Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12128/14.5T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
VALOR DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP2016112112128/14.5T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 248, FLS.256-263)
Área Temática: .
Sumário: I - O valor da ação deve corresponder à utilidade económica do pedido.
II - Tratando-se a indemnização de antiguidade do sucedâneo pecuniário da reintegração, a utilidade económica desta corresponderá ao valor daquela.
III - Em ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, atento o disposto no art. 98º-J, nº 2, do CPT, o valor da ação deverá corresponder ao que, em caso de procedência da ação, resultaria do valor referido em II, acrescido do valor das retribuições intercalares e do pedido de indemnização por danos não patrimoniais já vencidos e liquidado na ação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 12128/14.5T8PRT-B.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 930)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada, aos 25.11.2014, pelo trabalhador (de ora em diante designado por A.), B…, contra o empregador (de ora diante designado por Réu), C…, SA foi por este, apresentado articulado motivador do despedimento, a final do qual, e no que se reporta ao valor da ação, referiu o seguinte: “Valor: 2.000,00 (cfr. no art. 98º-P do CPT, ex-vi art. 12º nº 1 e al. e/ do RCP)”.

O A. apresentou contestação, na qual deduziu reconvenção e formulou, a final, o seguinte pedido:
“Termos em que e nos mais de direito como sempre doutamente supridos:
a/ Devem ser julgadas provadas e procedentes os fundamentos de facto e de direito da presente contestação e, consequentemente, deve ser declarada a ilicitude do despedimento do aqui contestante;
b/ Deve o pedido reconvencional ser julgado provado e procedente e, por via disso, o requerido condenado a pagar ao requerente:
• Os danos não patrimoniais sofridos até à presente data e passíveis de liquidação de 5.000,00 euros;
• Os danos não patrimoniais futuros, a fixar pelo tribunal porque, embora previsíveis, não são determinados, não devendo, contudo, ser considerados inferiores àquele montante;
• Tudo, com as legais consequência quanto a juros legais, custas e procuradoria.”.
No que se reporta ao pedido reconvencional alegou, em síntese, que a instauração do procedimento disciplinar e o consequente despedimento lhe causaram os danos não patrimoniais que invoca, pelo que, nos termos dos arts. 496º, nºs 2 e 3, com referência aos arts. 483º e 562º todos do Cód. Civil, lhe deverá ser arbitrada uma indemnização por tais danos que, até à data de tal articulado, não deverá ser inferior a €5.000,00 e, não sendo ainda passíveis de liquidação todos os danos não patrimoniais vincendos, “é também legítimo formular pedido genérico quanto a tais danos não patrimoniais, que nunca se deverão computar em valor inferior ao antes referido.”.
E, à ação, atribuiu o valor de €12.000,00 constando de tal articulado o seguinte: “Valor:12.000,00 euros (respeitante à soma do valor da acção (2.000,00 euros) com o valor da reconvenção: 10.000,00 euros).”.

A Ré respondeu à contestação/reconvenção, na qual refere, quanto ao valor da ação, o seguinte: “Valor: 12.000,00€ (ou seja: o indicado na contestação – reconvenção do Requerente).”.

Foi, aos 11.07.2016, proferida sentença que julgou “procedente o articulado de motivação do despedimento apresentado pela Entidade Empregadora C…, SA, considerando lícito o despedimento do Trabalhador B…” e, aos 13.07.2016, foi proferida a decisão de fls. 96, esta a ora recorrida, em que se refere: “Por lapso, em sede de sentença, não se fixou o valor da ação, o que se passa a fazer. Valor da ação: €5.000,01.”.

Inconformado com tal decisão, veio o Réu recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª O presente recurso de apelação vem interposto do despacho proferido no dia 13 de Julho de 2016, que fixou o valor da acção em 5.000,01€, doravante designado por despacho recorrido;
O despacho recorrido, que fixou o valor da acção em 5.000,01€, é recorrível autonomamente, ao abrigo disposto na al. g) do nº 2 do art. 79º-A do Código de Processo de Trabalho e na al. b) do nº 2 do art. 629º do Código de Processo Civil;
O valor da causa deverá ser bem fixado em 56.707,76€ (1.120,39€ + 205,45€ : 30 dias x 45 dias x 26 anos completos ou fracção + 5.000,00€ de danos não patrimoniais), por ser esse o montante correspondente à utilidade económica imediata do pedido do ora Recorrido, nos termos do disposto no nº 1 do art. 296º do Código de Processo Civil, e não em 5.000,01€, tal como mal fixou o despacho recorrido;
4ª O despacho recorrido, que fixou o valor da acção em 5.000,01€, violou o disposto no nº 1 do art. 296º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que fixe o valor da acção em 56.707,76€ (cinquenta e seis mil, setecentos e sete euros e setenta e seis cêntimos).
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 646º do Código Processo Civil, o Recorrente indica as seguintes peças da presente acção de que pretende certidão para instruir o presente recurso de apelação, (…)
Nestes termos, e nos demais de Direito, cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o despacho proferido no dia 13 de Julho de 2016, que fixou o valor da acção em € 5.000,01, o qual deverá ser substituído por outro que fixe o valor da acção em €56.707,76, (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.
***
II. Objeto do recurso

Com é sabido, nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26.06 e do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelos recorrentes delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se à ação deverá ser fixado o valor de €56.707,76.
***
III. Matéria de facto assente

1. Tem-se como assente o constante do precedente relatório e, bem assim, que:
2. Na sentença proferida pela 1ª instância, que consta de fls. 70 e segs, foi dado como provado que:
2.1. O A. foi admitido ao serviço do Réu aos 15.07.1991 (nº 1);
2.2. A decisão final de despedimento foi emitida aos 06.11.2014, havendo o A. dela sido notificado aos 07.11.2014 (nºs 43 e 45).
2.3. “À data da prolação do despedimento o Banco Requerido comunicou à Segurança Social, que o Trabalhador/Autor auferia o vencimento mensal base de 1.120,39€, acrescido de um complemento de 69,21€ e de diuturnidades no valor de 205,45€, para lá de um subsídio de isenção de horário de trabalho de 285,06€ e de 9,39€ do subsídio de almoço por cada dia útil de trabalho efetivamente prestado.” (nº 78)
3. O A., aos 01.08.2016, interpôs recurso da sentença proferida pela 1ª instância, o qual se encontra pendente nesta Relação.
*
O facto nº 3 decorre da consulta do histórico informático do processo principal, de que o presente recurso subiu em separado.
Importa ainda referir que, compulsado o mencionado histórico, dele não consta requerimento do A. a solicitar a alteração ou ampliação do pedido, nem a exercer a opção pela indemnização de antiguidade.
***
IV. Do Direito

1. Como se disse, a única questão a apreciar prende-se com a determinação do valor da ação, pretendendo o Réu/Recorrente que lhe seja atribuído o valor de €56.707,76, para tanto alegando que: o Recorrido pediu na ação que fosse declarada a ilicitude do despedimento, com as legais consequências, bem como o pagamento de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida dos danos não patrimoniais futuros a fixar pelo Tribunal; como consequência da ilicitude do despedimento o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (art. 390º, nº 1, do CT), bem como, em substituição da reintegração, pela qual pode optar até ao trânsito em julgado da decisão judicial, a uma indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, cabendo ao tribunal determinar o seu montante (nºs 2 e 3 do art. 391º do mesmo Código do Trabalho); no caso, o Recorrido foi admitido ao serviço do Banco Recorrente em 15.07.1991 (facto nº 1), havendo a decisão final sido proferida aos 11.07.2016 e auferindo o A. o vencimento mensal base de € 1.120,39, acrescido de diuturnidades no valor de € 205,45 (facto nº 78); assim, em face dos aludidos critérios e não se reconduzindo o caso em apreço a qualquer uma das situações especialmente consagradas nos art.s 300º a 304º do Código de Processo Civil, conclui-se que o valor da presente ação deve corresponder à soma dos referidos pedidos (pelo menos à soma do valor máximo da indemnização em substituição da reintegração, calculado à data da prolação da decisão final, e dos danos não patrimoniais); bestes termos, o valor da causa deverá ser fixado em 56.707,76€ (€ 1.120,39€ + € 205,45€ : 30 dias x 45 dias x 26 anos completos ou fracção + 5.000,00€ de danos não patrimoniais), por ser esse o montante correspondente à utilidade económica imediata do pedido do ora Recorrido, nos termos do disposto no nº 1 do art. 296º do Código de Processo Civil, e não em 5.000,01€ mal fixado no despacho recorrido.

2. No caso, impõe-se começar por referir que o Réu/Recorrente, na resposta à contestação, concordou expressamente com o valor da ação, incluindo o correspondente à reconvenção, que havia sido atribuído pelo A. na contestação/reconvenção (€12.000,00), pelo que, e salvo melhor opinião, não se compreende que, contra o que aceitou, venha agora discordar; aliás, nem lhe assistiria o direito de recorrer com o fundamento que invoca o qual não foi por si suscitado em sede de 1ª instância, no âmbito do incidente do valor da ação, tratando-se, pois, tal fundamento, de questão nova, que não foi submetida à apreciação da 1ª instância. Se, porventura, o Réu/Recorrente entende que o valor da ação deve ser fixado, pelas razões que agora alega no recurso, no montante de €56.707,76, então deveria, ao invés de ter aceite o valor indicado pelo A., ter suscitado tal questão na resposta à contestação/reconvenção, sendo que, como decorre do disposto no art. 305º, nº 4, do CPC/2013, a falta de impugnação por parte do R. significa que aceita o valor atribuído à causa pelo A. E, por outro lado, é certo que o valor fixado na decisão recorrida (€5.000,01) é diferente do que aquele em que as partes haviam acordado (€12.000,00). Esse não é, todavia, o objeto da fundamentação aduzida pelo Recorrente no recurso.
Não obstante, afigura-se-nos que a Relação poderá conhecer da questão do valor que deverá ser fixado à ação.
Com efeito, compete, em última análise, ao tribunal a fixação do valor da causa (306º, nº 1, do CPC/2013), tanto mais no âmbito da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, em que o art. 98º-P, nº 2, do CPT determina que “2. [o] valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”. Por outro lado, se pela ação se pretende obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa não sendo atendível acordo em contrário (art. 297º, nº 1, do CPC).
Deste modo, conheceremos da questão da fixação do valor da ação.

3. Com relevo, dispõe o CPC/2013 o seguinte:
- No art. 296º (“Atribuição de valor à causa e sua influência” que: “1. A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido. 2. Atende-se a esse valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal. 3. Para efeitos de custas judicias, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.”.
- No art. 297º (“Critérios gerais para a fixação do valor”) que: “1 - Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2 - Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.”.
- No art. 299º (“Momento a que se atende para a determinação do valor”): “1 - Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal. 2 - O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º. 3 - O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção. 4 - Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.”.
- No art. 300º (“Valor da ação no caso de prestações vincendas e periódicas”): “1. - Se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras. 2. (…)”
- E, por sua vez, dispõe-se no art. 557º, sob a epígrafe “Pedido de prestações vincendas” que “1 – (…); 2 - Pode ainda pedir-se a condenação em prestações futuras quando se pretenda obter o despejo de um prédio no momento em que findar o arrendamento e nos casos semelhantes em que a falta de título executivo na data do vencimento da prestação possa causar grave prejuízo ao credor.”.

- No art. 305º (“Poderes das partes quanto à indicação do valor”): “1 - No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor. 2 - Se o processo admitir unicamente dois articulados, tem o autor a faculdade de vir declarar que aceita o valor oferecido pelo réu. 3 - Quando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob cominação de a instância se extinguir, a declarar o valor; neste caso, dá-se conhecimento ao réu da declaração feita pelo autor e, se já tiverem findado os articulados, pode o réu impugnar o valor declarado pelo autor. 4 - A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor.”.
- No art. 306º (“Fixação do valor”): “1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. 2- O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença. 3 - Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641.º.”.

Por sua vez, no que toca à ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o CPT dispõe de norma especial, qual seja o já mencionado art. 98º-P, sob a epígrafe “Valor da causa”, nos termos da qual: “1 - Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais. 2 - O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos. 3 - Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho que admite o recurso.”. [sublinhado nosso].

4. Na ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento estão, por regra, em causa interesses relativos à declaração da licitude ou ilicitude do despedimento e, neste caso, das consequências daí decorrentes, espelhadas (pelo menos habitualmente) no pedido reconvencional que o trabalhador formula, designadamente, pedido de reintegração ou, em substituição, pedido de indemnização de antiguidade, pedido de pagamento das retribuições intercalares desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão que declara ilícito o despedimento e pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Na reconvenção, o trabalhador pode ainda reclamar o pagamento de outros créditos laborais como decorre do disposto no art. 98º-L, nº 3, do CPT.
Aos mencionados pedidos corresponderá uma utilidade económica que irá determinar o valor da ação.
Como se diz no Acórdão do STJ de 25.09.2014, Processo 3648/09.4TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, “O critério geral para a determinação do valor coincide, pois, com a utilidade económica imediata que pela ação se pretende obter.
«Como se avalia essa utilidade?»
Perguntava e respondia Alberto dos Reis:
«A resposta é simples. Vê-se qual é o fim ou o objetivo da ação e depois procura-se a equivalência económica desse objetivo. (…) a equivalência económica consiste na indicação da quantia em dinheiro correspondente ao objetivo da ação.
Ora o objetivo duma ação conhece-se pelo pedido que o autor faz. De maneira que o princípio fundamental da fixação do valor enuncia-se assim: Valor da causa igual a valor do pedido expresso em moeda legal.»

5. No caso, o A., na contestação/reconvenção formulou apenas três pedidos: i) o de declaração da ilicitude do despedimento; ii) o da condenação do Réu na quantia, já liquidada, de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii) o que se mostrar ainda devido a título de danos não patrimoniais futuros, mas nunca em quantia inferior, também, a €5.000,00.

5.1. Ou seja, o A., na reconvenção, não pediu a sua reintegração (art. 389º, nº 1, al. b), do CT/2009) ou, em substituição desta, a indemnização de antiguidade (art. 391º do CT/2009), assim como não peticionou o valor das retribuições intercalares a que se reporta o art. 390º do mesmo diploma, pelo que se poderia entender que, não tendo sido peticionados e atento o princípio do dispositivo, tais consequências não seriam atendíveis ainda que o despedimento viesse a ser declarado ilícito. E, se assim fosse, não haveria também que se atender aos mesmos para efeitos de fixação do valor da ação pois que tais consequências, no caso concreto, não representariam a utilidade económica do pedido.
Não obstante, a questão não é pacífica, como disso é exemplo o Acórdão desta Relação de 02.05.2016, Processo 1083/15.4T8MTS.P1, in www.dgsi.pt, em que, por maioria, se entendeu que a apresentação do formulário a que se reporta o art. 98º-D do CPT e que dá início ao processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento <<contém já os pedidos de condenação do empregador a reintegrá-lo e a pagar-lhe os salários intercalares, enquanto efeitos daquela imediatamente decorrentes que não carecem, pois, de autónoma e específica dedução>>, e, isto, porque do citado formulário, aprovado pela Portaria 1460-C/2009, de 31.12. consta o seguinte “Pelo que se requer a v. Exa. Seja declarada a ilicitude do despedimento ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.”.
Tendo em conta a divergência interpretativa existente, afigura-se-nos que a fixação do valor da ação deve, atentas as várias soluções plausíveis de direito, contemplar a hipótese de, eventualmente, poder ser adotado o entendimento que fez vencimento no citado acórdão e por ser também a que oferece melhor garantias de defesa no acesso ao recurso para a nossa mais alta instância judicial (STJ).

5.2. No caso, compulsado o histórico informático do processo principal, dele não decorre que o A. haja formulado a opção pelo pedido de indemnização em substituição da reintegração, opção essa que apenas poderia ter lugar “até ao termo da discussão em audiência de julgamento” (art. 391º, nº 1, do CT/2009), pelo que, a proceder a ilicitude do despedimento, a consequência seria a reintegração [na hipótese do entendimento maioritário acolhido no Acórdão referido no ponto antecedente]. Tratando-se a indemnização no sucedâneo pecuniário da reintegração, afigura-se-nos que a utilidade económica desta corresponderá ao valor daquela (revendo posição em que se entendia que ao pedido de reintegração corresponderia o valor da alçada da 1ª instância mais 1 cêntimo). Ora, assim sendo, e contabilizando a antiguidade do A., para efeitos de fixação do valor da ação, desde a data da sua admissão (15.07.1991) até à data da sentença (11.07.2016), de 24 anos e uma fração, ou seja, 25 anos, bem como a possibilidade (que sempre deverá ser admitida ainda que como mera hipótese de raciocínio) da graduação da indemnização pelo seu limite máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades (1.120,39 + 205,45= 1.325,84), a indemnização de antiguidade seria de €49.719,00 [(1.325,84 : 30 x 45) x 25], pelo que a este valor deverá corresponder a consequência da (eventual) reintegração.
Como consequência da ilicitude do despedimento, o A. teria ainda direito às retribuições intercalares desde a data do despedimento (07.11.2014) até à data da sentença (11.07.2016) [a esta se atendendo, e não já as que se venceriam até ao trânsito em julgado da decisão que decretasse a ilicitude do despedimento, uma vez que, nos termos do art. 98º-P, nº 2, do CPT seria na sentença que se fixaria o valor da ação em caso de procedência desta, para além de que se desconhece a data em que transitaria], o que, tendo em conta a retribuição base, diuturnidades, complemento e subsídio de isenção de horário de trabalho, tudo no montante global mensal de €1.680,11 (cfr ponto 2.3.dos factos assentes), teria o A. direito, a título de retribuições intercalares, incluindo os subsídios de férias e de Natal vencidos em 2015, à quantia global de €37.186,43.
Mais haverá que atender ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, já liquidado à data da contestação/reconvenção, no valor de €5.000,00.
Quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais futuros, pelas regras gerais do CPC, afigura-se-nos que o mesmo não é atendível para efeitos de fixação do valor da ação. Com efeito, tal pedido consubstancia um pedido genérico, a que se reporta o art. 556º, nºs 1 e 2, al. b), do CPC/2013 e cuja liquidação é feita por intermédio de incidente de liquidação, e não um pedido de “prestações vincendas” enquadrável no disposto no art. 557º do mesmo e a que pudesse ser aplicável o art. 300º, nº 1, do mesmo.
Assim, e concluindo, deve o valor da ação ser fixado em €91.905,43.

6. Importa ainda referir o seguinte, em jeito de esclarecimento:
Na parte final do art. 98º-P, nº 2, faz-se referência aos créditos “que tenham sido reconhecidos” o que poderia, eventualmente, induzir à interpretação de que o valor da ação nos termos dele constantes apenas teria lugar se o despedimento fosse, em sede de 1ª instância, declarado ilícito, mas não já quando fosse julgado lícito, interpretação esta de que se discorda, pois que, como decorre da primeira parte do preceito (“o valor causa é sempre fixado (…) tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente (…)”, ele não dispensa o recurso ao critério da utilidade económica do pedido.
A propósito deste art. 98º-P, nº 2, referiu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 20.11.2014, Processo 265/13.8TTVIS.C1, o seguinte, com o que se está de acordo:
“Resulta do normativo acabado de transcrever que na determinação do valor da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve ser levado em consideração a utilidade económica dos pedidos que tenham sido deduzidos, atendendo-se, designadamente, ao valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.
Ou seja, o valor da acção não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos, sendo que há pedidos que podem ser deduzidos pelo trabalhador e que nada têm que ver com créditos indemnizatórios e salariais, mas que também podem e devem ter um valor autónomo para efeitos de fixação global do valor da acção – por exemplo, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, o de reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho.
E compreende-se que também tenha de atender-se ao valor da indemnização, créditos e salários que sejam reconhecidos na decisão final, pois que a grandeza quantitativa de alguns deles pode ser determinada/alterada, também, pelo próprio tempo de duração da acção (v.g., o valor das retribuições intercalares, o montante da indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração), a qual pode fazer variar, assim, os montantes devidos ao trabalhador por referência àqueles que seriam devidos à data da proposição da acção.
(…)
Assim sendo, o valor da acção deve ser calculado, na situação em apreço, pelo correspondente à utilidade económica dos pedidos deduzidos pelo autor, apesar destes terem improcedido integralmente.(…)”.
Por outro lado, a condenação do empregador corresponde ao seu prejuízo decorrente da declaração da ilicitude do despedimento e que, em caso de licitude do mesmo, tem como contraponto, em igual medida, o prejuízo do trabalhador. Ora, afigura-se-nos que constituiria uma violação do principio da igualdade já que o empregador, caso decaísse na ação, poderia ter acesso a instância de recurso superior (STJ), mas já tal direito não seria conferido ao trabalhador (que se veria prejudicado em igual montante) caso o despedimento fosse considerado lícito. Se, por via do valor da ação fixado nos termos do art. 98º-P, nº 2, é conferido ao empregador o acesso ao recurso para o STJ caso decaia na ação, também ao trabalhador deverá ser conferido tal direito caso a sua pretensão seja improcedente. Só assim se garante “igualdade de armas” a ambos.
***
V. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide fixar à ação o valor de €91.905,43.

Custas pelo Recorrente e Recorrido na proporção de, respetivamente, 1/2 para cada um (tendo em conta que, ambos, haviam acordado na fixação do valor da ação em €12.000,00).

Informe-se, desde já, ao processo principal (que pende nesta Relação) da prolação do presente acórdão e, quando transitado, apense-se os presentes autos ao mencionado processo.

Porto, 21.11.2016
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes