Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11435/20.2T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: CRIME DE HOMICIDIO NEGLIGENTE
ACIDENTE RODOVIÁRIO
VELOCIDADE EXCESSIVA
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
MORTE
PREVENÇÃO GERAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA ACESSÓRIA
CRITÉRIOS
PENA PRINCIPAL
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP2023041911435/20.2T9PRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Perante uma situação em que o arguido conduzia com velocidade excessiva, sob a influência de álcool e sem o cuidado e atenção devidos, o que motivou o despiste e ulterior embate da viatura e do qual resultou a morte do passageiro transportado, é legítimo afirmar que, atendendo à realidade rodoviária e às taxas de sinistralidade em Portugal, as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, contexto em que se justifica-se a aplicação de uma pena de catorze meses de prisão, ainda que, por se verificarem os necessários pressupostos, suspensa na sua execução.
II – A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é uma sanção distinta da pena principal, que acresce ao crime, e que além de consubstanciar uma censura adicional pelo facto ilícito praticado, visa prevenir, em termos gerais e especiais, a perigosidade subjacente à própria norma incriminadora.
III – A determinação da sua medida concreta, tal como ocorre com a pena principal, e porque, embora acessória, de uma pena se trata, deve ser efetuada em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no artigo 71º do Código Penal.
IV – Embora não seja exigível que as penas, a principal e a acessória, sejam fixadas em medida equivalente, entre ambas deverá existir alguma proporcionalidade e adequação, a não ser que se verifiquem circunstancias excecionais que assim o impeçam, pois os critérios de graduação e fixação de ambas são os mesmos, e tal deve ocorrer sobretudo quando a moldura penal aplicável ao crime apresenta semelhanças à da pena acessória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Comum (Tribunal Singular) nº 11435/20.2T9PRT.P1
Tribunal da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 1

Acórdão deliberado em Conferência

1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por sentença de 25 de outubro de 2022, o arguido AA, foi condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1, do Cód. Penal - por referência às contraordenações causais, p. e p. pelos arts. 24º, 25º, nº1, al. c), 145º, nº1, als. e) e l), todos do Código da Estrada -, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, sujeita a regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, que deverá privilegiar a orientação do arguido para a sua formação e/ou atividade profissional estável e respeito pelas regras de prevenção rodoviária e com imposição das seguintes regras de conduta:
- colaborar com os técnicos da DGRSP e comparecer nos dias e horários determinados pelos mesmos.
- sujeitar-se a tratamento médico ou cura em instituição adequada ou manter o tratamento que se encontre a fazer – tendo em conta as consequências físicas e/ou psicológicas que resultaram para o mesmo do acidente dos autos-, até ter alta clínica e caso dê o seu expresso consentimento.
Mais, foi o arguido condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 5 meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal.
1.2 Recurso
O Ministério Público interpôs recurso restrito à medida das penas principal e acessória invocando, em sede de conclusões, e em síntese:
- Tendo em conta as elevadíssimas necessidades de prevenção geral, o grau de ilicitude da conduta do arguido e da sua culpa que são de intensidade elevada, o contexto em que o acidente ocorreu, sendo de exclusiva responsabilidade do arguido o qual conduzia em velocidade excessiva, a pena prisão de 6 meses, afigura-se desajustada, não assegurando as finalidades da punição. A pena adequada às circunstâncias concretas do caso não deve ser inferior a 14 meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução nos moldes decididos.
- Também a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor se mostra desadequada por fixada em tempo inferior àquele que se mostra ajustado às mencionadas circunstâncias. Deverá ser fixada uma proibição de conduzir nunca inferior a 8 meses.
Considera assim que a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 40º, 69º, nº 1, alínea a), 70º e 71º, todos do Código Penal.
Termina pedindo que a pena principal e a pena acessória aplicadas sejam aumentadas nos moldes indicados.

O arguido apresentou resposta ao recurso, defendendo a sua improcedência por considerar que as penas, principal e acessória, aplicadas se mostram adequadas.

Neste Tribunal da Relação, a Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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2. Questões a decidir no recurso
O Ministério Público não impugnou a matéria de facto provada nem o seu enquadramento jurídico no crime pelo qual o arguido foi condenado. Também não contestou a opção pela pena de prisão.
Assim, a questão a apreciar e a decidir é apenas a medida concreta da pena de prisão e da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados.
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3. Fundamentação
3.1. Factualidade provada na sentença
Resultaram provados os seguintes factos:
1- No dia 25 de Outubro de 2020, cerca das 20h45, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-XV-.., marca Mercedes, modelo ..., de cor branca, pela EN ..., Estrada ..., ..., no Porto, no sentido de marcha Este/oeste.
2. O arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas e tinha uma T.A.S. de 0,57+- 0,07 g/l no sangue, o que tendo em conta o erro máximo admissível corresponde a uma taxa de 0,50 g/l no sangue.
3. Ao seu lado, no banco dianteiro do lado direito, seguia, como passageiro, BB.
4. Pouco tempo depois de ter iniciado a sua marcha, em circunstâncias não apuradas e circulando a velocidade também não concretamente apurada, o arguido perdeu o controle do veículo, entrando em despiste.
5. Assim, em frente ao prédio nº ... o veículo conduzido pelo arguido galgou o separador central, que é uma zona ajardinada, cujo lancil tem cerca de 20 cm de altura, e embateu, violentamente, com a parte lateral direita do veículo numa árvore, aí ficando imobilizado.
6. Em consequência do embate o veículo ficou muito amolgado, tendo sido projetados destroços do mesmo a vários metros de distância.
7. Os ocupantes do veículo ficaram encarcerados, tendo sido retirados com o auxilio de terceiros.
8. BB, que seguia no banco dianteiro direito, quando foi desencarcerado já não apresentava sinais de vida.
9. Em consequência direta e necessária do embate o referido BB sofreu lesões traumáticas meningo-encefálicas, vertebro-medulares, torácicas, abdominais e pélvicas, descritas no relatório de autópsia de médico-legal de fls 131 a 139 (que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais), que foram causa adequada da sua morte.
10. O local é uma recta, com duas vias de trânsito.
11. O pavimento é de aglomerado de asfalto, estava em bom estado de conservação e manutenção, tratando-se de um local com boa visibilidade, não havendo possibilidade de encadeamento, dado que os veículos que circulam em sentido oposto, fazem-no numa via mais baixa.
12. Existia um sinal vertical de trânsito de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/hora.
13. Nas circunstâncias referidas em 1), não havia trânsito, era noite e chovia.
14. Ao actuar do modo descrito o arguido agiu livre e conscientemente, em desrespeito das regras estradais, tendo perdido o controle do veículo e embatido na árvore do separador central por conduzir sem o cuidado e a atenção exigidas a um condutor, e de que era capaz, e por não ter adequado a velocidade do seu veículo de modo a evitar perigo para a segurança das outras pessoas.
15. Representou como possível que pudesse provocar um desastre de graves consequências para as pessoas nele intervenientes, embora não se tenha conformado com a sua ocorrência e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
16. A vítima mortal, BB, tinha na data do acidente referida em 1), 27 anos de idade, era amigo próximo do arguido e da família, estando noivo da prima do arguido.
17. O veículo do arguido referido em 1) tinha matrícula de Julho de 2019 e não foram detectadas/reportadas anomalias do veículo ou dos pneus;
18. Na data referida em 1), antes do veículo identificado em 1), o arguido já tinha tido 6 ou 7 veículos de gama alta, similiares ao referido em 1);
19. O arguido é tido como condutor habitualmente cuidadoso e cauteloso, não lhe sendo conhecidos outros sinistros para além do dos presentes autos;
20. O arguido:
a) é casado, tem 26 anos de idade e tem uma filha bebé;
b) na data dos factos o arguido tinha 24 anos de idade;
c) na data dos factos o arguido trabalhava desde os 18 anos, na empresa que o pai construiu há 25 anos, a A..., em Penafiel, que passou para “B..., Lda.”; o arguido controlava a parte financeira e era técnico profissional de contabilidade e gestão;
d) após o acidente dos autos, em virtude da baixa do arguido e estado de saúde do pai do arguido provocado pelo mesmo motivo, a empresa acabou por ser gerida pelo outro sócio e por ser declarada insolvente em 08/03/2022;
e) depois dos factos o arguido foi viver com a esposa para o Algarve, em casa arrendada, pagando €500,00 da renda da casa;
f) trabalhou uns meses em part-time na cozinha dum restaurante em Albufeira, Algarve (denominado “C...”), como ajudante, em regime informal, auferindo cerca de €700-800,00 mensais; trabalhava de sexta a segunda e feriados;
g) nessa altura a esposa ajudava trabalhando 2 dias no mesmo restaurante;
h) actualmente vivem em casa dum familiar e têm a ajuda económica de uma tia;
g) a esposa do arguido trabalha numa loja de roupa e aufere 705,00 € mensais;
h) o arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade;
i) é tido como pessoa educada e respeitadora, no seu meio social e condutor habitualmente prudente e cuidadoso;
j) em virtude do sinistro dos autos, o arguido ficou em coma e internado vários meses e não se recorda do acidente dos autos;
l) em virtude do acidente dos autos, o arguido ficou muito triste e afectado psicologicamente com a situação;
m) Dados relevantes do processo de socialização:
m.1- o processo de socialização do arguido decorreu na freguesia ..., no concelho de Penafiel, onde residia junto do agregado de origem, composto pelos progenitores, em ambiente familiar caracterizado pela vinculação afetiva entre os seus membros;
m.2- o progenitor laborava como empresário da construção civil e a progenitora era auxiliar de ação educativa, sendo a dinâmica familiar descrita como funcional, com as necessidades básicas do agregado asseguradas pelos proventos obtidos por ambos os progenitores;
m.3- o percurso académico do arguido iniciou-se aos seis anos de idade, concluindo a escolaridade no 12º ano, aos 18 anos de idade;
m.4- em termos profissionais, o arguido ingressou no mundo laboral aos 19 anos de idade, na área da construção civil, na empresa propriedade dos progenitores, na qual, dois anos depois, se tornou sócio;
m.5- contraiu matrimónio em 2021, sendo a dinâmica conjugal descrita como gratificante; da relação conjugal nasceu uma descendente, atualmente com 9 meses de vida;
Condições sociais e pessoais:
m.6- desde Junho de 2022, o arguido reside com a cônjuge e a descendente, em habitação cedida pela madrinha do cônjuge, sita na Rua ..., ... ..., situada em meio urbano;
m.7- em Março de 2022, a empresa declarou insolvência e o arguido ficou desempregado;
m.8-em termos económicos, o agregado subsiste com base na remuneração auferida pelo cônjuge no exercício da profissão de empregada de balcão, no montante mensal de 705,00 € apresentando despesas correntes, nomeadamente água, eletricidade, manutenção de duas viaturas automóveis e alimentação, em montantes variáveis e não apurados;
m.9- beneficia do apoio dos progenitores e da família alargada;
m.10-o quotidiano do arguido é ocupado em função do acompanhamento do agregado, sobretudo da descendente, e em momentos de lazer com a família alargada;
Impacto da Situação Jurídico-Penal:
m.11- o acidente e, consequentemente, a instauração do presente processo implicaram um impacto substantivo na vida quotidiana do arguido;
m.12- a hospitalização do arguido na sequência do acidente, o frágil estado de saúde e as sequelas que dele resultaram geraram nos familiares do arguido grande impacto emocional, quadro que se associou à dificuldade de gestão da empresa;
m.13- a empresa declarou insolvência e o arguido ficou desempregado e sem rendimentos;
m.14- em abstracto, o arguido reconhece vítimas e danos de condutas análogas à que se encontra acusado, apresentando capacidade crítica para valorizar o bem lesado e a gravidade da conduta em causa;
m.15- no meio social onde residem os progenitores, não obstante o presente processo ser de conhecimento público, o arguido e os progenitores beneficiam de uma imagem associada ao ajustamento no relacionamento interpessoal;
m.16- no atual local de residência, o arguido e o seu agregado não são conhecidos, não existindo interação com os vizinhos.
m.17- em face de uma eventual condenação e, caso a medida concreta da pena o permita, parecem estar reunidas as condições para a execução de uma medida na comunidade, direcionada para a assunção do desvalor da conduta criminal em causa;
n) o arguido tem carta de condução desde os 18 anos de idade e do seu registo individual de condutor nada consta.
o) Não tem antecedentes criminais.
2) Factos não provados:
Não se provou:
a) o arguido acelerou várias vezes o veículo, imprimindo-lhe cada vez mais velocidade, motivo pelo qual perdeu o controle do mesmo;
b) se nas circunstâncias referidas em 4), quando o veículo “abanava/patinava” a traseira, o arguido estava a tentar controlar a velocidade do veículo;
c) a velocidade concreta a que circulava o veículo do arguido, quando se despistou;
d) antes do acidente referido nos itens 4 e ss., o arguido circulasse a velocidade superior a 50 Kms/hora;
e) que tivesse aparecido algum obstáculo na via, motivo pelo qual o arguido, antes do embate, perdeu o controlo da viatura;
f) antes do despiste, o arguido tivesse tido algum desmaio ou quebra de tensão, motivo pelo qual perdeu o controlo da viatura;
g) não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos dados como provados com interesse para a boa decisão da causa.
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3.2 – A medida concreta da pena de prisão

O recorrente entende, pelos motivos já mencionados, que pena concreta aplicada se mostra desajustada, devendo antes ser fixada em medida não inferior a 14 meses de prisão (mantendo-se a suspensão na sua execução).
Apreciando.
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos no art. 71º, do Cód. Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. E, tal como estipula o art. 40º, nº2, do mesmo diploma, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
O Tribunal recorrido considerou verificar-se no caso um grau de ilicitude e de culpa de intensidade elevada.
Concorda-se.
Com efeito, estamos perante uma situação em que o arguido não adequou a velocidade às circunstâncias concretas em que conduzia o que o impediu de executar as manobras necessárias a não perder o controle do veículo. E foi por conduzir sem o cuidado e atenção devidos que o veículo se despistou e ocorreu o embate. Conduzia não só em velocidade excessiva como também sob influência do álcool, o que integra a prática (embora em concurso aparente) de duas infrações de relevo ao Cód. Da Estrada e que visam ambas proteger e evitar, em abstrato e em concreto, eventos e danos como os que no caso vieram efetivamente a ocorrer. Acresce que se tratou de um acidente de culpa exclusiva do arguido, ou seja, para o qual não concorreu a atuação de qualquer outra pessoa.
O embate foi violento e do mesmo resultou não só uma morte como também ferimentos graves ao próprio arguido e lesões físicas a um terceiro também transportado no veículo – do que resultam consequências graves (sendo certo que, como é manifesto, o evento morte se mostra já compreendido no tipo de crime em causa).
As condições pessoais do arguido, designadamente a sua inserção pessoal, social e familiar, devem ser atendidas e também não se pode ignorar a repercussão dos factos na vida do arguido, em concreto o mau estar e angústia vivenciados e decorrente da morte da pessoa que transportava a qual, além do mais, era seu amigo muito próximo (facto com o qual terá que lidar toda a sua vida o que, não se tem dúvidas, não será fácil).
A ausência de antecedentes criminais e a adoção de um comportamento adequado e conforme ao direito, anterior e posterior aos factos, permite-nos concluir que os factos aqui em causa se tratam de um ato ocasional – e não a regra – na vida do arguido. Tal deve ser atendido. Mas não de forma demasiado significativa, ou seja, como uma forte atenuação pois a adoção de uma conduta correta e conforme o direito não é mais do que aquilo que legitimamente se espera de qualquer cidadão. O não ter antecedentes criminais – para mais com apenas 24 anos, idade do arguido à data dos factos – e não praticar crimes é apenas uma obrigação que recai sobre todos os membros da comunidade.
A sentença recorrida, aquando da sua ponderação, mencionou expressamente, as exigências de prevenção geral considerando-as, como não podia deixar de ser, atendendo à realidade rodoviária e às taxas de sinistralidade em Portugal, elevadíssimas. Entendeu as necessidades de prevenção especial, dada a ausência de antecedentes criminais do arguido e as suas condições pessoais, como menos elevadas.
Concorda-se, genericamente, com tal caraterização embora, no que respeita às necessidades de prevenção especial, não se possa ignorar, como já foi referido, a forma como o arguido conduzia o veículo ao momento dos factos (designadamente com velocidade excessiva e sob a influência de álcool).
Do que fica dito resulta que, tal como invocado em sede de recurso, a pena aplicada ao arguido se mostra inadequada.
Com efeito ao crime praticado pelo arguido corresponde uma pena até 3 anos de prisão. Foi-lhe aplicada a pena de 6 meses de prisão, situada no 1/3 da penalidade, bastante próxima do mínimo legal (mais 5 meses) e bem distante do seu limite máximo (menos 2 anos e 6 meses). Tal medida concreta seria adequada numa situação em que se verificasse um grau de culpa e ilicitude muito reduzidos o que, como bem se viu, não é o caso – o que é expressamente admitido pelo tribunal recorrido que fala num grau de culpa e ilicitude de intensidade elevada. Também não se verificam na situação concreta quaisquer circunstâncias especialmente atenuantes que justifiquem a fixação da pena num patamar tão próximo do limite mínimo. Com efeito, as circunstâncias a considerar em benefício do arguido, e já mencionadas são, no essencial, as normais neste tipo de situações.
Conclui-se assim que a pena fixada fica aquém da culpa e da ilicitude contidas na conduta do arguido.
Tendo em conta tudo aquilo que se deixa dito afigura-se como adequada a pena proposta em sede de recurso, 14 meses de prisão. Esta mostra-se situada já no 2/3 da penalidade aplicável, embora no seu limite inferior mostrando-se perfeitamente adequada ao grau de culpa e ilicitude e às necessidades de prevenção que se verificam. Sem se tratar de uma pena pesada ou excessiva, não deixa de ter em consideração a gravidade das consequências do crime em causa, refletindo também o grau de culpa da conduta do arguido.
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3.3 – Da medida concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados
A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados trata-se de uma sanção distinta da pena principal, que acresce ao crime (e à pena principal aplicada) e que além de consubstanciar uma censura adicional pelo facto ilícito praticado visa prevenir, em termos gerais e especiais, a perigosidade subjacente à própria norma incriminatória. Trata-se de uma opção de política criminal que encontra o seu fundamento na especial censurabilidade conferida pela lei ao perigo decorrente do ato de condução de veículos motorizados nas condições descritas no art. 69º, nº1, do Cód. Penal, em concreto e no que aqui nos interessa, aos casos de homicídio cometidos no exercício da condução de veículo motorizado, com violação das regras de trânsito rodoviário.
A pena acessória em causa é fixada, de acordo com o disposto no citado art. 69º, nº1, do Cód. Penal, entre os limites mínimo e máximo de 3 meses e 3 anos. A determinação da sua medida concreta, tal como ocorre com a pena principal – e porque, embora acessória, de uma pena se trata – deve ser efetuada em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no art. 71º, do Cód. Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
No caso concreto, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi fixada pelo período de 5 meses. O recorrente pretende que a mesma seja fixada em período não inferior a 8 meses.
Vejamos.
Na verdade, sendo certo que não é exigível que ambas as penas, a principal e a acessória, sejam fixadas em medida equivalente, entre ambas deverá existir alguma proporcionalidade e adequação (a não ser que se verifiquem circunstâncias excecionais que assim o impeçam) pois os critérios de graduação e fixação de ambas são os mesmos. E tal deve ocorrer sobretudo quando, como acontece no caso concreto, a moldura penal aplicável ao crime apresenta semelhanças à da pena acessória.
Por outro lado, importa considerar que a pena acessória aqui em causa é fixada entre 3 meses e 3 anos em todas as situações previstas nas diversas alíneas do art. 69º, do Cód. Penal - crime de homicídio, de ofensa à integridade física, de condução de veículo em estado de embriaguez, de condução perigosa, de desobediência ou por qualquer outro crime cometido com a utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada - pelo que, necessariamente, a graduação da pena concreta deve ter em atenção tal circunstância, distinguindo as situações em conformidade quer com a sua gravidade, quer com as respetivas consequências.
No caso importa considerar – também aqui - que o arguido conduzia com velocidade excessiva, sob a influência do álcool sem as precauções e cuidados devidos. Perdeu o controle do carro, despistou-se, e provocou o embate com consequências irreparáveis e de extrema gravidade: a morte de uma pessoa e lesões físicas em si próprio e numa outra pessoa. Este simples facto, a circunstância da conduta do arguido ter causado uma morte, obsta em situações normais, a que a pena acessória se possa fixar no mínimo legal. É que esta é uma das situações mais gravosas das que integram as condutas previstas na penalidade da pena acessória. Isto, pese embora se deva atender, ao facto da atuação do arguido ser negligente – neste caso a modalidade da culpa mostra-se relevante já que o citado artigo 69º abrange todo o tipo de situações, quer dolosas, quer negligentes.
Perante tais elementos, que têm que ser atendidos nesta sede, entende-se que efetivamente a pena acessória fixada se mostra insuficiente, sendo por isso desadequada.
Face a tudo o que fica exposto considera-se que a pena acessória se deve mostrar equilibrada/ajustada à pena principal e deve refletir a gravidade do crime (e suas consequências) que determina a sua aplicação. Assim, mostra-se adequada no caso concreto a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 12 meses – o que considera todos os elementos mencionados, designadamente as circunstâncias concretas do caso e o facto de se tratar de uma conduta negligente.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e em consequência:
- fixa-se a pena aplicada ao arguido em 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita às regras e imposições fixadas na sentença recorrida;
- fixa-se a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados em 12 meses.
Sem custas.
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Porto, 19 de abril de 2023
Carla Oliveira
Paula Pires
José Piedade [Junto declaração de Voto:
Declaração de Voto
Estamos perante mais um caso de sinistralidade rodoviária, da qual resultou a perda da vida de um jovem de 27 anos.
A elevada sinistralidade rodoviária, provocada pela violação das normas atinentes ao tráfico rodoviário, exige uma actuação rigorosa, não complacente, da Justiça Penal.
Tal como escreve Francisco Marques Vieira, ‘Direito Penal Rodoviário, Os Crimes dos Condutores”, Publicações Universidade Católica, 2007:
“A perigosidade da circulação viária é internacionalmente reconhecida pela própria Organização Mundial de Saúde como uma das principais causas de mortalidade na Europa.
Em Portugal, é reconhecido e admitido por todos que a sinistralidade estradal atinge valores trágicos no que concerne sobretudo a perdas de vidas humanas.
(...).
Num Estado de Direito Democrático, a vida humana é o bem máximo a ser protegido (e tem sobeja consagração a nível Constitucional e no nosso Direito infra-Constitucional substantivo Penal e Civil).
Ora, é indispensável que se dê efeito prático a estas normas e a actuação Judiciária corresponda às exigências requeridas por essa realidade.
O caso sob decisão, é um nítido exemplo em que isso não acontece.
Por essa razão, votamos a procedência do recurso, e subscrevemos por inteiro a sua fundamentação, nomeadamente ao escrever-se:
“(...) estamos perante uma situação em que o arguido não adequou a velocidade às circunstâncias concretas em que conduzia o que o impediu de executar as manobras necessárias a não perder o controle do veículo. E foi por conduzir sem o cuidado e atenção devidos que o veiculo se despistou e ocorreu o embate, Conduzia não sô em velocidade excessiva como também sob influência do álcool, o que integra a prática (embora em concurso aparente) de duas infrações de relevo ao Cód. Da Estrada e que visam ambas proteger e evitar, em abstrato e em concreto, eventos e danos como os que no caso vieram efetivamente a ocorrer. Acresce que se tratou de um acidente de culpa exclusiva do arguido, ou seja, para o qual não concorreu a atuação de qualquer outra pessoa.”
(...)
“A sentença recorrida, aquando da sua ponderação, mencionou expressamente, as exigências de prevenção geral considerando-as, como não podia deixar de ser, atendendo à realidade rodoviária e às taxas de sinistralidade em Portugal, elevadissimas. Entendeu as necessidades de prevenção especial, dada a ausência de antecedentes criminais do arguido e as suas condições pessoais, como menos elevadas.”
(…)
“Foi-lhe aplicada a pena de 6 meses de prisão, situada no 1/3 da penalidade, bastante próxima do mínimo legal (mais 5 meses) e bem distante do seu limite máximo (menos 2 anos e 6 meses). Tal medida concreta seria adequada numa situação em que se verificasse um grau de culpa e ilicitude muito reduzidos o que, como bem se viu, não é o caso — o que é expressamente admitido pelo tribunal recorrido que fala num grau de culpa e ilicitude de intensidade elevada.
Também não se verificam na situação concreta quaisquer circunstâncias especialmente atenuantes que justifiquem a fixação da pena num patamar tão próximo do limite mínimo.”
(…)
“o arguido conduzia com velocidade excessiva, sob a influência do álcool sem as precauções e cuidados devidos. Perdeu o controle do carro, despistou-se, e provocou o embate com consequências irreparáveis e de extrema gravidade: a morte de uma pessoa e lesões físicas em si próprio e numa outra pessoa. Este simples facto, a circunstância da conduta do arguido ter causado uma morte, obsta em situações normais, a que a pena acessória se possa fixar no mínimo legal. É que esta é uma das situações mais gravosas das que integram as condutas previstas na penalidade da pena acessória.”
*
No entanto, tendo em conta as premissas inicialmente expostas, consideramos que a pena principal fixada em 14 meses de prisão, e a pena acessória fixada em 12 meses, acabam por não valorar devidamente o grau de ilicitude e de culpa (embora a título de negligência) e sobretudo as elevadas exigências preventivas especiais, as consideravelmente elevadas exigências preventivas gerais, a perigosidade da conduta e suas consequências.
O grau de ilicitude da conduta é referenciado pelas circunstâncias do acidente e, sobretudo pela gravidade das suas consequências: dela resultou a perda da vida para um jovem de 27 anos, com uma enorme expectativa de vida e função útil, quer para a sua família, quer para a Colectividade em geral; a vida foi-lhe retirada de forma abrupta e violenta, sem que em nada tivesse contribuído para isso (o que faz parte do tipo é a morte de um ser humano, em abstracto, e não da pessoa, em concreto, a quem é retirada a vida, ou as concretas circunstâncias em que tal ocorre).
A medida de omissão do dever de cuidado e prudência na condução (negligência) é considerável (“conduzia a uma velocidade excessiva, sob a influência do álcool, sem as precauções e cuidados devidos”).
As exigências preventivas especiais são elevadas, dado que se trata de um jovem que tem de interiorizar a imprudência da sua conduta estradal e o seu efeito (dela resultou a perda da vida de um amigo), por forma a adequar a sua futura conduta ao exigido na condução rodoviária.
As exigências preventivas gerais são - tal como já referido – consideravelmente elevadas, perante a, já caracterizada, elevadíssima e inaceitável sinistralidade rodoviária persistente no nosso País.
Conjugando estes factores, votamos, por ajustada, uma pena principal de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, por um período de 4 anos.
No que respeita à pena acessória, considerando a já caracterizada perigosidade da sua conduta (e as suas concretas consequências, perda de uma vida humana), as elevadas exigências preventivas especiais e as consideravelmente elevadas exigências preventivas gerais, votamos a fixação dessa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, em 24 meses.]