Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
715/12.0TJPRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO
DECLARAÇÃO DE RESOLUÇÃO
EFICÁCIA
Nº do Documento: RP20151130715/12.0TJPRT-G.P1
Data do Acordão: 11/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 123º, 1, do CIRE permite que declaração de resolução seja efetuada por carta registada com aviso de receção, exigindo que, no mínimo, haja a garantia de que essa declaração chegou ao destinatário, que tem legitimidade para intentar a respetiva ação de impugnação.
II - De acordo com o disposto no artigo 342º, 2, do CC incumbe ao Administrador da Insolvência alegar e provar factos donde se possa concluir que foi eficaz, além de válida, a mencionada declaração de resolução de contrato.
III – Se o Administrador da Insolvência se limitou a enviar essa carta para a morada constante da escritura, apesar de esta já não ser a do declaratário, que veio de devolvida com a menção de “Não atendeu” e “Objeto não reclamado” e nem antes de enviar, nem depois de a receber devolvida fez qualquer diligência para averiguar qual a real morada do destinatário, não provou ter sido eficaz essa declaração de resolução.
IV – E essa declaração, que é receptícia, não chegou ao poder ou conhecimento do A. em consequência da mencionada conduta do Administrador da Insolvência, que foi a causa adequada de tal facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 715/12.0TJPRT-G.P1
Apelação 1065/15
TRP – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I RELATÓRIO
1 –
B… propôs esta ação declarativa de condenação, pedindo que se declarasse a ineficácia da declaração de resolução de negócio em benefício da massa insolvente efetuada pelo Administrador da Insolvência e propondo, ainda e subsidiariamente, ação de verificação ulterior de créditos.
O A. alegou, em síntese, não ter tomado conhecimento da comunicação do Administrador para resolução do negócio de dação em pagamento celebrado entre o A. e o Insolvente, outorgado em 26-10-2011, referente ao prédio apreendido para a massa insolvente, além de não ter sido o ora A. notificado da sentença de declaração de insolvência, desconhecendo todos os termos do processo.
2 -
Por despacho de 4-11-2014, foi determinado o prosseguimento da causa como ação de impugnação da resolução a favor da massa insolvente de C…, representada pelo Administrador da Insolvência, por ter havido erro na forma do processo,
3 -
O Administrador da Insolvência contestou, alegando que remeteu a comunicação da resolução por carta registada com aviso de receção para a morada do A. que constava da escritura pública de formalização do negócio a resolver, tendo a mesma sido devolvida com a menção de “não reclamada”, sem qualquer indicação de mudança de morada, pelo que considerou a notificação devidamente efetuada.
4 -
O A. respondeu, mantendo a sua posição inicial de que não teve conhecimento da comunicação, por não ter sido recebida efetivamente, sendo ineficaz aquela comunicação, até porque cabia ao Administrador o ónus de a ela proceder e de comprovar que a mesma fora cabalmente recebida e conhecida do seu destinatário.
5 -
Foi dispensada a convocação de Audiência Prévia e foi saneado o processo, havendo fixação do objeto do litígio e definição dos temas da prova.
6 –
Teve lugar a Audiência Final, vindo a ser proferida a Sentença, da qual consta a Decisão de Facto, lendo-se na sua parte dispositiva:
Nestes termos, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré massa insolvente do pedido, mantendo-se a resolução operada pelo Sr. Administrador da insolvência, relativamente ao ato acima identificado em A) dos factos provados.
Custas pelo autor (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
7 –
Desta decisão apelou o A., que formulou as seguintes CONCLUSÕES:
DA NULIDADE DA SENTENÇA
A) A douta decisão proferida considerou que com a atuação adotada pelo Sr. Administrador, ficou completa e comprovada a notificação da resolução operada, contando-se, a partir da data respetiva, o prazo de caducidade do direito de impugnar. Pelo que, considerando essa data (cfr. alíneas D) e E) dos factos provados), o prazo de três meses do art.º 125.º do CIRE e o tempo decorrido à data em que o autor, destinatário da resolução, intentou a presente causa (24/10/2013), concluiu que estava caducado o seu direito a impugná-la.
B) Sucede que, na contestação que apresentou, o Sr. Administrador da insolvência em momento algum arguiu a exceção da caducidade do direito exercitado pelo A., por ter instaurado a ação, decorrido um prazo superior a 3 meses, previsto no art.º 125.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
C) O prazo fixado no art.º 125.º do CIRE é um prazo de caducidade. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no art.º 333.º do C.C.
D) Do disposto nos artigos 333.º e 303.º, ambos do Código Civil, resulta que a caducidade só será de conhecimento oficioso em matéria de direitos indisponíveis.
E) Está em causa ação que tem por objeto apreciar a validade da resolução de um negócio jurídico pelo que é indiscutível que estamos em domínio não excluído da disponibilidade das partes (ou seja, atinente a direitos disponíveis) – pelo que, sem norma expressa de sentido diverso, é de aplicar a consequência regra em termos de caducidade do respetivo direito de ação: tal caducidade não é de conhecimento oficioso, estando vedado ao juiz conhecer ex officio da caducidade do direito de ação.
F) Destarte, tendo a douta sentença recorrida conhecido oficiosamente da caducidade do direito de ação pelo aqui Apelante, padece o dito aresto do vício da nulidade, por ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento, conforme cominação prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
G) O aqui expressamente se invoca, nos termos e com os efeitos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d) e 195.º, n.º 1, 2.ª parte, ambos do CPC.
DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
H) Nos termos do art.º 120.º n.º 1 CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
I) A resolução concretiza-se por declaração emitida pelo administrador da insolvência, nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de dois anos sobre a data da declaração da insolvência – artº 123º nº1 CIRE.
J) É pois indiscutível que a resolução, como declaração de vontade, a operar, no caso, mediante comunicação legalmente tarifada, é uma declaração receptícia, isto é, a respetiva eficácia depende do conhecimento do destinatário.
K) E é por razões probatórias e de certeza que o legislador exige a respetiva transmissão por carta registada e com aviso de receção, ficando ainda possibilitada a demonstração da hipótese da comunicação não ter chegado ao conhecimento do destinatário apenas por sua culpa, já que remetida para o seu domicílio (cfr. Gravato de Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, p. 154).
L) Assim, não tendo havido receção da declaração de resolução, como não existiu nos autos, por parte do Apelante, a declaração só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida – art.º 224º n.º 2 CC.
M) De acordo com o normativo, só a responsabilidade exclusiva do destinatário na não receção da declaração faz equivaler a declaração não recebida a uma declaração plenamente eficaz.
N) A culpa e a exclusividade da culpa enquanto conceitos indeterminados impõem uma apreciação casuística, ponderando designadamente o específico contexto em que os factos negociais ocorreram; pelo que, a dificuldade residirá sempre na valoração dos comportamentos (ações ou omissões) do destinatário suscetíveis de integrarem tal situação.
O) Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do art.º 487.º, nº. 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjetivo deve ser concretamente aferido através do recurso ao «bonus pater familiae» critério que nos remete para o padrão do cidadão médio, uma vez que a situação dos autos não cabe no âmbito da responsabilidade contratual.
P) Todavia, a alegação e prova das circunstâncias de que se possa concluir que a declaração chegou ao conhecimento do declaratário ou foi colocada ao seu alcance, sendo por si cognoscível, compete ao declarante, por ser aquele para quem deriva o direito cuja efetivação depende da declaração.
Q) Nos presentes autos, é fato assente que a comunicação endereçada pelo Sr. Administrador de Insolvência não chegou ao efetivo conhecimento do Apelante, pois veio devolvida com as menções de “Não atendeu” e “Objeto não reclamado” – Facto descrito na alínea E.
R) Deste modo, o que cumprirá saber é se, ao tempo do envio da declaração de resolução ao ora Apelante, para a morada então utilizada, isso constituiu um ato apto, nesse momento, à respetiva cognoscibilidade por esse destinatário, apesar de ter ocorrido a respetiva devolução. – Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2013, disponível em www.dgsi.pt.
S) Ora, in casu, o Apelante alegou e logrou demonstrar que em data não concretamente apurada, mas situada no verão do ano de 2010, o autor mudou de residência, passando a habitar na Rua …, n.º .., Porto, não mais tendo ocupado, de modo habitual, para pernoita, receção de correspondência ou fixação da sua vida familiar a morada descrita em A) desde essa altura – alínea F da matéria de fato provada.
T) Pelo que, na data do envio pelo Sr. Administrador de Insolvência da carta que continha a declaração resolutiva (18/09/2012), o Apelante não residia na morada para a qual aquela foi remetida.
U) Por outro lado, nunca poderia o Sr. Administrador de Insolvência dar como certo o domicílio do Apelante na morada para onde remeteu a missiva que continha a declaração resolutiva.
V) Com efeito, não resultava de qualquer elemento do processo o conhecimento do seu domicílio: o Apelante não era parte do processo, não lhe foi aí fixada residência, nem havia tido ali qualquer intervenção, a qualquer título.
W) Pelo que, não podia o Sr. Administrador de Insolvência, em 18/09/2012 (data do envio da carta que continha a declaração resolutiva) ter dado como certo o domicílio que, cerca de um ano antes, tinha sido atribuído ao A. no ato que pretendia resolver.
X) Sendo certo que as menções apostas pelos serviços postais na carta remetida pelo Sr. Administrador de Insolvência de “Não atendeu” e “Objeto não reclamado” não permitem concluir que o Apelante tinha ali o seu domicílio e que aí foi deixado aviso para o A. proceder ao levantamento desse correio, que lhe chegou às mãos, e que o A. apenas não o reclamou por o não o pretender e, assim, só não teve conhecimento do seu conteúdo por culpa sua.
Y) Tanto mais que, na contestação que apresentou, o Sr. Administrador de Insolvência apenas referiu que remeteu a dita carta para o endereço constante da escritura da dação em pagamento, não tendo alegado, nem demonstrado – como lhe competia, em virtude do ónus da prova que sobre si impendia - que, ao tempo do envio da dita declaração (18/09/2012), o Apelante tinha o seu domicílio na morada para onde remeteu a carta aludida na alínea D) da matéria de fato provada.
Z) Sendo certo que a existência de cartas devolvidas com o inerente expediente postal revelador da sua não reclamação pelos destinatários não constitui prova plena sobre aqueles outros factos que ao administrador da insolvência cabe demonstrar - Neste sentido, Acórdãos do STJ de 9-2-2012, da Relação de Lisboa de 9-5-2006, de 20-3-2012 e da Relação do Porto de 22-10-2013, todos em www.dgsi.pt.
AA) Sendo irrelevante para o efeito que o Apelante tivesse permitido constar no referido ato uma morada que já não era a sua desde meados do ano anterior pois tal facto não era do conhecimento do Sr. Administrador de Insolvência como o demonstra a falta de alegação nesse sentido.
AB) Inexistindo nos autos quaisquer factos que permitissem ao tribunal a quo concluir que “Se o autor, no ato a resolver, indicou aquela mesma morada, quando já se havia mudado para outro local, manifestamente domina, com a sua ação, a receção ou não receção de correspondência naquele local, tendo sido opção sua manter tal morada no dito ato jurídico de dação em pagamento.”
AC) É deveras censurável que a douta sentença recorrida pretenda, a partir do fato do Apelante no ato a resolver ter permitido constar certa morada, quando já se havia mudado para o outro local, concluir que o Apelante domina, ad aeternum, com a sua ação, a receção ou não receção de correspondência naquele local, fixando-lhe, ao que parece, ali o seu domicílio, quer na data da celebração do ato a resolver (26/10/2011), quer na data do envio da declaração resolutória (18/09/2012), quer, ainda, quiçá, na presente data.
AD) Sendo certo que, não existe indiciado ou alegado qualquer facto exclusivo do Autor que tenha concorrido para a não receção da carta, muito menos o facto de, na escritura da dação em pagamento não ter mencionado a sua morada à data, pois sequer a possibilidade de preordenação, ainda que meramente eventual, do posteriormente ocorrido colhe qualquer apoio nos factos ou na alegação das partes. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/06/2013, disponível em www.dgsi.pt.
AE) De facto, não resultou demonstrado, nem tão pouco alegado, como parece pressupor a douta sentença recorrida, que a indicação pelo Apelante na escritura de dação em pagamento de morada que, desde o verão do ano de 2010, não mais ocupou, de modo habitual, para pernoita, receção de correspondência ou fixação da sua vida familiar, teve como fito estorvar a receção de declaração resolutiva de tal ato produzida cerca de ano depois pelo Sr. Administrador de Insolvência nomeado em ação de insolvência ainda não instaurada.
AF) Destarte, tendo resultado demonstrado nos autos que o Apelante não recebeu a notificação em lide pois à data do envio pelo Sr. Administrador de Insolvência da carta que continha a declaração resolutiva (18/09/2012), não residia na morada para a qual esta foi endereçada, morada essa que não se encontrava fixada nos autos, deveria a sentença recorrida, data vénia, ter considerado ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente.
AG) Portanto, o aqui A., como contraparte do negócio da dação, então resolvido em benefício da massa insolvente, não teve conhecimento nem cognoscibilidade da carta regista com aviso de receção a que alude o artigo 123º do CIRE.
AH) Mal andou, por conseguinte, data vénia, o Meritíssima Juiz a quo, ao considerar completa e comprovada a notificação da resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
AI) Ao decidir assim, violou a douta sentença recorrida as normas constantes dos artigos 224.º do Código Civil e 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
E termina:
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerado Tribunal, deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, ser a douta sentença revogada e substituída por outra que julgue a presente ação totalmente procedente e condene os RR. nos termos peticionados pelo Apelante.
8 –
Foi proferido Despacho do qual consta que não há qualquer nulidade da Sentença a suprir, pois que nenhuma foi cometida.
9 –
Não foram apresentadas Contra-Alegações.

II FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Da Sentença consta a seguinte Decisão de Facto:
FACTOS PROVADOS
A) Por escrito, perante notário, em 26 de outubro de 2011, C… e B…, residente na Rua …, n.º …, 7.º andar esquerdo, …, Valongo, declararam, respetivamente, dar em pagamento e aceitar em pagamento, de uma dívida na quantia de € 200.000,00, o prédio urbano composto por uma casa de cave, rés do chão e andar, com anexos e logradouro, sita na Rua …, n.ºs .. e .., em …, Gondomar, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 1103 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4350, bem como o recheio desse prédio, composto pelos bens móveis e eletrodomésticos constantes de lista anexa, conforme resulta de fls. 37 e ss. destes autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
B) Por sentença proferida em 19 de julho de 2012, transitada em julgado, foi declarado insolvente C…, tendo a presente ação sido intentada em 24 de outubro de 2013.
C) Em 18 de setembro de 2012, foi apreendido para a massa insolvente o prédio identificado em A).
D) Ao autor foi enviada pelo Sr. Administrador da insolvência a carta registada com aviso de receção, datada de 18 de setembro de 2012, dirigida para a morada referida em A), e junta aos autos a fls. 35 e ss., dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
E) Essa carta foi devolvida ao remetente, em 28 de setembro de 2012, com a menção de “Não atendeu” e “Objeto não reclamado”.
F) Em data não concretamente apurada, mas situada no verão do ano de 2010, o autor mudou de residência, passando a habitar na Rua …, n.º .., Porto, não mais tendo ocupado, de modo habitual, para pernoita, receção de correspondência ou fixação da sua vida familiar a morada descrita em A) desde essa altura.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO
O tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada da prova documental junta aos autos, ponderada de acordo com as regras da experiência comum.
Para prova dos factos das alíneas A) a E), o tribunal baseou-se na apreciação dos documentos aí expressamente referidos, respeitantes respetivamente à escritura pública de dação em pagamento, à sentença proferida nos autos principais e ao auto de apreensão do apenso correspondente e à missiva enviada pelo Sr. Administrador da insolvência, com as menções de devolução dela constantes.
A prova da alínea F) emergiu da apreciação das declarações de D… e E…, filha e empregada do autor, que atestaram, embora sem conseguir precisar seguramente, da data em que o mesmo deslocou a sua vida pessoal e a sua residência para outro local, deixando a morada que constava da dita escritura e da carta enviada pelo Sr. Administrador.
DE DIREITO
São duas as questões jurídicas a apreciar:
Eficácia como declaração de vontade da carta enviada ao A. pelo Administrador da Insolvência; nulidade da Sentença no que diz respeito à apreciação da caducidade da ação uma vez que não fora alegada.
Como a ordem lógica da apreciação é esta (a segunda pode ficar prejudicada pela solução dada à primeira e o inverso não será verdadeiro) vamos apreciar, antes de mais, a discutida eficácia da declaração.

Assim, em consequência da sentença proferida em 19 de julho de 2012, transitada em julgado, em que foi declarado insolvente C…, o respetivo Administrador da Insolvência, invocando o disposto no artigo 121º, g), do CIRE, escreveu a carta de que se encontra fotocópia a fls. 35 e 35vº destes autos, junta com a contestação e que que não foi objeto de impugnação por parte do A., enviando-a sob registo e com a.r.
Dessa carta constava a declaração emitida pelo Administrador da Insolvência e dirigida ao ora A. de resolução incondicional do negócio jurídico escrito, o qual fora celebrado perante notário e lavrado no seu livro de notas, em 26 de outubro de 2011, entre C… e B…, constando como residente na Rua …, n.º …, 7.º andar esquerdo, …, Valongo, em que declararam, respetivamente, dar em pagamento e aceitar em pagamento, de uma dívida na quantia de € 200.000,00, o prédio urbano composto por uma casa de cave, rés do chão e andar, com anexos e logradouro, sita na Rua …, n.ºs .. e .., em …, Gondomar, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 1103 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4350, bem como o recheio desse prédio, composto pelos bens móveis e eletrodomésticos constantes de lista anexa.
Aconteceu que essa carta, datada de 18 de setembro de 2012, apesar de enviada para a morada que do contrato referido constava como ser o do A., não lhe foi entregue, sendo devolvida ao remetente, a 28-9-2012, com as seguintes menções: “Não atendeu” e “Objeto não reclamado”.
No próprio 18 em que foi enviada essa carta foi apreendido o imóvel objeto daquele negócio de dação em cumprimento.
Não resulta dos autos que o Administrador da Insolvência tenha efetuado qualquer diligência, antes do envio da carta e depois da sua devolução no sentido de averiguar qual o domicílio do ora A., pelo que teremos de concluir que se limitou a confiar que a constante da escritura estava correta e que, a estar nessa data, não teria havido alteração do domicílio, ainda que decorridos cerca de 11 meses sobre a data do escrito notarial.
E, apesar da devolução da carta com a indicação de “não atendeu”, continuou o Administrador a não procurar saber se a morada (endereço) estava ou não correto. Aliás parece que para o Administrador da Insolvência a carta seria uma mera formalidade dispensável, uma vez que o imóvel já estava apreendido.
Antes de mais é necessário esclarecer que a resolução em benefício da massa insolvente tem a declaração de insolvência como pressuposto, mas não é uma sua consequência necessária, pois que depende de uma decisão do Administrador da Insolvência[1] - ver artigo 123º do CIRE.
Como não decorre, necessariamente, da declaração de insolvência, o Administrador terá de emitir a correspondente declaração de vontade e de a levar ao conhecimento dos interessados diretos, de entre os quais, no caso em apreço, se contava o ora Apelante por ser parte no negócio jurídico declarado resolvido.
E esta comunicação teria de chegar à sua esfera jurídica, teria de lhe ser transmitida por afetar a sua posição jurídica em relação ao imóvel objeto do negócio, como também lhe permitiria deduzir a respetiva impugnação nos termos e prazo do artigo 125º do CIRE
Por outro lado, o artigo 123º, 1, do CIRE permite que aquela declaração de resolução seja efetuada por carta registada com aviso de receção, dispensando, pois, o contacto pessoal, mas exigindo que, no mínimo, haja a garantia de que essa declaração chegou ao destinatário, que tem legitimidade para intentar a respetiva ação de impugnação. A não ser assim, bastaria uma mera carta registada, que provaria a sua remessa, mas não garantiria ou provaria a sua receção. Para esta garantia exige a lei o a.r.
Destes considerandos temos de concluir que estamos perante uma declaração receptícia, que tem um destinatário.
Na verdade, as declarações negociais (e a declaração de resolução está sujeita ao respetivo regime) podem ser classificadas em receptícias (recipiendas) e não receptícias (não recipiendas). As primeiras têm e dirigem-se a um destinatário e as últimas não[2].
No caso em apreço há um destinatário da declaração constante da carta: o ora Apelante.
Em relação a uma declaração receptícia devem existir três momentos: 1º - o de exteriorização (formulação ou manifestação); 2º - o de expedição (momento em que a declaração sai da esfera de poder do declarante); 3º - o da receção (entrada da declaração na esfera do poder do declaratário)[3].
A eficácia da declaração receptícia (recipienda) ocorre, de acordo com o disposto no artigo 224º, 1, 1ª parte, do CC, quando chega ao poder do destinatário (teoria da receção) ou é dele conhecida (teoria do conhecimento); quando seja remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida, conforme dispõe o artigo 224º, 2, do CC (teoria da expedição)[4].
A declaração é ineficaz quando recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida – artigo 224, 3, do CC (relevância negativa da teoria do conhecimento)[5].
O artigo 224º, 2 e 3, do CC estipula regras auxiliares para proteger os interesses do declarante e do declaratário: - no n.º 2 verifica-se um desvio ao critério da chegada ao poder; no n.º 3 há uma clarificação do conceito de chegada ao poder[6].
A declaração negocial tem de ser perfeita, válida no momento em que é emitida[7], mas do exposto resulta que uma declaração negocial válida pode não ser eficaz[8].
A questão em apreço não é, a da validade da declaração emitida pelo Administrador da Insolvência, mas apenas de eficácia dessa declaração.
A declaração de resolução, nos termos em que foi realizada, precisava de ser eficaz em relação ao ora Apelante.
A declaração constante da carta em apreço tinha o ora Apelante como destinatário.
De acordo com o disposto no artigo 342º, 2, do CC incumbia ao Administrador da Insolvência alegar e provar factos de se pudesse concluir que o contrato acima descrito, em que interviera o ora Apelante, se extinguira por resolução.
Alegou e provou ter emitido declaração de resolução dirigida ao ora Apelante, efetuada ao abrigo do disposto no artigo 436º, 1, do CC e artigo 123º, 1, do CIRE, que dispensam o recurso à via judicial para esse efeito[9], consagrando o princípio geral de que pode operar-se por declaração unilateral e receptícia[10].
Resta-nos saber se logrou provar que essa declaração tenha chegado ao poder ou ao conhecimento do Apelante, ou que só por culpa deste não tenha sido recebida.
O Administrador da Insolvência confiou que a morada constante da escritura correspondesse ao real domicílio do ora Apelante. Já o confiar que num prazo de 11 meses não tinha havido qualquer alteração foi uma temeridade, já que todos sabemos que nesse período de tempo pode acontecer ter havido mudança de habitação. Assim, antes de enviar a carta, o homem medianamente avisado, o bonus pater familiae, teria confirmado essa correspondência. Era aquela morada que ainda constava da sua identificação civil e fiscal? Não o sabemos, nem o Administrador da Insolvência o alegou, muito menos alegou que o tivesse tentado averiguar.
Mas, quando a carta vem devolvida com a indicação “não atendeu”, o mesmo homem médio iria saber se efetivamente o endereço estaria certo, pois que nenhum elemento ou indício existia de que tivesse enviado a carta para o efetivo domicílio do Apelante.
Onde está a prova de que, na realidade, enviou a carta para o domicílio correto à data em que a enviou? Onde está o elemento que nos possa permitir concluir que a declaração não chegou à posse do destinatário por culpa deste?
A causa adequada da não receção da carta não pode ser imputada à atuação do Apelante, mas ao desprendimento, à atuação descuidada do Administrador da Insolvência.
A ser de outra forma estaríamos a criar uma sanção não legal para incorreta indicação do domicílio em situações como a presente.
Está dispensada a ação judicial para obter a resolução, mas não está dispensada a comunicação à outra parte, neste caso o Apelante, dessa deliberação e a sua fundamentação para que, querendo e tendo fundamento para tal, a impugnar. E essa comunicação, que tem consequências graves para o destinatário, tem de ser acompanhada das maiores cautelas para assegurar que a mesma chegou ao destinatário ou que só por culpa deste não foi recebida.
Ora, esta diligência, que teria um homem médio, que é espelhada nas próprias disposições legais relativas à citação, não será dispensável, pois que não existe, no caso dos autos, domicílio convencionado a que a lei e até um eventual contrato atribua efeitos, nomeadamente cominações, caso não corresponda ao real ou haja alteração sem comunicação.
Por outro lado, não pode ser convertida em eficaz através da notificação da sua junção aos autos ou do conhecimento que o Apelante alegou ter tido em Setembro de 2013 (ver artigo 12º da P.I.), que tudo se encontra fora do enquadramento legal do artigo 123º, 1, do CIRE.
É, assim, ineficaz a declaração de resolução da carta em questão, ficando prejudicada a questão da caducidade do direito de impugnação.

III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica acordamos em julgar procedente a Apelação, em revogar a Decisão recorrida e em declarar a ineficácia da resolução em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1103/…, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n.º 4350º, ordenar o cancelamento das inscrições relativas ao mesmo prédio e resultantes das apresentações 2701 de 7-12-2012 e de 7-3-2013, a favor da massa insolvente, cessando, de imediato, os atos de liquidação em relação ao mesmo imóvel, devendo o Administrador da Insolvência providenciar pelo cancelamento das mencionadas inscrições.
Custas pela massa insolvente.

Porto, 2015-11-30
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
____________
[1] ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, p. 187.
[2] HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, p. 447; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra Editora, 2005, p. 440; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II vol., 3ª ed., U.C.E., Lisboa, 2001, p. 254; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, T. I, 3ª ed., Almedina, 2005, p. 548.
[3] HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., pp. 446-447.
[4] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. e t. cits., p. 549.
[5] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. e t. cits., p. 549.
[6] HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 450.
[7] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, II, 2ª ed., Coimbra Editora, 2003, pp. 201-206.
[8] Ver HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 446; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, ob. e loc. cits..
[9] Ver PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 412; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, p. 175.
[10] Ver ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, reimpressão da 7ª ed., Almedina, 2001, p. 108.