Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1357/20.2T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
RETRIBUIÇÃO MÍNIMA MENSAL GARANTIDA
Nº do Documento: RP202204041357/20.2T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Resultando do disposto no n.º 1 do artigo 390.º, do Código do Trabalho, que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (sem prejuízo das deduções a que se alude no n.º 2), torna-se patente que a intenção do legislador foi a de garantir que o trabalhador não se veja privado do valor das retribuições que auferiria, não fosse o despedimento ilícito de que foi alvo, caso se tivesse mantido a relação laboral, do que decorre, por consequência, que aquelas retribuições estarão também sujeitas ao regime decorrente da legislação que define o valor da retribuição mínima mensal garantida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1357/20.2T8PNF.P1

Autora: AA
Ré: Associação ..., IPSS


Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA intentou ação com processo comum contra Associação ..., IPSS, peticionando: que seja declarado sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, o início da prestação do trabalho em Janeiro de 2010 e ilícito o despedimento da Autora e a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia já vencida de €22.300,00 e a vincenda até ao trânsito em julgado da sentença, uma e outra acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a primeira desde a citação e a segunda a partir do trânsito até integral pagamento, bem assim nas custas, procuradoria e mais de lei.

1.1. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré contestou, invocando a exceção da prescrição dos direitos invocados pela Autora quanto ao contrato celebrado em 2013 e impugnando em parte os factos alegados na petição inicial, para concluir pela improcedência, por não provada, da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

1.2. Na resposta, a Autora requereu a redução e ampliação do pedido, pretendendo: que seja deduzido o montante peticionado de €1.200,00 relativamente às férias e subsídio de férias vencidos em Janeiro de 2010; os proporcionais de férias, subsídio de féria e de Natal vencidos e não pagos até à data da propositura da ação, 28 de Maio de 2020 ser computados em €615,86; as retribuições vencidas desde o despedimento até à propositura da ação em €2.540,00 e a indemnização por despedimento ilícito em €10.477,50.

1.3. Depois de admitidas as requeridas redução e ampliação do pedido e de ter sido fixado o valor da ação em €23.603,36, foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da exceção da prescrição invocada, após o que se proferiu despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

1.4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, por parcialmente provada, e, consequentemente:
I) Declaro sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e Ré, o início da prestação de trabalho em 1 de Fevereiro de 2017 e ilícito o despedimento da Autora.
II) Condeno a Ré a pagar à Autora as seguintes quantias:
- €3.175,00 a título de indemnização, prevista no artigo 391º, do C.T, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da indemnização que se vier a vencer (à razão de 30 dias de retribuição base por cado ano completo ou fracção de antiguidade”) até ao trânsito em julgado desta sentença.
- O valor das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 2 de maio de 2020 até à data do trânsito em julgado desta sentença, nelas se incluindo as retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal, à razão de €635,00 euros ilíquidos por mês, e deduzindo-se a estes montantes aqueles que a Autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, incluindo subsídio de desemprego, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
Custas por Autora e Ré na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo da decisão que vier a recair sobre o pedido de apoio judiciário formulado pela Autora.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido apresentou a Autora recurso de apelação, finalizando as suas alegações com o que entendeu serem as conclusões, nos termos seguintes:
“I- Tendo direito às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da sentença, e sendo a retribuição da autora no valor da retribuição mensal mínima garantida por lei, o cálculo daquelas deve ser feito com base no valor da retribuição mensal mínima garantida atualizado em cada ano, até ao trânsito da sentença.
II- Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, nomeadamente o disposto no art. 390.º do Código do Trabalho e 2º do DL 109-A/2020, de 31 Dez.”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

3. Subidos os autos a este Tribunal de Relação, apresentados ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
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Cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a prende-se com saber se a sentença errou na aplicação do direito ao não ter atualizado o valor das retribuições intercalares com base no valor da retribuição mensal mínima garantida.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Não tendo sido impugnada, nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 663.º, remete-se, nesse âmbito, para os termos constantes da sentença recorrida.
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B) Discussão
A única questão a decidir, em face das conclusões que delimitam o objeto do recurso, prende-se com saber se a sentença errou na aplicação do direito ao não ter atualizado o valor das retribuições intercalares com base no valor da retribuição mensal mínima garantida – e se tal viola o disposto nos artigos 390.º do Código do Trabalho (CT) e 2.º do DL 109-A/2020, de 31 de dezembro.

Constando do ponto 24.º da factualidade provada, no que aqui importa, que a retribuição base da Autora era, em janeiro de 2020, a de €635,00, no dispositivo da sentença a Ré foi condenada a pagar (citação) “O valor das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 2 de maio de 2020 até à data do trânsito em julgado desta sentença, nelas se incluindo as retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal, à razão de €635,00 euros ilíquidos por mês, e deduzindo-se a estes montantes aqueles que a Autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, incluindo subsídio de desemprego, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data do seu vencimento até integral pagamento.”
Em termos de fundamentação do julgado, mais uma vez no que aqui importa, na mesma sentença fez-se constar, o seguinte:
(…) a Autora peticiona ainda a condenação da Ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de receber desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que o declare, deduzidas das importâncias referidas no nº2, do artigo 390º, do Código do Trabalho.
Os salários intercalares são devidos nos termos do artigo 390º, nº1, do Código do Trabalho, visto que a declaração de ilicitude do despedimento repõe em vigor o contrato de trabalho que o Empregador quis dissolver e constituem uma obrigação decorrente desta vigência.
Embora o legislador denomine de “compensação” na epígrafe deste artigo, tal não tem essa natureza, reflectindo antes a ideia de pagamento dos vencimentos em atraso que deveriam ter sido pagos se o despedimento não tivesse ocorrido.
Como salienta BB 15 «o pagamento de salários intercalares pelo empregador reconduz-se assim à realização, a posteriori, da prestação retributiva a que estava obrigado por efeito do contrato de trabalho e que, indevidamente, não cumpriu durante o espaço de tempo que decorreu entre a cessação irregular de tal contrato e o acto que, decretando a invalidade desta, reafirmou simultaneamente a continuidade, no plano jurídico, do vínculo contratual».
Assim numa acção como esta, emergente de contrato individual de trabalho, em que a Ré é condenada no pagamento dessas prestações salariais, estas abrangem todas aquelas que se vencerem até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal.
Haverá, todavia, que deduzir as verbas referidas nas alíneas a), b) e c) do nº2 do artigo 390º, do Código do Trabalho, quais sejam:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se estra não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido compreendido entre a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
No caso em análise, tendo o despedimento ocorrido em 31 de Janeiro de 2020, às retribuições que a Autora deixou de receber desde essa data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal haverá que deduzir desde logo o montante das retribuições vencidas desde 31 de Janeiro de 2020 até 1 de Maio de 2020 (uma vez que a acção apenas foi intentada em 1 de Junho de 2020).
Já quanto às verbas aludidas nas alíneas a), e c) do nº2 do artigo 390º, do Código do Trabalho, os autos não nos fornecem elementos suficientes que nos permitam proceder desde já à determinação dos montantes em causa, pelo que a determinação de tais importâncias terá de ser efectuada em sede de execução de sentença.
Apreciando, resultando do disposto no n.º 1 do artigo 390.º, do CT, que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (sem prejuízo das deduções a que se alude no n.º 2), torna-se patente que a intenção do legislador foi a de garantir que o trabalhador, nos limites da norma, não se veja privado do valor das retribuições que auferiria, não fosse o despedimento ilícito de que foi alvo, caso se tivesse mantido a relação laboral, do que decorre, por consequência, que aquelas retribuições estarão também necessariamente sujeitas ao regime decorrente da legislação que define o valor da retribuição mínima mensal garantida, incluindo, pois, no período que medeie até ao trânsito em julgado da sentença.
No que ao caso importa, não incidindo o presente recurso sobre a sentença na parte em que declarou ilícito o despedimento, transitando assim em julgado nessa mesma parte, importará ter presente, quanto às retribuições intercalares em que a Ré foi condenada, assim a partir de 2 de maio de 2020 e vencidas até ao momento do trânsito em julgado da sentença proferida em 1.ª instância, o regime que resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2020, de 31 de dezembro, que fixou o valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, em €665,00, razão pela qual, assistindo assim razão ao Recorrente, se impõe a alteração, em conformidade, do dispositivo da sentença nessa parte.
Procede, em face do exposto, o presente recurso.

A responsabilidade pelas custas impende sobre a Autora e Ré, na proporção fixada na sentença (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV - DECISÃO
Em face do antes exposto, na procedência do recurso, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, mantendo a sentença no mais, em alterar o seu dispositivo, quando nesse se fez constar, referente ao valor das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 2 de maio de 2020 até à data do trânsito em julgado desta sentença, “à razão de €635,00 euros ilíquidos por mês”, sendo esse valor alterado, pelo presente acórdão, para “€665,00 ilíquidos por mês”.

Custas da ação e do recurso na proporção de vencimento/ decaimento.

Porto, 4 de abril de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes