Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
540/09.6TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
ASSÉDIO MORAL
RETRIBUIÇÃO
DIREITO AO USO DE AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RP20110926540/09.6TTMTS.P1
Data do Acordão: 09/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art.º 24.º, n.º 1, da LCT (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.69), os sujeitos do contrato de trabalho podiam acordar em alargar ou restringir a faculdade conferida por lei ao empregador de transferir o trabalhador para outro local de trabalho, tendo, assim, natureza supletiva tal norma.
II - O assédio moral tem ínsitos, três elementos fundamentais:
a) Por um lado, o ser um processo, ou seja, não um fenómeno ou um facto isolado, mesmo que de grande gravidade, mas antes um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas, que ocorrem com um mínimo de periodicidade (por exemplo, pelo menos uma vez por semana ou por mês) e de reiteração (designadamente perdurando ao longo de 6 meses).
b) Por outro lado, a circunstância de esse conjunto mais ou menos periódico e reiterado de condutas ter por objectivo o atingimento da dignidade da vítima e o esfacelamento da sua integridade moral e também física, quebrando-lhe a sua capacidade de resistência relativamente a algo que não deseja, e buscando assim levá-la a “quebrar” e a ceder.
c) Por fim, pode dizer-se que constitui também traço característico do assédio moral o aproveitamento da debilidade ou fragilidade da vitima ou de um seu autêntico “estado de necessidade.
III - O “assédio moral” no trabalho não se confunde nem com o “stress” (ainda que este possa, por vezes, ser um instrumento de prática daquele), nem com uma relação profissional dura (por exemplo, em virtude de uma chefia muito exigente e pouco cordata mas que não visa esfacelar a integridade moral de ninguém), nem sequer com um mero e isolado episódio mais violento (designadamente, um incidente ou uma discussão particularmente intensos mas sem sequelas), nem se pode confundir com as decisões legítimas advenientes da organização de trabalho, desde que conformes ao contrato de trabalho.
IV - O uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva para o serviço e uso particular daquele, conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância.
V - A utilização de uma viatura por parte da trabalhadora de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando a Ré, sua entidade patronal, todas as despesas de manutenção, bem como os custos do combustível derivados da utilização pessoal da viatura por parte da trabalhadora, inculca a ideia de efectivamente estarmos perante um direito e não perante uma mera liberalidade, que integra a retribuição da trabalhadora. E, o carácter regular e constante de tal atribuição da viatura, faz presumir, nos termos do disposto no nº 3 do art. 258º do Código do Trabalho, que a mesma reveste natureza retributiva. E existindo essa presunção caberia à Ré fazer a prova de que tal atribuição não revestia carácter retributivo, mas era um acto de mera tolerância (artigo 344º, nº 1 do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 540/09.6TTMTS.P1 Reg. Nº 93
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente/Recorrida: B… e C…, Lda.

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B…, divorciada, protesita, residente na Rua …, n.º … – .º Esq. – … – … – … Trofa, deduziu, em 08/06/2009, contra C…, Lda., com sede na Rua …, n.º ., .º andar, ….-… Lisboa, a presente emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, tendo formulado o seguinte pedido:
“Termos em que face ao exposto deve a presente acção ser julgada procedente por provada considerando-se ilícito o alegado comportamento da Ré e, por via disso, a mesma ser condenada a reintegrar a A. no seu anterior local de trabalho sito na …, nº .. – .º andar, sala . na cidade de Braga, com desempenho “em branch” e a garantir-lhe a manutenção da retribuição global auferida no ano de 2008.
Mais a Ré deve ser condenada na quantia de € 150,00 por cada dia de atraso na satisfação efectiva do pedido da A. em reocupar o seu identificado posto de trabalho em Braga, nas condições retributivas vigentes em 2008.”
Para tanto alegou que foi admitida ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho reduzido a escrito em 04/11/02, segundo clausulado do respectivo documento, tendo desempenhado até ao dia 01/07/07 funções em campo (entendendo-se por “trabalho em campo” o Trabalho prestado junto de clientes, fora de qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré).
A A. auferiu da Ré as seguintes retribuições anuais globais:
- Ano de 2003 € 19.779,82;
- Ano de 2004 € 15.669,61;
- Ano de 2005 (parte) € 11.346,64;
- Ano de 2006 (parte) € 2.744,40;
- Ano de 2007 € 22.509,37:
- Ano de 2008 € 33.005,68.
Nos anos de 2005 e 2006 a A. esteve de licença sem vencimento no período compreendido entre 01/06/05 e 30/09/06.
A partir de 01/07/07 a A. passou a desempenhar funções no chamado regime em branch (entendendo-se por “branch” qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré).
Passou pois a A. a prestar a sua actividade profissional à Ré, a partir de 01/07/07 no estabelecimento desta sito na …, nº .. – .ºandar, sala ., na cidade de Braga.
A A. auferiu a título de retribuição global no ano de 2007 a quantia de € 22.509,37 e no ano de 2008 € 33.005,68.
Com data de 2 de Janeiro de 2009 a Ré apresentou à A. “Aditamento a contrato de trabalho”.
Porque a A. viu que o novo esquema de comissões era desfavorável em relação ao vigente, não concordou com tal alteração.
Como resposta a Ré determinou a saída da A. do identificado estabelecimento de Braga, atribuindo-lhe actividade em campo na área de Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira, a exercer mediante a carteira de clientes por si fornecida, quer para efeitos de venda, quer para prestação de serviços relativamente aos produtos vendidos.
Na sequência de tal comportamento da Ré, a A. manifestou o seu desacordo, considerando ilícita tal atitude.
A zona para onde a Ré determinou que a A. passasse a trabalhar é uma zona sem mercado de compra, sendo praticamente nula a receptividade aos produtos comercializados pela Ré.
A A., entre Janeiro de 2008 e Abril de 2009, auferiu da Ré a seguinte retribuição:
- Janeiro de 2008 € 1.506,96;
- Fevereiro de 2008 € 2.325,44;
- Março e 2008 € 491,61;
- Abril de 2008 € 964,99;
- Maio de 2008 € 3.181,16;
- Junho de 2008 € 1.673,15;
- Julho de 2008 € 614,28;
- Agosto de 2008 € 2.265,66;
- Setembro de 2008 € 1.139,90;
- Outubro de 2008 € 1.719,38;
- Novembro de 2008 € 3.043,65;
- Dezembro de 2008 € 2.221,76;
- Janeiro de 2009 € 2.375,63;
- Fevereiro de 2009 € 1.400,18;
- Março de 2009 € 381,68;
- Abril de 2009 € 528,75.
A transferência de local de trabalho da A. não foi precedida de qualquer fundamentação ou justificação por parte da Ré.
O comportamento da Ré reveste duas vertentes:
a) Uma de carácter retributivo e outra;
b) De alteração de local de trabalho sob o ponto de vista geográfico.
Pode a entidade patronal alterar a forma de cálculo das comissões devidas a um trabalhador, desde que a respectiva retribuição, entendida esta como parte fixa e variável, não seja diminuída no seu valor global.
Por isso a A. não tinha que acordar ou discordar com a alteração do esquema retributivo pretendido pela Ré, desde que daí não resultasse diminuição da retribuição global anual.
Porém, a Ré assim o não entendeu e resolveu punir a A. mudando a sua actividade “de branch” para “em campo”, com os resultados catastróficos no campo retributivo, conforme se deixou alegado.
A Ré aplicou à A. uma sanção não admitida por Lei.
Quanto à segunda vertente revela-se o comportamento da Ré além de ilícito, também abusivo.
É ilícito por não admissível nos termos da alínea f) do art. 122º do Código do Trabalho de 2003 (actual art. 129º, alínea f)), já que não foi observado o procedimento imposto pelo art. 317º do Código do Trabalho de 2003 (art. 196º do actual Código) e é abusivo por manifestar uma reacção primária da Ré, pelo facto de a A. se ter recusado a aceitar esquema de comissões proposto.
A Ré extravasou o normal exercício do seu poder de direcção (art. 334º do Código Civil).
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2. Frustrada a audiência de partes a Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção, alegando em sua defesa que a Autora foi contratada pela Ré para exercer sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções correspondentes à categoria profissional de Vendedora Especializada (designada por Audioprotesista ou "Dispenser"), funções essas que sempre desempenhou e continua a desempenhar até à presente data.
A Autora não só se obrigou contratualmente ao exercício de tais funções de Vendedora Especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou, nos termos do seu contrato de trabalho, a exercer as respectivas funções quer no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, .° Esq., quer em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta, nomeadamente junto de clientes.
A partir de 1 de Julho de 2007 até 31 de Janeiro de 2009, a Autora passou a prestar as respectivas funções, no estabelecimento da Ré, sito em Braga.
E, entre 4 de Novembro de 2002 a 30 de Junho de 2007, a Autora prestou as suas funções em campo, mais concretamente na área geográfica da Maia, Matosinhos e Valongo, tendo estado de licença sem vencimento entre 1 de Junho de 2005 e 30 de Setembro de 2006.
Sendo que, desde 1de Fevereiro de 2009, exerce, novamente, as suas funções em campo, tendo-lhe sido atribuída a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira.
A zona alocada à Autora atingiu, no ano de 2008, um valor total de vendas da Ré de €212.400,00 (média mensal de 17.700,00), resultado este alcançado pela performance do trabalhador da Ré D….
Na qualidade de Vendedora Especializada, a Autora sempre recebeu uma retribuição base e um determinado valor a título de comissões, valor esse resultante directamente das vendas realizadas.
À semelhança do que fez com todos os outros trabalhadores que exercem funções idênticas às da Autora, a Ré limitou-se, como sempre faz anualmente, a apresentar as condições financeiras variáveis aplicáveis para 2009, mediante aditamento ao contrato de trabalho em vigor, explicando e justificando a modificação do esquema de comissões, modificação essa legitimada pelo n.º 8 da Cláusula 5° do Contrato de Trabalho em vigor entre as partes.
No final do ano de 2008, e à semelhança de outros anos, a Ré, para fazer face à evolução do nível de vendas da Empresa e às actuais condições gerais do mercado, marcado por uma acérrima concorrência nomeadamente por parte da Empresa E…, teve necessidade de alterar as condições financeiras da equipa de vendas afecta às lojas/consultórios, no intuito de reforçar a sua produtividade e competitividade, o que formalizou, em Dezembro de 2008, mediante propostas de aditamento aos contratos de trabalho em questão, nos quais se incluía o da Autora.
Na sequência da recusa levada a cabo pela Autora, e uma vez que o esquema de comissões proposto foi aceite por praticamente todos os trabalhadores abrangidos por esta alteração, não podia a Ré distinguir a Autora face aos outros mantendo-lhe o esquema de comissões até à data em vigor para quem exercia as funções em loja.
Assim, perante tal impasse, a Ré, tal como antecipou aquando da apresentação do novo esquema de comissões em 9 de Dezembro de 2008, legitimamente determinou/concretizou que a Autora passasse a exercer as respectivas funções em campo/domicílio dos clientes, decisão essa lícita à luz do contrato de trabalho celebrado entre ambas.
É prática corrente na Ré a alocação dos seus trabalhadores a campo ou a loja, e a diferentes área de campo ou de loja, por forma a rentabilizar a performance dos mesmos e evitar a saturação do mercado onde os mesmos operam.
Não se verifica, assim, qualquer nexo de causalidade entre a conduta da Ré, a qual se traduziu na decisão da Autora passar a exercer funções em campo, e uma intenção punitiva da Ré face à Autora, enquanto sua entidade empregadora.
Saliente-se, ainda, que nem aquando da contratação da Autora, nem posteriormente, acordou a Ré com a mesma qualquer zona específica de vendas, pelo que era livre de mudá-la para outra zona de vendas, à semelhança do que sucede com os restantes trabalhadores da Empresa e sucedeu no passado com a Autora.
A haver uma diminuição da retribuição global da Autora, tal circunstância é totalmente imputável à mesma.
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3. Foi elaborado despacho saneador, no qual foram considerados válidos e regulares os pressupostos objectivos e subjectivos da instância, tendo-se discriminado os factos admitidos por acordo e controvertidos (base instrutória), que mereceu reclamação por parte da Ré, a qual foi parcialmente deferida.
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4. A fls. 136 e segs., a Autora apresentou aditamento de novo pedido, peticionando:
a) A condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 555,51 – ut. art. 47.º;
b) A condenação da Ré no pagamento à A. da quantia mensal de € 185,17 até que esta reponha a situação anterior, não privando a A. da utilização pessoal do veículo que lhe está atribuído;
c) A condenação da Ré a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais, em montante não inferior a € 10.000,00, tudo acrescido de juros legais.
Alega, em resumo, a factualidade seguinte:
No dia 15 de Outubro de 2009, a A. já tinha efectuado vendas na ordem dos € 11.000,00, faltando-lhe apenas cerca de € 1.000,00 de vendas para atingir os objectivos propostos pela Ré.
A Ré não voltou a facultar-lhe os registos (fichas) relativos aos clientes, de forma que a A. ficou impossibilitada de atingir tal montante.
No âmbito do contrato de trabalho sub judice, a Ré convencionou com a A. atribuir-lhe a utilização de um veículo automóvel, para uso profissional e pessoal desta, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009.
No pretérito dia 20/10/2009, por volta das 18h00, a A. foi convocada para uma reunião, que teve lugar no dia seguinte, pelas 11h00.
Na aludida reunião estiveram presentes, além da A., o Sr. F…, Director de vendas da área norte e a D. G…, Chefe de grupo da Ré.
Na referida reunião, foi comunicado à A. que, a partir daquele data, não poderia utilizar o veículo da Ré que lhe estava adstrito para além do respectivo horário de trabalho, ou seja, deveria passar a ir buscá-lo de manhã e deixá-lo ao fim do dia de trabalho, em local a indicar pela Ré.
Por outro lado, a Ré transmitiu também à A. os alegados baixos resultados das vendas por si efectuadas e que iria novamente mudar de área de actuação, bem como deixava de receber o subsídio de “isenção de horário de trabalho” a partir da aludida data.
No decurso da dita reunião, o Sr. F… disse que, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório”.
Mais lhe foi dito pelo referido Director que, se aceitasse as condições que lhe foram propostas em finais de 2008, e que deram azo à petição inicial que ora se adita, “então passaria a ser de novo «comestível»”.
O dito Director afirmou ainda à A. que esta tinha passado a ser má profissional, e, tendo a A. respondido que continuava a ser boa profissional, replicou: “eras!”.
A A., que reside na Trofa, e que sempre se deslocou de casa para o trabalho e do trabalho para casa usando a viatura da Ré, tem, actualmente, tido a necessidade de se deslocar de autocarro e de comboio, com um acréscimo de tempo considerável, bem como suportando os custos e incómodos daí resultantes.
Para além disso, foram retiradas à A. as zonas de actuação de Leça do Balio, Perafita, Lavra, S. Mamede de Infesta, Maia e Leça da Palmeira, cingindo-se actuação da A., por imposição da Ré, a partir de 02/11/2009 em diante, à cidade do Porto.
Nesta cidade, têm sido agendadas à A visitas no seio de bairros sociais conhecidos como problemáticos (art. 514.º do C.P.C.), que a fazem sentir-se extremamente insegura e poderão inclusivamente fazer perigar a sua integridade física.
Com tal comportamento da Ré, acima descrito, bem como o já descrito na petição inicial, a A. sente-se humilhada, rebaixada e vê-se impossibilitada de cumprir com as suas funções, com a consequente diminuição retributiva, tudo como forma vil de “vingança” pelo facto de não ter acedido à alteração retributiva que a Ré lhe queria impor e por ter recorrido a juízo para fazer valer os seus direitos.
Esta situação tem causado uma enorme inquietação e mau estar na A., ao ponto de ver ferida a sua dignidade enquanto trabalhadora e pessoa humana, e ao ponto de debilitar o seu estado de saúde, provocando-lhe um estado de insegurança que a leva a ter insónias, a ter crises de ansiedade e dificuldades de relacionamento com as mais diversas pessoas.
A A. sente-se marginalizada e ostracizada pela Ré, fruto da pressão que a mesma tem vindo a exercer com vista a que aquela aceite as condições retributivas referidas na PI.
A A. sente-se, pois, esgotada e exausta do esforço diário que despende ao enfrentar o ambiente de trabalho hostil criado pela Ré.
A A. sente-se profissionalmente violentada, sem qualquer perspectiva de realização profissional, fruto das humilhações e vexames reiterados perpetrados pela Ré.
A Ré suportava todos os custos inerentes à utilização profissional e pessoal do dito automóvel por parte da A., designadamente, com o leasing, seguro, manutenção, combustíveis, portagens, etc.
Face ao local da residência da A. – Trofa – e aos locais onde desempenhava e desempenha a sua actividade ao serviço da Ré, a atribuição de viatura sempre se verificou na constância do contrato de trabalho.
Foi atribuída à A. a viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., suportando a Ré mensalmente, com o leasing do referido automóvel disponibilizado à A., a quantia mensal de € 450,57/mês.
Em acréscimo, a A. gastava, para seu uso pessoal, quantia nunca inferior a € 50,00/mês de gasóleo, também custeado pela Ré.
A A. computa a utilização da viatura na proporção de 70% para a actividade que exercia na Ré e 30% para seu uso pessoal.
Assim, a retribuição mensal da A., na parte que compreende as prestações em espécie, perfaz a quantia de € 185,17 (viatura - € 450,57 X 30% = € 135,17; gasóleo - € 50,00), montante este a que a A. tem mensalmente direito enquanto se mantiver privada do uso da viatura fora do seu horário de trabalho.
Na medida em que tal situação se verifica desde Outubro de 2009, à A. assiste já o direito ao recebimento da quantia de € 555,51 (€ 185,17 x 3).
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5. Notificada a Ré pugna pela improcedência deste pedido, alegando que no mês de Outubro de 2009 a Autora atingiu o valor de vendas de €12.743,00, valor esse que ficou aquém do objectivo mensal estabelecido pela Ré, a saber €13.800,00.
É falso que o F… tenha utilizado a linguagem que é referida nos artigos 10º e 11º do articulado da Autora.
O que sucedeu foi que a Ré se limitou a ter uma conversa com a Autora sobre vários aspectos do seu desempenho e a comunicar-lhe que havia sido decidido alterar-lhe parcialmente a sua área de actuação.
Com efeito, a Ré apenas exerceu os seus poderes de gestão e concretizou em relação à Autora aquilo que faz parte da sua política de gestão no que toca aos trabalhadores que exercem as mesmas funções da Autora, ou seja, a fim de evitar a saturação dos mercados de actuação da Ré e dinamizar e optimizar a prestação dos colaboradores, promove-se a rotatividade de mercados aos quais os colaboradores estão afectos, ainda para mais tendo em conta que o consultório de Braga, ao qual anteriormente estava afecta a Autora, registou um crescimento de 77% aquando do início de funções do colaborador da Ré D….
A Ré, em momento algum, negociou ou acordou com a Autora a concessão de um veículo automóvel a título de retribuição ou em complemento à respectiva retribuição base.
A Ré disponibilizou à Autora, dentro de certo contexto e condicionalismo, a utilização de um veículo automóvel.
No entanto, e como consta da Cláusula 6º do Contrato de Trabalho da Autora, nunca dessa concessão resultou qualquer direito para a Autora, porquanto a atribuição desse bem visou única e exclusivamente o respectivo uso profissional, e não pessoal, constituindo o veículo automóvel um instrumento de trabalho para um melhor desempenho das funções profissionais da Autora.
De facto, e como decorre da Cláusula contratual acima mencionada, a atribuição de um veículo automóvel por parte da Ré reveste uma natureza discricionária, dependendo da vontade unilateral da Ré, a qual, e apenas em situações excepcionais, faculta a utilização de um veículo automóvel, que apenas poderia ser utilizado pela Autora ao serviço da Ré e enquanto durasse o respectivo contrato de trabalho.
Quer isto dizer que a atribuição do veículo automóvel justifica-se apenas e só quando a Ré o entender e apenas e só enquanto contribuir para a optimização da produtividade da prestação de trabalho, ou seja, para fins exclusivamente profissionais.
Saliente-se, ainda, a este propósito que se a Autora utilizou particularmente o veículo automóvel em questão, fê-lo a título de mera liberalidade, de mera tolerância da Ré, pelo que não poderia retirar-se de tal circunstância qualquer direito decorrente de um compromisso contratual ou outro, e muito menos, a respectiva natureza de retribuição.
Acresce que, neste contexto, caso o veículo automóvel não seja factor contributivo para alcance do objectivo referido, não fará sentido a sua atribuição ou manutenção, decisão que cabe exclusivamente à Ré.
Como a Autora não poderá deixar de reconhecer, foi precisamente esta a situação que se verificou em relação à Autora: inutilidade da atribuição do veículo automóvel para que esta cumprisse os seus objectivos, uma vez que deixou de exercer as respectivas funções na área geográfica que abrangia São Mamede de Infesta e Maia, não efectuando, assim, a Autora deslocações profissionais que justifiquem a manutenção da atribuição, pós horário de trabalho, de um veículo automóvel.
Assim sendo, a ordem dada pela Ré à Autora para que passasse a deixar o veículo automóvel no final de cada dia de trabalho, num local determinado pela Ré, é perfeitamente legítima e não constitui qualquer diminuição da retribuição da Autora.
Neste caso, a prestação de trabalho no regime de isenção não foi elemento essencial para o trabalhador.
É lícito à Ré retirar a isenção de horário de trabalho à Autora, se nisso deixar de ter interesse.
Sendo, igualmente, lícito à Ré retirar o acréscimo retributivo especial inerente à prestação de trabalho nesse regime de isenção de horário de trabalho, a partir do momento em que essa cesse.
Dado que a Autora passou a estar adstrita à cidade do Porto, Leça do Balio, Perafita e Leça da Palmeira, não se justificando a manutenção do motivo que deu lugar à prestação das funções da Autora em regime de isenção de horário de trabalho, a Ré é livre de determinar que passe a exercer as suas funções em regime de horário de trabalho definido.
A aludida supressão, a qual corresponde ao termo da situação de facto que determinou a isenção de horário de trabalho, não poderá ser vista como uma diminuição da retribuição da Autora.
Com efeito, o estabelecimento do horário de trabalho de um trabalhador, e por conseguinte, também, da respectiva isenção de horário de trabalho, é uma prerrogativa da entidade empregadora, que se insere no quadro dos poderes de gestão e organização da Ré, na qualidade de empresa.
A Ré determinou que, a partir de 1 de Novembro de 2009, a área geográfica da Autora passaria a ser, também, a cidade do Porto, mas que a Autora manteria as restantes áreas, com excepção de São Mamede de Infesta e Maia.
A ordem dada pela Ré para que a Autora passasse a exercer as respectivas funções na área geográfica que abrange a cidade do Porto, mantendo as áreas de Leça do Balio, Perafita, Lavra e Leça da Palmeira, é totalmente legítima, não se colocando qualquer questão de violação da garantia da inamovibilidade, segundo a qual o trabalhador não pode ser transferido para outro local de trabalho.
Nega, também, ter iniciado uma autêntica perseguição, com vista a humilhar a A. e a diminuir-lhe as respectivas condições contratuais, rejeitando, igualmente, ter ofendido o bom nome, a imagem, a reputação, a dignidade ou qualquer outro direito de personalidade da Autora.
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6. Tal aditamento foi admitido, tendo sido adicionada a matéria fáctica assente e controvertida.
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7. Procedeu-se a julgamento após a que o Tribunal respondeu à matéria de facto, não tendo havido reclamações.
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8. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“1.1. Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho que B… move contra C…, Lda., e, em consequência:
- Condeno a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros) pela privação da utilização pessoal do veículo que lhe estava atribuída;
- Condeno a Ré no pagamento à Autora da quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) – devida a partir da apresentação do articulado superveniente (27/01/2010) - por força da privação da utilização pessoal do veículo que lhe estava atribuída;
1.2. Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente acção quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré C…, Lda;
1.3. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção de ¾ a cargo da A. e ¼ a cargo da ré (art. 446º do Código de Processo Civil).

Fixo à acção o valor de € 30.000,01.

Registe e notifique.”
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9. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A Recorrente foi admitida ao serviço da Recorrida em 04/11/2002, mediante contrato de trabalho, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Vendedora Especializada, tendo-se obrigado “ao exercício de tais funções de Vendedora Especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou a exercer as respectivas funções no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, ..º Esq., ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes”.
2) A indeterminação do local de trabalho da Recorrente, patente no respectivo clausulado, acarreta a respectiva nulidade.
3) Dada a nulidade de tal cláusula, verifica-se que a Recorrida não observou os prazos e o ritualismo previsto para a alteração do local de trabalho da Recorrente.
4) Ainda que assim se não entenda, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, face à prova produzida, e inclusivamente à admissão de tal facto por parte do Director da Recorrente (vide resposta à matéria de facto) somos forçados a concluir que o local de trabalho da Recorrente apenas foi alterado porquanto esta se recusou a subscrever um aditamento ao respectivo contrato de trabalho, que implicaria uma diminuição da sua retribuição, designadamente das comissões.
5) Assim, tal conduta da Recorrida traduz um manifesto abuso de direito, acarretando a ilicitude de tal ordem de alteração do local de trabalho.
6) Face ao exposto, deve a Recorrida ser condenada a manter a Recorrente no seu anterior local de trabalho, sito na …, n.º .. – ..º andar, sala ., em Braga, com desempenho em branch, com manutenção da retribuição global reportada ao ano de 2008.
7) Todos os comportamentos observados pela Recorrida, alterando o local de trabalho da Recorrente, de branch para field, restringindo-lhe cada vez mais as áreas de actuação, proibindo-lhe a utilização particular do automóvel, suprimindo o pagamento da isenção de horário de trabalho e afirmando que nunca mais “sentará o cuzinho num consultório”, são condutas destinadas a exercer pressão sobre a Recorrente, humilhando-a, degradando deliberadamente as condições de trabalho da mesma, e como tal recondutíveis à figura do assédio moral.
8) Assistindo, pois, o direito à Recorrente em ser indemnizada, dado ter sido vítima de tal comportamento abusivo.
9) A decisão recorrida violou, nomeadamente, os arts. 24.º, 315.º e 317.º do Cód. Trabalho e o art. 334.º do Cód. Civil.

Termos em que, face ao exposto, deve ser revogada, na parte posta em crise, a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, e ser dado acolhimento à pretensão formulada pela Recorrente nos precisos termo do pedido.
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10. A Ré apresentou recurso subordinado, bem como contra alegações.

10.1. No que concerne às contra alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Em termos processuais legais, impõe-se ao recorrente nas respectivas alegações de recurso a indicação dos fundamentos pelos quais se pede a alteração ou anulação da decisão, e caso o recurso verse sobre matéria de direito devem também indicar-se as normas jurídicas violadas, assim como o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
B. Ora, entende a Recorrida que as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente carecem da observância dos requisitos processuais, porquanto na verdade não indicam nem concretizam o que consideram que foi violado, para efeitos de reapreciação e alteração da decisão em apreço.
C. Com efeito, não pode proceder o facto da Recorrente alegar que, in casu, a determinação do local de trabalho não resultou de acordo entre as partes contratantes, mas antes de uma adesão da Recorrente ao clausulado apresentado pela empregadora, ora Recorrida, porquanto, ainda que assim fosse, no que não se concede, tal alegação corresponde a um facto novo, que não foi provado por tão pouco ter sido alegado em primeira instância, e cuja alegação nesta fase processual carece de admissibilidade legal.
D. De igual forma, não pode proceder a alegação de que a cláusula do Contrato de Trabalho referente ao local de trabalho da Recorrente é indeterminada e que, por conseguinte, deve ser considerada nula, quer porque a Recorrente não invocou quaisquer normas jurídicas que manifestem tal nulidade, quer porque ainda que o tivesse feito, atenta a especificidade da actividade profissional da Recorrente, que exerce por conta da Recorrida as funções de vendedora especializada, é perfeitamente válida a referida cláusula, de acordo com a qual, a Recorrente se obrigou ao exercício de tais funções de vendedora especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou a exercer as respectivas funções no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, .º Esq., ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta, nomeadamente junto de clientes.
E. Pelo que se considera inquestionável que, tendo a Recorrente aceite, por via do seu contrato de trabalho, que podia prestar o seu trabalho noutros estabelecimentos da Recorrida, ou mesmo junto de Clientes, e ser deslocada, dentro da área de actuação da Recorrida e das áreas limítrofes a tal área de actuação, como sucedeu no passado, dado que prestou indistintamente ao longo dos anos funções em campo e em loja, a última das quais em Braga, não pode vir agora alegar questionar a validade de tal cláusula.
F. Acresce que, como ficou provado nas V), X), Z) e AA) dos factos admitidos por acordo, nem tão pouco existe para a Recorrente um prejuízo sério relativo ao novo local de trabalho uma vez que a diferença de distância entre o local de residência da Recorrente e o novo local de trabalho, por comparação com o anterior, é mínima e que, sem prejuízo do acima exposto, ainda que se entendesse que a garantia da inamovibilidade respeitante ao local de trabalho da Recorrente estaria em causa em virtude da ordem dada, i.e., que a ordem dada consubstanciaria uma mudança de local de trabalho da Recorrente, no que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que estariam preenchidos todos os pressupostos subjacentes à licitude da mesma constantes dos artigos 315º e 317º do anterior Código do Trabalho em vigor à data em que a ordem foi dada (actuais artigos 194º e 196º do Código do Trabalho).
G. Nem tão pouco pode proceder a alegação da Recorrente, de acordo com a qual, a alteração do local de trabalho consubstancia abuso de direito, quer porque, apesar de invocar o artigo 334.º do Código Civil, a Recorrente não indica, nem concretiza, de que modo é que o dito exercício de um direito pela Recorrida excedeu manifestamente os limites impostos pelo referido artigo 334.º do Código Civil, quer porque a Recorrida se limitou a exercer o seu poder de direcção, no âmbito do poder de gestão que lhe assiste e que lhe permite efectuar as reestruturações e reorganizações que entenda serem necessárias, mas fê-lo, insista-se, no total respeito pelos direitos e garantias da Recorrente, H. A Recorrida não levou a cabo quaisquer comportamentos destinados a exercer pressão sobre a Recorrente, não sendo qualquer dos comportamentos invocados pela Recorrente consubstanciador de assédio moral.
I. Assim:
a. A alteração do local de trabalho da Recorrente teve lugar no âmbito do poder de gestão que assiste à Recorrida e resultou de uma opção expressa da mesma de manter as condições comissionais em vigor até 31 de Dezembro de 2008, passando para campo, ao invés de continuar a exercê-las em branch mas já ao abrigo do novo esquema comissional aplicável a todos os vendedores da Recorrida que trabalhassem em loja/consultório/ branch. E nenhum prejuízo acarretou para a mesma, em face dos locais de residência – Trofa – consultório de onde saiu – Braga – e área de vendas onde passou a operar - Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira.
b. As instruções dadas à Recorrente para que a viatura que lhe estava atribuída fosse utilizada apenas para fins profissionais, tal como estipulado no contrato de trabalho celebrado entre as partes, ora Recorrente e Recorrida, foram-no, igualmente, no âmbito do poder de gestão que assiste à Recorrida, não sendo reveladoras de qualquer “atitude persecutória”.
c. A cessação da prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, do respectivo pagamento da compensação por essa isenção, foi lícita e legítima, e justificada no facto de a Recorrida ter integrado a Recorrente em regime de horário de trabalho fixo, aquando da passagem desta última a estar adstrita à cidade do Porto, Leça do Balio, Perafita e Leça da Palmeira, não se justificando a manutenção do motivo que deu lugar à prestação das funções da mesma em regime de isenção de horário de trabalho.
d. A afirmação proferida pelo Director de Vendas da área norte, F… que, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório” surgiu no âmbito de uma reunião que se realizou numa altura em que o clima entre ambas as partes se encontrava perturbado, sendo recíproco o descontentamento, tendo-se provado que a expressão utilizada não carrega um concreto e específico sentido injurioso dirigido à pessoa, ao nome, à honra ou ao carácter da Recorrente e que o sentida da dita expressão foi o de que, tendo a Recorrente tido já mais do que uma oportunidade para trabalhar em loja/consultório, que «desperdiçou» ou «não aproveitou», a entidade empregadora não estava disponível a dar-lhe uma nova oportunidade em loja/consultório.”.
J. Nos termos expostos, todos os comportamentos da Recorrida foram lícitos, não sendo nenhum deles, isolada ou conjuntamente considerados, consubstanciador de assédio moral.

10.2. Relativamente ao recurso subordinado a Ré conclui da seguinte maneira:
A. Conforme resulta provado nos presentes autos, na Cláusula 6.ª do Contrato de Trabalho ficou estipulado que, com o exclusivo objectivo de optimizar a produtividade da prestação de trabalho pela A., a Ré facultar-lhe-á a utilização de diversos bens e, em situações excepcionais, viatura, que apenas poderá ser utilizada pela Recorrente ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, obrigando-se aquela a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e//ou em períodos de férias e/ou períodos em que estiver de baixa, ou ainda, na data em que o contrato venha a terminar a sua vigência, por iniciativa de qualquer uma ou de ambas as partes.
B. A atribuição da viatura à Autora, ora Recorrida, ocorreu numa situação de mera tolerância e que a mesma apenas a podia utilizar ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, tendo a mesma se obrigado a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estivesse de baixa.
C. A Autora, ora Recorrida, a semelhança dos outros vendedores da Ré empregadora e ora Recorrente subordinada, tinha um plafond de 400 litros de combustível para utilizar nas suas deslocações profissionais, devendo apresentar-lhe os documentos comprovativos da utilização do cartão de combustível atribuído com o dito veículo automóvel, e bem sabia que os valores resultantes de uma utilização pessoal, isto é, que não se tenha dado ao serviço da empresa, seriam/poderiam ser deduzidos nos montantes a que a Recorrente tivesse direito.
D. A Recorrida tomou conhecimento desta regra, quando formalizou o seu contrato de trabalho com a ora Recorrente subordinada e isto foi-lhe relembrado quando lhe foi atribuída a primeira viatura de serviço.
E. Assim sendo, não é pelo facto de a Empresa ter vindo a tolerar que a Recorrida utilizasse a dita viatura de serviço para algumas deslocações pessoais, nomeadamente nas deslocações casa – trabalho e vice versa, nem pelo facto de a Empresa não ter controlado ao cêntimo que o combustível gasto tinha sido exclusivamente para uso profissional, já que a Autora e Recorrida bem sabe que a Ré, Recorrente subordinada, se preocupava mais em controlar esses gastos quando se excedesse o dito plafond de 400 litros/mês, que se pode afirmar que a dita tolerância passasse a assumir carácter obrigatório e regular.
F. Não se pode, assim, considerar que a atribuição do veículo automóvel assume natureza retributiva, nos termos e para os efeitos dos artigos 258.º e 259.º do Código do Trabalho, porquanto o facto de a Ré ter suportado algumas despesas indevidamente realizadas pela Autora, a título pessoal, tal sucedeu por desconhecimento da Autora e/ou confiança na Autora e, no caso de deslocações casa/trabalho/casa, a título de mera liberalidade e não porque estivesse legal ou contratualmente obrigada a fazê-lo.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve:
a) Ser mantida inalterada a douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, e objecto deste recurso de Apelação e, em consequência, julgado improcedente o Recurso interposto pela A., com todas as legais consequências; e
b) Ser revogada, na parte posta em crise, a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, e, em consequência, julgado procedente o Recurso subordinado interposto pela R. ora Recorrente, com todas as legais consequências.
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11. A Autora apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida nessa parte, uma vez que, no seu entender a utilização do veículo automóvel por parte da Recorrente/Recorrida subordinada revestia natureza retributiva.
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12. O Ex.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de que ambos os recursos não merecem provimento.
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13. A Recorrente C…, Lda., respondeu ao douto parecer.
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14. Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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II – Delimitação do Objecto do Recurso
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pelo apelante, os fundamentos opostos à sentença recorrida as questões a decidir são as seguintes:

No Recurso Independente:
A) - A Autora foi transferida ilegalmente do seu local de trabalho – a indeterminação do seu local de trabalho acarreta a a nulidade da respectiva cláusula [conclusões 1ª a 6ª];
B) - Houve assédio moral da recorrente [conclusões 7ª e 8ª]

No Recurso Subordinado:
A utilização do veículo automóvel por parte da autora não tem/assume/reveste natureza retributiva [conclusões A) a F)].
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III – FUNDAMENTOS
1- Fundamentos de facto resultantes da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC):
1. A A. foi admitida ao serviço da Ré em 04/11/02, mediante contrato intitulado “contrato de trabalho”, conforme documento constante de fls. 14 a 20, aqui dado como reproduzido. – cfr. al. A) dos factos admitidos por acordo;
2. A Autora foi contratada pela Ré para exercer sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções correspondentes à categoria profissional de Vendedora Especializada, com o título de Audioprotesista, conforme documento constante de fls. 14 a 20. - cfr. al. B) dos factos admitidos por acordo;
3. A Autora obrigou-se contratualmente ao exercício de tais funções de Vendedora Especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou a exercer as respectivas funções no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, .° Esq., ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, conforme documento constante de fls. 14 a 20. - cfr. al. U) dos factos admitidos por acordo;
4. Entre 4 de Novembro de 2002 a 30 de Junho de 2007, a Autora prestou as suas funções em campo (entendendo-se por “trabalho em campo” o trabalho prestado junto de clientes, fora de qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré), mais concretamente na área geográfica da Maia, Matosinhos e Valongo. - cfr. al. C) dos factos admitidos por acordo;
5. Nos anos de 2005 e 2006 a A. esteve de licença sem vencimento no período compreendido entre 01/06/05 e 30/09/06. - cfr. al. D) dos factos admitidos por acordo;
6. A partir de 01/07/07 a A. passou a desempenhar funções no chamado regime em branch (entendendo-se por “branch” qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré). - cfr. al. E) dos factos admitidos por acordo;
7. Tendo a A. passado a prestar a sua actividade profissional à Ré, a partir de 01/07/07, no estabelecimento desta sito na …, nº .. – .ºandar, sala ., na cidade de Braga. - cfr. al. F) dos factos admitidos por acordo;
8. Na qualidade de Vendedora Especializada, a Autora sempre recebeu uma retribuição base e um determinado valor a título de comissões, valor esse resultante directamente das vendas realizadas. - cfr. al. G) dos factos admitidos por acordo;
9. Nos anos de 2007 e 2008 a retribuição variável da A. era a resultante da aplicação do critério enunciado nos documentos constantes de fls. 27 e 28 cujo teor aqui se tem como reproduzido. - cfr. al. H) dos factos admitidos por acordo;
10. A A. auferiu da Ré as seguintes retribuições anuais globais:
- Ano de 2003 – € 19.779,82
- Ano de 2004 – € 15.669,61
- Ano de 2005 (parte) – € 11.346,64
- Ano de 2006 (parte) – € 2.744,40
- Ano de 2007 – € 22.509,37
- Ano de 2008 – € 33.005,68, conforme documentos constantes de fls. 21 a 26, aqui tidos como integrados no seu teor. - cfr. al. I) dos factos admitidos por acordo;
11. Com data de 2 de Janeiro de 2009, a Ré apresentou à A. “Aditamento a contrato de trabalho” nos termos do documento constante de fls. 29 a 31, aqui dado como integrado no seu teor. - cfr. al. J) dos factos admitidos por acordo;
12. A A. enviou à Ré a carta cuja cópia consta de fls. 32, em que afirmava o seguinte:
“Fui convidada a subscrever um aditamento ao meu contrato de trabalho, o qual identifica uma alteração do esquema retributivo sob o ponto de vista da retribuição variável. Ora, é jurisprudência assente que “A entidade patronal não é obrigada a manter indefinidamente a concessão de determinado tipo de retribuição, desde que não haja redução do montante desta. Assim, pode a entidade patronal alterar a forma de cálculo das comissões devidas a um trabalhador, desde que a respectiva retribuição, entendida esta como parte fixa e variável, não seja diminuída no seu valor global.”
Nestes termos, em obediência a tais princípios, que aceito, não assinarei, por desnecessário, a alteração proposta.” - cfr. al. L) dos factos admitidos por acordo;
13. Por e-mail de 28/01/2009, a Ré determinou que, a partir de 1/02/2009, a A. deixava de exercer funções de branch dispenser, voltando à posição que ocupava em 31/05/2007 (fiel dispenser), conforme documento constante de fls. 33. - cfr. al. M) dos factos admitidos por acordo;
14. Na sequência de tal comportamento da Ré, a A. manifestou o seu desacordo, considerando ilícita tal atitude, conforme documento constante de fls. 34, cujo teor aqui se tem como reproduzido. - cfr. al. N) dos factos admitidos por acordo;
15. Desde 1 de Fevereiro de 2009, a Autora exerce, novamente, as suas funções em campo/domicílio dos clientes, tendo-lhe sido atribuída a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira. - cfr. al. O) dos factos admitidos por acordo;
16. Entre Braga e Matosinhos, bem como entre Braga e Perafita, a distância é de 58 kms, sendo o tempo médio de percurso de cerca de 45 minutos aproximadamente, conforme simulação constante de fls. 84 a 89. - cfr. al. V) dos factos admitidos por acordo;
17. Entre Braga e Leça da Palmeira distam 61 kms, sendo de 45 minutos o tempo médio a percorrer, conforme simulação constante de fls. 90 a 92. - cfr. al. X) dos factos admitidos por acordo;
18. Entre Braga e Lavra distam 62 kms, sendo 43 minutos o tempo médio a percorrer, conforme simulação constante de fls. 93 a 95. - cfr. al. Z) dos factos admitidos por acordo;
19. Entre a Trofa (lugar da residência da Autora) e Matosinhos distam 33 kms e cerca de 34 minutos de deslocação, sendo que entre Trofa e Leça da Palmeira, Trofa e Perafita e Trofa e Lavra, as distâncias são de 25 kms, 22 kms e de 26 kms, respectivamente, sendo de cerca de 30 minutos o tempo de deslocação, conforme simulações constantes de fls. 96 a 107. - cfr. al. AA) dos factos admitidos por acordo;
20. A A., entre Janeiro de 2008 e Abril de 2009, recebeu da Ré a seguinte retribuição:
- Janeiro de 2008 € 1.506,96 (já com o desconto da quantia de 56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Fevereiro de 2008 € 2.325,44 (já com o desconto da quantia de 56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Março de 2008 € 491,61
- Abril de 2008 € 964,99 (já com o desconto da quantia de € 56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Maio de 2008 € 3.181,16 (já com o desconto da quantia de €294,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Junho de 2008 € 1.673,15 (já com o desconto da quantia de €56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Julho de 2008 € 614,28 (já com o desconto da quantia de €614,28 na rubrica “conta pessoal”)
- Agosto de 2008 € 2.265,66 (já com o desconto da quantia de €69,76 na rubrica “conta pessoal”)
- Setembro de 2008 € 1.139,90 (já com o desconto da quantia de €654,95 na rubrica “conta pessoal”)
- Outubro de 2008 € 1.719,38 (já com o desconto da quantia de €394,01 na rubrica “conta pessoal”)
- Novembro de 2008 € 3.043,65 (já com o desconto da quantia de €164,38 na rubrica “conta pessoal”)
- Dezembro de 2008 € 2.221,76 (já com o desconto da quantia de €56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Janeiro de 2009 € 2.375,63 (já com o desconto da quantia de €56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Fevereiro de 2009 € 1.400,18 (já com o desconto da quantia de €56,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Março de 2009 € 381,68 (já com o desconto da quantia de €160,67 na rubrica “conta pessoal”)
- Abril de 2009 € 528,75 (já com o desconto da quantia de €298,55 na rubrica “conta pessoal”), conforme documentos constantes de fls. 35 a 50, aqui tidos como integrados no seu teor. - cfr. al. P) dos factos admitidos por acordo;
21. A A. no mês de Janeiro de 2009, ainda afecta a Braga, auferiu de comissões € 2.789,22, conforme documento constante de fls. 47. - cfr. al. Q) dos factos admitidos por acordo;
21. A A., no mês de Fevereiro de 2009, já na área para onde a Ré a transferiu, auferiu € 1.079,98 a título de comissões, referente a vendas efectuadas ainda em Janeiro, quando ainda estava afecta a Braga. - cfr. al. R) dos factos admitidos por acordo;
22. Em Março de 2009, auferiu a título de comissões € 44,66, conforme documento constante de fls. 49. - cfr. al. S) dos factos admitidos por acordo;
23. A A., em Abril de 2009, auferiu a título de comissões € 117,62, conforme documento constante de fls. 50. - cfr. al. T) dos factos admitidos por acordo;
24. No ano de 2008, o colaborador D… alcançou um valor total de vendas de € 212.400,00 (média mensal de 17.700,00), mercê da sua actividade exercida na zona referida na al. O) e em Viana do Castelo. - cfr. resp. ao ques. 1 da base instrutória;
25. Entre Fevereiro e Junho de 2009, os trabalhadores da Ré H… e I…, com o mesmo esquema de comissões que o da Autora, atingiram níveis de venda que ascenderam a €88.633,00 e €90.442,00, respectivamente, contra os € 45.833,00 da Autora. - cfr. resp. ao ques. 4 da base instrutória;
26. A média de alguns dos trabalhadores da Ré é de 1 venda concretizada em cada 13 potenciais clientes, sendo a da Autora 1 venda em cada 18/20 potenciais clientes. - cfr. resp. ao ques. 5 da base instrutória;
27. No período que decorreu entre Fevereiro e Junho de 2009, a Autora recebeu cerca de 400 potenciais clientes. - cfr. resp. ao ques. 6 da base instrutória;
28. O trabalhador da Ré D…, no 1º semestre de 2008, trabalhando em campo na mesma área agora atribuída à Autora, a saber Matosinhos, a que acrescia um protocolo em Viana do Castelo, obteve uma média de 1 venda por cada 11 potenciais clientes, enquanto que a Autora, no período homólogo de 2009, na área de Matosinhos, concretizou 1 venda em 23 potenciais clientes. - cfr. resp. ao ques. 8 da base instrutória;
29. Na zona que lhe foi adstrita desde 1/02/2009, a Autora apresenta uma média mensal de vendas de € 5.800,00. – cfr. resp. ao ques. 9 da base instrutória;
30. No dia 15 de Outubro de 2009, a A. já tinha efectuado vendas na ordem dos € 11.000,00, faltando-lhe apenas cerca de € 1.000,00 de vendas para atingir os objectivos propostos pela Ré. - cfr. resp. ao ques. 11 da base instrutória;
31. No dia 20/10/2009, por volta das 18h00, a A. foi convocada para uma reunião, que teve lugar no dia seguinte, pelas 11h00. - cfr. al. BB) dos factos admitidos por acordo;
32. Na aludida reunião estiveram presentes, além da A., o Sr. F…, Director de vendas da área norte e a D. G…, Chefe de grupo da Ré. - cfr. al. CC) dos factos admitidos por acordo;
33. Na referida reunião, foi comunicado à A. que, a partir daquele data, não poderia utilizar o veículo da Ré que lhe estava adstrito para além do respectivo horário de trabalho, devendo passar a ir buscá-lo de manhã e deixá-lo ao fim do dia de trabalho, em local a indicar pela Ré. - cfr. al. DD) dos factos admitidos por acordo;
34. A Ré transmitiu também à A. os alegados baixos resultados das vendas por si efectuadas e que iria novamente mudar de área de actuação, bem como deixava de receber o subsídio de “isenção de horário de trabalho” a partir da aludida data. - cfr. al. EE) dos factos admitidos por acordo;
35. No decurso da reunião referida na al. BB), o Sr. F… disse que, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório”. - cfr. resp. ao ques. 13 da base instrutória;
36. No dia 22/10/2009, a A. recebeu um e-mail através do qual lhe foi dito:
“Conforme já comunicado pelo F1…, confirmo as seguintes alterações com efeitos a partir do próximo dia 01 de Novembro:
* Levantamento e entrega diária da viatura, em local a designar;
* Suspensão da Isenção de Horário de Trabalho”, conforme documento constante de fls. 156, aqui tido como integrado no seu teor. - cfr. al. FF) dos factos admitidos por acordo;
37. A A. respondeu nos seguintes termos:
“Agradeço que me informem qual passará a ser o local de levantamento e entrega diária da viatura e, face à «suspensão» da isenção de horário de trabalho qual passará a ser o meu horário de trabalho a observar bem como o local onde passam a considerar a minha apresentação para efeitos de início e termo do dia de trabalho”, conforme documento constante de fls. 157 e 158, aqui tido como integrado no seu teor. - cfr. al. GG) dos factos admitidos por acordo;
38. Nessa sequência, a Ré enviou à A. o e-mail constante de fls. 159, dando-lhe conta que teria de levantar a viatura que lhe está adstrita no estacionamento …, sito na Rua …, n.º …, Porto até às 9h30 e deixá-la no mesmo local até às 18h30, o que passou a observar do dia 02/11/2009 em diante. - cfr. al. HH) dos factos admitidos por acordo;
39. A A. tem, actualmente, tido a necessidade de se deslocar de autocarro e de comboio, com um acréscimo de tempo, bem como suportando os custos e incómodos daí resultantes. - cfr. resp. ao ques. 15 da base instrutória;
40. Foram retiradas à A. as zonas de actuação de S. Mamede de Infesta e Maia. - cfr. al. II) dos factos admitidos por acordo;
41. Foram também retiradas à A. as zonas de actuação de Leça do Balio, Perafita, Lavra e Leça da Palmeira, cingindo-se a actuação da A., por imposição da Ré, a partir de 02/11/2009 em diante, à cidade do Porto. - cfr. resp. ao ques. 16 da base instrutória;
42. Nesta cidade são, por vezes, fornecidos aos dispenseres/vendedores – Autora incluída – listas de potenciais clientes residentes em bairros sociais conhecidos como problemáticos, sentindo-se por vezes a A. insegura nas visitas a esses bairros. - cfr. resp. ao ques. 17 da base instrutória;
43. Na Cláusula 6ª do contrato aludido na al. A) ficou estipulado que, com o exclusivo objectivo de optimizar a produtividade da prestação de trabalho pela A., a Ré facultar-lhe-á a utilização de diversos bens, e, em situações excepcionais, viatura, que apenas poderá ser utilizada pela trabalhadora ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, obrigando-se aquela a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estiver de baixa, ou ainda, na data em que o contrato venha a terminar a sua vigência por iniciativa de qualquer uma ou de ambas as partes, conforme documento constante de fls. 14 a 20, aqui dado como reproduzido. - cfr. al. KK) dos factos admitidos por acordo;
44. A Ré atribuiu à A. a viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-... - cfr. al. LL) dos factos admitidos por acordo;
45. O veículo automóvel atribuído pela Ré à A. destinava-se não só ao uso profissional mas também pessoal desta, com conhecimento da ré, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009. - cfr. resp. ao ques. 19 da base instrutória;
46. Face ao local da residência da A. – Trofa – e aos locais onde desempenhava e desempenha a sua actividade ao serviço da Ré, na constância do contrato aludido na al. A) e até ao dia 2 de Novembro de 2009, a A. sempre se deslocou de casa para o trabalho e do trabalho para casa usando a viatura da Ré. - cfr. al. MM) dos factos admitidos por acordo;
47. A Ré suporta mensalmente, com o leasing da viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., a quantia de € 450,57/mês, conforme documento constante de fls. 161, aqui tido como integrado no seu teor. - cfr. al. JJ) dos factos admitidos por acordo;
48. A Ré suportava os custos inerentes à utilização profissional e pessoal do automóvel por parte da A., designadamente com o leasing, seguro, manutenção e portagens, dispondo a A. de um plafond mensal de 400 litros de combustível. - cfr. resp. ao ques. 20 da base instrutória;
49. Na utilização da viatura a A. gastava de gasóleo, para seu uso pessoal, quantia concretamente não apurada, que era custeada pela Ré. - cfr. resp. ao ques. 21 da base instrutória.
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Convém no entanto para melhor compreensão dos factos completar o item 11.
Assim sendo, acrescenta-se o seguinte número:
50. O email referido no item 13 é do seguinte teor:
“B…,
Em virtude de não teres informado atempadamente (data limite 19/12/08), do facto de não concordares com as condições vigentes em 2009, nos consultórios Acústica Médica, serve o presente email para informar que, a partir do dia 01 de Fevereiro de 2009, deixas de exercer funções de branch dispenser, voltando à posição que ocupavas em 31 de Maio de 2007 (field dispenser).
F… – F1…”
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2. De Direito
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes, passaremos a apreciar as questões a decidir.

Comecemos então pelas questões suscitadas pela Autora/trabalhadora.
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2.1.
A primeira questão que a Autora suscita tem a ver com a alegada transferência ilegal do seu local de trabalho, sendo nula a cláusula contratual por indeterminação daquele local de trabalho.

Defende a Autora que foi admitida ao serviço da Recorrida em 04/11/2002, mediante contrato de trabalho, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Vendedora Especializada, tendo-se obrigado “ao exercício de tais funções de Vendedora Especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou a exercer as respectivas funções no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, ..º Esq., ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes” e que a indeterminação do local de trabalho da Autora acarreta a nulidade de tal cláusula. Sendo nula a cláusula a Ré não observou nem o prazo, nem o formalismo imposto para a alteração do local de trabalho da Autora.

2.1.1. Vejamos, antes de mais, quais os factos que foram considerados provados e que estão relacionados com esta questão:
- A A. foi admitida ao serviço da Ré em 04/11/02, mediante contrato intitulado “contrato de trabalho”.
- A Autora foi contratada pela Ré para exercer sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções correspondentes à categoria profissional de Vendedora Especializada, com o título de Audioprotesista.
- A Autora obrigou-se contratualmente ao exercício de tais funções de Vendedora Especializada quer em loja/consultório quer em campo (o mesmo é dizer em loja e junto de clientes/ao domicílio, respectivamente), como se obrigou a exercer as respectivas funções no estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, .° Esq., ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da área de actuação desta ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes.
- Entre 4 de Novembro de 2002 a 30 de Junho de 2007, a Autora prestou as suas funções em campo (entendendo-se por “trabalho em campo” o trabalho prestado junto de clientes, fora de qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré), mais concretamente na área geográfica da Maia, Matosinhos e Valongo.
- Nos anos de 2005 e 2006 a A. esteve de licença sem vencimento no período compreendido entre 01/06/05 e 30/09/06.
- A partir de 01/07/07 a A. passou a desempenhar funções no chamado regime em branch (entendendo-se por “branch” qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré).
-Tendo a A. passado a prestar a sua actividade profissional à Ré, a partir de 01/07/07, no estabelecimento desta sito na …, nº .. – .ºandar, sala ., na cidade de Braga.
- Com data de 2 de Janeiro de 2009, a Ré apresentou à A. “Aditamento a contrato de trabalho”.
- A A. enviou à Ré a carta cuja cópia consta de fls. 32, em que afirmava o seguinte:
“Fui convidada a subscrever um aditamento ao meu contrato de trabalho, o qual identifica uma alteração do esquema retributivo sob o ponto de vista da retribuição variável. Ora, é jurisprudência assente que “A entidade patronal não é obrigada a manter indefinidamente a concessão de determinado tipo de retribuição, desde que não haja redução do montante desta. Assim, pode a entidade patronal alterar a forma de cálculo das comissões devidas a um trabalhador, desde que a respectiva retribuição, entendida esta como parte fixa e variável, não seja diminuída no seu valor global.”
Nestes termos, em obediência a tais princípios, que aceito, não assinarei, por desnecessário, a alteração proposta.” - cfr. al. L) dos factos admitidos por acordo;
- Por e-mail de 28/01/2009, a Ré determinou que, a partir de 1/02/2009, a A. deixava de exercer funções de branch dispenser, voltando à posição que ocupava em 31/05/2007 (fiel dispenser).
- Na sequência de tal comportamento da Ré, a A. manifestou o seu desacordo, considerando ilícita tal atitude.
- Desde 1 de Fevereiro de 2009, a Autora exerce, novamente, as suas funções em campo/domicílio dos clientes, tendo-lhe sido atribuída a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira.
- Entre Braga e Matosinhos, bem como entre Braga e Perafita, a distância é de 58 kms, sendo o tempo médio de percurso de cerca de 45 minutos aproximadamente.
- Entre Braga e Leça da Palmeira distam 61 kms, sendo de 45 minutos o tempo médio a percorrer.
- Entre Braga e Lavra distam 62 kms, sendo 43 minutos o tempo médio a percorrer.
- Entre a Trofa (lugar da residência da Autora) e Matosinhos distam 33 kms e cerca de 34 minutos de deslocação, sendo que entre Trofa e Leça da Palmeira, Trofa e Perafita e Trofa e Lavra, as distâncias são de 25 kms, 22 kms e de 26 kms, respectivamente, sendo de cerca de 30 minutos o tempo de deslocação.

2.1.2. Não existe nenhuma regra laboral genérica que defina o local onde o trabalhador deva prestar a sua actividade.
Nos termos do disposto no artigo 154º nº1 do Código do Trabalho “o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no art. 315º a 317º”.

O «local de trabalho contratualmente definido», ou seja, a zona geográfica contratualmente ajustada pelos sujeitos, coincidirá, em regra, com a área da empresa, estabelecimento ou unidade produtiva em que o trabalhador labore. Será, como refere Menezes Cordeiro[2], o local de trabalho potencial do trabalhador, competindo depois à entidade empregadora, no uso do seu poder directivo, a definição do local de trabalho efectivo daquele. Nas palavras de João Leal Amado[3], «o local de trabalho potencial resulta de estipulação contratual, ao passo que o local de trabalho efectivo resulta da direcção patronal. Sendo o primeiro mais vasto que o segundo, este poderá mudar sem que aquele seja alterado – tratar-se-á então, afinal, da normal execução do contrato de trabalho, de acordo com as ordens e instruções do empregador, e não já de uma qualquer modificação do mesmo.»

No caso de não haver estipulação expressa do local de trabalho no contrato de trabalho a sua determinação resulta “implicitamente dos termos em que o contrato foi celebrado ou das circunstâncias que rodearam a sua celebração”[4].
Podemos dizer que um dos elementos concretizadores da prestação de trabalho é o local em que ela deve ser executada. Trata-se de um elemento relevante para a situação socioprofissional do trabalhador já que, fixado expressa ou tacitamente no contrato de trabalho o lugar da prestação, é em função desse lugar que o trabalhador vai organizar a sua vida pessoal[5].

Como consta dos factos, o contrato de trabalho entre as partes foi reduzido a escrito e a sua cláusula 2ª tem o seguinte conteúdo: «A Segunda Outorgante [a aqui Recorrente/Autora] obriga-se a prestar o seu trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização da Primeira Outorgante [a aqui Recorrida e Ré], e ou de quem a represente, no estabelecimento da Primeira Outorgante, sito no Porto, Rua …, n.º …, .° andar esquerdo, ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Primeira Outorgante, dentro da actual área de actuação desta, ou áreas limítrofes, nomeadamente junto dos Clientes.»

A ser válida esta cláusula, à Ré seria lícito, em princípio, transferir a Autora para a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira.

É que, embora, em regra, seja proibido “[a]o empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho” (art.º 122.º, alínea f)[6], do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/8, por ser a versão que estava em vigor na data em que a ré ordenou a transferência da autora para a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira - artigo 8º nº 1 da Lei Preambular ao Código do Trabalho), a verdade é que essa regra comporta excepções, como o citado normativo expressamente refere, ao acrescentar “salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou quando haja acordo”.

E as referidas excepções previstas no Código do Trabalho constam dos nºs 1 e 2 do artigo 315º e 316º.

O primeiro, ou seja, o artigo 315º, que tem sob epígrafe «Mobilidade Geográfica» refere-se à transferência definitiva – que é a que está em causa nos autos – e o segundo – artigo 316º – à transferência temporária.

De acordo com o artigo 315º do Código do Trabalho o empregador pode:
- transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador, quando o interesse da empresa o exija (nº 1);
- transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço(nº 2).
Da conjugação 122º, alínea f), parte final, com o disposto nos n.º 1 e 2 do art.º 315º, concluímos que o empregador só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho quando este der o seu acordo à transferência (parte final da alínea f) do art.º 122º) ou nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 315º.

No entanto, não podemos olvidar o nº 3 do artigo 315º, o qual permite que «[p]or estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores.»

Conforme já referimos o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré contém uma cláusula – a segunda – que veio alargar a faculdade de transferência do local de trabalho da Autora.

2.1.3. Convém esclarecer que o contrato de trabalho celebrado entre as partes o foi 04/11/2002. Significa isto que nessa altura o Código do Trabalho ainda não tinha sido publicado. No entanto, o artigo 24.º, n.º 1, da LCT (regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo DL n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, em vigor à data da celebração do contrato de trabalho) já permitia, segundo a melhor doutrina e a melhor jurisprudência[7], tal tipo de estipulação, apesar da sua redacção não ser tão inequívoca a esse respeito como é a do nº 3 do art.º 315.º do CT, uma vez que neste normativo se admite expressamente que as partes possam alargar ou restringir a faculdade da transferência, quando o nº 1 do artº 24.º se limitava a dizer que “[a] entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”.[8]

Sendo assim, era lícito às partes, ao abrigo do disposto no art.º 24.º, n.º 1, da LCT, convencionarem, em sede do contrato de trabalho, uma maior liberdade da faculdade de transferência do local de trabalho da autora por parte da ré.

E, face ao teor da referida cláusula (a cláusula 2ª do contrato de trabalho), a ordem de transferência do local de trabalho da autora para a área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira seria, em princípio, legítima, uma vez que a mesma dispensaria a verificação dos dois requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 315.º do CT: o interesse da empresa e a inexistência de prejuízos sérios para a trabalhadora.

2.1.4. E, foi assim, que a decisão recorrida entendeu, ao decidir que a mesma cláusula não era nula, nem existia abuso de direito, tendo decorrido da seguinte forma sobre o assunto:
“[…] reportando-nos ao teor da citada clausula 2ª do contrato de trabalho firmado entre as partes ressalta, desde logo, que aquilo que, «doutrinalmente, é definido como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deve ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia, de acordo com a normação privada estabelecida entre as partes, a um específico, concreto e imutável lugar geográfico». Na verdade, tendo em conta a especificidade da actividade comercial da ré e as funções de vendedora Especializada da A., que tanto poderiam ser exercidas em loja/consultório, como junto de clientes/ao domicílio, o local definido no acordo negocial abarcava quer o estabelecimento da Ré, sito no Porto, na Rua …, n.º …, .° Esq., quer qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela Ré, dentro da actual área de actuação desta ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes.
Esta particular indeterminação do local de trabalho – traduzida na falta de indicação, na mencionada cláusula, dos concretos lugares do território para os quais a Autora aceitou ser deslocada -, no contexto do concreto negócio jurídico e face às especificidades supra enunciadas, não implica a nulidade dessa específica estipulação nos termos do n.º 1 do art. 280.º do Código Civil.
Com efeito, tais lugares são determináveis pela referência, na mesma cláusula, ao estabelecimento da ré sito no Porto ou às demais áreas (geográficas) da actual actuação da Ré ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, sendo que, nos termos do contrato, a esta foi confiada a determinação do local da prestação do trabalho, dentro daquela área, e, sendo assim, não poderá falar-se de nulidade, mas, eventualmente, de desrespeito pelos critérios de equidade que, de acordo com o n.º 1 do artigo 400º do Cód. Civil, hão-de presidir à concretização do local do cumprimento da obrigação de prestação do trabalho, originariamente indicado com a amplitude de uma vasta área geográfica.
Pelo exposto, conclui-se pela validade da cláusula em apreciação, através da qual foi conferida à empregadora o direito de deslocar a Autora para qualquer outro local da actual área de actuação da Ré (nomeadamente para qualquer outro estabelecimento pertença da Ré ou área onde procede à venda dos seus produtos) ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, sem as restrições constantes na parte final do n.º 1 e n.º 2 do artigo 315º.
Assim, a ordem dada pela entidade empregadora para a autora passar a trabalhar “em campo” junto de clientes na zona de Matosinhos – onde, aliás, a A. tinha já anteriormente exercido funções idênticas – mostra-se compreendida no local de trabalho contratualmente previsto.
Nos termos em que o local de trabalho é definido nesta situação jurídico-laboral, não se está perante uma transferência, mas antes perante uma mudança de um local para outro, para o que a trabalhadora dera o seu prévio acordo.
Assim, ao decidir colocar a autora na zona de Matosinhos, a Ré não procedeu a uma transferência da autora do seu local de trabalho, actuando antes dentro dos limites da estipulação contratual e no uso dos seus poderes de gestão e de direcção.
Por isso, no caso, não tem aplicação o disposto no artigo 315º, pois que não houve transferência da trabalhadora, que se manteve no seu local de trabalho, com a amplitude que lhe é dada pela cláusula 2ª do contrato de trabalho.
Não se tratando, in casu, de uma ordem de transferência, também não impendia sobre a Ré o dever de cumprir o procedimento previsto no art. 317º»

Já sobre o alegado abuso de direito a sentença recorrida refere que «No caso sub júdice, como já salientámos, face à não aceitação pela A. da alteração da base de cálculo percentual das comissões, a Ré determinou-lhe que, a partir de 1/02/2009, deixava de exercer funções de branch dispenser, voltando à posição que ocupava em 31/05/2007 (fiel dispenser), tendo-lhe, então, atribuído a área de actividade que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira (cfr. als. M) e O) dos factos admitidos por acordo).
Já vimos, por outro lado, que não estava vedado à entidade patronal alterar nos moldes em que o fez o esquema comissional, não se tendo provado a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Assim, e como refere a Ré, face ao circunstancialismo concreto, não lhe era exigível distinguir a A. dos demais colaboradores que exerciam funções em loja e que aceitaram o novo esquema comissional, ao contrário daquela que rejeitou essa alteração.
A ré actuou, pois, no âmbito do exercício do seu poder de direcção e de organização da empresa, fixando os novos termos em que a A. devia prestar o seu trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas gerais laborais que o regem.
Acresce que, em consequência da ordem em apreço, não se evidencia que tenham advindo para a Autora prejuízos sérios, pois a distância da área da sua residência (Trofa) a Braga ou a Matosinhos é similar (cfr. als. V) a AA) dos factos admitidos por acordo).
Por outro lado, não se extrai dos autos que, na execução do contrato, a ré tenha criado na A. uma justificada situação (ou estado) de confiança reportada à inalterabilidade do local de trabalho (por referência ao estabelecimento da Ré, sito na cidade de Braga).
Forçoso será, pois, concluir que, do acervo factual assente, não resulta provado que a Ré tenha assumido qualquer actuação que, objectivamente considerada, fosse passível de constituir uma ofensa grave e patente das regras da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito, por isso não se verifica demonstrado o alegado abuso de direito.»

Vejamos:
2.1.5. Nos termos do artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, o regime deste diploma é aplicável aos contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor (que ocorreu, por força do artigo 3.º, n.º 1, da referida Lei, em 1 de Dezembro de 2003), "salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento".
Tratando-se de apreciar a validade de uma cláusula de contrato subscrito em 04/11/2002, portanto, antes do início da vigência do Código do Trabalho, a disciplina legal a observar é, pois, a do regime constante da LCT.
Este diploma consignava, na alínea e) do seu artigo 21.º, a proibição de a entidade patronal "transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo o disposto no artigo 24º", estatuindo o n.º 1 deste artigo que "a entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele prestar serviço".
A interpretação destas normas suscitou controvérsia, quanto ao alcance do carácter supletivo conferido ao preceito do artigo 24.º pela expressão "salva estipulação em contrário".
Alguma doutrina inclinou-se a considerar que tal expressão deveria ser interpretada no sentido de ser permitido às partes estipular a exclusão ou limitação do poder da entidade patronal de transferir o trabalhador, não consentindo, porém, que as partes pudessem convencionar outras hipóteses de transferência, não previstas naquela norma, ou acordar na atribuição ao empregador de plena liberdade na fixação do local de trabalho[9].
Nesta perspectiva, a norma seria dotada de carácter supletivo, apenas num sentido: o de admitir a substituição, por vontade de ambas as partes, do regime nela estabelecido, por outro mais favorável ao trabalhador (restrição ou eliminação da possibilidade de transferência); mas seria imperativa, no sentido de proibir às partes a estipulação de um regime que, de algum modo, pudesse afectar a estabilidade do local de trabalho garantida pelos condicionamentos nela estabelecidos (alargamento das possibilidades de transferência do trabalhador ou mobilidade geográfica ilimitada).
Desta relativa imperatividade decorreria a nulidade do contrato na parte em que se conferisse ao empregador total liberdade para, qualquer que fosse o âmbito geográfico de exercício da sua actividade, alterar o local do trabalho (artigos 280º, nº 1, e 294º do Código Civil e 14º, nºs 1 e 2, da LCT).
Outra foi a interpretação propugnada pela maior parte da doutrina que, considerando que o local do trabalho é, caracteristicamente, objecto de estipulação no contrato, este pode prever, expressa ou tacitamente, hipóteses de mudança e, até, conceder o direito de transferência a empresas que exerçam a sua actividade em vários pontos do país, sustentou a natureza plenamente supletiva da norma em causa[10].
A nível de jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de 11 de Maio de 1994[11] considerou que o n.º 1 do artigo 24.º da LCT não se integra no grupo das normas imperativas, tratando-se, pelo contrário, de preceito dispositivo, que pode ser afastado por estipulações dos sujeitos do contrato e, assim, as partes podem convencionar directamente no contrato de trabalho que a entidade patronal goze de liberdade na fixação do lugar de trabalho, sendo-lhe legítimo, a todo o momento, transferir o trabalhador. Nele se observou que, em tal domínio, a vontade das partes se move livremente, do que resulta que a garantia de inamovibilidade não é de interesse e ordem pública, apenas se reconduzindo aos princípios contratuais.

Subscrevemos este entendimento de não imperatividade da norma em causa, daí que se conclua não versar a cláusula nos autos questionada objecto contrário à lei, não podendo ela, por tal motivo, ser considerada, nos termos dos artigos 280º, nº 1, e 294º do Código Civil, nula.

2.1.6. Entre as causas de nulidade do negócio jurídico previstas no artigo 280º, nº 1, figura a de ele ter objecto indeterminável.
A Autora considera que a cláusula em questão análise é de conteúdo indeterminado, sendo a mesma nula.
Em anotação ao artigo 280º, nº 1, referem os Professores João de Matos Antunes Varela e Fernando Andrade Pires de Lima[12] que "apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado", e, em anotação ao artigo 400.º — cujo n.º 1 prescreve que "a determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados" —, observam que "a indeterminação do objecto do negócio jurídico é admitida de uma maneira geral, pelo artigo 280º, n.º 1" e que o artigo 400º "regula, precisamente, a forma da sua determinação, no domínio das obrigações".
Atento o teor dos referidos preceitos, afigura-se que, conforme se refere na decisão recorrida que “tais lugares são determináveis pela referência, na mesma cláusula, ao estabelecimento da ré sito no Porto ou às demais áreas (geográficas) da actual actuação da Ré ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, sendo que, nos termos do contrato, a esta foi confiada a determinação do local da prestação do trabalho, dentro daquela área, e, sendo assim, não poderá falar-se de nulidade, mas, eventualmente, de desrespeito pelos critérios de equidade que, de acordo com o n.º 1 do artigo 400º do Cód. Civil, hão-de presidir à concretização do local do cumprimento da obrigação de prestação do trabalho, originariamente indicado com a amplitude de uma vasta área geográfica.
Pelo exposto, conclui-se pela validade da cláusula em apreciação, através da qual foi conferida à empregadora o direito de deslocar a Autora para qualquer outro local da actual área de actuação da Ré (nomeadamente para qualquer outro estabelecimento pertença da Ré ou área onde procede à venda dos seus produtos) ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, sem as restrições constantes na parte final do n.º 1 e n.º 2 do artigo 315º.
Assim, a ordem dada pela entidade empregadora para a autora passar a trabalhar “em campo” junto de clientes na zona de Matosinhos – onde, aliás, a A. tinha já anteriormente exercido funções idênticas – mostra-se compreendida no local de trabalho contratualmente previsto.
Nos termos em que o local de trabalho é definido nesta situação jurídico-laboral, não se está perante uma transferência, mas antes perante uma mudança de um local para outro, para o que a trabalhadora dera o seu prévio acordo.”
Decorre, de forma clara e inequívoca, que a autora anuiu contratualmente em estabelecer como seu local de trabalho um espaço fisicamente variável, delimitado pela área de actuação da Ré ou área limítrofes, nomeadamente junto de clientes.
A ordem dada pela entidade empregadora para a autora passar a exercer as suas funções em campo/domicílio dos clientes, na área de actividade da Ré que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira, está compreendida no local de trabalho contratualmente previsto.
Além do mais, entendemos que a cláusula de mobilidade não reveste assim tanta amplitude que implique uma indeterminabilidade do local de trabalho. Diferente seria se, por exemplo, a mesma se referisse ao território nacional. Por outro lado, sendo a categoria profissional da Autora de vendedora especializada quer em loja/consultório, quer junto de clientes/ao domicílio [sendo certo que entre 4 de Novembro de 2002 a 30 de Junho de 2007, a Autora prestou as suas funções em campo (entendendo-se por “trabalho em campo” o trabalho prestado junto de clientes, fora de qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré), mais concretamente na área geográfica da Maia, Matosinhos e Valongo], estamos perante um tipo de funções que pressupõem itinerância, quando desenvolvidas em campo, ou seja fora de qualquer loja ou posto de atendimento ou venda da Ré. Essa própria itinerância leva a que possa existir uma certa indeterminabilidade no local de trabalho que deve ser concretizada, dentro dos ditames da boa-fé, pela entidade patronal, tendo, como não poderia deixar de ser, sempre em consideração o clausulado por acordo. É aquilo a que na decisão recorrida se apela de determinação por referência aos lugares mencionadas na cláusula.
2.1.7. A Autora alega ainda que «a determinação do local de trabalho normalmente não resulta de acordo entre trabalhador e empregador, mas antes de uma adesão, em regra tácita, do trabalhador, ao clausulado que o empregador lhe apresenta.
Nesta conformidade, a trabalhadora Recorrente, bem como os demais colegas de trabalho, viram aposta nos respectivos contratos de trabalho uma cláusula do teor que resulta provada nos autos.»

Daqui parece resultar, embora de forma não clara, uma invocação do regime das cláusulas contratuais gerais – por decorrer do contrato que o mesmo corresponde a um contrato tipo, pré redigido para um número indeterminado de pessoas – DL 466/85 de 15/10.
Ora, além de estarmos perante uma questão nova, inexistem quaisquer elementos nos autos, nem sequer os mesmos foram invocados, e muitos menos se encontram provados, que o contrato que a Autora celebrou com a Ré era igual aos outros que os restantes trabalhadores da Ré celebraram.
Assim sendo, sem mais delongas, improcede esta questão.

Assim, sendo válida a cláusula em apreço, não existem os vícios invocados pela Autora.

2.1.8. Mas a autora invoca ainda que a ordem dada pela Recorrida à Recorrente, de alteração de local de trabalho, traduz-se numa manifesta situação de abuso de direito, e, consequentemente, na ilegitimidade de tal ordem que foi dada à Recorrente. Fundamenta a sua posição no facto de a ordem de alteração do aludido local de trabalho nunca poderá conceber-se como sendo legítima, na medida em que resulta de uma utilização abusiva de um direito, do poder conformador da prestação laboral por parte do empregador, neste caso a Recorrida, mais não sendo do que uma reacção primária desta ao facto de a Recorrente não ter assinado o aditamento ao contrato de trabalho.

2.1.9. A sentença recorrida entendeu não existir abuso de direito, tendo referido que «face à não aceitação pela A. da alteração da base de cálculo percentual das comissões, a Ré determinou-lhe que, a partir de 1/02/2009, deixava de exercer funções de branch dispenser, voltando à posição que ocupava em 31/05/2007 (fiel dispenser), tendo-lhe, então, atribuído a área de actividade que abrange Matosinhos, Lavra, Perafita e Leça da Palmeira (cfr. als. M) e O) dos factos admitidos por acordo).
Já vimos, por outro lado, que não estava vedado à entidade patronal alterar nos moldes em que o fez o esquema comissional, não se tendo provado a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Assim, e como refere a Ré, face ao circunstancialismo concreto, não lhe era exigível distinguir a A. dos demais colaboradores que exerciam funções em loja e que aceitaram o novo esquema comissional, ao contrário daquela que rejeitou essa alteração.
A ré actuou, pois, no âmbito do exercício do seu poder de direcção e de organização da empresa, fixando os novos termos em que a A. devia prestar o seu trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas gerais laborais que o regem.
Acresce que, em consequência da ordem em apreço, não se evidencia que tenham advindo para a Autora prejuízos sérios, pois a distância da área da sua residência (Trofa) a Braga ou a Matosinhos é similar (cfr. als. V) a AA) dos factos admitidos por acordo).
Por outro lado, não se extrai dos autos que, na execução do contrato, a ré tenha criado na A. uma justificada situação (ou estado) de confiança reportada à inalterabilidade do local de trabalho (por referência ao estabelecimento da Ré, sito na cidade de Braga).
Forçoso será, pois, concluir que, do acervo factual assente, não resulta provado que a Ré tenha assumido qualquer actuação que, objectivamente considerada, fosse passível de constituir uma ofensa grave e patente das regras da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito, por isso não se verifica demonstrado o alegado abuso de direito.»

2.1.10. No que concerne à figura do instituto do abuso de direito, além do que já ficou exarado na decisão recorrida, sempre acrescentaremos o seguinte:
O artigo 334.º do Código Civil consigna que «[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». O abuso do direito traduz-se, assim, no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça[13].
Segundo João Baptista Machado,[14] a confiança digna de tutela deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente, a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito. Para que «a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro»; para que «se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o “investimento” [da] contraparte é preciso que esse “investimento” haja sido feito apenas com base na dita confiança», sem o que não se justifica a necessidade de fazer intervir a protecção da confiança; por outro lado, nos casos em que «a base da confiança é uma aparência, ou seja, nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real [...], a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico», exigindo-se da «contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé cuidados tanto maiores quanto mais vultosos forem os “investimentos” (iniciativas, actos de disposição, decisões) feitos com base na confiança. Sobretudo quando circunstâncias particulares façam suscitar dúvidas sobre a verdade da situação aparente».
Da tipologia do abuso de direito sobressai o venire contra factum proprium.
Baptista Machado[15] aponta como pressupostos do venire contra factum proprium:
a) a verificação de uma situação objectiva de confiança: a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura; (“...o agente fica adstrito a não contradizer o que primeiro fez e disse” – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pág. 200.)
b) investimento na confiança e irreversibilidade desse "investimento": a outra parte, com base na situação criada, organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada;
c) Boa fé da contraparte que confiou: nos casos de divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, a contraparte só é merecedora de protecção jurídica se estiver de boa fé "(por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais ao tráfico jurídico".
Relativamente às invocadas regras da boa fé, o ordenamento jurídico utiliza essa expressão umas vezes com um sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) e outras vezes com um sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva), embora, no dizer de Almeida Costa[16], se trate de dois ângulos diferentes de encarar ou exprimir a mesma realidade.
O artigo 334º do Código Civil acolhe a expressão boa fé com um sentido vincadamente ético, o qual se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, «que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos».
Trata-se, em substância, de adoptar a conduta do bonus paterfamilias[17].

2.1.11. No caso em apreço, não resulta minimamente que a Ré ao «transferir» a autora tenha de forma manifesta e clamorosa, agido fora dos limites impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito.
Na verdade, subscrevemos por completo o que a Mª Juiz exarou na sentença recorrida quanto a esta questão ao afirmar que a Ré «no âmbito do exercício do seu poder de direcção e de organização da empresa, fixando os novos termos em que a A. devia prestar o seu trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas gerais laborais que o regem.» Sendo certo que, como acrescenta a referida decisão, «não se extrai dos autos que, na execução do contrato, a ré tenha criado na A. uma justificada situação (ou estado) de confiança reportada à inalterabilidade do local de trabalho (por referência ao estabelecimento da Ré, sito na cidade de Braga).»
Além do mais refere, «não se evidencia que tenham advindo para a Autora prejuízos sérios, pois a distância da área da sua residência (Trofa) a Braga ou a Matosinhos é similar».

Não nos podemos esquecer que compete ao empregador determinar, dirigir e orientar a actividade do trabalhador que se lhe encontra subordinado, que trabalha sob as suas ordens, direcção e fiscalização (art. 10º do Código do Trabalho). É bem verdade que não podemos também esquecer que tal poder de direcção de que goza o empregador não pode significar a violação dos direitos fundamentais de que goza o trabalhador enquanto cidadão. Se é certo que o trabalhador goza dos direitos constitucionais consagrados no artigo 59º da Constituição da Republica Portuguesa, não é menos certo que a liberdade de empresa também encontra consagração constitucional, colocando-se, assim, a questão em termos de delimitação de direitos – impondo-se a ponderação dos interesses em presença, devendo procurar-se a concordância prática dos interesses envolvidos através do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade, adequação e proibição do excesso[18].

2.1.12. Acontece que no caso em apreço, não está demonstrado – e à autora caberia fazer a prova desse facto, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil – que a «transferência da Autora» tenha sido fruto de um acto vingativo, de retaliação, desnecessário, desproporcionado, discriminatório em relação a outros trabalhadores, por parte da Ré. E, sendo assim, não podemos afirmar, nem defender que a Ré tenha usado de forma ilegítima ou abusiva o direito que lhe assistia e que contratualmente lhe estava assegurado.

2.1.13. Diferentemente seria a situação, se por exemplo, a Autora tivesse de forma ininterrupta e de forma inamovível exercido as suas funções há vários anos no mesmo local, criando nela, face a essa intemporalidade, expectativas e a confiança, espelhada na organização da sua vida, de que a sua entidade patronal, apesar do clausulado, não o exercitaria. Mas não foi esse o caso manifestamente.

Por todas estas razões concordamos com o decidido na 1ª instância, pelo que também, nesta parte, julgamos improcedente o recurso de apelação da Autora.
_______________
2.2. Resolvida a questão anterior chegou a vez de apreciar o alegado assédio moral de que a Autora diz ter sido vítima por parte da Ré. A Autora com base em assédio moral formulou pedido de indemnização, por danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 10.000,00. Pedido que esse que não logrou êxito e que neste recurso pretende que se altere.
Para o efeito alega que «todos os comportamentos observados pela Recorrida, começando pela alteração do local do trabalho da Recorrente, e terminando com a supressão da isenção de horário de trabalho, com a proibição de utilização do carro, com a constante alteração das suas áreas de actuação, bem como com a utilização de determinadas expressões, visou, exclusivamente (e infelizmente logrou alcançar tal desiderato) humilhar, prejudicar e criar um ambiente de trabalho hostil à Recorrente.
O que implica que a conduta da Recorrida tenha de ser reconduzida a uma situação de assédio moral e, por conseguinte, a Recorrente indemnizada pela respectiva prática, de que foi alvo.»

2.2.1. A decisão recorrida de forma clara e adequada deu um retrato do que se entende por assédio moral, bem como o enquadramento jurídico no nosso ordenamento. Estamos de acordo com o exposto. No entanto, sempre acrescentaremos o seguinte:
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera a violência laboral, a par do stress, “burnout” e alcoolismo, entre outros, como um dos riscos emergentes para a saúde e segurança dos trabalhadores em todo o mundo (ILO, 2004).
De acordo com a Resolução do Parlamento Europeu sobre assédio moral no local de trabalho (2339/2001 (INI)), o assédio moral constitui um risco potencial para a saúde dos indivíduos, conduzindo frequentemente a doenças relacionadas com stress laboral.
Também o estudo-piloto da Agência Europeia para a Saúde e Segurança no Trabalho (OSHA) “The State of Occupational Safety and Health in the European Union”, publicado em Setembro de 2001, chega à conclusão que o assédio moral, a violência física e os problemas ergonómicos constituem novos factores de risco com uma conexão psicológica; de acordo com esta Agência, o assédio moral, e o assédio em geral, levam frequentemente a doenças relacionadas com o stress e constituem riscos potenciais para a saúde dos trabalhadores.

2.2.2. Várias têm sido as definições do conceito de assédio moral no trabalho.
Assim o Professor Heinz Leymann, investigador em psicologia do trabalho e pioneiro nesta matéria, define assédio moral como sendo: “Uma interacção social, através da qual um indivíduo (raramente mais do que um) é atacado por um ou mais (raramente mais de quatro) indivíduos de forma diária e continuada durante meses, levando a pessoa assediada a sentir-se numa posição completamente desprotegida e correndo um elevado risco de exclusão”[19].

Já Marie-France Hirigoyen, psiquiatra francesa, refere que: “O assédio moral no trabalho define-se como sendo qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho”[20].

Margarida Barreto[21] define o assédio moral no trabalho como “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”.

Garcia Pereira[22] diz que «O assédio moral tem ínsitos, desde logo (e conforme ensinam os mais importantes autores que têm tratado este tema, de Marie France Hirigoyen a Leymann e Einarsen, designadamente), três elementos fundamentais:
Por um lado, o ser um processo, ou seja, não um fenómeno ou um facto isolado, mesmo que de grande gravidade, mas antes um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas, que ocorrem com um mínimo de periodicidade (por exemplo, pelo menos uma vez por semana ou por mês) e de reiteração (designadamente perdurando ao longo de 6 meses).
Por outro lado, a circunstância de esse conjunto mais ou menos periódico e reiterado de condutas ter por objectivo o atingimento da dignidade da vítima e o esfacelamento da sua integridade moral e também física, quebrando-lhe a sua capacidade de resistência relativamente a algo que não deseja, e buscando assim levá-la a “quebrar” e a ceder.
Por fim, pode dizer-se que constitui também traço característico do assédio moral o aproveitamento da debilidade ou fragilidade da vitima ou de um seu autêntico “estado de necessidade” (por exemplo, decorrente da sua posição profissional hierarquicamente inferior, o que é o mais frequente, ou então da precariedade do respectivo vínculo laboral e da extrema necessidade da manutenção deste para conseguir garantir a subsistência própria e dos filhos por exemplo, ou até do chantageamento decorrente de factos incómodos ou desprimorosos da respectiva vida pessoal e/ou familiar).
É hoje e infelizmente muito frequente, quando o titular de uma organização empresarial pretende “ver-se livre” de um dado trabalhador mas não tem ao seu alcance qualquer modo, pelo menos formalmente legal, de pôr termo ao respectivo contrato de trabalho (por exemplo a cessação durante o período experimental, caducidade do contrato a termo, ou a cessação por extinção do posto de trabalho, na sequência da 10ª “reestruturação” do mês…), nem o trabalhador se mostra disponível para aceitar o “mútuo acordo de rescisão” que lhe é então proposto, que trate de o sujeitar a um processo de assédio moral visando precisamente levá-lo a ceder e a acabar por, não aguentando mais, aceitar finalmente aquilo que inicialmente fora por ele rejeitado.»

Para Márcia Novaes Guedes[23], o assédio moral no trabalho, além da modalidade vertical (empregadores e chefes contra subordinados), pode-se verificar na modalidade horizontal (colegas de trabalho do mesmo grau hierárquico), como também, embora menos frequente, de modo ascendente – é o mobbing de baixo para cima (subordinados que se amotinam e aterrorizam um superior, normalmente utilizando actos de sabotagem do trabalho deste).

Quanto às espécies, Maria Aparecida Alkimin[24], classifica o assédio moral em vertical descendente (parte do superior em relação aos seus subordinados); horizontal simples ou colectivo (parte de um ou mais trabalhadores em relação ao colega de serviço); vertical ascendente (de um ou mais assalariados em relação ao superior hierárquico).

2.2.3. Contudo, convém realçar que nem todas as situações de conflito existentes no local de trabalho constituem assédio moral. Devemos ter alguma cautela na apreciação destas questões, sob pena de banalização deste conceito e que, como refere Pedro Freitas Pinto[25] «um dos grandes perigos para que a figura do assédio moral, possa sedimentar-se e vingar entre nós quer ao nível doutrinal, quer jurisprudencial, é que ela se torne num fenómeno de moda, passando a ser alegada em tudo o que é acção laboral.
Deverão assim os juristas ter uma perfeita noção do que esta figura representa e saber que há muitas situações passíveis de responsabilidade contratual mas que não são situações de “mobbing”, para que este regime seja invocado na sua estrita medida.»

Segundo Marie-France Hirigoyen[26], não constitui assédio moral as situações abaixo mencionadas, cujas são consideradas simples conflitos existentes nas organizações:
• O stress,
• As virtudes do conflito normal (conflitos interpessoais e organizacionais)
• As injúrias dos gestores e do pessoal dirigente
• As agressões (físicas e verbais) ocasionais não premeditadas
• Outras formas de violência como o assédio sexual, racismo, etc.
• As condições de trabalho insalubres, perigosas, etc.
• Os constrangimentos profissionais, ou seja, o legítimo exercício do poder hierárquico e disciplinar na empresa (exemplo: a avaliação de desempenho, instaurar um processo disciplinar, etc.

Heinz Leymann [27] refere que “ (...) os conflitos são inevitáveis (...) não estamos falando aqui, do conflito. Nos referimos a um tipo de situação comunicacional que ameaça infligir ao indivíduo graves prejuízos psíquicos e físicos. O mobbing é um processo de destruição; compõe-se de uma série de atuações hostis que, se vistas de forma isolada, poderiam parecer anódinas, mas cuja repetição constante tem efeitos perniciosos.”

Garcia Pereira[28] refere também que «o “assédio moral” no trabalho não se confunde nem com o “stress” (ainda que este possa, por vezes, ser um instrumento de prática daquele), nem com uma relação profissional dura (por exemplo, em virtude de uma chefia muito exigente e pouco cordata mas que não visa esfacelar a integridade moral de ninguém), nem sequer com um mero e isolado episódio mais violento (designadamente, um incidente ou uma discussão particularmente intensos mas sem sequelas).»

Assim sendo, devemos ter em atenção que num mero e normal conflito laboral existe simetria onde os protagonistas estão em pé de igualdade (pelo menos teórica). Já não é, assim, numa situação de assédio moral, em que estamos perante uma assimetria, em que se estabelece uma relação de dominante-dominado, em que o primeiro controla o «jogo» e tenta levar o segundo a perder a sua identidade.
O assédio moral é um abuso que não pode, nem deve confundir-se com as decisões legítimas advenientes da organização de trabalho, desde que conformes ao contrato de trabalho.
Também não se pode considerar assédio moral as agressões esporádicas, as más condições de trabalho e as restrições profissionais.
Parece-nos ainda que o ponto determinante, que marca a diferença entre conflito laboral e assédio moral, será a intencionalidade que está por detrás de um e de outro. Por detrás do assédio moral existe uma clara e, manifesta intenção de o agressor se livrar da pessoa assediada, da vítima[29]. No entanto, há entre estas duas situações um ponto comum, já que em que em inúmeras ocasiões o assédio moral é consequência de um conflito não resolvido ou mal resolvido, quer seja latente ou patente, que ainda fervilha ou faz fervilhar.
Como resultou do atrás exposto e defendido pelos autores mencionados no conflito laboral existem outras situações que podem confundir-se com o assédio moral. Referimo-nos, por exemplo, a um quadro de sintomatologia de stress laboral, cujo pode derivar das especiais circunstâncias do posto de trabalho (alta responsabilidade, grande exigência, etc.). Nestes casos, apesar de a pessoa poder apresentar uma sintomatologia muito similar à de uma vítima de assédio moral, a grande diferença é que, no caso do stress, estamos perante a ausência de uma intenção deliberada de livrar-se do trabalhador.
Também a agressão esporádica se pode confundir com o assédio moral. Ora, esta agressão pode resultar de uma actuação impulsiva e pode provocar um forte mal-estar na vitima, mas diferencia-se do assédio moral, uma vez que este é sistemático, repetitivo e com clara premeditação.
No caso de as condições de trabalho serem precárias ou negativas (muitas horas de trabalho, espaços pequenos, pouca luz, etc.), também pode levar a que haja alguma confusão com o assédio moral. A solução do caso, como já referimos, está na intenção. Se por detrás destas condições precárias ou negativas das condições de trabalho não existe uma clara intenção de livrar-se de um trabalhador não se pode considerar assédio. Nestes casos, o trabalhador terá de se socorrer de outros meios legais que tenha ao seu dispor de forma a solucionar a sua situação.
Existem outras situações de conflito quando o chefe ou o superior hierárquico utiliza a coação como meio para aumentar a produtividade do trabalhador, chegando inclusive a ser “torpe” no momento de chefiar as pessoas que tem a seu cargo, mostrando-se agressivo, arrogante, muitas vezes por falta de habilidade social e outras por pura má-educação; e por outro lado temos um trabalhador muito exigente consigo mesmo e com o sistema de crenças baseado na justiça. Certamente que este será um trabalhador que viverá e sentirá de uma forma muito injusta e, portanto, muito agressiva, as ordens ou indicações que receba do seu superior hierárquico, considerando esta atitude como assédio moral. São situações delicadas que convém analisar e apreciar com algum cuidado e casuisticamente, pois, apesar deste clima cinzento, caso não exista desde logo uma clara intenção de livrar-se da pessoa, é possível que com o decorrer tempo estejamos perante um conflito que vá desembocar em assédio moral.
Outros casos existem que podem levar a uma errada valoração de uma situação como assédio moral, como podem suceder com os diferentes rasgos de personalidade dos chefes ou superiores hierárquicos (personalidade obsessiva, etc.) que podem tornar insuportável o trabalho aos trabalhadores, ou algumas características de personalidade da suposta vítima que vê em todas as situações uma constante e clara intenção de ameaça (paranóias, etc.).
2.2.4. Vejamos agora o assédio moral na ordem jurídica portuguesa.
Em Portugal, só muito recentemente se consagrou uma figura jurídica que contempla o assédio moral no local de trabalho de uma forma explícita, primeiro no Código de Trabalho de 2003 (artigo 24º) e actualmente no Código de Trabalho de 2009 (artigo 29º).
Tal “vazio legislativo” não significava que a prática do assédio não consubstanciasse, já então, uma conduta proibida por lei, geradora de responsabilidade civil, uma vez que, representando ela a lesão de bens jurídicos essenciais, com tutela legal (como os direitos de personalidade, consagrados nos artºs 70º e 81º do Código Civil) e constitucional (como o direito à integridade pessoal, outros direitos pessoais, o princípio da igualdade, segurança no emprego, o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, protegidos, respectivamente, pelos artºs 25º, 26º, 13º, 53º e 59º da Lei Fundamental), os direitos violados por essa mesma conduta já se tinham assim de considerar como reconhecidos e defendidos pela Ordem Jurídica e, logo, a respectiva lesão devidamente sancionada por esta.
A nível jurisprudencial a situação do assédio foi tratada sob vários prismas, nomeadamente em sede de violação do dever de ocupação efectiva, de violação do dever de respeito ou de despedimento ilícito.

2.2.5. Como dissemos o Código do Trabalho de 2003 consagrou no seu artigo 24º a figura do Assédio. Dispõe, tal normativo, da seguinte forma:
1. Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador.
2. Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou destabilizador.
3. Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referidos no numero anterior.

Rocha Pacheco[30] na sua monografia sobre o assédio moral no trabalho refere que “O art. 24º do Código do Trabalho, por si só, não regula o assédio moral no trabalho. Apesar da ausência de um conceito de assédio moral expressamente consagrado no ordenamento nacional, o apoio normativo basilar, conferido a este fenómeno, encontra-se no art. 25º da Constituição Portuguesa, mais especificamente no reconhecimento do direito à integridade moral, que por consequência, proscreve todos aqueles tratos comissivos ou omissivos degradantes, humilhantes, vexatórios em salvaguarda do respeito devido a toda a pessoa humana. O art. 18º, do Código do Trabalho, consagra a integridade moral no domínio do direito do trabalho e, nesse sentido, assume-se como preceito basilar na regulamentação do assédio moral. Com a consagração do direito à integridade moral postulado no art. 18º, do C.T., fica incontornável a protecção que lhe é conferida no domínio do direito do trabalho. A conjunção dos arts. 18º e 24º do Código do Trabalho permite a regulamentação do assédio moral no trabalho.”

Sobre esta questão, nomeadamente sobre o artigo 24º, nº 2 do CT de 2003, Inês Arruda[31] diz que a «intenção de prejudicar o trabalhador não é um requisito imprescindível para a verificação de assédio moral. O preceito parece abrir espaço à verificação de assédio moral pelo resultado produzido, ou seja, pela verificação da «lesão da dignidade de outrem» ou a «produção de um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador».
Pese embora o facto de nos parecer pouco sustentável a existência de mobbing sem um animus donandi por parte do assediante, a verdade é que a solução apresentada pelo nosso legislador tem a grande virtualidade de desonerar a vítima do assédio do ónus da prova da intencionalidade da conduta persecutória (prova que se nos afigura praticamente impossível).
A verdade é que o referido artigo 24.º do CT está longe de responder à realidade ora analisada na medida em que associa o assédio moral à situação de discriminação, sendo certo que ambos os conceitos não são confundíveis. Este preceito está inserido na mesma divisão do «direito à igualdade ao acesso ao emprego e no trabalho» e da «proibição da discriminação», sendo que a referência restritiva da primeira parte do n.º 2, do artigo 24.º, determina que o «comportamento indesejado» a que a norma se refere tenha que estar relacionado com um dos factores discriminatórios enunciados no artigo 23.º, n.º 1, do mesmo diploma. Assim, para que se esteja perante uma situação de assédio, nos termos equacionados no artigo 24.º do CT, é necessário a verificação de «qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical» (artigo 23.º, n.º 1 do CT). Insista-se, porém, que nem todo o tipo de assédio moral no local de trabalho é discriminação. Pense-se, por exemplo, nas situações de mobbing vertical ascendente ou até mesmo as situações de mobbing horizontal em que um colega de trabalho pretende afastar outro trabalhador da empresa por estarem ambos na mesma posição hierárquica e a concorrer à mesma promoção. Em nenhum dos casos existe discriminação, sendo certo que é possível deslindar uma situação de mobbing.
Absolutamente inovador nesta matéria é o artigo 18.º do CT, que, sob a epígrafe «integridade física e moral» prescreve o seguinte: «o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral». Alguns autores entendem que esta norma «garante a tutela das partes contra o assédio moral, habitualmente denominado por mobbing – prática persecutória reiterada contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo ou como efeito afectar a dignidade do visado, levando-o eventualmente à decisão de querer abandonar o emprego».
Este preceito tem, sem dúvida, a virtualidade de proteger, de modo expresso, a integridade moral no trabalho, conferindo eficácia imediata a este direito fundamental, mas está, em nosso entender, longe de conferir a necessária protecção jurídica que o fenómeno impõe.
Sendo de aplaudir a consagração positiva/enunciação desta realidade nos preceitos ora analisados – que tem, pelo menos, o mérito de conferir visibilidade e divulgação ao problema – a verdade é que ainda não existe no ordenamento jurídico português, um regime jurídico específico e unitário que abarque o mobbing na sua totalidade. Reiterando o já acima exposto, somos da opinião de que a crescente flexibilidade da legislação laboral reclama uma necessidade de dar maior atenção ao fenómeno, que, em nosso entender, exige um tratamento unitário e não fraccionado.»

2.2.6. Com o Código de Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/2, a disciplina do assédio constitui agora, por um lado, uma divisão autónoma (intitulada de “Proibição do assédio”), mas ainda e sempre dentro da Subsecção da “Igualdade e não discriminação”; por outro lado, o elemento da discriminação passou muito claramente, na letra do artigo 29º, a constituir (apenas) uma das modalidades do assédio.
O artigo 29º, sob a epígrafe “Assédio”, dispõe:
1 — Entende -se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
2 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
3 - À prática de assédio aplica -se o disposto no artigo anterior.
4 - Constitui contra -ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

A lei define, assim, no nº 1, o que entende por assédio moral, ou seja, é «o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.»
Este normativo não exige que o assédio seja baseado num factor de discriminação. Tal conclusão pode-se retirar da utilização do advérbio «nomeadamente», ou seja, prevendo a lei o assédio baseado em factores de discriminação, fá-lo, no entanto, a título exemplificativo, permitindo, assim, a existência de outros comportamentos susceptíveis de integrarem a figura do assédio moral.
Podemos, assim, falar num assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (discriminatpry harrassement) e num assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing[32]).
Tendo o Código do Trabalho de 2009, nomeadamente o seu artigo 29º uma área de maior abrangência, na medida em que na base de comportamento assediante deixou de estar um factor discriminatório, desnecessário se torna lançar mão do princípio da integridade física e moral consagrado no artigo 15º do mesmo diploma, para proteger a pessoa contra os comportamentos hostis.
No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[33] «Em primeiro lugar, o principio geral de proibição das práticas de assédio contra o trabalhador ou candidato a emprego (que deveria ser o conteúdo essencial do preceito) não é agora referido expressamente na norma, constando apenas da epígrafe desta divisão, que não tem, como se sabe, conteúdo normativo. Naturalmente, a ilicitude destas prática infere-se, que mais não seja, da previsão do direito do trabalhador a indemnização pelos danos resultantes destas práticas e da qualificação da violação da norma como contra-ordenação muito grave (art. 29º nºs 3 e 4). Contudo, a verdade, é que a proibição destas condutas não consta da norma, o que é de lamentar.
Em segundo lugar, a verdade é que a autonomização da matéria do assédio relativamente ao tema da discriminação em geral coloca dúvidas sobre a aplicação neste domínio de algumas regras procedimentais da maior valia relativamente às consultas discriminatórias, com destaque para a regra de repartição do ónus da prova, prevista no artigo 25º, nº 5. A questão que se coloca concretamente, é a de saber se esta regra é aplicável às situações de assédio, uma vez que tais situações não são agora formalmente qualificadas como discriminação, ao contrário do que sucedia anteriormente. A nosso ver, ao menos nas situações em que o assédio tenha um fundamento discriminatório, esta regra deve continuar a ser aplicada, porque estamos, de facto, perante uma discriminação, sendo que tal qualificação é, além disso, um imperativo comunitário (art. 2º nº 2 a) da Dir. nº 2006/54/CE, de 5 de Julho de 2006).»

2.2.7. Uma das dificuldades com que nos deparamos é sem dúvida sobre a repartição do ónus da prova.
Nas situações em que o assédio moral assenta em factores discriminatórios é ao trabalhador que cabe invocar e fundamentar a existência do assédio, impendendo, sobre o empregador, o encargo de provar que o acto ou conduta não provem de qualquer motivação discriminatória. É o que resulta do artigo 29º, nº 1 e 25º, nº 5, ambos do Código do Trabalho.

Já nas situações em que o assédio não assenta em factores discriminatórios é sobre o trabalhador que impende a prova de todos os seus elementos, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil.

2.2.8. No caso, a sentença recorrida entendeu não existir qualquer situação de assédio moral. Estribou-se na seguinte fundamentação:
“2.4.1. No caso sub júdice mostra-se provado (com relevância) que:
- No dia 15 de Outubro de 2009, a A. tinha já efectuado vendas na ordem dos € 11.000,00, faltando-lhe apenas cerca de € 1.000,00 de vendas para atingir os objectivos propostos pela Ré (cfr. resp. ao ques. 11 da base instrutória);
- No dia 20/10/2009, por volta das 18h00, a A. foi convocada para uma reunião, que teve lugar no dia seguinte, pelas 11h00, na qual estiveram presentes, além da A., o Sr. F…, Director de vendas da área norte e a D. G…, Chefe de grupo da Ré (cfr. als. BB) e CC) dos factos admitidos por acordo).
- Na referida reunião, foi comunicado à A. que, a partir daquele data, não poderia utilizar o veículo da Ré que lhe estava adstrito para além do respectivo horário de trabalho, devendo passar a ir buscá-lo de manhã e deixá-lo ao fim do dia de trabalho, em local a indicar pela Ré (cfr. al. DD) dos factos admitidos por acordo);
- A Ré transmitiu também à A. os alegados baixos resultados das vendas por si efectuadas e que iria novamente mudar de área de actuação, bem como deixava de receber o subsídio de “isenção de horário de trabalho” a partir da aludida data (cfr. al. EE) dos factos admitidos por acordo);
- No decurso da reunião referida na al. BB), o Sr. F… disse que, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório” (cfr. resp. ao ques. 13 da base instrutória);
- No dia 22/10/2009, a A. recebeu um e-mail através do qual lhe foi dito:
“Conforme já comunicado pelo F1…, confirmo as seguintes alterações com efeitos a partir do próximo dia 01 de Novembro:
* Levantamento e entrega diária da viatura, em local a designar;
* Suspensão da Isenção de Horário de Trabalho” (cfr. al. FF) dos factos admitidos por acordo);
- Foram retiradas à A. as zonas de actuação de S. Mamede de Infesta, Maia, Leça do Balio, Perafita, Lavra e Leça da Palmeira, cingindo-se a actuação da A., por imposição da Ré, a partir de 02/11/2009 em diante, à cidade do Porto (cfr. al. II) dos factos admitidos por acordo e resp. ao ques. 16 da base instrutória);
- Nesta cidade são, por vezes, fornecidos aos dispenseres/vendedores – Autora incluída – listas de potenciais clientes residentes em bairros sociais conhecidos como problemáticos, sentindo-se por vezes a A. insegura nas visitas a esses bairros (cfr. resp. ao ques. 17 da base instrutória);
- A Ré atribuiu à A. a viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., o qual se destinava não só ao uso profissional mas também pessoal desta, com conhecimento da ré, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009 (cfr. al. LL) dos factos admitidos por acordo e resp. ao ques. 19 da base instrutória);
- Face ao local da residência da A. – Trofa – e aos locais onde desempenhava e desempenha a sua actividade ao serviço da Ré, na constância do contrato de trabalho firmado entre as partes e até ao dia 2 de Novembro de 2009, a A. sempre se deslocou de casa para o trabalho e do trabalho para casa usando a viatura da Ré (cfr. al. MM) dos factos admitidos por acordo);
- A A. tem, actualmente, tido a necessidade de se deslocar de autocarro e de comboio, com um acréscimo de tempo, bem como suportando os custos e incómodos daí resultantes. - cfr. resp. ao ques. 15 da base instrutória.
*
2.4.2. Por referência aos factos imputados pela A. à Ré, não resultou apurado que esta tivesse adoptado um comportamento tendente a obstaculizar ou impedir a que aquela atingisse o montante relativo aos objectivos mensais de vendas referentes ao mês de Outubro de 2009 (cfr. resposta negativa ao ques. 12).
*
2.4.3. Relativamente à reunião ocorrida no dia 21/10/2009, na qual estiveram presentes, além da A., o F…, Director de vendas da área norte e a D. G…, Chefe de grupo da Ré, há a destacar – e censurar – a linguagem utilizada pelo referido F…, o qual, dirigindo-se à A., lhe referiu que, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório”.
Para quem diz não utilizar esse tipo de linguagem (cfr. art. 7º da resposta ao aditamento do pedido), melhor seria que revisse esse tipo de postura e de comunicação no relacionamento com os trabalhadores subordinados.
A expressão utilizada é objectivamente torpe, grosseira, denotando falta de educação por parte de quem a profere, sendo ofensiva do respeito devido à colega de trabalho.
Todavia, é um termo que não carrega um concreto e específico sentido injurioso dirigido à pessoa, ao nome, à honra ou ao carácter da destinatária.
Além de que se situa numa ambiência geográfica – área metropolitana do Porto – em que, notória e conhecidamente, os excessos de linguagem são frequentes e costumeiros, onde a utilização do vernáculo é comum, perdendo no convívio das gentes a carga negativa e injuriosa que noutras áreas geográficas elas assumem.
Importa, por outro lado, não olvidar o clima vivenciado por ambas as partes aquando da realização da referida reunião, pautado por um descontentamento recíproco quanto ao desenvolvimento e execução da relação laboral, nomeadamente a entidade empregadora desagradada com «os alegados baixos resultados das vendas» efectuadas pela A. (cfr. al. EE) dos factos admitidos por acordo) na nova zona que lhe havia sido atribuída e, por outro lado, manifestando esta descontentamento com as alterações unilateralmente impostas pela entidade empregadora, que lhe determinaram que passasse a trabalhar “em campo” junto de clientes na zona de Matosinhos, por não ter aceite a alteração do esquema comissional que lhe foi proposto.
Aceitando como razoável a explicação avançada pela testemunha G…, J… no decurso da audiência de julgamento, no fundo o que Director de vendas da área quis dizer à A. – parafraseando a argumentação da entidade empregadora - foi o de que, tendo esta tido já uma oportunidade para trabalhar em loja/consultório, que «desperdiçou» ou «não aproveitou», a entidade empregadora não estava disponível a dar-lhe uma nova oportunidade em loja/consultório.
Estas considerações não valerão certamente para neutralizar o conteúdo desrespeitoso e ofensivo, mas seguramente lhe diminuem, nessa medida se repercutindo na menor gravidade da ofensa.
*
2.4.4. No tocante à retirada do subsídio de isenção de horário de trabalho, como refere a ré, o facto de um trabalhador trabalhar em tal regime não impede que passe a desempenhar as suas funções sujeito a determinado horário, por determinação da sua entidade empregadora, uma vez que se trata de uma matéria que cabe no âmbito das suas competências (cfr. art. 170º, n.º 1 do C.T/2003 e art. 212º, n.º 1 do C.T/2009), integrando o poder de direcção que lhe é próprio.
De facto, só assim não será, exigindo-se, então, o acordo do trabalhador para o efeito, se a prestação no regime de isenção tiver sido um elemento essencial para o trabalhador aquando da celebração do contrato, o que no caso concreto não se mostra evidenciado.
Com efeito o estabelecimento do horário de trabalho, e por conseguinte, também a respectiva isenção, é uma prerrogativa da entidade patronal, que se insere no quadro dos poderes de gestão e organização da empresa, se bem que a isenção requeira declaração de concordância do trabalhador (cfr. art. 177º, n.º 1), o que não significa que seja exigida também a concordância do trabalhador para lhe pôr fim.
Tem sido sustentado, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade patronal, sendo que o regime de isenção de horário de trabalho e a correspectiva retribuição especial só são devidas se e enquanto o trabalhador desfrutar dele.
Como refere Francisco Liberal Fernandes, «[e]mbora os efeitos que a lei associa à isenção de horário de trabalho constituam direitos e expectativas do trabalhador (…), a respectiva concessão não confere qualquer direito à respectiva manutenção. Só não será assim se o regime de isenção integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho (…)».
Acrescenta o citado Autor que, «[m]esmo que as condições subjacentes e determinantes da atribuição de isenção não se tenham alterado, a entidade patronal é livre de optar entre aquele regime ou o pagamento de trabalho suplementar, não estando vinculada a manter o regime de isenção».
Concluímos, assim, ser lícita a actuação da R. de fazer cessar o regime de isenção de horário, e, consequentemente, a retribuição específica que lhe correspondia, passando consequentemente a ter de pagar, com o respectivo adicional, o trabalho que for (efectivamente) prestado para lá do horário estabelecido.
Não há no procedimento adoptado pela R. violação da garantia da irredutibilidade (art. 122º, al. d) do C.T/2003 e art. 129º, al. d) do C.T/2009) porque o subsídio de isenção de horário é uma retribuição específica, contrapartida de uma situação funcional reversível, que não está abrangida por aquela garantia. Como é generalizadamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com determinadas condições específicas do modo de prestação de trabalho, quando essas condições específicas sejam também elas suprimidas. É o que acontece com inúmeras prestações que são contrapartida de situações laborais reversíveis, e que, se bem que frequentemente, pelo carácter regular e periódico com que são pagas, possam ser qualificadas como complementos retributivos, só são devidas enquanto a situação específica de que são contrapartida se verificar (a menos que, por terem sido contratualmente estabelecidas, não haja acordo das partes quanto à eliminação da parcela retributiva correspondente a essa especificidade). É o caso, por exemplo de subsídios de turno, de isenção de horário de trabalho, de risco, de transporte de valores.

2.4.4. Determinação de uma nova área geográfica.
Está provado que, na referida reunião ocorrida no dia 21/10/2009, foi comunicado à A. que, em face dos alegados baixos resultados das vendas por si efectuadas, iria novamente mudar de área de actuação, tendo-lhe sido retiradas à A. as zonas de actuação de S. Mamede de Infesta, Maia, Leça do Balio, Perafita, Lavra e Leça da Palmeira, cingindo-se a actuação da A., por imposição da Ré, a partir de 02/11/2009 em diante, à cidade do Porto (cfr. als. EE) e II) dos factos admitidos por acordo e resp. ao ques. 16 da base instrutória).
No tocante à validade da referida ordem remete-se para os fundamentos supra expendidos no item 2.2. a propósito da alegada transferência do local de trabalho.
*
2.4.5. Alega a A. que, na cidade do Porto, têm-lhe sido agendadas visitas no seio de bairros sociais conhecidos como problemáticos (art. 514.º do C.P.C.), que a fazem sentir-se extremamente insegura e poderão inclusivamente fazer perigar a sua integridade física.
Nesse ponto ficou provado que, nesta cidade (Porto), são, por vezes, fornecidos aos dispenseres/vendedores – Autora incluída – listas de potenciais clientes residentes em bairros sociais conhecidos como problemáticos, sentindo-se por vezes a A. insegura nas visitas a esses bairros (cfr. resp. ao ques. 17 da base instrutória).
Assim sendo, somos levados a concluir que a atribuição de listas de potenciais clientes residentes em bairros sociais conhecidos como problemáticos, não é única e exclusivamente direccionada à A., mas sim a todos os dispenseres/vendedores que desempenham funções na cidade do Porto, não podendo daí retirar-se qualquer acto persecutório ou intimidatório dirigido à A..
*
2.4.6. Face ao que antecede é notório que as partes têm uma visão marcadamente diferenciada e extremada sobre a mesma realidade, pois enquanto a A. perspectiva as alterações às condições da prestação de trabalho determinadas pela entidade patronal como uma postura mobbizante tendente a atingi-la na sua dignidade enquanto trabalhadora e pessoa humana, já a Ré defende que se limitou a actuar no exercício de direitos legalmente previstos no âmbito dos seus poderes de gestão e de organização e funcionamento da empresa.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, no caso concreto, a matéria de facto provada é (manifestamente) insuficiente para nos habilitar a concluir que a A. foi, de facto, vítima de mobbing e/ou de pressão perpetrada pela Ré, no sentido ou com o intuito de a levar a aceitar o esquema comissional por esta proposto.
Na verdade, reportando-nos ao concreto circunstancialismo fáctico apurado, não se evidencia que a A. esteja a ser vítima de comportamentos mobbizantes, lesivos da sua dignidade e integridade moral, enquanto trabalhadora e pessoa, perpetrados pela sua entidade patronal, uma vez que, na sua globalidade, não resulta que os actos praticados pela Ré não se subsumam, pelo menos «aparentemente», ao âmbito dos poderes de direcção e de organização da empresa que a ela competem, dentro dos limites do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas que o regem.
Logo, não tendo a Autora logrado provar, como lhe competia, os factos consubstanciadores do assédio moral e dos danos morais (alegadamente) por si sofridos, forçoso será concluir pela improcedência do pedido formulado, a fls. 154, sob a al. c).”

Adiantamos desde já que concordamos com o que foi decidido. Na verdade, está exaustivamente fundamentado, quer a nível de facto, quer de direito, os motivos pelos quais se considerou inexistir, no caso, qualquer assédio moral.
Devemos ter em atenção, em primeiro lugar que sobre a autora impendia ónus da prova dos elementos caracterizadores do assédio, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, até porque a existir assédio ele não se basearia em factos discriminatórios, mas, sim, pelo seu carácter continuado e insidioso. Prova, que salvo melhor opinião, não fez. Os factos dados como provados e escalpelizados pela Mº Juiz não são suficientes, nem deles se extraem, conforme se decidiu, que a Autora fosse vitima de comportamentos mobbizantes, lesivos da sua dignidade e integridade moral, enquanto trabalhadora e pessoa, perpetrados pela sua entidade patronal. É lógico que existe e está latente e até patente alguma tensão entre as partes, mas isso não é suficiente para podermos dizer que estamos perante um comportamento de assédio.
Conforme já tivemos oportunidade de expor, o assédio moral é um abuso que não pode, nem deve confundir-se com as decisões legítimas advenientes da organização de trabalho, desde que conformes ao contrato de trabalho. Ora, e salvo sempre o devido respeito por opinião diferente, as decisões tomadas pela entidade patronal foram conformes ao contratualmente acordado e ao previsto na legislação laboral. É verdade que a Autora pode não estar de acordo com as mesmas, mas esse desacordo não é suficiente para dizermos que está a ser perseguida, que a intenção da entidade patronal é castigá-la, enfim, é tornar-lhe, como se costuma dizer «a vida num inferno». O assédio moral não se pode consubstanciar em situações meramente incómodas para o trabalhador, com as quais não concorda e que lhe possam causar ou causem mesmo desagrado, mal-estar, aborrecimento, chatice e que ao fim e ao cabo não correspondem às suas expectativas e pretensões.
Também não deixa de ser verdade que quanto à questão da retirada da viatura a decisão recorrida entendeu ser ilícita, mas, além de discutível juridicamente a questão, conforme à frente iremos ver, não foram provados quaisquer outros factos que corroborassem que essa retirada tem por detrás um comportamento persecutório com características assediantes. Nada que outras figuras jurídicas não dêem solução à questão, conforme solução encontrada na decisão recorrida.

No que se refere à utilização da linguagem empregue no decurso de uma reunião pelo Sr. F… que disse, no que dependesse deles (referindo-se à Ré), a A. “jamais sentaria o «cuzinho» num consultório”, concordamos com o que foi dito na decisão recorrida. Devemos ter em conta o enquadramento em que a mesma foi proferida, a envolvência social e cultural dos participantes e a própria zona geográfica. Isso não invalida, que não se considere uma linguagem desadequada, não recomendável, imprópria e torpe. Mas daí até consideramos que estamos perante um caso de assédio, mesmo apreciando esta conduta inserida na globalidade das restantes, vai uma grande distância. Apesar de censurável, esta conduta não reveste carácter de tanta gravidade que se possa dizer que constitui uma situação humilhante e vexatória para a Autora.

Assim, ao contrário do alegado pela Autora, não está minimamente demonstrado que as alterações dos locais de trabalho, a supressão da isenção do horário de trabalho, a proibição de utilização do veículo para uso pessoal, bem como com a utilização de determinadas expressões, visou, exclusivamente (e logrou alcançar tal desiderato) humilhar, prejudicar e criar um ambiente de trabalho hostil à Autora.
Improcede, pois, nesta parte, também a apelação da Autora.
_______________
3. Recurso Subordinado:
Apreciemos agora a questão suscitada no recurso subordinado pela Ré e que tem a ver com a questão de saber se a utilização do veículo automóvel por parte da autora não tem/assume/reveste natureza retributiva

Na decisão recorrida condenou-se a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros) pela privação da utilização pessoal do veículo que lhe estava atribuída; bem como na quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) – devida a partir da apresentação do articulado superveniente (27/01/2010) – por força da privação da utilização pessoal do veículo que lhe estava atribuída.

A Ré não concorda com tal decisão, alegando que a atribuição da viatura à Autora ocorreu numa situação de mera tolerância e que a mesma apenas a podia utilizar ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, tendo a mesma se obrigado a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estivesse de baixa.
A Autora à semelhança dos outros vendedores da Ré tinha um plafond de 400 litros de combustível para utilizar nas suas deslocações profissionais, devendo apresentar-lhe os documentos comprovativos da utilização do cartão de combustível atribuído com o dito veículo automóvel, e bem sabia que os valores resultantes de uma utilização pessoal, isto é, que não se tenha dado ao serviço da empresa, seriam/poderiam ser deduzidos nos montantes a que tivesse direito.
A Autora tomou conhecimento desta regra, quando formalizou o seu contrato de trabalho com a ora Ré e isto foi-lhe relembrado quando lhe foi atribuída a primeira viatura de serviço.
Não é pelo facto de a Empresa ter vindo a tolerar que a Autora utilizasse a dita viatura de serviço para algumas deslocações pessoais, nomeadamente nas deslocações casa – trabalho e vice versa, nem pelo facto de a Empresa não ter controlado ao cêntimo que o combustível gasto tinha sido exclusivamente para uso profissional, já que a Autora bem sabe que a Ré se preocupava mais em controlar esses gastos quando se excedesse o plafond de 400 litros/mês, que se pode afirmar que a dita tolerância passasse a assumir carácter obrigatório e regular.
Alegou ainda que na Cláusula 6.ª do Contrato de Trabalho ficou estipulado que, com o exclusivo objectivo de optimizar a produtividade da prestação de trabalho pela A., a Ré facultar-lhe-á a utilização de diversos bens e, em situações excepcionais, viatura, que apenas poderá ser utilizada pela Autora ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, obrigando-se aquela a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estiver de baixa, ou ainda, na data em que o contrato venha a terminar a sua vigência, por iniciativa de qualquer uma ou de ambas as partes.

A decisão recorrida sustentou a sua posição nos seguintes fundamentos:
“No caso objecto dos autos está (com relevância) provado:
- Na cláusula 6ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes ficou estipulado que, com o exclusivo objectivo de optimizar a produtividade da prestação de trabalho pela A., a Ré facultar-lhe-á a utilização de diversos bens, e, em situações excepcionais, viatura, que apenas poderá ser utilizada pela trabalhadora ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, obrigando-se aquela a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estiver de baixa, ou ainda, na data em que o contrato venha a terminar a sua vigência por iniciativa de qualquer uma ou de ambas as partes (cfr. al. KK) dos factos admitidos por acordo);
- A Ré atribuiu à A. a viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., a qual se destinava não só ao uso profissional mas também pessoal desta, com conhecimento da ré, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009 (cfr. al. LL) dos factos admitidos por acordo e resp. ao ques. 19 da base instrutória);
- Face ao local da residência da A. – Trofa – e aos locais onde desempenhava e desempenha a sua actividade ao serviço da Ré, na constância do contrato dos autos e até ao dia 2 de Novembro de 2009, a A. sempre se deslocou de casa para o trabalho e do trabalho para casa usando a viatura da Ré (cfr. al. MM) dos factos admitidos por acordo);
- A Ré suporta mensalmente, com o leasing da viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., a quantia de € 450,57/mês (cfr. al. JJ) dos factos admitidos por acordo);
- E suportava os custos inerentes à utilização profissional e pessoal do automóvel por parte da A., designadamente com o leasing, seguro, manutenção e portagens, dispondo a A. de um plafond mensal de 400 litros de combustível (cfr. resp. ao ques. 20 da base instrutória);
- Na utilização da viatura a A. gastava de gasóleo, para seu uso pessoal, quantia concretamente não apurada, que era custeada pela Ré (cfr. resp. ao ques. 21 da base instrutória).
- Na reunião realizada no dia 21/10/2009, foi comunicado à A. que, a partir daquele data, não poderia utilizar o veículo da Ré que lhe estava adstrito para além do respectivo horário de trabalho, devendo passar a ir buscá-lo de manhã e deixá-lo ao fim do dia de trabalho, em local a indicar pela Ré (cfr. al. DD) dos factos admitidos por acordo).
Perante a matéria de facto provada, e não obstante o que consta da cláusula 6ª do contrato de trabalho firmado entre as partes, impõe-se concluir que a atribuição à autora de veículo automóvel assume natureza retributiva, uma vez que a empregadora, ao conferir àquela o direito de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo em fins-de-semana e férias, e ao suportar os respectivos encargos com o leasing, manutenção, reparações, seguros e portagens, dispondo a A. de um plafond mensal de 400 litros de combustível, ficou vinculada a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
Trata-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, nos termos dos arts. 249.º do C.T/2003, e 258º do C.T/2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009), beneficiando, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 122.º, n.º 1, alínea d), do C.T/2003 e 129.º, n.º 1, alínea d), do C.T/2009.
Aliás, assumindo aquela atribuição de veículo automóvel a natureza de uma prestação regular, será de presumir como retribuição, nos termos do preceituado no n.º 3 dos citados arts. 249.º do C.T/2003 e 258º do C.T/2009.
Por conseguinte, competia à Ré provar que o uso de veículo automóvel atribuído à trabalhadora se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não foi por esta cumprido.
Considerando, pois, o circunstancialismo fáctico apurado e o valor económico que a viatura automóvel representava para a Autora, por poder utilizá-la diariamente na sua vida privada, tornando desnecessária a compra de viatura para uso pessoal, reputa-se adequado fixar equitativamente26 (art. 4º, al. a) e 566º, n.º 3 do Cód. Civil) essa componente retributiva em espécie no valor mensal de € 150,00 [€ 450,57 x 25% (112,64), acrescido dum valor residual traduzido no dispêndio de gasóleo, para uso pessoal da A., custeado pela Ré].
Assim, uma vez que essa retribuição em espécie deixou de lhe ser prestada a partir de 21 de Outubro de 2009, a A. tem direito, à data da apresentação do articulado superveniente (27/01/2010), ao recebimento da quantia de € 480,00 (150,00 x 3 m x 6 d).”

Diga-se desde já que concordamos com a decisão recorrida.
É verdade, que as estabeleceram na clausula 6ª do contrato de trabalho que com o exclusivo objectivo de optimizar a produtividade da prestação de trabalho pela A., a Ré facultar-lhe-á a utilização de diversos bens, e, em situações excepcionais, viatura, que apenas poderá ser utilizada pela trabalhadora ao serviço da empregadora e enquanto durar o contrato, obrigando-se aquela a devolvê-la sempre que tal fosse solicitado pela Ré e/ou em períodos de férias e/ou períodos em que estiver de baixa, ou ainda, na data em que o contrato venha a terminar a sua vigência por iniciativa de qualquer uma ou de ambas as partes.
No entanto, ficou provado que «o veículo automóvel atribuído pela Ré à A. destinava-se não só ao uso profissional mas também pessoal desta, com conhecimento da ré, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009» e que «face ao local da residência da A. – Trofa – e aos locais onde desempenhava e desempenha a sua actividade ao serviço da Ré, na constância do contrato aludido na al. A) e até ao dia 2 de Novembro de 2009, a A. sempre se deslocou de casa para o trabalho e do trabalho para casa usando a viatura da Ré», sendo esta que «suporta mensalmente, com o leasing da viatura de marca Toyota, Modelo …, a gasóleo, com a matrícula ..-FL-.., a quantia de € 450,57/mês».
Mais se provou que «a Ré suportava os custos inerentes à utilização profissional e pessoal do automóvel por parte da A., designadamente com o leasing, seguro, manutenção e portagens, dispondo a A. de um plafond mensal de 400 litros de combustível» e que «na utilização da viatura a A. gastava de gasóleo, para seu uso pessoal, quantia concretamente não apurada, que era custeada pela Ré».

Nos termos do artigo 249º do CT de 2003[34] «Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (nº 1), nela se incluindo «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (nº 2) e «até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (nº 3).
A retribuição é, pois, um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual e normativo, correspondentes a um dever da entidade patronal.
A colocação de um veículo automóvel pela entidade patronal ao serviço de um seu trabalhador, para as deslocações em serviço, pode não constituir retribuição, mas apenas a disponibilidade de um instrumento de trabalho destinado a alcançar maior produtividade e uma mais elevada comodidade na execução da prestação laboral. A utilização desse veículo na vida privada do trabalhador pode também representar a satisfação de um interesse da entidade patronal, por daí resultar maior prestígio para ela.
Revestirá, contudo, a natureza de contraprestação quando a disponibilidade do veículo automóvel pelo trabalhador, como se fosse próprio, lhe acarrete um benefício de natureza económica, por evitar a aquisição de automóvel próprio e as inerentes despesas de manutenção e tal utilização corresponda ao exercício de um direito.
Neste domínio, deverá distinguir-se a situação de mera tolerância da entidade patronal no uso do veículo pelo trabalhador na sua vida privada, que não implica um direito integrante da retribuição, da existência de um direito a essa utilização, com um valor económico a considerar na quantificação da retribuição.
Com efeito, só integram a retribuição as prestações a que o trabalhador tenha direito, por título contratual ou normativo e que, portanto, correspondam a um dever da entidade patronal. Afastam-se, consequentemente, do objecto da retribuição as meras liberalidades, os valores atribuídos com "animus donandi", sem prévia vinculação da entidade patronal[35].
Assim, o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva para o serviço e uso particular daquele, conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância.
Ora, no caso em apreço, ficou demonstrado que apesar daquela cláusula 6ª a Ré teve um comportamento completamento diverso do clausulado. É que não estamos apenas perante uma mera tolerância de utilização da viatura fora do serviço profissional da Autora, antes, pelo contrário, está espelhado um carácter retributivo, mesmo que tacitamente aceite, mas que se demonstra pela prática de actos por parte da entidade empregadora. Em primeiro lugar o veículo automóvel atribuído pela Ré à A. destinava-se não só ao uso profissional mas também pessoal desta, com conhecimento da ré, o que se verificou ininterruptamente até ao dia 02/11/2009; depois era a Ré que suportava mensalmente, com o leasing da viatura a quantia de € 450,57, bem como os custos inerentes à utilização profissional e pessoal do automóvel por parte da A., designadamente com o leasing, seguro, manutenção e portagens, dispondo a A. de um plafond mensal de 400 litros de combustível. Por fim, e não menos importante, senão essencial para a caracterização da atribuição da viatura como retribuição, é que na utilização da viatura a A. gastava de gasóleo, para seu uso pessoal, quantia concretamente não apurada, que era custeada pela Ré. Ora, se a Ré suportava, além dos gastos normais da utilização da viatura (leasing, seguro, manutenção, portagens e plafond de combustível) o que se compreende por ser essencial ao desempenho da actividade profissional da Autora, também suportava os custos advenientes da utilização da viatura por parte da Autora, que esta gastava com gasóleo, para seu uso pessoal. Ora, não pode a Ré defender que a utilização da viatura para uso pessoal da Autora era um acto de mera tolerância, quando simultaneamente, durante a execução do contrato, era a própria Ré que suportava os custos do combustível provenientes da utilização pessoal da mesma viatura por parte da Autora.
Defende, quanto a esta questão, a Ré que o facto ter suportado algumas despesas indevidamente realizadas pela Autora, a título pessoal, tal sucedeu por desconhecimento da Autora e/ou confiança na Autora. Contudo, nada disto se provou.

Esta situação da utilização da viatura por parte da Autora, nos termos referidos, ou seja, a utilização da viatura por parte da trabalhadora de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando a Ré, sua entidade patronal, todas as despesas de manutenção, bem como os custos do combustível derivados da utilização pessoal da viatura por parte da trabalhadora, inculca a ideia de efectivamente estarmos perante um direito e não perante uma mera liberalidade, que integra a retribuição da trabalhadora. E, o carácter regular e constante de tal atribuição da viatura, faz presumir, como refere a decisão recorrida, nos termos do disposto no nº 3 do art. 258º do Código do Trabalho, que a mesma reveste natureza retributiva. E existindo essa presunção caberia à Ré fazer a prova de que tal atribuição não revestia carácter retributivo, mas era um acto de mera tolerância (artigo 344º, nº 1 do Código Civil).

Improcede, pois, o recurso subordinado, assim se mantendo, também, nesta parte a sentença recorrida.
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4. As custas do recurso independente são a cargo da Autora e do subordinado a cargo da Ré (artigo 446º do CPC).
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente, quer o recurso independente interposto pela Autora B..., quer o recurso subordinando interposto pela Ré C…, Lda., e, em consequência, manterem na integra a decisão recorrida.
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Condenam a Recorrente/Autora nas custas do recurso independente e a Recorrente/Ré nas custas do recurso subordinado (artigo 446º do CPC).
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Porto, 26/09/2011
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de de 15/12/2005, processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] In Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, pág. 684.
[3] Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, pág. 246.
[4] Bernardo Lobo Xavier com a colaboração de P.Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, “Iniciação ao Direito de Trabalho”, pg.295.
[5] cf. Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, Verbo, Lisboa, 1993, pp. 346-347; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 520; Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 417
[6] Esta norma consagra o princípio da inamovibilidade do trabalhador.
[7] Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Verbo, 1993, p. 353; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1997, p. 687; António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10.ª edição, Almedina, 1998, p. 374; acórdãos do STJ de 11.5.1994 (BMJ, n.º 437, p. 342) e de 24.3.99 (BMJ, n.º 485.º, p. 239) e Acórdão do STJ de 12/03/2009, processo 08S3054, www.dgsi., que temos seguido de perto.
[8] Questão que trataremos de forma mais pormenorizada à frente no momento da apreciação da validade da cláusula.
[9] Neste sentido, J. Barros de Moura, em Compilação de Direito do Trabalho, Sistematizada e Anotada, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 92
[10] Neste sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, Lisboa, 1993, p. 353; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 683; e António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 374).
[11] In Boletim do Ministério da Justiça n.º 437, p. 342.
[12] Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 181.
[13] cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, p. 422-423; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, p. 217
[14] Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 416 e segs.
[15] Obra Dispersa, vol. I, pág. 416 e segts.
[16] Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, p.102.
[17] Acórdão do STJ de 28/06/2006, documento nº SJ200606280005704, www.dgsi.pt.
[18] Cfr. José João Abrantes, "Estudos sobre o Código do Trabalho", pág. 159 e seguintes.
[19] Leymann, Heinz (2000a), “Mobbing” de http://www.leymann.se/English/12100E.HTM.
[20] “O Assédio no Trabalho – como distinguir a verdade”, Editora Pergaminho, 2002, págs 14/15.
[21] Barreto, Margarida. Uma Jornada de Humilhações. 2000 PUC/SP, disponível em:
http://www.assediomoral.org/site/assedio/AMconceito.php.
[22] “O ASSÉDIO MORAL”, http://www.ospelicanos.org/files/AssedioMoral_GarciaPereira.pdf).
[23] Consultável in www.assediomoral.org/site/biblio/md_01.php.
[24] ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de emprego.1. ed. 2005, 2. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 61, citada por Jaqueline Heldt da Silva, in ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO FRENTE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, consultável no site http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/Assedio_Moral_nas_relacoes_de_trabalho.pdf
[25] “O assédio moral na jurisprudência nacional”, Direito do Trabalho + Crise =Crise do Direito do Trabalho? Actas do Congresso de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 452.
[26] Obr. citada e mencionada por Paula Cristina Carvalho da Silva, Assédio Moral no Trabalho, consultável in http://www4.fe.uc.pt/fontes/trabalhos/2007003.pdf.
[27] Leymann, H. (1990). Mobbing and psychological terror at workplaces. Violence and Victims, 5, pag.8. citado por Liliana Andolpho Magalhães Guimarães e Adriana Odalia Rimoli “Mobbing” (Assédio Psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome psicossocial Multidimensional, consultável in http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/Mobbing_conceitos.pdf.
[28[Obra e local citados.
[29] O busílis nestes casos está na dificuldade em provar tal intenção.
[30] PACHECO, Mago Graciano de Rocha – O assédio moral no trabalho: o elo mais fraco. Coimbra: Almedina, 2007, pág.272.
[31] MOBBING OU ASSÉDIO MORAL NO LOCAL DE TRABALHO. ANÁLISE DO FENÓMENO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS, consultável in:
http://www.uria.com/documentos/publicaciones/1938/documento/foroPor03.pdf?id=2215
[32] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II- Situações Laborais Individuais, 3º edição, pág. 177.
[33] Obra cit., págs. 178/179.
[34] Redacção semelhante ao actual artigo 258º do Código do Trabalho de 2009 e artigo 82º da LCT.
[35] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª Edição, pág. 456 e Jorge de Leite, direito do Trabalho, Vol. II, 2004, pág. 109.
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Sumário
1. Nos termos do art.º 24.º, n.º 1, da LCT (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.69), os sujeitos do contrato de trabalho podiam acordar em alargar ou restringir a faculdade conferida por lei ao empregador de transferir o trabalhador para outro local de trabalho, tendo, assim, natureza supletiva tal norma.
2. Constando do contrato de trabalho escrito, em 04/11/2002, uma cláusula (cláusula 2.ª), nos termos da qual a trabalhadora se obrigou a prestar o seu trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização da ré e ou de quem a represente, no estabelecimento desta, sito no Porto, Rua ..., n.º ..., .° andar esquerdo, ou em qualquer outro local que lhe venha a ser determinado pela mesma, dentro da actual área de actuação desta, ou áreas limítrofes, nomeadamente junto dos Clientes, tal cláusula é válida, sem as restrições constantes da parte final do artigo 24.º, n.º 1, da LCT
3. Da falta de indicação, na mencionada cláusula, dos concretos lugares para os quais a trabalhadora aceitou ser deslocada, não pode concluir-se pela nulidade da estipulação nos termos do art. 280.º do Código Civil, uma vez que tais lugares são determináveis pela referência, na mesma cláusula, ao estabelecimento da ré sito no Porto ou às demais áreas (geográficas) da actual actuação da Ré ou áreas limítrofes, nomeadamente junto de clientes, sendo que, nos termos do contrato, a esta foi confiada a determinação do local da prestação do trabalho, dentro daquela área.
4. Assim a ordem dada pela entidade empregadora para a autora passar a trabalhar “em campo” junto de clientes na zona de Matosinhos – onde, aliás, a A. tinha já anteriormente exercido funções idênticas – mostra-se compreendida no local de trabalho contratualmente previsto.
5. Não estando demonstrado que a «transferência da Autora» tenha sido fruto de um acto vingativo, de retaliação, desnecessário, desproporcionado, discriminatório em relação a outros trabalhadores, por parte da Ré, não se pode afirmar, nem defender que a mesma tenha usado de forma ilegítima ou abusiva o direito que lhe assistia e que contratualmente lhe estava assegurado.
6. O assédio moral tem ínsitos, três elementos fundamentais:
a) Por um lado, o ser um processo, ou seja, não um fenómeno ou um facto isolado, mesmo que de grande gravidade, mas antes um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas, que ocorrem com um mínimo de periodicidade (por exemplo, pelo menos uma vez por semana ou por mês) e de reiteração (designadamente perdurando ao longo de 6 meses).
b) Por outro lado, a circunstância de esse conjunto mais ou menos periódico e reiterado de condutas ter por objectivo o atingimento da dignidade da vítima e o esfacelamento da sua integridade moral e também física, quebrando-lhe a sua capacidade de resistência relativamente a algo que não deseja, e buscando assim levá-la a “quebrar” e a ceder.
c) Por fim, pode dizer-se que constitui também traço característico do assédio moral o aproveitamento da debilidade ou fragilidade da vitima ou de um seu autêntico “estado de necessidade.
7. O “assédio moral” no trabalho não se confunde nem com o “stress” (ainda que este possa, por vezes, ser um instrumento de prática daquele), nem com uma relação profissional dura (por exemplo, em virtude de uma chefia muito exigente e pouco cordata mas que não visa esfacelar a integridade moral de ninguém), nem sequer com um mero e isolado episódio mais violento (designadamente, um incidente ou uma discussão particularmente intensos mas sem sequelas), nem se pode confundir com as decisões legítimas advenientes da organização de trabalho, desde que conformes ao contrato de trabalho.
8. De acordo com o nº 1 do artigo 29º do CT de 2009 assédio é «o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.».
9. Não se exige que o assédio seja baseado num factor de discriminação, pelo que podemos falar num assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo e num assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa.
10. Nas situações em que o assédio moral assenta em factores discriminatórios é ao trabalhador que cabe invocar e fundamentar a existência do assédio, impendendo, sobre o empregador, o encargo de provar que o acto ou conduta não provem de qualquer motivação discriminatória.
11. Já nas situações em que o assédio não assenta em factores discriminatórios é sobre o trabalhador que impende a prova de todos os seus elementos, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil.
12. A colocação de um veículo automóvel pela entidade patronal ao serviço de um seu trabalhador, para as deslocações em serviço, pode não constituir retribuição, mas apenas a disponibilidade de um instrumento de trabalho destinado a alcançar maior produtividade e uma mais elevada comodidade na execução da prestação laboral. A utilização desse veículo na vida privada do trabalhador pode também representar a satisfação de um interesse da entidade patronal, por daí resultar maior prestígio para ela.
13. Revestirá, contudo, a natureza de contraprestação quando a disponibilidade do veículo automóvel pelo trabalhador, como se fosse próprio, lhe acarrete um benefício de natureza económica, por evitar a aquisição de automóvel próprio e as inerentes despesas de manutenção e tal utilização corresponda ao exercício de um direito.
14. Neste domínio, deverá distinguir-se a situação de mera tolerância da entidade patronal no uso do veículo pelo trabalhador na sua vida privada, que não implica um direito integrante da retribuição, da existência de um direito a essa utilização, com um valor económico a considerar na quantificação da retribuição.
15. O uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva para o serviço e uso particular daquele, conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância.
16. A utilização de uma viatura por parte da trabalhadora de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando a Ré, sua entidade patronal, todas as despesas de manutenção, bem como os custos do combustível derivados da utilização pessoal da viatura por parte da trabalhadora, inculca a ideia de efectivamente estarmos perante um direito e não perante uma mera liberalidade, que integra a retribuição da trabalhadora. E, o carácter regular e constante de tal atribuição da viatura, faz presumir, nos termos do disposto no nº 3 do art. 258º do Código do Trabalho, que a mesma reveste natureza retributiva. E existindo essa presunção caberia à Ré fazer a prova de que tal atribuição não revestia carácter retributivo, mas era um acto de mera tolerância (artigo 344º, nº 1 do Código Civil).

António José da Ascensão Ramos