Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2248/05.2TBSJM.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRAZO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP201510282248/05.2TBSJM.P2
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A intervenção oficiosa do juiz, prevista no artigo 3.º da citada Lei 41/2013 só se compreende e só tem lugar no período no primeiro ano de vigência do novo diploma, como essa norma excecional expressamente consagra.
II – O prazo de deserção da instância, porque de seis meses, não se suspende nas férias judiciais.
III – A deserção da instância (ainda que declarada por despacho e nos termos do artigo 281, n.º 1 do novo CPC) ocorre independentemente de outro despacho prévio, mormente de um qualquer despacho cautelar ou de alerta, que a lei não prevê.
IV – Ainda que se entenda que a declaração de deserção da instância deva ser precedida de contraditório, visado evitar a prolação de uma decisão surpresa, se ele não ocorre, a nulidade que tal omissão consubstanciaria, e uma vez que a decisão de deserção (e consequente extinção da instância) põe termo ao processo, é sanada com o conhecimento pela Relação do objeto da apelação, nos termos do n.º 1 do artigo 665 do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1– A intervenção oficiosa do juiz, prevista no artigo 3.º da citada Lei 41/2013 só se compreende e só tem lugar no período no primeiro ano de vigência do novo diploma, como essa norma excecional expressamente consagra. 2 – O prazo de deserção da instância, porque de seis meses, não se suspende nas férias judiciais. 3 – A deserção da instância (ainda que declarada por despacho e nos termos do artigo 281, n.º 1 do novo CPC) ocorre independentemente de outro despacho prévio, mormente de um qualquer despacho cautelar ou de alerta, que a lei não prevê. 4 – Ainda que se entenda que a declaração de deserção da instância deva ser precedida de contraditório, visado evitar a prolação de uma decisão surpresa, se ele não ocorre, a nulidade que tal omissão consubstanciaria, e uma vez que a decisão de deserção (e consequente extinção da instância) põe termo ao processo, é sanada com o conhecimento pela Relação do objeto da apelação, nos termos do n.º 1 do artigo 665 do CPC.

Processo n.º 2248/05.2TBSJM.P2

Recorrente[1] – B… e C…
Recorridas – D…, Lda. e E…, SA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância:
Nos presentes autos em que são autores B… e C… e rés D…, SA e E…, Limitada, vieram estas (a segunda ré a fls. 489, em 21.05.2014, e a primeira ré a fls. 506/507, em 17.10.2014) requerer que fosse declarada a extinção da instância, com fundamento na sua deserção, por terem decorrido mais de seis meses desde que a mandatária dos autores renunciou ao mandato e desde que os mesmos foram notificados dessa renúncia e da obrigação de constituírem mandatário, sem que o hajam feito.

O tribunal, na sequência da reorganização do mapa judiciário e da remessa dos apensos deste processo a outra secção de processos, solicitou informação sobre a eventual junção de procuração dos (aqui) autores a esses apensos, tendo-se juntado certidão das procurações subscritas pelos autores a 12.11.2014 e juntas ao apenso em 17.11.2014 (fls. 510/512). De seguida, proferiu o seguinte despacho, que vem a ser o objeto da apelação: “A mandatária dos Autores B… e C… veio, a fls. 480, em 20.12.2013, renunciar ao mandato que estes lhe haviam conferido a fls. 25. De tanto foram os mesmos notificados, em 07.01.2014, para, em 20 dias, constituírem mandatário sob pena de suspensão da instância. Por força da reorganização do mapa judiciário entrada em vigor em 1-09-2014, foram remetidos à terceira secção de execuções da instância central de Oliveira de Azeméis os apensos executivos que pendiam juntamente com estes autos. Requerida a extinção da instância, por deserção, pelas requeridas D… e E…, cuidou o tribunal de averiguar se os Autores constituíram ou não novo mandatário, após a renúncia à procuração, num dos apensos remetidos àquela secção. Apurou-se que, naquele apenso executivo, apenas em 17-11-2014 foi junta procuração pelos aqui Autores. Donde, e durante mais de seis meses, os presentes autos estiveram a aguardar o impulso processual dos autores que, para tanto foram pessoal e devidamente notificados e quedaram inertes. Julgo, pois, extinta por deserção a presente instância nos termos dos artigos 277º, c) e 281º, número 1 do Código de processo Civil. Custas pelos Autores – cfr. 527º, número 1 do Código de processo Civil.”
1.2 – Dos recursos:
Desta decisão, os autores vieram apelar, pretendendo a sua revogação e que seja ordenado o prosseguimento dos autos. Formulam, para tanto, as seguintes Conclusões:
1 – O Tribunal a quo proferiu sentença que julgou a extinção da instância por deserção, nos termos do art. 277 al. c) e 281 n.º 1 todos do CPC, com fundamento que durante mais 6 meses os presentes autos estiveram a aguardar impulso processual dos autores.
2 – E´ desse sentença que se recorre e do qual os Apelantes não se podem conformar.
3 - Determina o disposto no art. 47 n.º 3 do CPC que os efeitos da revogação e da renúncia se produzem a partir da notificação, e que a renúncia e´ pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3.
4 – E, de acordo com o n.º 3, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado (situação que ocorre), se a parte, notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor.
5 - Assim, a notificação ao mandante tem também como efeito o início da contagem do prazo, findo o qual, caso seja autor e legalmente obrigatório o patrocínio judiciário, decorridos vinte dias, se não constituir novo mandatário, ocorre a suspensão da instância.
6 - Aliás, a notificação recebida pelos apelantes foi nesse sentido, na qual foram somente informados que a cominação de não constituição de mandatário era a suspensão dos autos.
7 - Os Autores não foram notificados da eventual cominação legal de deserção da instância decorridos seis meses sob o termo do prazo para a constituição de mandatário.
8 – Donde; e´ do entendimento dos apelantes que decretada a suspensão da instância, estão suspensos todos os prazos processuais.
9 - Sendo o prazo de 6 meses do referido art. 281 do CPC um prazo processual, não pode iniciar-se a sua contagem até ao termo da suspensão.
10 – A cessação dessa suspensão compete à parte contrária, requerendo ao Tribunal a notificação da outra parte para, em prazo razoável, constituir novo mandatário, cf. art. 276 n.º 3 do CPC.
11 - Pelo que, estando suspensos os autos até a junção de procuração, que ocorreu 17/11/2014, e nada tendo sido requerido pelos réus para fixação de prazo para essa junção em data anterior, não se iniciou o prazo de deserção, não havendo fundamento legal para julgar deserta a instância, sob pena de violação dos art. 47 n.º 3, 276 n.º 3 e 281 do CPC.
12 - A deserção foi decretada ao abrigo do disposto nos artigos 277, al. c), e 281, ambos do Código de Processo Civil.
13 - Portanto, todo o prazo subsequente a` aludida paralisação deve ser avaliado à luz do que dispõe o atual Código de Processo Civil. E´ o que impõe o preceituado no artigo 5.º, n.º 1, da mesma Lei 41/2013.
14 - Contudo, em face às alterações significativas no domínio do instituto da deserção, e no âmbito do período de adaptação desse novo regime, não poderia, sem mais, o Tribunal a quo proferir sentença de absolvição da instância de deserção sem antes convidar as partes para pronunciar-se e a sanar a eventual negligência.
15 - Nesse sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto nos seus Acórdãos, com data 24/02/2015 e de 02/02/2015, in www.dgsi.pt, cujas fundamentações perfilhamos e damos como reproduzidas para os devidos efeitos legais.
16 – Pois, em face à avultada alteração processual no tocante ao prazo processual de deserção, competia ao Tribunal, no período de adaptação ao novo regime processual civil, e ao abrigo dos seus poderes reforçados de direção, agilização, adequação e gestão processual do juiz, convidar a parte a suprir a irregularidade e a pronunciar-se, tudo com vista a propiciar a obtenção de decisão que privilegie o mérito ou a substância sobre a forma.
17 – Não tendo o Tribunal ao quo adoptado tal comportamento.
18 - Tanto mais que, após a junção as autos da procuração forense por parte dos Autores, foram praticados vários atos processuais em vários apensos, nomeadamente Oposição à execução, sanando-se a eventual irregularidade.
18.1 – Atos esses validados no processo, sem contestação da parte contrário e/ou do Tribunal, e que inclusive´ ainda hoje estão pendentes, tendo os réus oferecido contestação e, por conseguinte, validado todos os atos praticados.
19 - Pelo que, também, por esse motivo, não ocorreu o prazo de deserção; não havendo fundamento legal para julgar deserta a instância, sob pena de violação dos art. 3.º n.º 3, 6.º n.º 1 e 2, 7.º n 1 e 2 todos do CPC, art. 3.º da Lei 41/2013.
20 - Nos termos do art. 1.º do Dec. Lei 150/2014, referente à situação de excepcionalidade provocada pelos constrangimentos técnicos de acesso e utilização do citius, foi estabelecido um regime de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais.
21 - Tal regime de justo impedimento e de suspensão dos prazos vigorava até à publicitação de declaração emitida pelo IGFEJ, IP, no portal wwww.citius.mj.pt, no qual era declarado o termo dos constrangimentos de acesso ao citius, podendo tal declaração ser emitida comarca a comarca. Ora,
22 - As únicas declarações emitidas pelo IGFEJ, IP, devidamente publicitadas, foram as do dia 9 de setembro e a de 30 de dezembro de 2014, in portal citius.mj.pt, de conhecimento publico (sendo facto notório).
23 - A primeira é referente à publicitação generalizada do justo impedimento e suspensão dos prazos para todas comarcas, com início em 1 de setembro de 2014.
24 - E, a segunda é referente à publicitação generalizada do termo justo impedimento para todas comarcas, com termo em 30 de dezembro de 2014. Donde,
25 – Ainda que iniciando-se o prazo de deserção de 6 meses em 28.01.2014, suspendendo-se nas férias judiciais da páscoa e de verão e depois suspendendo-se a 1 de setembro nos termos do referido Decreto-Lei 150/20014, de 13 de outubro, voltando a correr somente em 3 de janeiro de 2015, não se mostra ultrapassado prazo de 6 meses porquanto, em data anterior, foi junta procuração forense.
26 - Pelo que, também, por esse motivo, não ocorreu o prazo de deserção; não havendo fundamento legal para julgar deserta a instância, sob pena de violação dos art. 12.º da Lei 52/2008, art. 1.º e 2.º do Dec. Lei 150/2014.
27 – A sentença proferida a fls. violou os normativos constantes dos art. 47 n.º 3, 276 n.º 3, 281, 3.º n.º 3, 6.º n.º 1 e 2, 7.º n 1 e 2 todos do CPC, art. 3.º da Lei 41/2013, art. 12.º da Lei 52/2008, art. 1.º e 2.º do Dec. Lei 150/2014.
28 - Dispõe o art. 221 do CPC que todos os atos processuais praticados por escrito após a contestação pelas partes que tenham constituído mandatário, são obrigatoriamente notificados pelo mandatário judicial do apresentante, ao Mandatário judicial da contra parte, nos termos do art. 255.
29 - Ora, réus/executadas, apresentaram nos autos o requerimento a suscitar a alegada deserção, e não cumpriram aquele preceito legal, desrespeitando-o totalmente, incumprindo a Lei processual, mormente o art. 221 CPC, e bem sabiam que a parte tinha mandatário constituído.
30 - Ao procederem dessa forma, violaram a Lei processual e com isso tentaram obter uma vantagem processual ilícita, pois com a sua conduta deliberadamente impediram o conhecimento de fato por parte dos autores,
31 - Bem como impediram o exercício do contraditório dos autores, direito este que foi igualmente preterido pelo Tribunal “a quo”, que proferiu decisão sem conceder o contraditório aos autores, em violação do art. 221 e art. 3.º n.º 3 do CPC.
32 - Destarte, não podem os réus/executados suscitar e beneficiar de uma decisão alcançada à revelia da Lei processual, e que por isso produziu um efeito surpresa na esfera dos autores, efeito este recriminado por Lei e pelos princípios basilares da Justiça.

Apenas a ré E…, SA respondeu à apelação, tendo concluído: 1 - As procurações juntas no processo n.º 2681/14.9, com a única finalidade de aí poderem apresentar a sua defesa mediante embargos à execução instaurada apenas pela D…, não tem a virtualidade e o efeito de fazer estender esse mandato quer à presente ação. 2 - Por essa razão deve entender-se - fugindo, de resto, a um dos pressupostos da decisão recorrida - que os recorrentes ainda hoje não têm advogado constituído na ação. Mesmo que assim não fosse, e, portanto a admitir-se que as procurações juntas com os embargos em 17-11-2014 posam produzir efeitos em relação à presente ação, então, o prazo de seis meses de suspensão da instância iniciado após o termo dos 20 dias para os AA constituírem advogado, 3-2-2014, não se suspendeu nem nas férias da Páscoa nem nas de verão, por imposição do disposto no n.º 1 do art. 138 do CPC ... Por isso, os seis meses conducentes à deserção terminaram em 03.08.2014. 3 - Também não é aplicável ao caso presente a suspensão do prazo prevista no Decreto-Lei n.º 150/2014, de 13 de outubro, ... como decorre do alegado e da jurisprudência citada. 4 - Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o art. 276, n.º 3 do CPC não é aplicável ao caso presente, mas sim e apenas, por força do n.º 1 desse preceito, às causas de suspensão da instância previstas no n.º 1 do art. 269, que nada têm a ver com o caso. 5 - Também em contrário do que sustentam, a recorrida não tinha de os ter notificado do requerimento apresentado em 17-10-2014 pela meridiana razão de que eles - qualquer que seja a tese que se sustente - não tinham nessa data nenhum advogado constituído em qualquer dos processos pendentes. 6 - Também não é aplicável o disposto no art. 3.º da Lei no 41/2013, de 26 de junho, quer porque há muito tinha terminado o período de 1 ano ai´ previsto quer ainda pelas demais razões expostas.

Anteriormente (fls. 426), a apelada E…, SA, havia agravado[2] dos despachos de 5.03.13 e 17.04.13, que indeferiram o seu requerimento de fls. 375 e ss. O recurso foi admitido a fls. 432, como agravo de subida diferida. A agravante (fls. 439/440), pretendendo que o despacho seja revogado e proferido outro “que ordene a notificação ao mandatário da recorrente dos documentos juntos, com a efetiva entrega da respetiva cópia, conforme resulta da lei, concedendo-se-lhe prazo para se pronunciar sobre eles” concluiu:
1 - No termos do n.º 3 do art. 228 do CPC, as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.
2 - No mesmo sentido, o n.º 2 do art. 152 do CPC prescreve que os documentos apresentados devem ser acompanhados de cópias, as quais são entregues à parte contrária com a primeira notificação subsequente a` sua apresentação.
3 - O anteriormente exposto consagra o direito da parte, no caso a ora recorrente, a, através do seu mandatário, receber cópia dos documentos/desenhos/projetos juntos aos autos a requerimento da contraparte, e a obrigação legal dessa contraparte e ou do Tribunal a enviar-lhe essa cópia.
4 - Tendo a recorrente sido notificada por via eletrónica aplica-se – assim sendo entendido desde logo pelo STJ – o regime legal constante da Portaria n.º 114/2008, de 6 de fevereiro.
5 - Nos termos do n.º 7 do art. 21-A da Portaria, quando o ato processual, a notificar por transmissão eletrónica, contenha documentos que apenas existam no processo em suporte físico, deve ser enviada cópia dos mesmos ao mandatário, nos termos do art. 254 do CPC.
6 - Ora, este art. 254 do CPC, prevê que o mandatário da recorrente deva ser notificado dos documentos juntos por via postal registada, presumindo-se notificado apenas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (n.ºs 1 e 3) e não – como nos despachos recorridos se pretende -, em 12.07.2013, pois nessa data não lhe foram efetivamente entregues quaisquer documentos.
7 - Só assim se assegurando o direito a um processo contraditório e equitativo.
8 - À recorrente não foi entregue cópia dos documentos/desenhos/projetos a que se refere a notificação expedida com data de 12.07.2012, desse modo se violando as disposições legais e o entendimento do STJ citados nas conclusões precedentes.
9 - Os despachos recorridos negaram à recorrente o direito a receber do Tribunal e ou da parte contrária, a cópia dos referidos documentos e consagraram o entendimento de que não lhe assistia esse direito, desse modo violando as disposições legais aplicáveis (arts. 228, n.ºs 2 e 3 e 152, n.º 2 do CPC, arts. 1.º, al. e) e 21-A, n.ºs 1,2 e 7 da Portaria 114/2008, de 6 de fevereiro e 254, n.ºs 1 e 3 do CPC) e desrespeitando o entendimento do STJ sobre a matéria (anteriormente citado – Proc. 4495/05.8TTLSB.S1).

Não houve resposta ao agravo, recebido, como se disse, a fls. 432. Também a apelação foi recebida nos termos legais e, nesta Relação, os autos correram Vistos.

Cumpre apreciar o mérito da apelação, uma vez que a sua apreciação e concretamente a confirmação do decidido tornará manifestamente inútil o conhecimento do agravo.

1.3 – Objeto do recurso (de apelação):
Tendo em conta as conclusões dos apelantes, o objeto do recurso (que se opõe à declaração de deserção da instância) prende-se com a questão relevante de saber se havia lugar à aplicação do disposto no artigo 281, n.º 1 do novo CPC, precisamente conduzindo à extinção da instância por deserção, ou se essa decisão foi incorreta, na medida em que (a) os autores apenas foram notificados com a cominação da suspensão e, ocorrida esta, ficam suspensos os prazos processuais, só cessando a suspensão por iniciativa da parte contrária; (b) não decorreram seis meses de inação processual, pois o prazo suspende-se em férias e também em 1.09.2014, aqui nos termos do Dec. Lei 150/2014; (c) não foi observado o regime de adequação processual nem o contraditório, nem pelo tribunal, nem pelos réus, pois estes apresentaram requerimentos a suscitar a deserção, e não notificaram a parte contrária.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto:
Os factos relevantes ao conhecimento da apelação resultam do relatório que antecede. Sem embargo, para melhor esclarecimento, anotamos os seguintes: 1 – A mandatária dos autores, em requerimento de 20.12.2013, veio renunciar ao mandato. 2 – Os mandantes foram notificados, por cartas registada com a/r, recebidas em 7.01.2014 da renúncia da mandatária e com a advertência legal, prevista do artigo 47, n.º 3 do CPC. 3 – A citação da autora foi feita nos termos do artigo 228, n.º 2 do CPC. 3 – Em 21.05.2014 a ré D…, Lda. veio requerer que fosse declarada a deserção da instância. 4 – Em 17.10.2014, a ré E…, SA veio requerer que fosse declarada a deserção da instância. 5 – Em 22.01.2015 foram estes autos informados que os (aqui) autores juntaram na oposição à execução que fora apenso destes autos e que corre autonomamente (desde 1.09.2014) procurações à sociedade de advogados “F…”, procurações essas subscritas em 12.11.2004 e juntas àqueles autos em 17.11.2014.

2.2 – Aplicação do Direito:
Antes de mais, e em sede de questão prévia, importa fazer um esclarecimento, que resulta da resposta da recorrida ao recurso. Com efeito, na primeira parte dessa resposta, suscita-se o que aí vem identificado como “1.ª questão”, concretamente o entendimento de as procurações, juntas a outro, autónomo, e agora desapensado, processo (onde a respondente nem sequer é parte) não terem valor processual para estes autos.

Independentemente do sentido substantivo do alegado, cumpre dizer que a questão suscitada não o é verdadeiramente, ou seja, não é uma “questão” objeto da apelação. Efetivamente, o despacho recorrido dá como assente e válida a junção das procurações a outro processo (anterior apenso) e os fundamentos da decisão que declarou a deserção não se confundem com a invocação agora feita pela recorrida: não está em causa a validade da junção, mas a sua extemporaneidade. Por ser assim, a questão suscitada pela recorrida, enquanto causa diversa ou acrescida que poderia ter fundamentado a decisão recorrida, só podia suscitar-se em sede de ampliação do objeto do recurso, o que não sucede.

Apreciemos, pois, a apelação, propriamente dita.

O atual Código de Processo Civil (CPC), anexo à Lei n.º 4/2013, de 26 de junho, entrou em vigor em 1.09.2013 e “é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes” (artigos 8.º e 5.º, n.º 1 da Lei 41/2003). Esse diploma, além de outras e significativas alterações, veio eliminar a (fase) de interrupção da instância e determinar, no n.º 1 do atual artigo 281 que, sem prejuízo do disposto no n.º 5, “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. A deserção, que “é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho” (artigo 281, n.º 4) é causa de extinção da instância - artigo 277, alínea c).

1-3-a): Contrariamente ao que parece defenderem os apelantes, a deserção da instância decorre diretamente da circunstância de o processo estar parado há mais de seis meses a aguardar o impulso da parte e o único despacho legalmente previsto é aquele que declara essa deserção, nada justificando um anterior despacho de alerta, nem podendo defender-se a sua obrigatoriedade em razão de se ter eliminado, na lei nova, a expressão do anterior artigo 291, n.º 1 do CPC de 1961, “independentemente de qualquer decisão judicial”, que nos pareceria, se fosse mantida, perfeitamente desnecessária, atenta a clareza da redação ao atual n.º 1 do artigo 281, salvo se, e quando, aquele despacho colhe a sua razão de ser no disposto no artigo 3.º, alínea b) “do diploma de aprovação do Código”[3]. Daqui decorre, salvo melhor saber, que os autores só tinham de ser notificados da cominação prevista no artigo 47 do CPC, decorrente da falta de constituição de mandatário e não que, prolongando-se a sua inação de fazerem prosseguir os autos, redundaria a mesma numa deserção da instância.

Por outro lado, e também em sentido diverso do que sustentam os apelantes, a suspensão da instância que decorre do n.º 3 do artigo 47 do CPC, e que aqui está concretamente em causa, não tem que cessar por ação da parte contrária, nos termos do n.º 3 do artigo 276 do CPC. Por um lado, atenta a remissão para as causa suspensivas do artigo 269 do mesmo diploma, não está em causa a renúncia ao mandato, mas o falecimento ou impossibilidade do seu exercício. Por outro lado, o artigo 276, n.º 3 só faria sentido para as situações em que a demora de constituição de mandatário se não prolongasse por mais de seis meses, justamente porque, prolongando-se além desse período, é aplicável o regime da deserção da instância.

1-3-b): Sustentam os apelantes que, de todo o modo, o período de seis meses não decorreu. Não decorreu porque o mesmo deve suspender-se nas férias judiciais e porque, chegados a 1.09.2014, volta a ter-se por suspenso, de acordo com o Decreto-Lei n.º 150/2014. Vejamos se têm razão.

Não estando em discussão a data de notificação pessoal dos autores, considerando a dilação de que beneficia a demandante, e o prazo de vinte dias para constituição de mandatário, a suspensão da instância ocorre em 3.02.2014. O prazo de deserção, porque é um prazo de seis meses não se suspende em férias (artigo 138, n.º 1 do CPC). Logo, o prazo para impulsionar os autos, no caso para junção de procuração sem que ocorra a deserção da instância terminou em 3.08.2014 (artigo 279, alínea c) do Código Civil).

Atenta a data acabada de referir, a previsão do Decreto-Lei n.º 150/2014, de 13 de outubro, concretamente o disposto no seu artigo 5.º, n.º 1, não tem cabimento na situação que se aprecia: o período temporal de inação que conduz à deserção terminou antes de 26 de agosto de 2014. Sempre se diga, a este propósito, que os apelantes não demonstraram – pois nem alegam – a impossibilidade de juntar aos autos as procurações por via diversa do sistema Citius, nem se concebe tal impossibilidade, atendendo ao que estava em causa.

1-3.c): Consideram os apelantes que foi desrespeitado o contraditório, nem pelos recorridos nem pelo tribunal e nem sequer, por este, o regime de adequação processual.

A este propósito, e começando pela intervenção oficiosa que os apelantes pretendem, importa dizer que, quer a renúncia ao mandato, quer a notificação desta e o início do prazo de suspensão, como de deserção, ocorrem todos integralmente no domínio do novo CPC. Dito de outro modo, é o novo diploma que se encontra a vigorar quando se dá a causa da posterior suspensão da instância e se inicia o prazo da deserção. Não há, nestes autos e neste concreto trâmite processual qualquer novidade legislativa.

Sempre acrescentamos que, se tal intervenção oficiosa do tribunal pode fazer sentido no início de vigência do novo diploma adjetivo, carece dele assim que ultrapassado o período que o mesmo considera adequado, sob pena de, desrespeitando esse período, se criarem condições (derivadas de uma eventual intervenção oficiosa facultativa) para uma inadmissível desigualdade nos direitos processuais das partes.

Relativamente ao contraditório, o mesmo mostrou-se prejudicado, no entendimento dos apelantes, por duas vias: ao não terem sido notificados pelas recorridas dos requerimentos onde estas suscitam e requerem a deserção da instância e ao não terem sido notificados pelo tribunal para pronúncia prévia.

Quanto à primeira pretensa violação do contraditório, importa dizer o óbvio: nessa ocasião, os autores não tinham constituído mandatário.

Quanto à segunda, ainda que entendamos – como já se disse - que a deserção da instância decorre diretamente da circunstância de o processo estar parado há mais de seis meses a aguardar o impulso da parte e o único despacho legalmente previsto é aquele que declara essa deserção, admitimos que, por modo a evitar qualquer decisão surpresa, a correta atuação processual seja, em alguns casos concretos, a que se traduz numa prévia notificação à parte para se poder pronunciar sobre a deserção que se pretende vir a declarar.

No caso presente, e como se disse, não vemos que, tudo se passando no domínio do atual CPC, seja defensável que a omissão do contraditório conduza a uma decisão surpresa. O requisito da “negligência das partes” (previsto no n.º 1 do artigo 281 do CPC) também, e como se dirá mais adiante, não impunha uma pronúncia prévia dos apelantes.

Sem embargo do que se refere anteriormente, importa, no entanto, considerar o disposto no artigo 665, n.º 1 do CPC, ou seja, estando nós perante uma decisão final (que põe termo ao processo) sempre a violação do princípio do contraditório, mesmo que em si mesma acarretasse a nulidade da decisão, impõe ao tribunal de recurso o conhecimento do objeto da apelação, afinal o que temos vindo a fazer. Note-se que as razões de discordância dos apelantes se mostram inteiramente expressadas nas suas alegações e, por si, o contraditório posterior, operado pelo e no recurso, permite e obriga ao funcionamento da regra da substituição ao tribunal recorrido, assim se sanando a nulidade.

No contexto acabado de referir, importa apenas dar nota da circunstância de o despacho recorrido não se pronunciar sobre a causa da negligência, quando é certo que o n.º 1 do artigo 281 do CPC faz depender a deserção de uma inação “por negligência das partes”. No entanto, sequer os apelantes suscitam essa questão, e compreende-se porquê: o que estava em causa nos autos era a obrigação da prática de uma ato concreto (junção de procuração) e para a sua não prática, no período temporal de seis meses, decorridos os vinte da advertência, não se vê nem se imagina qualquer impedimento e os apelantes – repete-se – não o alegam, minimamente. Dito de outro modo, tendo em conta a concreta ação pressuposta como dever de impulso processual, a omissão da mesma, mormente na omissão de qualquer justificação, é necessariamente negligente.

Por tudo entendemos que a apelação é improcedente e a decisão que determinou a extinção da instância por deserção deve ser confirmada.

Tendo em conta a decisão antes antecipada, é claro que o agravo anteriormente interposto pela apelada é manifesta e supervenientemente inútil[4].

As custas, da apelação e do agravo são devidas pelos apelantes e agravados (atenta a causa de inutilidade do agravo, quanto a estes).

3 – Decisão:
Por tudo quanto se deixou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão da 1.ª instância que, por deserção, julgou extinta a instância.

Porque extinta a instância, declaramos supervenientemente inútil o conhecimento do agravo interposto pela recorrida E…, SA.

Custas da apelação e do agravo pelos apelantes e agravados.

Porto, 28.10.2015
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] No recurso de agravo (a que se fará oportuna referência) é recorrente (agravante) E…, SA e recorridos (agravados) B… e C….
[2] Agravo este que não se confunde com um outro que, com subida imediata, foi apreciado por esta Relação.
[3] Neste sentido, Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2.ª edição, Almedina, 2014, pág. 273. Referem que a ideia de negligência das partes não é “conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique”, embora reconheçam que essa decisão, prevista no n.º 4 do citado artigo 281, “seja meramente declarativa”. Quanto a outro e (necessariamente) anterior despacho, defendem que se justifica a notificação das partes, no sentido de a esclarecer “que o processo aguarda o seu impulso”, mas essa notificação (apenas, acrescentamos nós) “constitui um dever, nos casos abrangidos pela al. b) do n.º 3” da Lei 41/2013 (...)”.
[4] Ainda que a apelada não tenha especificado o interesse no conhecimento do agravo retido, prevendo-se na discussão da causa a decisão (da apelação) que ora é tomada, não se deu cumprimento ao disposto no artigo 748, n.º 2 do anterior CPC, por se considerar inútil a prática desse ato processual.