Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7559/20.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: CONTESTAÇÃO
REVELIA
PLURALIDADE DE RÉUS
TRANSACÇÃO
Nº do Documento: RP202304207559/20.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se, numa ação com vários RR, algum deles contestar, os efeitos da revelia não se produzem em relação aos factos contraditados, constituindo esta situação uma das exceções legais previstas no artigo 568º do CPC, à regra geral da revelia operante.
II - A exceção subsiste e perdura até final ainda que haja desistência do pedido ou transação, com o(s) Réu(s) contestante(s), porquanto os efeitos da revelia aferem-se à data da contestação.
III - Em tal caso, o autor tem de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que articula, não havendo aqui sequer um agravamento da sua posição uma vez que ao intentar uma ação o titular do direito conta razoavelmente com o ónus da prova dos factos que alega.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 7559/20.4T8VNG.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA e BB intentaram contra o Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., administrado pela A..., Lda., representada por CC e contra B..., Lda., ação declarativa comum, peticionando a condenação:
A) O 1º Réu condenado a proceder à manutenção e reparação das obras de impermeabilização da cobertura/terraço do 3º andar direito do prédio de forma a fazer cessar definitivamente e adequadamente as infiltrações e escorrências de humidades que atualmente se verifica no interior da fração “U” propriedade dos AA.;
B) O 1º Réu condenado a pagar a reparação do interior da fração “U” colocando-a no estado que estaria caso se não verificassem as aludidas infiltrações e humidades, ou não fazendo a reparação, a pagar o valor do respetivo custo (que vier a apurar-.se em sede de peritagem) e juros de mora contados desde a citação para os presentes autos e que para já ascendem a €5.150,00 (valor acrescido de IVA à taxa legal);
C) Condenar o 1º Réu a pagar aos Autores uma quantia a fixar equitativamente pelo Tribunal, referentes ás rendas presentes e futuras que aqueles não estão a auferir com a impossibilidade de colocar a fração “U” no mercado de arrendamento, a título de lucros já sofridos desde 2017 e que para já se quantificam em pelo menos €14.400,00, e ainda os lucros cessantes, acrescidos dos juros de mora desde a data da citação para os presentes autos;
D) Condenar o 1º réu a pagar aos Autores, em montante a liquidar em execução de sentença, o acréscimo que o decorrer do tempo venha a implicar em relação ao valor da reparação referidas em B), na data que for possível aos Autores procederem à realização das obras;
E) Condenar a 2ª à reparação da rede interna das águas sanitárias da fração “X” de que é proprietária;
F) Condenar a 2ª Ré, a facilitar o acesso ao terraço que faz parte da fração “X” sua propriedade, possibilitando a realização de avaliações, peritagens e reparações necessárias a efetuar por técnicos especializados, sempre que seja devidamente notificada para o efeito.
A ré Condomínio do Edifício, sito na Rua ..., ..., não contestou, tendo a ré B..., Lda., contestado.
Na audiência de julgamento os autores e a ré B..., Lda., transigiram, tendo ainda sido determinado que o processo deveria prosseguir em relação à ré Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., não aproveitando esta em nada da contestação apresentada por aquela outra ré por serem distintas as causas de pedir que sustentam os pedidos formulados contras as duas rés, não sendo demandadas sequer enquanto devedoras solidárias.
POSTERIORMENTE, ATENTA A FALTA DE CONTESTAÇÃO, FORAM DECLARADOS CONFESSADOS OS FACTOS ARTICULADOS PELOS AUTORES QUANTO À PRIMEIRA RÉ.
FOI PROFERIDA SENTENÇA QUE DECRETOU
QUE O RÉU CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SITO NA Rua ..., ...:
A) CONDENADO A PROCEDER À MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DAS OBRAS DE IMPERMEABILIZAÇÃO DA COBERTURA/TERRAÇO DO 3º ANDAR DIREITO DO PRÉDIO DE FORMA A FAZER CESSAR DEFINITIVAMENTE E ADEQUADAMENTE AS INFILTRAÇÕES E ESCORRÊNCIAS DE HUMIDADES QUE ATUALMENTE SE VERIFICA NO INTERIOR DA FRAÇÃO “U” PROPRIEDADE DOS AA.;
B) CONDENADO A PAGAR A REPARAÇÃO DO INTERIOR DA FRAÇÃO “U” COLOCANDO-A NO ESTADO QUE ESTARIA CASO SE NÃO VERIFICASSEM AS ALUDIDAS INFILTRAÇÕES E HUMIDADES, OU NÃO FAZENDO A REPARAÇÃO, A PAGAR O VALOR DO RESPETIVO CUSTO QUE VIER A APURAR-SE
C) CONDENADO A PAGAR AOS AUTORES A QUANTIA DE 14.400€ REFERENTES AO VALOR DAS RENDAS QUE NÃO AUFERIRAM COM A IMPOSSIBILIDADE DE COLOCAR A FRAÇÃO “U” NO MERCADO DE ARRENDAMENTO
D) CONDENADO A PAGAR AOS AUTORES A QUANTIA QUE SE VIER A LIQUIDAR REFERENTES AO VALOR DAS RENDAS QUE NÃO IRÃO AUFERIR COM A IMPOSSIBILIDADE DE COLOCAR A FRAÇÃO “U” NO MERCADO DE ARRENDAMENTO ATÉ À REALIZAÇÃO DAS OBRAS REFERIDAS EM A) E B)
É A SEGUINTE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1- Os Autores são donos e legítimos proprietários da fração autónoma, destinada habitação, designada pela letra “U”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito à Rua ..., ..., da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... e devidamente descrito e registada na competente conservatória do registo predial sob o n.º ..., conforme documentos n.º 1 e 2 que juntaram e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
2- A fração autónoma supra identificada em 1º, destina-se a habitação, foi adquirida pela Autora para habitação própria, tendo há alguns anos emigrado para a Suíça, no entanto fazem dela sua habitação sempre que regressam a Portugal em gozo de férias.
3- O prédio urbano do qual faz parte a fração autónoma dos Autores está constituído em regime de propriedade horizontal e é administrado e representado pela sociedade “C..., Lda”, que por sua vez é representada por CC, conforme documento n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4- O prédio atrás identificado foi construído pelo menos há 20 anos.
5- Sendo que, desde aí até então, a administração do condomínio, não tem promovido qualquer diligência para que seja efetuada manutenção no imóvel, não obstante já tenha sido condenada em realizar determinadas obras, o que é certo é que não resolve o problema definitivamente, conforme se obriga;
6- De igual modo, não têm sido promovidas obras de reparação no que se refere a infiltrações, que vêm surgindo há vários anos no prédio em causa e em particular sobre a fração dos AA.
7- Que motivou já no ano de 2015, por parte dos AA., a entrada da ação no Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia - ação n.º 157/2015;
8- Tendo a mesma terminado por acordo de mediação – conforme documento n.º 5 que se junta, e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
9- Tal ação tinha à data por objeto infiltrações que provinham das partes comuns do prédio e que afetavam diretamente a fração dos AA.
10- Não obstante a celebração do referido acordo, e a obrigação de realização de obras por parte do 1º Réu, o que é certo é que este realizou as obras necessárias para fazer cessar a origem das infiltrações; 11- E se por um lado o 1ºRéu efetuou obras de pintura dentro da fração dos AA., já a parte exterior, que serve de cobertura à fração dos AA. não sofreu qualquer tipo de intervenção que resolvesse definitivamente o problema;
12- O que levou a mandatária dos AA. em 22/09/2016 a enviar um email à administração do condomínio (1º Réu) -“C..., Lda”, a comunicar que a situação ainda não se encontrava resolvida com os AA., conforme documento n.º 6 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
13- Sendo que o 1º Réu continuou sem querer saber da situação, designadamente sem realizar as obras necessárias e sem efetuar a limpeza à fração, tornando-a inabitável;
14- Em 18/04/2017, os AA. não viram outra alternativa, senão solicitar à Camara Municipal ..., vistoria à referida fração dos AA., conforme documento n.º 7 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
15- Dando conhecimento ao 1º Réu do pedido de vistoria efetuado junto da CM de ..., mediante o envio de carta registada C/ AR de 18/07/2017, carta que foi recebida, conforme documento n.º 8 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
16- Em resposta ao pedido de vistoria referido no ponto n.º 15º desta peça, foi determinada a realização da vistoria ao edifício, conforme notificação recebida pela mandatária dos AA. em 19/01/2018, conforme documento n.º 9 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
17- Vistoria que se realizou no dia 7/02/2018 pelas 09.45h, na presença do legal representante da Ré-Sr. CC, da mandatária dos AA., dos Senhores: - Engº DD, Engº EE, Engº FF, técnicos designados pela CM de ..., conforme documento n.º10 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18- Na sequência da mesma, foram os AA. notificados por intermédio da sua mandatária da proposta de decisão camarária de 29/03/2018, que ordenou ao condomínio a realização das seguintes obras no prazo de 30 dia, a saber:
-Exterior
Trabalhos a executar pelo condomínio b) Cobertura
1. Revisão geral da cobertura, essencialmente no que se refere ao sistema de impermeabilização do terraço plano acessível, afeto ao 3º andar direito, incluindo estanqueidade.
- Interior
- Partes Comuns
2. Beneficiação do interior do armário técnico localizado no 2º andar, que se encontra afetado manchado de humidade.
19- Os AA. pronunciaram-se em fase de audiência prévia, por email datado de 24/05/2018, anexando para o efeito a sua resposta e 11 fotografias reforçando o agravamento da situação, conforme documento n.º 11 que juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
20- Em 14/03/2019, foi efetuada uma deslocação ao imóvel, pelo técnico municipal Sr. FF, para verificar acerca do cumprimento da ordem estabelecida em 29/03/2018.
21- Tendo os AA. e o Réu sido notificado em 03/04/2019, do despacho camarário proferido em 1 de abril de 2019, de onde resulta claro que a primeira réu incumpriu com ordem de realização de obras de conservação, ficando sujeito a um processo contraordenacional, conforme documento n.º 13 (auto de notícia) que se juntaram e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
22- À medida que as vistorias iam decorrendo, era visível o agravamento do estado da fração dos autores.
23- Cada vez mais, surgiam fortes humidades e infiltrações de água de tal ordem que para aparar a chuva dentro da habitação, utilizam baldes, conforme se pode constatar da análise das várias fotografias que juntaram
24- As infiltrações de água existem na cozinha, no corredor e na sala, sendo que as infiltrações mais graves ocorrem na sala e na cozinha.
25- As quais se intensificam e agravam sempre que ocorrem chuvas e tempo húmido;
26- As infiltrações e humidades em causa têm origem no terraço da 2ª Ré – proprietária do terceiro andar direito, que serve de cobertura à fração dos AA., e eventualmente na fachada poente do edifício;
27- Ao longo de todo este tempo, por diversas vezes quer os AA., quer estes através da sua mandatária, contactaram a administração do condomínio, insistindo para que fosse apresentada uma solução para a situação;
28- Chegando inclusive a ser enviados vários emails ao 1º Réu, (14/05/2018, 5/04/2019, e 01/10/2020) a invocar a exceção do não pagamento das quotas do condomínio enquanto não fossem realizadas as obras, o que se dá por integralmente reproduzido no documento n.º 14, que juntaram.
29- O 1º Réu nunca respondeu, nem efetuou obras.
30- Não compareceu nas vistorias, mesmo sendo notificados para comparecer, com exceção da primeira vistoria ocorrida em 07/02/2018.
31- E mesmo notificado para a realização das obras, nunca a realizou; 32- O que tornou impossível a habitabilidade do apartamento.
33- Desde o ano de 2016, que os AA. estão impedidos de fazer uso da fração, de nela habitar, ainda que seja nas férias, ou de a colocar no mercado do arrendamento.
34- Pois não se verifica a possibilidade de efetuarem as reparações necessárias.
35- Os AA. são emigrantes na Suíça e vêm a Portugal, sempre nas férias do Verão, Pascoa, Natal e altura dos Fieis defuntos (início de novembro).
36- Sendo que nos últimos anos, os AA., não podem usar nem tirar proveito da sua fração, tendo em consequência que ficar a residir, na casa dos pais do Autor AA, ou outros familiares próximos, dadas as circunstâncias de inabitabilidade da fração.
37- Pois que, enquanto não forem efetuadas as obras de reparação exteriores, sempre que chove, as águas infiltram-se pela cobertura (terraço) do terceiro andar e fachada exterior poente, e acabam por entrar na fração dos AA.;
38- A Administração do condomínio (1º Réu) nunca realizou qualquer diligência para resolver estes problemas, ou se alguma diligencia diz ter realizado, nunca sanou definitivamente o problema;
39- Na verdade os anos foram passando sem que nada de concreto fosse feito e inclusive sem que o condomínio réu, ou quem quer que fosse a mando deste, realizasse as obras de manutenção e reparação necessárias para impedir de forma definitiva as infiltrações provenientes das chuvas;
40- Os AA., crentes da boa fé, ficaram a aguardar o contacto do 1º Réu, para que fosse apresentada uma solução;
41- Mas em vão, pois tudo permanece na mesma, não tendo a administração do condomínio promovido qualquer diligencia concreta nem enviado qualquer comunicação sobre as diligencias que estaria a encetar a fim de ser solucionada a situação, mesmo após ter sido notificada pela CM de ... para a realização das referidas obras;
42- É que agora está em causa a impossibilidade de habitar a fração;
43- Inclusive na última vistoria realizada em dezembro de 2019, foi comunicado pelo técnico da Camara Municipal ... - Sr. FF, que a iria ser retirada a licença de habitabilidade à fração até serem efetuadas as obras, pois da forma que a fração se apresenta não cumpre os requisitos de habitabilidade e salubridade;
44- Desconhecendo entretanto, os AA., se a licença de habitabilidade foi retirada, atendendo que não foram notificados dessa decisão;
45- Os AA. não só veem-se impedidos de habitar a fração, como de a colocar no mercado do arrendamento, e assim impedidos de obter os ganhos respetivos;
46- No ano de 2017, tentaram arrendar a fração, mas sempre sem sucesso, devido ao mau estado que a mesma apresenta;
47- Os AA. perderam a esperança e a paciência de resolver esta situação de forma consensual e decidiram instaurar a competente ação judicial;
48- Facto é que os AA. estão a sofrer danos.
49- Danos provocados pela falta de realização de obras, que mesmo após serem sobejamente conhecidos pelo Condomínio, continuam por fazer, fazendo com que os danos que se avolumem a cada dia que passa e continuem a aumentar.
50- Tendo os danos imputáveis ao 1º Réu, origem numa zona comum – cobertura e fachada do prédio-e não sendo efetuada a manutenção e reparação necessárias, as responsabilidades pelos danos decorrentes de tal situação cabem, desde logo, ao condomínio, que deverá ser condenado na sua reparação e pagamento.
51- Os autores solicitaram um orçamento com valores meramente indicativos, para retificar as patologias interiores que se apresentam neste momento (depois de reparada a parte exterior), considerando os trabalhos que são previsíveis, estima-se que o custo de mercado dos materiais e mão de obra para o interior da fração ascendam €5.150,00, valor acrescido de IVA à taxa legal, o que se dá por integralmente reproduzido no documento n.º 15, que aqui se junta para os devidos efeitos legais. 52- Já o valor da reparação das zonas comuns, designadamente do terraço que serve de cobertura à fração dos AA., só mediante uma peritagem com visita ao local, é que será possível aquilatar o valor para a reparação.
53- Os AA. tentaram colocar a fração no mercado do arrendamento, mas no estado em que se encontra a fração, não obtiveram sucesso;
54- Ora, atendendo às características daquela fração (tipologia T3) e ao preço de mercado de arrendamento praticado naquela zona de ..., o valor expectável é de pelo menos €400.
55- Os Autores estão privados, desde pelo menos 2017 até à presente data, do ganho que poderiam obter com a sua fração, num valor para já estimado de €14.400,00, caso conseguissem dar de arrendamento a fração “U” de que são proprietários;
56- É previsível que os danos venham agravar-se ainda mais
57- Acresce que, com o decurso do tempo e enquanto a situação não estiver totalmente resolvida, não só vão os AA. continuar a estar impedidos de usar a fração, como de a colocar a fração no mercado do arrendamento, como os custos de mão de obra e materiais necessários á reparação irão sofrer aumento.

DESTA SENTENÇA APELOU O RÉU QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)
2º O Meritíssimo Juiz “a quo” proferiu douta Sentença, após análise da matéria de facto e de direito, carreada para os presentes autos, concluindo que os Autores lograram demonstrar provados todos factos vertidos na Petição Inicial (PI), por força do previsto no artigo 567º, nº 1 do CPC, uma vez que que não foi deduzida validamente contestação.
6º É nestes termos, posta em causa a apreciação da matéria de facto e de direito pelo Tribunal de 1ª Instância, fundamentando-se o presente Recurso no facto de o Meritíssimo Juiz “a quo”, por um lado, ter dado como provado os factos vertidos nos pontos nºs 45, 46, 47, 53, 54, 55, 56, 57 da matéria fatual dada como provada na douta Sentença (respetivamente os pontos nºs 50, 51, 52, 69, 70, 71, 73 e 76 da Petição Inicial), apenas com base no articulado inicial (PI) dos Recorridos, porquanto, não se vislumbra, não ter qualquer documento ou outro meio de prova admissível, senão a ficta confessio.
7º A decisão recorrida está assim estribada em erro puro de apreciação da prova, e, ainda, por outro lado, viola o disposto no artigo 342º, nº 1, artº 483º, nº 1 do Código Civil (ao adiante CC) e artº 567º, artº 568º al. a) e artº 569º, nº 1 do Código de Processo Civil (ao adiante CPC).
(…)
9º De entre muitos outros factos alegados pelos Autores, deu como provados os factos constantes nos pontos nºs 45, 46, 47, 53, 54, 55, 56, 57 da matéria fatual dada como provada na douta Sentença (respetivamente os pontos nºs 50, 51, 52, 69, 70, 71, 73 e 76 da Petição Inicial), que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
10º No que respeita aos factos vertidos nos pontos nºs 45, 46, 47, 53, 54, 55, 56, 57 da matéria fatual dada como provada na douta Sentença, nomeadamente e quanto à eventual colocação no mercado de arrendamento da fração autónoma (que os autores são proprietários) e dos alegados danos patrimoniais sofridos por estes, a Recorrente não encontra nem vislumbra um único documento que seja, a decorrer todas as folhas deste processo, que comprove se eventualmente os autores colocaram, ou não, a sua fração a arrendar e dos danos que alegam, estando patente aqui o erro puro de apreciação da prova.
11º Na ausência de qualquer documento ou outro meio de prova legalmente admissível que comprove como supra se expôs, é a Recorrente levada a considerar que o Tribunal “a quo” não poderá considerar demonstrados os danos e, consequentemente, o valor em € 14.000,00 que a ré foi condenada, da alegada violação imputada pelo Tribunal à Recorrente.
12º Os Autores, ora recorridos, afirmam na sua PI que a sua fração destina-se à sua habitação, própria e permanente.
(…)
18º Ora, os autores não fizeram qualquer prova da colocação do seu imóvel no mercado de arrendamento, ficando-se somente por uma mera alegação, sendo certo que o mesmo afirmam que o imóvel destina-se à sua habitação própria e permanente a quando regressam a Portugal de férias tinham a expectativa de para lá residir.
19º Na modesta opinião da Recorrente e com o devido respeito, nesta questão mal andou o Tribunal, pois aplicou in fine o disposto no artigo 567º, nº 1 do CPC, esquecendo-se que os factos e danos alegados pelos Autores, dados como provados pelo Tribunal, foram impugnados pelo co-réu B..., Lda., conforme demonstra a sua contestação com a referência do Citius nº 28015525 a fls. dos autos.
(…)
24º O efeito de prova da falta de contestação do réu citado não se verifica nos casos previstos em alguma das alíneas do artigo 568º do CPC.
25º Restringindo-se a recorrente à sua situação, verifica-se que a aliena a) do artigo 568º do CPC impõe que sendo vários réus, a contestação de um poderá aproveitar aos restantes co- réus, quanto aos factos que o contestante impugnar, quer se encontrem em litisconsórcio necessário ou voluntário ou ainda em caso de coligação, limitando-se, contudo a sua eficácia aos factos de interesse para o réu contestante e para o réu revel. Este é o ensinamento vertido no douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido em 29/09/2010, no âmbito do processo nº 474/04.0TBOAZ-I.P1, in www.dgsi.pt, que se invoca pela sua simplicidade e eloquência.
26º Analisando o teor da contestação do co-réu B..., Lda. e, não obstante a ora Recorrente não ter apresentado contestação, a sua situação de revelia é inoperante e que a transação celebrada antes da audiência de julgamento não afasta o aproveitamento que a ora recorrente pretende.
27º A contestação apresentada pelo já identificado co-réu aproveita à Recorrente, na medida em que impugnam factos de interesse para ela, nomeadamente, os factos vertidos nos pontos nºs 45, 46, 47, 53, 54, 55, 56, 57 da matéria fatual dada como provada na douta Sentença, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
28º Na modesta opinião da recorrente, teriam os Autores de provar, nos termos previstas pelo artigo 342º do Código Civil, por documento ou outro meio legal admissível, os factos danosos e os montantes dos danos que imputaram à Recorrente, o que não aconteceu.
(…)
30º Não tendo os ora Recorridos produzido nos autos qualquer prova quanto aos danos alegados e seus montantes, impunha-se ao Tribunal “a quo” uma decisão diversa da que proferiu, nomeadamente:
- dar a revelia da Ré, ora Recorrente, como inoperante;
- dar como não provados os factos vertidos nos pontos nºs 45, 46, 47, 53, 54, 55, 56, 57 da matéria fatual dada como provada na douta Sentença (respetivamente os pontos nºs 50, 51, 52, 69, 70, 71, 73 e 76 da Petição Inicial), que aqui se dão por reproduzidos.
Nestes termos deve o presente recurso de apelação ser dado como procedente por provado e, em consequência, deverá ser revista a douta Decisão posta em crise, nomeadamente, a injusta e infundada condenação,
A douta Sentença recorrida violou entre outros o disposto no artigo 342º, nº 1, artº 483º, nº 1 do Código Civil e artº 567º, artº 568º al. a) e artº 569º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Responderam os Recorridos a sustentar o acerto da sentença. Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente, a única questão a decidir é a de reapreciar o julgamento da matéria de facto, isto é, saber se a sentença errou ao declarar os factos provados por confissão, motivada na revelia operante por: (i) a contestação da co-ré aproveitar à ré recorrente face à exceção da alínea a) constante do artigo 568º do código de processo civil.
Nada obsta ao mérito.

O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
Em matéria de revelia, o princípio geral é que a revelia, seja absoluta seja relativa, tem em regra como consequência que os factos alegados pelo autor sejam considerados provados. Este regime tem-se mantido particamente inalterado desde o código de 1939 (artigo 488º) (artigo 484º do anterior código de processo civil) e atual artigo 567º.
Para que a revelia (ausência de contestação) produza os efeitos cominatórios referidos, sem prejuízo das exceções contempladas no atual artigo 568º do Código de Processo Civil, (diploma para onde se consideram remetidas todas as normas sem outra menção expressa), terá de suceder que, (i) o réu tenha sido citado regularmente na sua própria pessoa ou tenha juntado procuração passada a mandatário judicial no prazo da contestação, ou por qualquer forma tenha tido intervenção no processo, dentro do prazo para contestar (artigo 567º nº 1 do Código de Processo Civil).
Os efeitos cominatórios dirigem-se a todos os factos articulados pelo autor que se consideram confessados. No entendimento de que se trata de uma confissão ficta ou admissão por acordo (ver Castro Mendes do Conceito De Prova pg 47, apud Código de Processo Civil anotado, VOL II Lebre de Freitas 2ª ed pg 292 e Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil pg 152).
Esta prova fica definitivamente adquirida no processo, não podendo o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve silencioso, tendo assim o tratamento duma presunção inilidível baseada na experiência e colhida na generalidade dos casos (Manuel de Andrade, ibidem pg 151 e 152).
A regra enunciada apresenta, contudo, exceções.
II
AS EXCEÇÕES AO EFEITO COMINATÓRIO SÃO AS ELENCADAS NO ARTIGO 568º (ANTERIOR 485º)
Logo na alínea a) do normativo se estabelece que: “quando havendo vários réus algum deles contestar em relação aos factos que o contestante impugnar”. Esta previsão significa que o réu não contestante beneficia da contestação do co réu, mas apenas quanto aos factos que este tenha impugnado, valendo a previsão quer para o litisconsórcio necessário, quer para o litisconsórcio voluntário.
Sobre esta matéria, escreve Lebre de Freitas in Código de Processo Civil anotado 2ª ed vol II pg 299: “A alínea a) prevê todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, seja de litisconsórcio voluntário ou coligação. A natureza do litisconsórcio necessários sempre imporia esta solução (…) Mas nos casos de litisconsórcio voluntário e sobretudo nos casos de coligação (em que estão em causa pedidos diferenciados normalmente respeitantes a relações jurídicas distintas a solução podia ser outra o que aliás aconteceu até à revisão de 1995/1996 nas formas de processo sumário e sumaríssimo (…) a norma do artigo 485 a) (atual 568 a) ) permite afastar esta solução chocante e facilitar aos réus a possibilidade de delegarem expressa ou tacitamente em algum ou alguns deles o ónus de contestar no interesse de todos (Varela Bezerra Novoa Manual de processo civil p 348 349”).
O benefício concedido aos réus revéis circunscreve-se à matéria efetivamente impugnada pelo réu contestante (…) a exceção não é prejudicada pela superveniente desistência do autor em relação ao réu contestante (Manuel Gonçalves Salvador in Efeitos da contestação quanto ao réu revel o direito 94 pg 274-291). Neste sentido, a unânime decisão da jurisprudência, sempre defendendo que, em caso de pluralidade de réus, contestando um dos demandados a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este impugnados deverá subsistir, ainda que a instância venha a extinguir-se, relativamente ao único réu contestante, em consequência da homologação de desistência do pedido por parte do autor.
III
Sucede que, como se acentua nos Acs. do TRC de 16/09/2014, processo nº 3495/10.0TBLRA.C1; 07-10-2014, processo 257058/11.5YIPRT.C1, ambos in dgsi, esta solução é também mobilizada pelo princípio geral da segurança jurídica, no âmbito do qual os indivíduos têm o direito de poder confiar que aos seus atos se ligam os efeitos jurídicos previstos no ordenamento jurídico e também pela ponderação concreta dos interesses em jogo, desde logo, porque não vislumbramos que resulte para os Autores qualquer agravamento sensível da sua posição processual pelo facto de ser inoperante a revelia da Ré não contestante. Vde ainda no mesmo sentido, Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª ed., pág. 258.7, apud acórdão deste TRP de 26-02-2019 MARIA CECÍLIA AGANTE 172/18.8T8OVR-A.P, in dgsi. com o seguinte sumário: “I Quando, havendo vários réus, somente um deles contestar, os factos impugnados pelo réu contestante consideram-se impugnados a favor dos demais qualquer que seja a sorte da ação em relação ao contestante. II - A situação de revelia e os seus efeitos aferem-se à data da contestação e perduram até à decisão final do processo (…) III - Se o autor desiste do pedido que formulou contra o réu contestante e ele é, por isso, absolvido do pedido, a situação de revelia não operante do réu não contestante subsiste, tendo o autor de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que lhe imputa”.
III
Isto posto, na sua contestação a Ré B... Lda impugnou expressamente os factos constantes dos artigos 5 a 58 e 59 a 65 da petição.
Esta posição da ré impede que o tribunal possa considerar provados por efeitos da revelia os factos articulados na petição, uma vez que é aplicável ao caso a exceção consagrada no artigo 568º a) do Código de Processo Civil, não obstando à mesma o facto de ter havido transação nos autos entre os AA e esta Ré, não podendo validamente, por consequência, o despacho proferido que declarou confessados os factos abranger a matéria que foi impugnada pela co-ré.
Deve, por consequência, a matéria pertinente à decisão do pleito e assim impugnada prosseguir para julgamento, a fim de ser demonstrada e provada apelos AA, de acordo com a regras do ónus da prova.
A sentença padece de nulidade insuprível por este tribunal, artigo 662º nº 2 c), dado que tais factos carecem de prova a produzir.
Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.

SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO. ANULADA A SENTENÇA E DETERMINA-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, COM A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA E JULGAMENTO, NOS TERMOS LEGAIS.
Custas a final, pelos Recorridos.

Porto, 20 de abril de 2023.
Isoleta de Almeida costa
Ernesto Nascimento [Vencido conforme declaração de voto, infra.
VOTO DE VENCIDO:
No recurso defende a ré que a decisão recorrida está estribada em erro puro de apreciação da prova, e, ainda, por outro lado, viola o disposto no artigo 342.º/1, 483.º/1 do Código Civil e 567.º, 568.º alínea a) e 569.º/1 do Código de Processo Civil.
Em face do que se entendeu que a única questão a decidir é a de reapreciar o julgamento da matéria de facto, isto é, saber, se a sentença errou ao declarar os factos provados por confissão, motivada na revelia operante por: (i) a contestação da co-ré aproveitar à ré recorrente face à excepção da alínea a) constante do artigo 568.º CPCivil.
E, depois de se expender acerca dos efeitos da contestação de um co-réu na posição processual do outro, não contestante, decidiu-se que,
- na sua contestação a contestante impugnou expressamente os factos constantes dos artigos 5 a 58 e 59 a 65 da petição;
- esta posição da ré impede que o tribunal possa considerar provados por efeitos da revelia os factos articulados na petição, não podendo validamente por consequência o despacho proferido que declarou confessados os factos abranger a matéria que foi impugnada pela co-ré;
- deve por consequência, a matéria pertinente à decisão do pleito e assim impugnada prosseguir para julgamento, a fim de ser demonstrada e provada pelos autores;
- a sentença padece de nulidade insuprível, artigo 663º/2 c), dado que tais factos carecem de prova a produzir.
Discordo, quer da fundamentação, quer do sentido do decidido, pois que a patologia prevista na norma legal invocada tem na sua base a necessidade de “alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, por se reputar deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se considere indispensável a ampliação desta”.
Norma, que no caso não pode ser invocada, pois que pressupõe a impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640.º CPCivil, o que no caso não ocorre, de todo.
Mas ainda que pudesse ter aplicação, ao caso, atendendo à letra da lei, à sua ratio e, à interpretação, reiterada, uniforme e sem brechas quer da Doutrina, quer da Jurisprudência, não acomoda a discordância da invocação na sentença, como fundamentos de facto, dos factos anteriormente considerados confessados, no entendimento, ainda, que errado, de que a revelia da apelante era operante.
Isto é, o expediente previsto naquela norma não pode acomodar a patologia imputada à decisão recorrida.
No caso, no entendimento errado, de que a revelia era operante foi proferido despacho nos termos do artigo 567.º/1 CPCivil, a considerar confessados os factos articulados pelo autor e, do mesmo passo, nos termos do n.º 2, a conceder o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.
Este despacho transitou em julgado.
Na sua sequência foi proferida a decisão recorrida, que em termos de matéria de facto constitui uma mera decorrência, uma consequência lógica e necessária do anterior despacho.
Não podia, nessa sede, o tribunal ter decidido de forma diferente.
Em matéria de facto estamos perante uma mera concretização do que antes se decidiu.
Os factos considerados assentes não foram impugnados em sede de recurso, nos termos previstos pelo artigo 640.º CPCivil.
Tão pouco, a solução de direito, se mostra impugnada.
A discordância da apelante reside apenas e tão só, na consideração de se terem aqui e agora extraído a consequência directa, imediata, necessária e automática, do despacho anterior.
Pretensão votada ao insucesso.
A consequência da tese que fez maioria traduz-se, afinal, em decretar a nulidade de uma decisão, que não podendo ter efeitos retractivos, não vai implicar a derrogação do despacho anterior, tornado definitivo e intangível, que terá que prevalecer em qualquer circunstância.
Donde sempre estaremos perante uma decisão absolutamente inútil, inócua, sem qualquer repercussão, sem poder atingir os obejctivos que os seus considerandos pressupõem.
Com a prevalência do despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 567.º/1 CPCivil, não pode a sentença deixar de ter como fundamentos de facto os aludidos factos considerados, prévia, atempada, oportuna e consensualmente, como provados.
Concluindo, entendo que o recurso se mostra improcedente.]
Carlos Portela