Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4124/03.4TBSTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
SERVIDÃO ELÉCTRICA
INDEMNIZAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201703064124/03.4TBSTS.P2
Data do Acordão: 03/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTO Nº 645, FLS. 224/230)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a entidade beneficiária da servidão por objeto a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos termos do artigo 51º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar nestes os respetivos apoios.
II - Nos termos do artigo 37º daquele Decreto-Lei nº 43.335, 19.11.1960, os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.
III - Por sua vez, o artigo 38º do mesmo diploma estabelece que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.
IV - Da decisão arbitral pode haver recurso no prazo de prazo de oito dias, nos termos do artigo 42º do DL 43.335, recurso que, nos termos do artigo 8º da Lei 2063, de 3.6.1953, é interposto para o juiz da comarca onde se insere o prédio.
V - Embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado. Atualmente, isso mesmo resulta do disposto no artigo 8º, nº 3, do C.E.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4124/03.4TBSTS.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos de constituição de servidão eléctrica em que é beneficiária desta a B…, S.A., e proprietários do terreno serviente C… e marido D…, por despacho da Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, datado de 4 de Junho de 1993, foi concedida licença para estabelecimento de linha aérea a 60kv com 766 m, …-…, freguesia …, concelho de Santo Tirso.
Com a implantação do poste nº 39, de suporte da linha de alta tensão (60kv) …-…, a entidade beneficiária da referida servidão ocupou cerca de 22m2 do lote de terreno dos expropriados, bem como todo o corredor aéreo correspondente ao comprimento e largura dos condutores eléctricos da linha de alta tensão que atravessa esse prédio.

A B…, S.A., depositou à ordem do processo a quantia de €2.244,59, correspondente ao montante da indemnização fixada pela arbitragem, nos termos do artigo 52º, nº 5, do C.E.

Notificados da decisão arbitral, os expropriados recorreram, manifestando-se pela fixação da indemnização em €13.957,60.

A entidade beneficiária da servidão B…, S.A., conclui pela atribuição da justa indemnização aos expropriados na quantia de 2.437,60.

Conhecendo do mérito, o tribunal a quo fixou o montante da indemnização a pagar pela entidade beneficiária da expropriação em €13.957,60.

Inconformada, a entidade beneficiária da servidão recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. O tribunal errou na fixação da matéria de facto e errou também na aplicação do direito.
2. Consta na motivação que o tribunal “estribou sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, mormente no teor dos relatórios periciais”.
3. A nossa discordância cinge-se à apreciação feita pelo tribunal ao conteúdo do relatório pericial maioritário, pois deu prevalência a factos que têm na sua génese a violação do alvará de construção, desprezando outros que estão de acordo com este alvará.
4. Na verdade, no laudo maioritário, em que veio a estribar a fixação de indemnização, são admitidos dois cenários distintos, um prevendo a violação do alvará de construção do loteamento, e o outro na capacidade construtiva do lote em causa prevista no respetivo alvará de loteamento à data da DUP, sendo que e o tribunal fez constar dos factos provados apenas matéria do primeiro cenário.
5. Na nossa opinião devem ser aditados à matéria provada os factos referidos na perícia que tiveram por base a capacidade construtiva do prédio prevista no alvará de construção e que se verificava à data da DUP, pois trata-se de factos relevantes para a boa decisão da causa.
6. O cenário em que se funda a matéria provada que levou à decisão em apreço é ilegal, porque prevê a violação do alvará de construção e é ainda especulativo, porque parte do princípio de que os expropriados também podem violar o mesmo alvará, valorizando assim o seu terreno.
7. No primeiro cenário, os senhores peritos calcularam o valor de indemnização no montante de € 13.957,60, considerando que os expropriados podiam ter a expetativa de vir a construir uma moradia com a mesma volumetria daquela que foi construída ilegalmente (porque em violação do respetivo alvará) no Lote ., mas ainda assim reduzem esse valor para a quantia de € 12.562,00 por entenderem não ser certa para os expropriados a viabilidade de vir a ser autorizada a construção da moradia com a profundidade de 12 m (ver folhas 279).
8. Já no segundo cenário os senhores peritos não levaram em conta a perda de capacidade construtiva de 40 m2 (que, insiste-se, só acontecia com violação do alvará) e calcularam indemnização, no montante de € 6.758,00 (ver ponto 2.2.2 do relatório a folhas 279).
9. Assim, o tribunal devia fazer constar da matéria de facto provada os pressupostos em que assenta esse laudo, nas suas duas vertentes (nº 3 do artigo 607º do C. P. C.), aditando os seguintes factos:
10. Os mesmos peritos referem que não sendo certa para os expropriados a viabilidade de vir a ser autorizada a construção da moradia com a profundidade de 12 m, àquele valor deve deduzir-se a percentagem de 10% de acordo com o disposto no nº 10 do artigo 26º do C.E.
11. No ponto 2.2.2 os mesmos peritos consideram que o alvará de loteamento prevê construção em profundidade de 10 m e por via disso “não há que considerar a importância decorrente da perda de 40m2 de área de construção, estimada em € 7.200,00, bem como a dedução de 10% para esforço e risco inerentes à atividade construtiva, pelo que o valor da indemnização será de € 6.758,00”.
12. Impõe-se, assim, o aditamento dos dois factos supra referidos à matéria provada, pois constam do Relatório Pericial em que o tribunal fundou a decisão em apreço e assentam numa realidade legal e objetiva existente à data da DUP.
13. E a decisão final a proferir pelo tribunal superior deve levar em conta a matéria de facto que se pretende ver aditada pois corresponde à situação real e legal do prédio dos expropriados à data da DUP.
14. À data da instalação do apoio da linha elétrica no prédio expropriados só era permitida legalmente a construção com profundidade de 10 m, sendo irrelevante o facto de o vizinho do lado construído moradia com a profundidade de 12 metros e de estar previsto no respetivo alvará que ambas as moradias seriam geminadas.
15. Discordamos da sentença na parte em que se diz que o conceito de geminação ficaria afetado “quanto à estética das construções geminadas e quanto ao aproveitamento do volume de construção das duas habitações em causa e o aproveitamento da área a edificar”.
16. E a decisão recorrida não se coaduna com o despacho de folhas 258, que manda informar os senhores peritos que o relatório a realizar devia levar em conta o critério plasmado a folhas 240 e 241.
17. À data da DUP e nos termos do artigo 37º do D. L. 43335, de 19/11/1960 era indemnizável o valor correspondente à diminuição da propriedade, levando em consideração no valor desta diminuição a sua capacidade construtiva de acordo com o respetivo alvará de loteamento.
18. De resto, o projeto de construção da linha elétrica foi devidamente aprovado e o poste foi colocado no local onde se encontra de modo a não perturbar a construção prevista no respetivo alvará.
19. Na decisão em apreço mostra-se violado, além do mais, o disposto no artigo 37º do Dec. Lei 43335, de 19/11/1960 porquanto, a indemnização aí prevista respeita aos prejuízos certos e atuais à data da concessão da Licença de Estabelecimento, que neste caso corresponde à data da DUP.
20. Mas a decisão recorrida funda-se ainda no artigo 13º da Constituição da República, defendendo que violar-se-ia o princípio da igualdade entre os cidadãos caso não viesse a ser aprovada uma construção idêntica à que consta do Lote nº 3, sendo certo que a construção deste lote viola o alvará de loteamento, o que nos parece constituir um tremendo erro de aplicação do Direito.
21. Nos termos do artigo 23º do C.E. a indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo e possível numa utilização económica normal, à data da DUP.
22. Ora, à data da DUP o lote que foi objeto de ocupação com o apoio da linha elétrica destinava-se à construção de habitação com a profundidade de 10 metros de frente e 10 m de fundo, de acordo com o alvará de construção, pelo que a indemnização tem de ser calculada de acordo com estes pressupostos.
23. Na sentença recorrida mostram-se violadas, além do mais, as normas dos artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nºs 3 e 4, do C. P. Civil, do artigo 37º do Dec. Lei 43335, de 19/11/1960, e do artigo 26º, nº 1, do C.E.

Os proprietários do terreno serviente interpuseram recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
1. No caso dos autos, para a fixação do montante da indemnização a arbitrar aos proprietários do prédio onerado com a servidão aplicam-se as regras do processo de expropriação, conforme o disposto no artigo 8º, nº 3 do CE/99.
2. Nos termos do nº 1 do artigo 24º do C.E., o montante da indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados calcula-se com referência à data da declaração da utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens.
3. Na sentença recorrida foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Face ao exposto, decide-se julgar procedente o recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados C… e marido D… e fixar a indemnização a pagar pela expropriante B…, S.A., a quantia de 13.957,60 Euros.”
4. Reportando-se o montante indemnizatório fixado na sentença à data da constituição da servidão administrativa (DUP), conforme se refere na sentença mas não vem mencionado na sua parte decisória.
5. Salvo melhor entendimento, deveria a decisão prolatada na douta sentença recorrida referir que a quantia de 13.957,60 Euros é fixada por referência à data da constituição da servidão administrativa, a atualizar à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, nos termos do artigo 24º do C.E.

Os proprietários do terreno serviente apresentaram contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença, fixando-se a indemnização em €13.957,60, referência à data da constituição da servidão administrativa, a atualizar à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, nos termos do artigo 24º do C.E.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1 – Os expropriados são proprietários de um lote de terreno para construção urbana, que possui frente de 15 m e profundidade de 26 m, com a área de 390 m2, sito no centro da cidade da Trofa, que constitui o lote nº . do Alvará nº ../79 da Câmara Municipal de santo Tirso, onde se previa a construção de uma casa geminada com a construída no lote nº . contíguo;
2 – Tendo decidido mudar a implantação do poste nº .., de suporte da linha de alta tensão (60 KV) … – …, que se encontrava implantado noutro prédio, que não era dos expropriados, a expropriante decidiu instalá-lo no lote nº . dos expropriados, na sua estrema Sul/Nascente, encostado à moradia construída no lote nº ., sem o consentimento para tal ou obter a sua aprovação por parte dos expropriados;
3 – Com a referida implantação do poste, a expropriante ocupou-lhes cerca de 22 m2 do lote de terreno, bem como todo o corredor aéreo correspondente ao comprimento e largura dos condutores elétricos da linha de alta tensão que atravessa esse prédio;
4 – Apesar de estar prevista no referido alvará de loteamento a construção de moradias unifamiliares, de rés-do-chão e andar, com 10 m de frente e 10 m de profundidade, no lote . contiguo foi construída uma moradia com 12 m de profundidade;
5 – Conforme definido no alvará de loteamento, a moradia unifamiliar, composta de rés-do-chão e andar, a construir no lote . é geminada com moradia a construir no lote . adjacente;
6 – Há dois laudos de peritagem apresentados nos autos, na fixação da indemnização a pagar pela entidade beneficiária da servidão aos proprietários do terreno onerado;
7 – Tendo em consideração a área de 22 m2 de terreno ocupado com a implementação do poste e a possibilidade de construção de uma moradia com a profundidade de 12 m, igual à da moradia construída no lote nº 3 contíguo, os peritos do tribunal e os expropriados calculam a indemnização em € 13.957,60;
8 – No ponto 2.2.1 do relatório de peritagem, os Senhores Peritos calculam o prejuízo resultante para a moradia a construir no lote ., devido à existência do poste com a profundidade de 12 m para a geminação com a moradia já construída no lote . contíguo, da seguinte forma:
– Pela área perdida (ocupada pelo poste) de 22 m2, deve ser atribuída uma indemnização de €2.437,60;
– Para perda de capacidade construtiva do lote de terreno calculam o montante de € 7.200,00;
– Para a desvalorização do lote 2 decorrente da existência do poste, relativamente a outro lote de idênticas caraterísticas em que não existe o poste atribuem o montante de € 4.320,00.
9 – Tudo num total de € 13.957,60 Euros.
10 – Na sentença proferida na acção ordinária nº 679/2001 do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, movida à beneficiária da servidão, pelos proprietários do terreno serviente, refere-se que “Pela limitação da área e volume de construção especificada na resposta ao quesito 4º, o lote nº . perdeu o valor comercial de € 20.000,00, valendo agora €30.000,00 (resposta ao 13º).

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: se deve ser acrescentada à matéria de facto o segundo critério de avaliação referido no laudo maioritário; se o valor da parcela expropriada foi correctamente calculado; atualização do montante da indemnização, nos termos do artigo 24º do C.E.

I. Refere a apelante B…, S.A., que, tendo o tribunal aderido ao laudo maioritário, ainda assim, deviam ter sido levados à matéria de facto provada, os pressupostos em que assenta esse laudo, nas suas duas vertentes, não se limitando a dar como provada apenas uma parte.
Considerou-se provado o seguinte: No ponto 2.2.1 do relatório de peritagem, os Senhores Peritos calculam o prejuízo resultante para a moradia a construir no lote 2, devido à existência do poste com a profundidade de 12 m para a geminação com a moradia já construída no lote 3 contíguo, da seguinte forma:
– Pela área perdida (ocupada pelo poste) de 22 m2, deve ser atribuída uma indemnização de €2.437,60;
– Para perda de capacidade construtiva do lote de terreno calculam o montante de € 7.200,00;
– Para a desvalorização do lote 2 decorrente da existência do poste, relativamente a outro lote de idênticas caraterísticas em que não existe o poste atribuem o montante de € 4.320,00. Tudo num total de € 13.957,60 Euros – pontos 8 e 9 da matéria assente.
Estes factos provados correspondem àquilo que no referido laudo maioritário é designado pelo «1º cenário em que a moradia a construir no lote . poderia possuir a profundidade de 12 metros, para geminação com a moradia já construída no lote .».
Mas, os peritos também consideraram, no ponto 2.2.2, o «cenário em que a moradia a construir no lote . deveria possuir a profundidade de 10 metros, prevista no respetivo alvará de loteamento».
Aqui, consideraram os peritos que, «relativamente ao cenário anterior, não há que considerar a importância decorrente da perda de 40m2 de área de construção, estimada em €7.200,00, bem como a dedução de 10%, para esforço e risco inerentes à atividade construtiva, pelo que o valor da indemnização baixará para: €13.957,60 – €7.200,00 = €6.758,00».
É este ponto do laudo maioritário que a apelante B… pretende ver adicionado à matéria de facto assente, e que, tratando-se de uma das soluções alternativas previstas naquele relatório para a fixação da indemnização, parece acertado.
Assim, acrescenta-se à matéria assente os seguintes factos:
O ponto 9 passa ter a seguinte redação:
9. Tudo no valor total de €13.957,60. Se se considerar que não é certa para os proprietários do prédio serviente a viabilidade de vir a ser autorizada a construção da moradia com a profundidade de 12m, então, deve deduzir-se, em conformidade com o nº 10 do artigo 26º do C.E., uma percentagem de 10%, passando o valor da indemnização, neste cenário, para 12.562,00 (0,90 x €13.957,60).
11. No ponto 2.2.2 do relatório de peritagem, os senhores peritos calculam o prejuízo resultante para a moradia a construir no lote ., no caso de a mesma dever possuir a profundidade de 10 metros, prevista no alvará de loteamento, da seguinte forma: Não há que considerar a importância decorrente da perda de 40m2 de área de construção, estimada em €7.200,00, bem como a dedução de 10%, para esforço e risco inerentes à actividade construtiva, pelo que o valor da indemnização baixará para: €13.957,60 – €7.200,00 = €6.758,00.

II. Está em causa a fixação da indemnização pela constituição de uma servidão administrativa de que é beneficiária a B…, S.A., e que, tendo esta empresa por objeto a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos termos do artigo 51º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar neles os respetivos apoios.
A servidão administrativa é um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, pág. 1053.
A servidão elétrica em questão está dependente da licença de estabelecimento da instalação, a obter nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Elétricas, aprovado pelo Decreto-Lei 26.852, de 30.7.1936, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 446/76, 5.6.1976, e 344/89, de 13.5.1989.
Em matéria de servidões elétricas á aplicável o regime jurídico previsto no citado Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, em vigor à presente data, como resulta do disposto no artigo 75º, nº 2, do Decreto-Lei nº 172/2006, de 23 de Agosto.
Nos termos do artigo 37º daquele Decreto-Lei nº 43.335, Os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.
Por sua vez, o artigo 38º do mesmo diploma estabelece que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.
Da decisão arbitral pode haver recurso no prazo de prazo de oito dias, nos termos do artigo 42º do DL 43.335, recurso que, nos termos do artigo 8º da Lei 2063, de 3.6.1953, é interposto para o juiz da comarca onde se insere o prédio.
A citada Lei 2063 é a que, à data da entrada em vigor do DL 43.335, regulava os recursos em matéria de expropriações.
Portanto, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado.
Atualmente, isso mesmo resulta do disposto no artigo 8º, nº 3, do C.E: «À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial».
Na fixação da indemnização, está em causa saber se deve ser atribuída aos proprietários do terreno serviente a quantia de €13.957,60, no pressuposto de que a moradia a construir no lote . poderia possuir a profundidade de 12 metros, para geminação com a já construída no lote .; ou, pelo contrário, como pretende a entidade beneficiária da servidão, os proprietários do terreno onerado apenas devem receber a quantia de €6.758,00, considerando que a moradia a construir no lote . apenas pode ter a profundidade de 10 metros.
Como resulta dos factos provados, apesar de estar prevista no alvará de loteamento a construção de moradias unifamiliares, de rés-do-chão e andar, com 10 m de frente e 10 m de profundidade, no lote . contíguo foi construída uma moradia com 12 m de profundidade; conforme definido no alvará de loteamento, a moradia unifamiliar, composta de rés-do-chão e andar, a construir no lote 2 é geminada com moradia a construir no lote 3 adjacente.
À data da DUP – 4.6.1993 – já existia no lote . a moradia de rés-do-chão e andar com a profundidade de 12 metros, como resulta, aliás, do ponto 2 dos factos provados: Tendo decidido mudar a implantação do poste nº .., de suporte da linha de alta tensão (60 KV) … – …, que se encontrava implantado noutro prédio, que não era dos expropriados, a expropriante decidiu instalá-lo no lote nº . dos expropriados, na sua estrema Sul/Nascente, encostado à moradia construída no lote nº ..
E, como consta do documento junto a fls. 10, «a Câmara Municipal da Trofa só aprovará a construção de casa que gemine com o corpo da casa já existente no lote nº 3, geminando com parte ou a totalidade da empena dessa casa, em virtude de o alvará de loteamento e os procedimentos camarários naquele loteamento determinarem a geminação de casas duas a duas, com exceção do lote nº ., onde se prevê construção não geminada».
No entanto, o prejuízo dos proprietários onerados não tem de ser aferido por uma edificação que violou o alvará de loteamento. A construção não deixa de ser ilícita pelo longo período de tempo, entretanto decorrido. A circunstância do Município apenas licenciar uma vivenda geminada não significa que as duas vivendas tenham de ter a mesma área, mas apenas que têm de ter uma empena total ou parcialmente comum.
O que seria interessante era aferir se o magnetismo inerente a uma linha de alta tensão tem influência negativa na saúde humana e se, por isso, é desaconselhada a construção para habitação nas imediações.
Como esta circunstância não foi objecto de averiguação, o critério defendido pela beneficiária da servidão de que a moradia a construir no lote . apenas poderia ter a profundidade de 10 metros, de facto, é o que, na nossa maneira de ver, tem fundamento.
Por conseguinte, a indemnização a atribuir aos proprietários do terreno onerado deve ser fixada, no pressuposto de que a moradia a construir no lote . deveria possuir a profundidade de 10 metros, prevista no respetivo alvará de loteamento.
Nesse sentido, de acordo com o ponto 2.2.2 do relatório de peritagem, não há que considerar a importância decorrente da perda de 40m2 de área de construção, estimada em €7.200,00, bem como a dedução de 10%, para esforço e risco inerentes à atividade construtiva, pelo que o valor da indemnização será de €6.758,00 (€13.957,60 – €7.200,00).

III. A sentença recorrida limitou-se a fixar a indemnização (€13.957,60) a pagar pela entidade beneficiária da servidão administrativa aos proprietários do terreno onerado.
Os proprietários do lote onerado, no recurso subordinado que interpuseram, vieram defender que aquele montante deve ser atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.
Como acima se referiu, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado.
Neste sentido, deve entender-se que, nos termos do artigo 24º, nºs 1 e 2, do atual C.E., ou do artigo 23º, nºs 1 e 2, do C.E./91, a indemnização, agora fixada de 6.758,0 deve ser atualizada à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Deste modo, procede o recurso da entidade beneficiária da servidão, B…, S.A., e procede o recurso subordinado dos proprietários do lote onerado, C… e marido D….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação da B…, S.A., e procedente a apelação dos proprietários do lote onerado, C… e marido D… e, consequentemente, fixar a indemnização a pagar pela primeira aos segundos, na quantia de €6.758,00, atualizada à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Custas pelos apelantes, na proporção dos respectivos decaimentos.

Sumário:
I. Tendo a entidade beneficiária da servidão por objeto a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos termos do artigo 51º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar nestes os respetivos apoios.
II. Nos termos do artigo 37º daquele Decreto-Lei nº 43.335, 19.11.1960, os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.
III. Por sua vez, o artigo 38º do mesmo diploma estabelece que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.
IV. Da decisão arbitral pode haver recurso no prazo de prazo de oito dias, nos termos do artigo 42º do DL 43.335, recurso que, nos termos do artigo 8º da Lei 2063, de 3.6.1953, é interposto para o juiz da comarca onde se insere o prédio.
V. Embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado. Atualmente, isso mesmo resulta do disposto no artigo 8º, nº 3, do C.E.

Porto, 6.3.2017
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido