Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4592/13.6TDPRT-Z.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
SESSÕES DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP201802214592/13.6TDPRT-Z.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º8/2018, FLS.205-208)
Área Temática: .
Sumário: Na fixação de honorários ao defesnsor oficioso devem ser consideradas como duas sessões a sua intervenção num julgamento que decorre na parte da manhã e na parte da tarde do mesmo dia com interrupção para almoço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4592/13.6TDPRT-Z.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 7, da Comarca do Porto, com o nº 4592/13.6TDPRT, concluído o julgamento, a ilustre advogada, Drª. B…, nomeada defensora oficiosa da arguida C…, requereu que fosse determinado à secção de processos que retificasse para 30 as sessões de julgamento em que teve intervenção, a fim de lhe serem pagos os honorários devidos.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido, por entender que a atividade a remunerar corresponde a um dia completo de trabalho e não a cada uma das partes desse dia.
A fls. 389 a Srª Juíza determinou que a secção de processos certificasse os períodos da manhã e tarde em que decorreu o julgamento e a fls. 397 ordenou a retificação no SINOA do número de sessões de julgamento para 30.
Atento o ordenado e, por entender que não havia sido proferido despacho judicial a analisar os argumentos expendidos, o Ministério Público promoveu a prolação da competente decisão.
Na sequência dessa promoção, foi então proferido despacho a fls. 432 e 433 que, deferindo a pretensão da ilustre advogada requerente, determinou que, na fixação dos honorários devidos fosse considerada como duas sessões de julgamento a intervenção que se inicia de manhã e se prolonga para a tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.

Inconformado, veio o Magistrado do Ministério Público interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. A Portaria nº 210/2008 de 29/02, nos termos do artº 2º al. a) revogou as notas 1 a 3 da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro, revogação essa que se mantém;
2. Isso traduz inequívoca vontade do Legislador em afastar a interpretação de que, decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões.
3. E foi precisamente esse o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/07/2014, aí se decidindo que para efeitos da atribuição da compensação devida aos defensores nomeados, deverá ser contabilizada uma sessão por dia.
4. Dúvidas não restam de que, nos termos da lei, é designado dia para julgamento, que a respetiva audiência é contínua e deve, em princípio, terminar no mesmo dia.
5. Sendo que, precisamente porque é contínua e reportada a um dia concreto, toda a atividade processual a desenvolver terá de ser concentrada no dia previamente designado.
6. O que significa que a mera interrupção para almoço, não só não põe em causa a continuidade da audiência, como não pode ser encarada, nem lógica nem legalmente, como um marco a criar “outra sessão” da audiência de julgamento.
7. Haverá outra sessão, isso sim, se a audiência tiver de continuar noutro dia, e assim sucessivamente se tiver de continuar por muitos dias, havendo então tantas sessões quantos os dias designados para a audiência de julgamento.
8. Não havendo qualquer possibilidade de se equiparar a curta interrupção para almoço verificada em determinado dia, com a interrupção, que pode ser mais ou menos longa, tudo dependendo das datas para o efeito designadas, para a continuação da audiência de julgamento noutro ou noutros dias, impondo-se a segunda interrupção como facto natural e podendo a primeira verificar-se, ou não.
9. Como não há qualquer possibilidade de se equiparar o trabalho prestado na audiência de julgamento pelo defensor oficioso numa parte de determinado dia, com o trabalho a prestar noutro dia ou parte do mesmo, tanto mais que o trabalho a prestar nesse outro dia, implica nova deslocação com despesas à mesma inerentes, mais esforço físico e intelectual, eventualmente com peso superior ao anteriormente verificado, enfim, o(a) advogado(a) deixará de fazer outro tipo de trabalho para, mais uma vez, comparecer à audiência de julgamento que já vinha detrás.
10. Impondo-se sublinhar que a não continuação da audiência da parte da tarde de determinado dia, por causa não prevista, não conduz ao pagamento de honorários ao defensor oficioso por esse facto, o mesmo não se verificando caso a audiência não venha a ter lugar noutro dia designado para a continuação da audiência, pois que então, desde que esteja presente no Tribunal, recebe na mesma a retribuição a que tem direito nos termos legais, o que evidencia que o trabalho da tarde de um dia não é equiparável ao trabalho a prestar noutro dia.
11. Por isso, e com total relevância para o caso, a ponderação a fazer será entre o trabalho feito durante a manhã de determinado dia e que se estenda para lá da “hora do almoço”, para evitar o trabalho durante a tarde, e o prestado após a interrupção da audiência para alimentação dentro do mesmo dia.
12. Sendo que, a admitir a solução apontada, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/05/2017, e, bem assim, no despacho recorrido, que conferem àquela interrupção particular significado para efeitos de retribuição, teríamos que, para idêntico trabalho efetuado dentro do mesmo dia, até mais desgastante no que respeita ao desenvolvido da parte da manhã “com prolongamento”, os defensores oficiosos receberiam, neste caso, a retribuição correspondente a uma sessão, e no caso de trabalharem algum tempo, por pouco que fosse, após a interrupção para almoço, precisamente o dobro.
13. Solução essa manifestamente injusta, que nunca poderá ter estado no pensamento do legislador e que contraria o “espírito do sistema”.
14. Daí que, e salvo o devido respeito, se deva afirmar que não existe nenhuma lacuna na lei, a integrar de acordo com o disposto no n.º 3, do art.º 10.º do Código Civil.
15. Resultando dos pressupostos aí estabelecidos, aliás, que a verificar-se lacuna, deve ser criada uma norma concreta, o que exige uma objetividade que, manifestamente, no caso se não verifica, sendo certo que, designadamente no despacho que aqui se critica, apenas é apontada subjetivamente a justificação para a solução que é adotada, mas sem criação de uma verdadeira “norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.
16. Assim, ao ordenar à Exm.ª Escrivã de Direito que certificasse os períodos da manhã e da tarde em que decorreu o julgamento, conforme o requerido pela ilustre defensora oficiosa, determinando que fossem consideradas 30 e não 17 as sessões da audiência de julgamento.
17. E proferindo posteriormente o despacho de que se recorre a fundamentar a sua posição nos termos supra referidos.
18. A Mm.ª Juiz não só foi contra as orientações e determinações dos organismos do Ministério da Justiça que norteiam a atividade profissional sobre a matéria daquela senhora funcionária e, bem assim, de todos os funcionários que operam nos Tribunais deste País (DGAJ, DGPJ e IGFEJ).
19. Como violou o disposto nas citadas Portarias e Tabela Anexa, bem como o disposto nos art.ºs 313.º, n.º 1 e 328.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, e, bem assim, o disposto no art.º 10.º, n.º 3 do Código Civil.
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Apesar de notificada das motivações de recurso, a ilustre defensora oficiosa não apresentou resposta.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, suscitando a questão prévia da sanação da irregularidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, com a consequente rejeição do recurso e, sobre o mérito, pronuncia-se em sentido concordante com o acórdão desta Relação de 10.05.2017.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio a defensora oficiosa responder, subscrevendo o parecer do Ministério Público.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sob recurso é do seguinte teor: transcrição
«Fls. 431:
A ilustre defensora oficiosa da arguida C… vem requerer que sejam contabilizadas 30 sessões da audiência de julgamento, por ter sido informada telefonicamente que só iriam ser contabilizadas 17 sessões.
Para tanto invoca o entendimento segundo o qual, devem ser contabilizadas como duas sessões a intervenção do defensor em julgamento, que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.
Termina pedindo que se ordene à secretaria a contabilização de 30 sessões de julgamento.
Apreciando:
A questão colocada pela requerente não é nova e reconduz-se a saber, à luz da lei vigente, qual é o critério de cálculo dos honorários devidos relativamente ao número de sessões de julgamento relevadas, nomeadamente quando o julgamento do mesmo processo se inicia da parte da manhã, se interrompe para almoço e continua da parte da tarde: deverá ser considerada uma sessão ou duas sessões, conforme os períodos da manhã e da tarde, atenta a interrupção para almoço?
Ora, encurtando razões, aderimos à tese que consta, por exemplo, do recente Acórdão da Relação do Porto, de 10/05/2017 (relator: Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt).
Assim, reconhecendo a existência de uma lacuna (decorrente da revogação da nota 1 da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10-01 pela Portaria nº 10/2008 de 03-01 e da repristinação daquela Portaria nº 1386/2004 pela Portaria nº 210/2008 de 29-02, mas sem repristinação daquela nota 1), a integrar com recurso a uma norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, e apelando a um critério de razoabilidade e igualdade, o referido Acórdão entende como justificável que se considere, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor não só num julgamento que é interrompido de um dia para o outro, mas também a que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.
Decisão:
Em face do atrás exposto, determina-se que, na fixação dos honorários devidos à ilustre defensora Requerente, seja considerada como duas sessões de julgamento a intervenção que se inicia de manhã e se prolonga para a tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.
Notifique.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
De acordo com as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão que cumpre apreciar consiste em saber se, nos honorários devidos a um defensor oficioso, se devem contabilizar os períodos da manhã e da tarde de uma audiência de julgamento, com interrupção para almoço, como uma única sessão ou, antes, como duas sessões.
Considerando, porém, que o Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação suscitou a questão prévia da sanação da irregularidade do despacho de 18.10.2017, por falta de fundamentação, importa desde logo conhecer da referida questão, uma vez que a sua eventual procedência, prejudicaria a apreciação do mérito do recurso.
Na sequência do requerimento apresentado pela defensora oficiosa, a Srª. Juíza proferiu em 17.10.2017 cfr. fls. 389 o seguinte despacho:
«Nos termos requeridos pela Ilustre Defensora Oficiosa, Senhora Srª B…, para efeitos de pagamento de honorários, certifique os períodos de manhã e tarde em que decorreu o julgamento».
Em 23.10.2017 cfr. fls. 397 proferiu o seguinte despacho:
«Relativamente ao despacho proferido a fls. 389 e nos termos requeridos retifique no SINOA o número de sessões do julgamento para 30».
Não obstante se reconheça alguma razão ao Sr. PGA, na medida em que a Srª. Juíza recorrida, naqueles despachos, ainda que implicitamente, concede provimento à pretensão da defensora oficiosa requerente, o certo é que se trata de meras ordens dirigidas à secretaria e nos quais, precisamente por essa razão, não se analisam os fundamentos de facto e de direito da questão suscitada.
Daí que se entenda que o único despacho em que se analisa verdadeiramente a questão em causa, ou seja, se conhece da questão interlocutória suscitada, tendo por isso, efetivamente a designação de despacho tal como é definida no artº 97º nº 1 al. b), é o despacho recorrido, proferido em 08.11.2017 cfr. fls. 432 e 433. E por se tratar de um despacho decisório, impõe a lei que esse despacho seja fundamentado, especificando-se os motivos de facto e de direito da decisão.
Por isso se entende, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, que os despachos (não decisórios) supra transcritos, proferidos a fls. 389 e 397, não padecem da irregularidade apontada, improcedendo assim a questão prévia suscitada.
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Sobre a questão de mérito que constitui objeto do recurso interposto pelo Mº Público, sufragamos a tese sustentada no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 10.05.2017, proferido pelo Des. Pedro Vaz Pato[3], que subscrevemos como adjunta.
Ali se refere que “Está em questão o alcance da revogação da nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro. Esta Portaria, que havia sido revogada pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, foi repristinada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro. No entanto, esta repristinação não foi integral: o artigo 2.º, a), desta última Portaria revogou expressamente a referida nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro.
Essa nota era do seguinte teor: «Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período de manhã ou de tarde». Ora, se a interrupção não ocorresse no mesmo período de manhã ou de tarde, se ocorresse para almoço, ou de um dia para o outro, estaríamos perante mais do que uma sessão.
... Assim, a revogação da referida nota 1 não nos conduz, por si só, a uma solução unívoca quanto à real intenção do legislador. Estamos, na verdade, perante um vazio legislativo, perante uma lacuna.
... De acordo com o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, as lacunas deverão ser integradas com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
... Assim, de acordo com a regra do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, justifica-se que se considere, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor não só num julgamento que é interrompido de um dia para o outro, mas também a que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço. Já assim não será se a interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde».
No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos desta 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto de 21.06.2017[4] e de 08.11.2017[5], bem como o Ac. da Rel. Coimbra de 12.10.2016[6].
Como se bem refere no Ac. do TRP de 21.06.2017, acima citado, “estando em causa a remuneração dos honorários no âmbito da defesa oficiosa, tal remuneração deve ser adequada e justa. Não faria sentido remunerar com o mesmo montante de honorários um defensor que intervém num julgamento que ocupa a manhã de um dia e a manhã de um outro dia e um outro defensor que intervém num julgamento que, num dia, ocupa a parte da manhã e a parte da tarde (depois de uma interrupção para almoço) e que também ocupa a manhã de um outro dia. Perante a constatada lacuna legislativa deixada por aquela revogação da nota 1 que estava anexa à Portaria nº 1386/2004, remunerar do mesmo modo o imprescindível desempenho da prestada defesa oficiosa nestas duas diversas situações criaria manifestas desigualdades”.
Como constituiria manifesta desigualdade remunerar um defensor que intervém da parte da manhã num processo comum e da parte da tarde num processo sumário (naturalmente ais célere), considerando-se como intervenção em duas sessões e remunerar-se apenas como uma sessão o defensor que intervém numa audiência quer na parte da manhã, quer na parte da tarde, com interrupção para almoço.
Deve, por isso, ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Sem tributação.
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Porto, 21 de fevereiro de 2018
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(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
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Eduarda Lobo
Castela Rio
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] No Processo nº 1074/15.5PIPRT-B.P1 e disponível in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no Proc. nº 63/15.4GBOBR-A.P1, Des. Luís Coimbra, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Proferido no Proc. nº 664/14.8GAPFR-A.P1, Des. Alexandra Pelayo, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc n.º 107/13.4TND-B.C1, Des. Heitor Osório, disponível in www.dgsi.pt.