aliás, se não foi precisamente pelo resultado de potenciação no mercado promovido pela Encarregada de Venda que tal tenha sido almejado. Tendo-o sido seguramente porque a existência da Encarregada de Venda e pressão adveniente junto da executada para visita ao imóvel (amiúde não colaborante), e proposta superior ao mínimo determinado, conseguiu na realidade prática e vivencial que fossem almejadas as condições adequadas a tanto.
XXXVIII - Pelo que face à actividade incumbida, desenvolvida e prestada, no decurso de mandato directo e exclusivo para o acto, com resultado final de acordo com os fins visados pelos intervenientes, deverá a Encarregada de Venda ser devidamente ressarcida, em Justiça e respeitos pelas funções que com profissionalismo e dignidade exerceu, nos exactos termos em que o veio requerer, nos termos do tácito contrato estabelecido, de mandato (conferido pela nomeação) e da Lei, designadamente do RCP.
XXXIX - As condições invocadas na sua nota de honorários e despesas são assim as iniciais cabalmente conhecidas de todos aqueles, por similitude a demais Encarregados de Venda, e ademais do Tribunal, do próprio Agente de Execução, e inclusivamente dos usos gerais.
XL - Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda.
XLI - Recorda-se que o artigo 17º/6 do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
XLII – Resulta assim do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa, ou dos bens administrados, ou melhor proposta obtida, se este for inferior (como foi o caso),
XLIII - Sendo em caso a contender 5% do valor da proposta de 1.530.000,00€, a que acresce IVA em vigor.
XLIV - Impõe-se deferimento da exigível remuneração percentual fixa nos termos e para efeitos do art. 17º/6 do RCJ, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo, tudo o quanto a ser adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ, ainda que imputável ou não a terceiros em termos de custas para o quanto é alheia a EVJ.
XLV - Espera mui respeitosamente, em respeito e dignificação da actividade profissional da Encarregada de Venda - e exigível moralização, na medida em que em diversos autos é desejado perpassar a execução de actos tendencialmente desagradáveis e respectivos custos a terceiros, tentando posteriormente não os suportar - o deferimento equitativo quanto a nota de despesas e honorários, sem reparo.
XLVI – É alheia a EVJ ao quanto haja sido negociado entre exequente e executada, todavia não pode no entanto, em face das suas vicissitudes ser prejudicada no que é fruto do seu labor, contratação e mandato, e prestou em cumprimento cabal e frutífero do para o quanto foi designada.
A..., S.A respondeu ao recurso pugnando pela existência de caso julgado formal sobre a questão da atribuição de remuneração percentual à Encarregada da Venda, pela inadmissibilidade do recurso em virtude de a recorrente ter aceitado a decisão recorrida e a não se entender assim, conclui pela confirmação da decisão recorrida.
Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a seguinte:
- a encarregada da venda por negociação particular tem direito à remuneração prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais mesmo no caso de a venda para cuja celebração foi mandatada não se concluir por motivos que não lhe são imputáveis?

3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e pertinentes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam destes autos, da ação executiva de que foram extraídos e dos apensos E e F, autos a que se teve acesso através da funcionalidade Citius de “seguimento de processo” e que nesta vertente adjetiva gozam de força probatória plena, não se reproduzindo de novo neste momento por evidentes razões de economia processual.

4. Fundamentos de direito
A encarregada da venda por negociação particular tem direito à remuneração prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais mesmo no caso de a venda para cuja celebração foi mandatada não se concluir por motivos que não lhe são imputáveis?
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, em seu entender, foram definidas contratualmente as condições da sua intervenção e, ainda que assim não fosse, porque a atribuição da retribuição prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais não depende da celebração da venda de que foi encarregada, bastando-se com a demonstração da realização de diligências tendentes à conclusão do negócio de que foi encarregada.
A executada recorrida sustenta existir caso julgado quanto ao objeto do recurso e decorrente da decisão proferida em 11 de julho de 2021 e, além disso, entende que a recorrente aceitou a decisão recorrida ao indicar as despesas por si suportadas (incluindo os kms. percorridos) relativamente à angariação da proposta apresentada em 12/08/2022, no valor de €1.530.000,00.
A decisão recorrida fundamentou o indeferimento da pretensão da recorrente de fixação da remuneração de acordo com o alegadamente acordado entre as partes e em todo o caso de atribuição da remuneração prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, nos seguintes termos:
Dispõe o art. 17.º n.º 1 do RCP que “As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, “A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por força deste último preceito legal, há que entender que é irrelevante para a situação dos autos que o encarregado da venda tivesse apresentado, no momento em que foi nomeado, as condições para a sua intervenção nos autos.
Com efeito, não sendo a venda executiva, ainda que extrajudicial, uma venda privada, nem todo regime jurídico para esta previsto se aplica àquela, nomeadamente, para o que aqui interessa, no que se refere à remuneração do encarregado da venda, relativamente à qual o n.º 2 do art. 17.º do RCP é expresso quanto à sua natureza imperativa. Isto significa que, não obstante a remuneração seja fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, esse valor deve conter-se dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem (cf. n.º 4 do art. 17.º).
Assim sendo, o que se tem de aplicar ao caso sub judico é o critério geral estabelecido pelo n.º 3 do art. 17.º do RCP, segundo o qual a remuneração é fixada tendo em consideração, nomeadamente, o tipo de serviço e os usos do mercado, em função do serviço ou deslocação.
Uma vez que está em causa a remuneração do encarregado da venda, cumpre aplicar posteriormente o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, nos termos do qual “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.”
No entanto, a aplicação da percentagem até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos pressupõe que o ato da venda se concretize, dado que a racionalidade da norma pressupõe e exige que exista conexão entre o exercício das funções de encarregado da venda e o pagamento do credor.
Com efeito, aquela percentagem corresponde a um incentivo para que o ato da venda tenha lugar; esse incentivo não se pode aplicar caso o ato da venda não se concretize, ainda que por motivo não imputável ao encarregado da venda, pois a obtenção da satisfação do crédito não ocorreu em virtude da venda executiva.
Assim sendo, parece dever entender-se que o argumento teleológico pressupõe que o ato da venda tenha êxito, total ou parcialmente, em resultado da atividade do encarregado da venda para que a este seja devida a remuneração adicional prevista no n.º 6 do art. 17.º do RCP.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que a recorrida suscita questões que podem obstar quer ao conhecimento do objeto do recurso – a questão do caso julgado –, quer com a não admissão do recurso – a aceitação da decisão recorrida –, cumpre tomar previamente tomar posição sobre estas objeções.
Em 11 de julho de 2021, na ação executiva de que estes autos foram extraídos, foi proferida decisão a indeferir pretensão formulada pela agora recorrente de atribuição de remuneração em função das propostas de compra dos imóveis penhorados que logrou angariar e cuja venda não se veio a concretizar por ter havido uma extinção do crédito exequendo por efeito de confusão. Estava em causa o procedimento de venda por negociação particular que ocorreu na ação executiva até à extinção da sua instância em 29 de dezembro de 2020.
No caso objeto do presente recurso está em causa a atividade desenvolvida pela ora recorrente após a decisão de renovação da instância executiva, mais especificamente as diligências que veio a desenvolver na sequência da determinação da Sra, Agente de Execução e datada de 02 de maio de 2022.
Neste circunstancialismo fáctico, parece evidente que a decisão proferida em 11 de julho de 2021, não conheceu da pretensão que a ora recorrente pretende ver satisfeita em via de recurso.
Por outro lado, a nova pretensão formulada pela recorrente, apesar de similar com a anteriormente apreciada, tem por base uma factualidade totalmente autónoma da que foi já conhecida, inexistindo um qualquer nexo de dependência ou prejudicialidade entre a matéria já apreciada e a que é objeto deste recurso, o que, a nosso ver, obsta a que possa operar a figura da autoridade do caso julgado.
O próprio tribunal recorrido, apesar de logo no início da decisão sob censura aludir à existência de caso julgado, acaba incongruentemente com esta afirmação inicial por conhecer da pretensão da ora recorrente, indeferindo-a, em vez de proferir decisão de absolvição da instância, como seria curial, se de facto existisse caso julgado.
O que se verifica é que o tribunal recorrido já tomou posição sobre certa questão jurídica e é expectável que venha em ulteriores situações e mesmo com intervenientes distintos a manter o mesmo critério decisório (veja-se o nº 3 do artigo 8º do Código Civil). Contudo, não está vinculado a isso, podendo rever a sua posição, seja por reconhecer que a mesma enferma de erro, seja porque não foram ponderados dados relevantes ou ainda porque entretanto foi proferida jurisprudência uniformizada sobre a questão.
Finalmente, a decisão proferida em 11 de julho de 2021, ao invés do que sustenta a recorrida, não incidiu sobre a relação processual, adquirindo por isso força de caso julgado formal (artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Na realidade, o objeto de cognição da decisão proferida em 11 de julho de 2021 foi a definição de um direito de um interveniente acidental no processo, mais propriamente o direito à remuneração dos serviços prestados por esse interveniente no âmbito dos autos de que estes foram extraídos. Bem se vê que se trata de matéria substantiva e não adjetiva, ainda que a substância respeite a um interveniente acidental no processo.
Assim, tudo visto e ponderado, afigura-se-nos inexistir caso julgado que obste ao conhecimento do objeto deste recurso.
E haverá aceitação da decisão recorrida por parte da ora recorrente ao responder à solicitação que aí lhe foi feita?
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 632º do Código de Processo Civil, não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida. A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita, sendo que é tácita a que deriva de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (artigo 632º, nº 3, do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, na decisão recorrida indeferiu-se a pretensão da ora recorrente de atribuição de remuneração pela atividade desenvolvida enquanto encarregada de venda e na sequência da determinação que lhe foi endereçada pela Sra. Agente de Execução em 06 de maio de 2022 e convidou-se a mesma recorrente a indicar as despesas por si suportadas (incluindo os kms. percorridos) relativamente à angariação da proposta apresentada em 12/08/2022, no valor de €1.530.000,00.
A nosso ver, a decisão sob censura tem duas partes totalmente cindíveis, uma referente à remuneração dos serviços prestados pela recorrente e outra, esta de facto objeto de aceitação por parte da recorrente e referente às despesas que a recorrente teve de suportar por força da atividade que desenvolveu.
Neste contexto, forçosa é a conclusão de que a conduta processual da recorrente ao responder à solicitação que lhe foi feita na decisão impugnada não envolve qualquer aceitação tácita do segmento da decisão que indeferiu a sua pretensão de atribuição de remuneração nos termos do disposto no nº 6, do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais.
Afastadas as objeções suscitadas pela recorrida ao conhecimento e à admissão do recurso, debrucemo-nos sobre a questão decidenda, ou seja, saber se a recorrente, na qualidade de encarregada da venda, tem direito à remuneração prevista no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais mesmo no caso de a venda para cuja celebração foi mandatada não se concluir.
Antes de prosseguir na análise do núcleo duro do objeto do recurso, deve afastar-se liminarmente a pretensão da recorrente de que a sua retribuição seja fixada com base em alegados acordos expressos ou tácitos, já que se trata de matéria que está fora da disponibilidade das partes, havendo regulação imperativa da mesma no Regulamento das Custas Processuais, como melhor se verá adiante.
A questão objeto deste recurso não é jurisprudencialmente virgem.
Na pesquisa realizada na base de dados da DGSI localizaram-se dois acórdãos consonantes, no essencial, um com o outro e em sentido oposto ao defendido na decisão recorrida:
- o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de março de 2019, relatado por Tomé Ramião, no processo nº 525/13.8TBLLE.E1;
- o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04 de maio de 2022, relatado por Jorge Seabra, no processo nº 164/14.6T8AGD.P1.
Vejamos então, recordando antes de mais, os normativos pertinentes.
De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, “[a]s entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.”
“A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento” (artigo 17º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais).
“A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo Tribunal” (artigo 17º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais).
“Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo Tribunal” (artigo 17º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais).
Na tabela IV anexa ao Regulamento das Custas Processuais, relativamente aos liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial, no que respeita à remuneração por serviço/deslocação, prescreve-se que terão direito a 1/255 UC (quilómetro) + até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Do ponto de vista literal, quer o nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, quer o ponto da Tabela IV da tabela anexo ao Regulamento das Custas Processuais que se refere aos liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial, na medida em que se referem à fixação da remuneração até 5% do valor da causa ou do valor dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, dão um certo conforto à decisão recorrida.
No entanto, como se sabe, a interpretação da lei não se pode cingir à sua letra e antes deve procurar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº 1, do Código Civil).
No caso dos autos, a interpretação sustentada na decisão recorrida conduz a um resultado que nos obriga a aferir da sua bondade, da sua aceitabilidade.
Na verdade, da decisão recorrida resulta que em ação executiva em que por razões que não são imputáveis à encarregada da venda não se vem a concretizar a venda extrajudicial para a qual obteve proposta de valor superior ao valor base, a mesma não tem direito a qualquer remuneração.
Há que distinguir a remuneração que constitui a contrapartida pelo serviço desenvolvido das despesas emergentes dessa atividade que, como é bom de ver, se traduzem no simples reembolso dos gastos que o prestador do serviço vai suportando por causa da atividade de que foi incumbido e não numa qualquer contrapartida pelo serviço prestado.
A nosso ver, este resultado interpretativo da decisão recorrida é inaceitável na medida em que segundo o mesmo, a encarregada da venda que, não obstante as diligências desenvolvidas para concretização da venda de que foi encarregada e inclusivamente obteve uma proposta de valor superior ao valor base e que não vem a celebrar a venda almejada por razões que estão fora do seu controlo e que não lhe são imputáveis não tem direito a qualquer remuneração, mas apenas ao reembolso das despesas que tenha efetuado, nomeadamente com deslocações.
Apesar da notória preocupação do legislador numa contenção das remunerações dos intervenientes processuais, afastando-se dos valores de mercado, afigura-se-nos que tal comedimento não chega ao ponto de nalgumas circunstâncias obrigar certos intervenientes acidentais à prestação gratuita dos seus serviços.
Por isso, na nossa perspetiva, a decisão recorrida não pode manter-se, devendo pelo contrário fixar-se remuneração à recorrente de acordo com o disposto no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais.
Na fixação desta remuneração, deve ter-se em conta que os serviços da recorrente a remunerar se desenvolveram num horizonte temporal limitado de cerca de cinco meses e que, ainda que isso não seja imputável à recorrente, a proposta obtida não veio a ter real impacto na satisfação do crédito exequendo.
Ao contrário do que se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora antes citado e em consonância com o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, também antes citado, afigura-se-nos que a remuneração da recorrente deve fixar-se, tal como ela própria sustentou, com referência ao montante da proposta que angariou e não com referência ao valor da causa, já que o valor da proposta obtido é inferior ao valor da causa, assim se respondendo às preocupações do legislador de contenção nas remunerações a arbitrar.
Atentas as circunstâncias antes enunciadas, a percentagem do valor da proposta de compra obtida pela recorrente no montante de €1.530.000,00 para efeitos de apuramento da remuneração devida deve fixar-se em 2%, pelo que a recorrente tem direito a uma remuneração de €30.600,00 que, acrescida de IVA à taxa de 23%, totaliza €37.638,00.
Pelo exposto, deve revogar-se a decisão recorrida no segmento impugnado, nos termos que se acabam de enunciar.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente e da recorrida já que ambas decaíram e na exata proporção desse decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em revogar a decisão recorrida proferida em 21 de novembro de 2022, no segmento impugnado e em consequência, fixa-se a remuneração devida à C.... na qualidade de encarregada de venda, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, no montante de €37.638,00 (trinta e sete mil seiscentos e trinta e oito euros), com IVA incluído à taxa de 23%.

As custas do recurso são a cargo da recorrente e da recorrida na exata proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de vinte e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.



Porto, 26 de junho de 2023
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 12c de julho de 2021.
[2] Notificado aos intervenientes processuais mediante expediente eletrónico elaborado em 23 de novembro de 2022.
[3] A transação consta de requerimento endereçado ao referido apenso em 03 de outubro de 2022, tendo sido homologada por sentença proferida em 04 de outubro de 2022, notificada aos sujeitos processuais mediante expediente eletrónico elaborado em 07 de outubro de 2022.