Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
342/16.3YLPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO DE CAUÇÃO
CONFLITO DE NORMAS
Nº do Documento: RP20171026342/16.3YLPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 110, FLS 82-87)
Área Temática: .
Sumário: I - A norma do art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro contraria o art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU.
II - Estando em causa um conflito entre duas normas - uma de lei ordinária da assembleia da República e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental -, o mesmo conflito apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.
III - Por isso, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº342/16.3YLPRT-A.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
V.N. de Gaia – Instância Local – Secção Cível
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Des. Filipe Caroço
Des. Madeira Pinto

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
Em 27.01.2016 B..., SA requereu procedimento especial de despejo contra C... e D..., pretendendo efetivar a cessão do contrato de arrendamento para habitação das requeridas celebrado por documento escrito particular em 03.12.2014, com a consequente desocupação do locado, por falta de pagamento das rendas desde o mês de Março de 2015 a Janeiro de 2016, no valor de 330,00 €, bem como obter o pagamento das rendas vencidas e juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos e taxas de justiça.
Notificado para o efeito, vieram as requeridas apresentar oposição, em 30.03.2016, concluindo pela improcedência do despejo.
Em 29.03.20116, ambas as requeridas apresentaram requerimentos no Instituto da Segurança Social, IP, serviço de atendimento de Vila Nova de Gaia, pedindo a dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo para deduzirem a referida oposição, pedidos que foram deferidos na modalidade requerida em 01.04.2016.
As requeridas não procederam ao pagamento da caução a que alude o artigo 15° - F, n. 3 do NRAU, pelo que foi proferido despacho de 23.09.2016, notificado às requeridas, para, em dez dias, comprovarem nos autos tal pagamento da caução, sob pena de a oposição se ter por não deduzida.
Foi proferido despacho em 18.10.2016 que argumentando que “em incidente de oposição ao despejo por falta de pagamento de rendas, a concessão do apoio judiciário apenas isenta o arrendatário do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução do valor das rendas em atraso, até ao limite de seis - cfr. neste sentido o Acórdão da Relação de Évora de 25.09.2014, processo 1091/14.2YLPRT-A.E”- e “considerando que as Requeridas não procederam ao depósito da caução a que alude o art.º 15°-F, n. 3 do NRAU, ao abrigo do n. 4 do mesmo preceito legal, considero a oposição não deduzida”.
Inconformadas com o conteúdo do mesmo despacho, dele vieram recorrer as requeridas, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto deste recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelas requeridas/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
Ora é o seguinte o teor das mesmas:
1º -A oposição ao despejo, no caso da resolução do contrato de arrendamento se fundar na falta de pagamento de rendas depende, efetivamente da junção do documento comprovativo do pagamento de uma caução (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.12.2015) no valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
2º -Porém, o n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU, após enunciar as obrigações de pagamento de taxa de justiça e, em certos casos, de caução, logo de seguida prevê a seguinte ressalva: “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento” (…) “nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
4º -O texto da lei vai no sentido de que a concessão de apoio judiciário liberta o arrendatário/oponente tanto do ónus de pagamento da taxa de justiça, como da prestação de caução!
5º -Ora, a Portaria n.º 9/2013, de 10.01, expõe no Art.º 10.º, nº 2 – “O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”
7º -Ou seja, nos termos da Portaria, a concessão de apoio judiciário não isenta o arrendatário da prestação da caução prevista no n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU.
8º -O que contraria a norma da Lei n.º 31/2012.
9º -Ora, em caso de conflito de duas normas de direito infraconstitucional, deverá prevalecer a norma de superior hierarquia, ou seja, o n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU, enfermando de ilegalidade a norma da Portaria n.º 9/2013, Art.º 10.º, nº 2.
Termos pelos quais se Requer a Revogação da Decisão e em sua substituição seja proferida uma decisão que acautele a legalidade do procedimento especial de despejo sem privar as requeridas dos meios e expedientes de defesa ao seu alcance, assim se fazendo JUSTIÇA!!!
Não houve contra alegações.
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Perante o antes exposto resulta claro que é a seguinte a questão que nos é colocada no âmbito deste recurso:
A de saber se no processo as requeridas que gozam do benefício de apoio judiciário, estão dispensadas do depósito da caução do valor das rendas em atraso.
A matéria de facto a considerar provada para o efeito é aquela que já aqui ficou melhor descrita no ponto I. desta decisão.
O procedimento especial de despejo é, conforme o define o art.º 15.º n.º 1 do NRAU, revisto pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, um “meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Deduzida válida oposição ao requerimento de despejo, segue-se a fase contenciosa, que é “uma fase declarativa pura perante um juiz” (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191) e que constitui, pois, um processo declarativo especial, a que se aplicarão, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, no que não estiver especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191).
Tal fase declarativa inicia-se com a dedução de oposição pelo arrendatário, que não carece de ser articulada, e deve ser acompanhada do pagamento de taxa de justiça e, em certos casos, da prestação de uma caução (art.º 15.º-F n.ºs 1, 2 e 3 do NRAU).
Já todos vimos que a questão que nos foi aqui colocada é precisamente a de saber se a concessão do benefício de apoio judiciário liberta ou não o arrendatário/oponente do ónus de pagamento tanto da taxa de justiça como da prestação da caução legalmente prevista.
É consabido que relativamente a esta questão não existe uma posição convergente nem na doutrina nem na jurisprudência.
Confrontados com esta realidade, podemos desde já dizer que a nossa posição é a de que o texto legal nos leva a concluir que a concessão de apoio judiciário liberta o arrendatário/oponente tanto do ónus de pagamento da taxa de justiça como da prestação de caução (no mesmo sentido cf. Rui Pinto, “Manual da execução e despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 1187).
Também na jurisprudência os acórdãos da Relação de Lisboa de 28.04.2015, no processo 1945/14.6YLPRT-A.L1-7 e da Relação do Porto de 03.03.2016, no processo 3055/15.0YLPRT.P1, ambos dados a conhecer em www.dgsi.pt.
Assim valem os argumentos vertidos nestas duas decisões e que são no fundo os seguintes:
O art.º 15º F, do NRAU - Lei nº 6/2006, aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, dispõe do seguinte modo:
“1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
(…)
3. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa devida de justiça e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”
A Portaria nº 9/2013, de 10 de Janeiro, no seu nº 10, veio estabelecer que:
“1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do nº 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efectuado através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17.° da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”
Por último o art.1083º do Código Civil, para que remete o art.º15 F do NRAU, que prevê os fundamentos da resolução do contrato de arrendamento, prescreve da forma seguinte:
“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais do direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: (…).
3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.”.
Ora como ali se refere e foi já por nós aqui, salientado, existe uma divisão na nossa jurisprudência quanto à questão da obrigatoriedade do beneficiário de apoio judiciário ter de prestar caução, como condição necessária para ser considerada a oposição deduzida em procedimento de despejo.
Assim em sentido oposto ao que aqui subscrevemos o acórdão da Relação de Évora de 25.04.2014, proferido no processo n.º1091/14.2YLPRT-A.E1, onde se decidiu o seguinte: “Em incidente de oposição ao despejo por falta do pagamento de rendas, a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso, pelo que se o não fizer, a oposição tem-se por não deduzida.”.
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 17.12.2015, processo n.º274/15.2YLPRT.L1-2, no qual foi elaborado o seguinte sumário: “A requerida que beneficie de isenção de custas judiciais não está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensada de prestar a caução a que se refere o art.º 15.º-F n.º 3 do NRAU.”.
Diversamente valem sim as razões superiormente expendidas no supra citado acórdão desta Relação de 03.03.2016 as quais aqui temos por inteiramente consideradas e que podem ser sintetizadas do seguinte modo:
A interpretação do nº 3 do art.º 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical e teleológico ou racional, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria.
Já a Portaria nº 9/2013, de 10.01, que, segundo o dito preceito legal, deveria definir os termos dessa isenção, acabou por, contrariando aquela norma, exigir, no seu art.º 10º, o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício.
Existe, pois, um conflito de normas de hierarquia diversa - uma de lei ordinária da assembleia da República e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental -, gerador do vício da ilegalidade e que se resolve fazendo preferir “a norma de fonte hierárquica superior (critério da superioridade: lex superior derogat ligi inferiori”.
Sendo assim, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
Em suma, impõe-se interpretar o art.º 15º F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14.08 no sentido de que o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição (ao pedido de despejo), que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que pagou a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio).
Nos autos e porque valem os argumentos recursivos aqui trazidos pelas apelantes/requeridas impõe-se a revogação do despacho recorrido.
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Sumário (art.º663º, nº7 do CPC):
1. A norma do art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro contraria o art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU.
2. Estando em causa um conflito entre duas normas - uma de lei ordinária da assembleia da República e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental -, o mesmo conflito apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.
3. Por isso, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente apelação procedente, e revoga-se a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento da fase contenciosa do procedimento, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15º-H, n.ºs 2 e 3 do NRAU.
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Custas do recurso a cargo da parte vencida a final (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 26 de Outubro de 2017
Carlos Portela
Filipe Caroço
Madeira Pinto (Vencido conforme declaração de voto anexa)
__________
Voto de vencido do relator
O procedimento especial de despejo é, conforme o define o art.º 15.º n.º 1 do NRAU, revisto pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, um “meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Deduzida válida oposição ao requerimento de despejo, segue-se a fase contenciosa, que é “uma fase declarativa pura perante um juiz” (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191) e que constitui, pois, um processo declarativo especial, a que se aplicarão, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, no que não estiver especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191).
Tal fase declarativa inicia-se com a dedução de oposição pelo arrendatário, que não carece de ser articulada, e deve ser acompanhada do pagamento de taxa de justiça e, em certos casos, da prestação de uma caução (art.º 15.º-F n.ºs 1, 2 e 3 do NRAU).
Como se refere no acórdão do TRL de 17.12.2015 (relator Jorge Leal), “Se não se mostrar paga a taxa de justiça ou caução que forem devidas, a oposição tem-se por não deduzida (n.º 4 do art.º 15.º-F), pelo que o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), que é uma secretaria judicial com competência exclusiva para a tramitação do procedimento especial de despejo em todo o território nacional (art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 07.01), converterá o requerimento de despejo em título para desocupação do locado (alínea b) do n.º 1 do art.º 15.º-E do NRAU), abrindo-se o caminho para a fase executiva do procedimento. Porém, caberá ao juiz a análise dos requisitos da oposição (n.º 2 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 07.01), pelo que, ainda que o BNA constate que não se mostram reunidas estas condições de admissibilidade da oposição, deverá apresentar os autos à distribuição (n.º 1 do art.º 15.º-H).
Recebidos os autos, o juiz proferirá despacho liminar, que poderá consistir, como ocorreu no caso ora sub judice, na recusa da oposição, por falta de algum dos pressupostos supra referidos.
(…)
O recebimento da oposição depende da junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida (n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU) e, se a resolução do contrato de arrendamento se fundar, nomeadamente, na falta de pagamento de rendas (como é o caso destes autos), do pagamento de uma caução no valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas (n.º 3 do mesmo artigo). Trata-se, quanto à prestação de caução, de uma medida protetiva dos interesses do senhorio, ainda assim sujeita a um limite máximo (seis vezes o valor em dívida), que se revela justificada atendendo à ponderação dos interesses em presença (neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 09.7.2015, processo 2684/14.3YLPRT.L1-7, acessível in www.dgsi.pt). Porém, o n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU, após enunciar as obrigações de pagamento de taxa de justiça e, em certos casos, de caução, logo de seguida prevê a seguinte ressalva: “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento” mais se acrescentando, “nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Não concordamos com a interpretação desta norma contida no mesmo acórdão e no acórdão do TRL, de 28.04.2015 (relatado pela Des. Rosa Ribeiro Coelho), seguido pelo acórdão deste TRP, de 03-03-2016 (relator Leonel Serôdio) no sentido de que “O texto da lei aponta no sentido de que a concessão de apoio judiciário liberta o arrendatário/oponente tanto do ónus de pagamento da taxa de justiça como da prestação de caução” (cfr. Rui Pinto, “Manual da execução e despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 1187) e aqui sufragada pelos senhores desembargadores adjuntos que fizeram maioria.
Com efeito, a interpretação literal e teleológica apontam que o legislador ordinário deixou a definição concreta dos termos da isenção do pagamento da caução no valor das rendas em atraso para um diploma legal regulamentador que é uma portaria. Tudo perfeitamente legal e constitucional.
É do conhecimento comum que a lei e o decretolei são actos legislativos, emanando as primeiras da AR e os segundos do Governo A portaria é um acto emitido pelo poder administrativo que a Constituição atribui exclusivamente ao Governo, que é aprovado por um ou mais Ministros, em nome do Governo, e que regula em pormenor um determinado assunto. A aprovação de uma portaria depende da atribuição de poder para o efeito ao(s) ministro(s) em causa.
Ora, a portaria em causa é a Portaria n.º 9/2013, de 10.01, que nos termos do artigo 38.º “entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, emitida pela Ministra da Justiça e que, como refere no seu Preâmbulo, visa “regulamentar as matérias relativas à forma e ao modelo de apresentação do requerimento de despejo, o momento em que se considera o requerimento apresentado, o regime da oposição e da prestação da respetiva caução e das demais peças processuais…”.
No seu art.º 10.º, sob a epígrafe caução, prescreve:
“1 – O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”
Não entendemos que se esteja perante um conflito de normas de hierarquia diversa, uma de lei ordinária da assembleia da República - cfr. art.º 112º, n.º 2, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa - e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental e, uma vez que são emanadas por fontes diversas, “prefere a norma de fonte hierárquica superior (critério da superioridade: lex superior derogat ligi inferiori.”
A nosso ver, não existe contradição alguma entre esta norma da referida Portaria e o previsto no n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU.
O nosso entendimento vai de encontro com o acolhido pelo acórdão do TRE de 25.09.2014 (relator Canelas Brás) e transcrito na decisão recorrida.
Conforme resulta do artigo 3.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) “(...) As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”, pelo que, a caução não se encontra incluída no conceito de custas, não podendo as recorrentes socorrerem-se da atribuição do benefício do apoio judiciário pela segurança Social, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos para fazerem valer uma pretensão infundada.
Na verdade, resulta do n.º 3 do artigo 15º F da Lei n.° 5/2006, de 27 de Fevereiro, que "Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n°s 3 e 4 do artigo 1083° do Código Civil, ao pagamento de urna caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça." (sublinhado nosso).
Conforme consta, de forma clara e inequívoca, da Portaria 9/2013, de 10 de Janeiro, mais precisamente no seu artigo 10º, "1—O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.° 3 do artigo 15°-F da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efectuado através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança."
Acrescentando ainda no n.º 2 que "O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário." (sublinhado nosso).
O apoio judiciário destina-se a assegurar o acesso à Justiça e aos Tribunais dos cidadãos em virtude da sua debilidade económica, assim cumprindo os direitos fundamentais previstos nos artºs 13º, nº1 e 2 e 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa de 1976, nas modalidades previstas no artº 16.º, nº 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nomeadamente “a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”
O cumprimento de uma obrigação pode ser assegurado por diversas formas, a que o Código Civil designa de garantias especiais das obrigações.
Além da fiança, consignação em rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios hipotecários e o direito de retenção, prevê o referido Código a possibilidade de prestação de caução.
In casu, a caução é uma garantia especial da obrigação do arrendatário de pagamento das rendas pedidas na acção (procedimento especial de despejo) – podendo ser prestada em qualquer das formas legalmente admissíveis de acordo com o artº 624º do Código Civil de 1966 - tendo o legislador sido sensível em fixar um tecto máximo de depósito de seis meses de renda (mesmo que sejam exigidos mais rendas mensais em dívida).
São institutos diferentes e destinam-se a acautelar direitos diferentes, o primeiro um direito fundamental de acesso à justiça em termos de igualdade dos cidadãos e o outro a acautelar um interesse patrimonial dos senhorios por falta de pagamento de rendas dos arrendatários que deduzem oposição ao procedimento especial de despejo.
Conferir, sem mais e por mero arrastamento, a desoneração de pagamento de caução ao inquilino incumpridor, que apresenta oposição ao pedido de despejo com o benefício do apoio judiciário, da obrigação contratual principal de pagamento das rendas seria uma violação ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei- artº 13º CRP de 1976- dado que os demais, que pagam custas e encargos processuais, disso não beneficiam e fomentaria oposições ao despejo infundadas, desse modo frustrando a intenção legislativa de celeridade do PED, claramente assumida pela Lei n.° 5/2006, de 27 de Fevereiro, plasmada no seu preâmbulo:
A Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que reforma o regime do arrendamento urbano aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, e que entra em vigor em 12 de Novembro de 2012, veio introduzir no ordenamento jurídico o procedimento especial de despejo, com o fim de agilizar a desocupação do locado e a recolocação daquele no mercado de arrendamento.
Com a reforma operada, mantém-se a acção de despejo já existente, destinada a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para esse fim. Adicionalmente, é criado o já referido procedimento especial de despejo, que consiste num meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o Arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
Através deste procedimento, além de requerer a efectivação da cessação do arrendamento, o requerente podem também, cumulativamente, pedir o pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do Arrendatário.
Para assegurar a tramitação deste procedimento especial, é criado o Balcão Nacional o Arrendamento (BNA), o qual tem competência em todo o território nacional”- http://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Newsletters_Boletins/2012/Brif_Imob._Set._PT.
Entendemos, pois, que mesmo que o arrendatário beneficie de apoio judiciário, tal circunstância não o liberta de prestar a caução legalmente prevista para ser aceite a oposição ao procedimento especial de despejo.

Madeira Pinto