Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1598/22.8YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
NRAU
Nº do Documento: RP202305041598/22.8YLPRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do art.º 1096º do CC, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos.
II - A oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro. Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato.
III - Já a resolução tem efeito retroativo e pressupõe, ou só é legitimada, em função de um incumprimento das obrigações contratuais da contraparte (resolução legal) ou da ocorrência de uma qualquer situação de facto previamente estipulada pelas partes (resolução convencional).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1598/22.YLPRT.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. AA intentou no Balcão Nacional de Arrendamento requerimento de despejo contra BB, invocando como fundamento “cessação por oposição à renovação pelo senhorio”.
Notificada, a Requerida deduziu oposição, invocando a ineptidão do requerimento, que ao contrato é aplicável um prazo de renovação de 3 anos, a ineficácia e extemporaneidade da notificação da oposição à renovação do contrato. Por fim, peticionou o diferimento da desocupação do locado, invocando razões económico-sociais.
Face à oposição, os autos foram remetidos ao Tribunal.
A Requerente respondeu, sustentando a improcedência das exceções e do diferimento da desocupação.

2. Foi proferida sentença, que decidiu
● Julgar o requerimento de despejo procedente e declarar válida a oposição à renovação, com efeito a partir de 30/06/2022;
● Conceder o diferimento da desocupação do locado por dois meses, a contar do trânsito em julgado da decisão.
Na sentença, foram considerados provados os seguintes factos:
«1. Mediante acordo a fls. 3 a 4, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a requerente deu de arrendamento à requerida, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., 1.º andar direito, ... ..., Ovar;
2. A requerente remeteu à requerida, em 30/06/2021, o escrito de fls. 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi rececionado pela requerida em 05/07/2021;
3. A requerida encontra-se afetada de incapacidade permanente global de 60%, de acordo com a TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007;
4. A Requerida é viúva, reformada e aufere € 562,09, mensais de pensão de invalidez e sobrevivência.».

3. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Requerida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. O presente recurso de apelação é interposto de sentença ref.ª 125379673, que condenou a Recorrente na desocupação do locado, e que foi proferido no âmbito de ação especial de despejo com origem em oposição deduzida em sede de procedimento especial de despejo.
II. Como fundamento do procedimento foi apontada a oposição à renovação exercida por comunicação do senhorio mediante carta registada com aviso de receção endereçada para a morada do locado, com efeitos a partir de 30/06/2022.
III. A decisão, da qual se recorre na totalidade, exta do seguinte teor: (…)
IV. De facto, a sentença em crise padece de erro sobre a aplicação do direito, sendo que foram aplicadas de forma incorreta as normas do art. 1096.º, n.º 1 CC – quer na determinação das versões aplicáveis, quer na interpretação a dar às mesmas – e do art. 9.º, n.º 7 NRAU.
V. A norma que consta da versão atual do art. 1096.º, n.º 1 CC deve ser interpretada no sentido de que apenas é permitido às partes convencionarem o afastamento da automaticidade da renovação do contrato, a qual, a ocorrer, terá sempre de respeitar o prazo mínimo imperativo de 3 anos, encontrando-se vedada a estipulação de prazos de prorrogação inferiores àquele. – cfr., neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 078-04-2021, proc. 795/20.5T8VNF.G1, relatora Rosália Cunha (disponível em www.dgsi.pt)
VI. Cometeu o Tribunal a quo erro na determinação da norma aplicável, ao indicar a versão do art. 1096.º, n.º 1 CC indicada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, como aplicável ao caso dos autos.
VII. Na verdade, antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, e da atual versão do art. 1096.º, n.º 1, estava em vigor a redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, e não a dada pela Lei n.º 6/2006.
VIII. Assim, aplicando ao caso concreto as redações daqueles dois primeiros normativos, verifica-se que o contrato se renovou a 1/06/2017, findo o seu período inicial, pelo período de 1 ano (convencionado pelas partes na cláusula primeira do contrato de arrendamento que consta dos autos), até 30/06/2018, uma vez que assim o permitia a redação do art. 1096.º, n.º 1 CC ditada pela Lei n.º 31/2012, aplicável ex vi art. 12.º, n.º 2 CC.
IX. A segunda renovação ocorreu a 1/07/2018.
X. Na vigência desta renovação entrou em vigor a redação atual do normativo do art. 1096.º, n.º 1 CC, o que determinou, em virtude do art. 12.º, n.º 2 CC, que a mesma apenas findasse a 30/06/2021.
XI. Nesta última data renovou-se o contrato pela última vez (até ao momento presente), com termo no dia 30/06/2024.
XII. Assim sendo, o entendimento de que o contrato se vem renovando anualmente desde 2017, defendido pelo Tribunal a quo, constitui uma interpretação errada dos normativos aplicáveis aos prazos mínimos de renovação, e à liberdade conferida às partes pelo art. 1096.º, n.º 1 CC.
XIII. Significa tudo isto que é inválida a oposição à renovação com efeitos a partir de 30/06/2022.
XIV. Pelo que se requer do Tribunal ad quem que com base nas versões do art. 1096.º, n.º 1 CC ditadas pelas leis n.º 31/2012 e 13/2019, aplicáveis ex vi art. 12.º, n.º 2 CC, revogue a sentença recorrida e a substitua por outra que absolva a Recorrente da condenação à desocupação do locado e declare inválida a oposição à renovação com efeitos a partir de 30/06/2022.
XV. Sem prejuízo, incorreu o Tribunal a quo em erro sobre a aplicação do direito ao considerar eficaz a comunicação de oposição à renovação pelo senhorio feita mediante carta registada com aviso de receção.
XVI. Isto porque, tal como determina o art. 9.º, n.º 7 do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), caso inexista domicílio convencionado pelas partes no contrato – circunstância que em concreto se verifica -, a comunicação da cessação do contrato apenas pode ser feita mediante notificação judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, nos termos do art. 9.º, n.º 7, als. a) e b) NRAU.
XVII. A normas do art. 9.º, n.º 1 e 2 NRAU devem ser interpretadas no sentido em que apenas permitem a comunicação pelo senhorio da cessação do contrato ao inquilino por carta registada com aviso de receção no caso de existir domicílio convencionado pelas partes, permitindo-se apenas aquele meio, na ausência daquele domicílio convencionado, para as comunicações relativas a obras e atualização de rendas
XVIII. Não existe qualquer razão cogente para que se distinga a comunicação da resolução contratual da comunicação da oposição à renovação.
XIX. Assim que, ainda que se considerasse que a oposição à renovação com efeitos desde 30/06/2022 fosse válida (o que não se concede), sempre a mesma será ineficaz perante a inquilina Recorrente.
XX. Note-se a que a ineficácia da comunicação foi uma questão devidamente levantada pela Recorrente em sede de oposição.
XXI. Pelo exposto, deverá o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare a oposição à renovação ineficaz perante a Recorrente e, consequentemente, declare improcedente o procedimento especial de despejo e absolva a Recorrente da condenação à desocupação do locado.
XXII. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo as normas do art. 1096.º, n.º 1 CC – em ambas as redações aplicáveis a caso concreto (Lei n.º 31/2012 e Lei n.º 13/2019) – e as normas dos arts. 9.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 7 do NRAU.
Termos em que, e nos mais de direito, deverá proceder a presente apelação, e na medida do supra exposto:
- Deverá ser a sentença recorrida revogada, e substituída por outra que declare totalmente improcedente o procedimento especial de despejo, e absolva a Recorrente da obrigação de desocupação do locado por invalidade da oposição à renovação com efeitos a partir de 30/06/2022;
- Sem prejuízo, deverá a sentença recorrida revogada, e substituída por outra que declare totalmente improcedente o procedimento especial de despejo, e absolva a Recorrente da obrigação de desocupação do locado por ineficácia da oposição à renovação em relação à Recorrente.»

4. A Requerente contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
5. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:
Qual o prazo de renovação a considerar
Se a oposição à renovação foi eficaz

5.1. O prazo de renovação automática a considerar
Em causa está uma relação jurídica entre particulares, que se estabeleceu e foi conformada pelo quadro legal vigente na altura do seu início; contudo, essa relação jurídica perdurou no futuro, sendo que, entretanto, houve alteração da lei reguladora da relação.
A questão a decidir contende com o problema da aplicação da lei no tempo.
Para o efeito, dispõe o art.º 12º do Código Civil (CC):
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade, substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. [1]
Porque se trata de normas que contendem com o “conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem” (última parte do nº 2), as alterações legais relativamente ao prazo de oposição à renovação aplicam-se também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei.
Portanto, incumbe antes de mais, verificar a evolução do regime do arrendamento para habitação permanente no período pertinente para o caso dos autos.
Temos um contrato celebrado em 30 de junho de 2012 e de cuja cláusula 1ª ficou a constar o seguinte: “A habitação é arrendada, pelo prazo de 5 anos, nos termos do artigo 98º e seguintes do Decreto-Lei nº 321/B/90, com início em 01 de julho de 2012 e termo em 30 de Junho de 2017, sendo as suas prorrogações de um ano, no caso de não ser denunciado no seu termo”.
A alusão desta cláusula ao Decreto-Lei nº 321-B/90 tem de ser considerada nula e de nenhum efeito. Na verdade, em matéria de arrendamento não é possibilitada às partes a escolha da lei que vai regular o contrato. Acresce que esse diploma já não estava em vigor nessa data, não podendo, portanto, ser considerado.
Na data da outorga e do início da vigência do contrato vigorava já o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro [2], que procedeu à revogação do Decreto-Lei nº 321-B/90 mencionado no contrato e terminou com os contratos ditos vinculísticos, aceitando os contratos com prazo certo.
Concluindo, o contrato foi regido pelo NRAU, que procedeu a várias alterações ao CC, designadamente ao art.º 1096º.
Desde essa data, e estipulando sobre renovações, o art.º 1096º nº 1 do CC sofreu até hoje as seguintes alterações:
Na redação da Lei n.º 6/2006 (NRAU): “1 - Exceto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos”.
Considerando que estamos perante um contrato para habitação permanente, celebrado em 30/06/2012, por prazo certo de 5 anos, que terminariam em 30/06/2017, era efetivamente possibilitada a renovação anual (“períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos”). A partir de 2017, o contrato renovar-se-ia por períodos de um ano.
Sucede que, ainda antes do contrato terminar o período contratado de vigência (5 anos, 30/06/2017), entrou em vigor nova formulação do preceito, dada pela Lei n.º 31/2012.
Na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Daqui decorre que, a partir de 15 de agosto de 2012 (data de início de vigência desta Lei e em que o contrato tinha pouco mais de um mês), passou a só serem permitidas renovações por idênticos períodos (“por períodos sucessivos de igual duração”), que, no caso, era de 5 anos.
Ou seja, em 30/06/2017, o contrato iniciou um período de renovação de 5 anos, que terminariam em 30/06/2022.
Na verdade, e como melhor se verá mais à frente, a expressão “salvo estipulação em contrário” deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação.
Porém, nova alteração, agora operada pela Lei n.º 13/2019.
Na redação atual, dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro (em vigor desde 13 de fevereiro de 2019): “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
Ou seja, passou agora a possibilitar-se que a renovação se operasse pelo período do contrato, mas também de 3 anos se a duração do contrato fosse inferior.
No caso, o período do contrato era superior, 5 anos, pelo que é esse o prazo a considerar.
Explicando a interpretação da redação atual deste nº 1 do art.º 1096º do CC, refere Maria Olinda Garcia:
«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.
Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.
Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.». (negritos nossos) [3] [4]
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça: «O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.» [5]
A 1ª renovação do contrato aconteceu em 30/06/2017, pelo que terminava em 30/06/2022 (renovação obrigatoriamente de 5 anos face à Lei n.º 31/2012).
Como a oposição à renovação só opera para futuro, isso significa que, à data da declaração, o contrato ainda se mantém plenamente válido e eficaz, surtindo todos os seus efeitos e vinculando as partes à manutenção de todas as suas obrigações, até ao último dia do prazo que se encontrava em curso.
A partir de 30/06/2022 (final da 1ª renovação), e porque já estamos no âmbito da formulação dada pela Lei n.º 13/2019, haveria que contar com um novo período de 5 anos, mas só no caso a declaração de oposição efetuada não tivesse sido válida e eficaz, o que se verá de seguida.

5.2. Sobre a eficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato
Apurados os prazos de renovação, vejamos se a oposição efetuada pelo senhorio os respeitou, bem como os condicionalismos formais.
Ficou provado que a Requerente remeteu à Requerida, em 30/06/2021, uma carta com aviso de receção, na qual lhe comunicou que se opunha à renovação do contrato, “com efeitos a partir de 30 de junho de 2022”. Esta carta foi rececionada pela Requerida em 05/07/2021.
Decorre do art.º 1097º do CC que, para impedir a renovação automática do contrato, o senhorio tem de comunicar essa intenção ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
No caso, já se apurou que a duração inicial do contrato foi de 5 anos, teve uma 1ª renovação em 30/06/2017, por mais 5 anos, pelo que terminava em 30/06/2022.
A oposição tinha, pois, de ser comunicada com 120 dias de antecedência dessa data de 30/06/2022: al. b) do nº 1 e nº 3 do art.º 1097º CC.
Ora, se a carta foi enviada em 30/06/2021, e recebida em 05/07/2021, temos de concluir que foi cumprido o prazo legalmente estipulado.
Quanto à forma da comunicação, rege o art.º 9º do NRAU, que estipula o seguinte:
1 — Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 — As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. (…)
5 — Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 — O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 — A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artigo 1084º do Código Civil, é efetuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original.
Na sentença, o M.mº Juiz considerou aplicável o nº 1 do preceito; já no recurso, a Requerida considera ser de atender ao nº 7.
Mas não lhe assiste razão.
Na verdade, resulta claro da formulação do nº 7 do art.º 9º do NRAU que este regula exclusivamente para os casos de resolução.
Ora, pese embora estejamos, em ambos os casos, de formas de cessação do contrato, a oposição à renovação e a resolução contratual são figuras jurídicas distintas, às quais correspondem regimes substantivos e adjetivos também diferenciados.
Que assim é, resulta logo do art.º 1086º nº 1 do CC, ao referir que as duas formas de cessação são cumuláveis, e só pode falar-se de cumulação quando temos 2 realidades.
À semelhança da denúncia, a oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro, podendo dizer-se ser «(…) exclusiva dos contratos com prestações cuja execução se protela no tempo, tanto para impedir a prossecução da vigência de um negócio jurídico continuado, como obstando à não renovação do acordo por outro período». (…) Tendo o vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.» [6]
Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato.
Já a resolução tem efeito retroativo e pressupõe, ou só é legitimada, em função de um incumprimento das obrigações contratuais da contraparte (resolução legal) ou da ocorrência de uma qualquer situação de facto previamente estipulada pelas partes (resolução convencional).
No caso do arrendamento, os fundamentos de resolução estão descritos na lei (art.º 1083º do CC), ainda que de forma não taxativa, mas implicando uma especialidade face ao regime geral da resolução do art.º 432º a 436º do CC.
Assim sendo, não se incorreu em qualquer erro na sentença. O preceito aplicável é o nº 1 e 2 do art.º 9º do NRAU, impondo que a oposição à renovação fosse comunicada “por carta registada com aviso de receção” e a carta “remetida para o local arrendado”, dado que no contrato não ficou acordada qualquer outra morada.
Nesta medida, temos de concluir que a oposição à renovação respeitou todas as condições necessárias, prazo e forma, pelo que é plenamente válida e eficaz.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 04 de maio de 2023
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Assinalando-se que, para o efeito aqui visado, a(s) nova(s) lei(s) não estatuíram disposições transitórias, a que importasse atender.
[2] O NRAU iniciou assim a sua vigência no dia 27 de junho de 2006 (art.º 65º), exceto os artigos 63º e 64º, que entraram em vigor a 28 de fevereiro de 2006. Este diploma alterou também vários artigos do CC e procedeu à republicação do capítulo IV do título II do livro II do Código Civil, composto pelos artigos 1022º a 1113º, redação esta que será a atendida aqui.
[3] Artigo intitulado “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in revista Julgar online, março de 2019, pág. 11-12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf
[4] Em sentido contrário, Jessica Rodrigues Ferreira, artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito (RED), fevereiro de 2020, nº 1 (VOL. 21), pág. 82 e seguintes, bem como os Autores aí referidos, em nota (13), disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
[5] Acórdão de 17/01/2023, processo nº 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
No mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, processo nº 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos e acórdão da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, processo nº 795/20.5T8VNF.G1, relatora Rosália Cunha.
Em sentido contrário, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/01/2023, processo nº 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe Sousa e de 17/03/2022, processo 8851/21.6T8LRS.L1-6, relator Nuno Lopes Ribeiro.
[6] Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, Almedina, pág. 59 e 60.
No mesmo sentido, Galvão Telles, parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJ), ano XI, 1986, tomo 3, pág. 21: «A denúncia, no sentido em que a palavra vem sendo considerada, nunca é um modo de pôr termo ao contrato, mas apenas de obstar a que o contrato se renove. Em caso de denúncia, o que põe termo ao contrato é a expiração do prazo, e não a própria denúncia, que se limita a evitar que, extinto o contrato, ainda então, cessa automaticamente pelo decurso do tempo (caducidade), e não mercê da declaração de vontade do denunciante, cujo efeito se traduz apenas em afastar ou excluir o fenómeno renovatório.»