Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2180/11.0T2AVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
RELAÇÃO DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
ERRO MANIFESTO
Nº do Documento: RP201906252180/11.0T2AVR-C.P1
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 898, FLS 173-185)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade de uma sentença nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil (contradição entre os fundamentos e a decisão) é um vício grave, fulminante e apenas ocorre quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, numa perspectiva de harmonização e coerência interna, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente, daquela que consta da decisão.
II - A força probatória plena do documento autêntico (ou particular) e da confissão nele contida, apenas é aplicável relativamente àqueles que constam do contrato e são referenciados no próprio documento (declarante e declaratário, naturalmente, mas também, eventualmente, os respectivos representantes); daqui decorre que essa força probatória plena soçobra em face de terceiros.
III - No âmbito do artigo 130º, nº3 do CIRE e para o preenchimento do conceito de “erro manifesto”, estará vedada uma interpretação que transforme a actividade do juiz no âmbito do processo de insolvência numa mera chancela formal por actos ou omissões praticados por terceiros.
IV - Uma intervenção do juiz meramente formal é impensável para a ecologia do sistema judicial que vive necessariamente de uma pulsão pela verdade material; justamente como reflexo destas preocupações sobre o papel do juiz deve interpretar-se em termos amplos o conceito de “erro manifesto”, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar.
V - Assim, não está vedada ao juiz no âmbito da detecção de um eventual “erro manifesto” escrutinar sobre a indevida inclusão de um crédito na lista, do seu montante ou das suas invocadas qualidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 2180/11.0T2AVR-C

I – Relatório

Recorrente(s):
Recorrido(s):

Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim
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Nos autos principais foi declarada a insolvência de B…, Lda. e foi fixado em 20 dias o prazo para a reclamação de créditos.
Nos termos do disposto no artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Sr. Administrador da insolvência apresentou a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos. A referida lista não foi objecto de impugnação e o Sr. Administrador da insolvência deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Por despacho datado de 08.03.2016, foram os credores C… e D… notificados para juntar aos autos as notas de honorários que titulam o crédito que nestes autos reclamaram sobre a insolvente. Por força de tal convite, os aqui credores solicitaram junto da Ordem dos Advogados a dispensa da obrigação do sigilo profissional quanto à apresentação das mesmas a qual foi concedida.
Em 10.02.2018, foi proferida sentença de verificação de créditos, pela qual se homologou a lista de credores reconhecidos, com excepção do crédito de C… e D…. Por despacho datado de 21.01.2019, foram os credores C… e D… notificados para discriminarem e documentaram o montante do crédito que reclamaram nestes autos, designadamente o montante correspondente aos honorários emergentes dos serviços pelos próprios prestados a solicitação da aqui insolvente, e que de acordo com a nota de honorários que constitui causa de pedir do crédito que reclamam se resume ao processo n.º 209/10.9TBMIR, sob pena de, no exercício do poder-dever judicial de correcção de erro manifesto da lista no confronto com os elementos disponíveis no processo, ser aquele crédito julgado in totum como não verificado.
Em sede do exercício do contraditório, vieram os referidos credores alegar, em suma, que os serviços prestados pelos credores foram-no a solicitação da Insolvente; que a inclusão no processo de insolvência na Nota de Honorários se deve a lapso manifesto.
Mais afirmam que, do teor dos ofícios remetidos aos presentes autos provenientes dos processos n.ºs 1886/08.6TBVIS, 12/10.6TBMIR, 1916/07.9TBVIS e 798/08.8TBVIS, não poderia o Tribunal retirar a conclusão de que os serviços não prestados à Insolvente. Deste modo, o fundamento do crédito reclamado seria, não a Nota de Honorários, mas a Escritura Pública de “Confissão de Dívida e Hipoteca”, outorgada a 15/04/2011, pela Insolvente, que constituiu documento autêntico e que faz prova plena dos factos que refere.
Foi proferida a decisão, agora sob escrutínio, a qual se transcreve, integralmente, na parte dispositiva e no que ao presente recurso interessa:
Nestes termos, e atento o acima exposto, julgo não verificado o crédito de C… e D… e, em consequência, determino a sua exclusão da lista de credores reconhecidos apresentada pelo Administrador da insolvência.
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Inconformados os reclamantes em causa recorreram desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida dá como não provado que “no âmbito da sua actividade, C… e D… prestaram à insolvente vários serviços de Assessoria jurídica, por solicitação desta”, bem como que, “no seguimento de tais Serviços foram apresentadas à insolvente as respectivas notas de honorários e Despesas de advogados”, porquanto entende que, não foi produzida “(…)prova assaz consistente e segura para considerar como provada tal factualidade”.
B. A sentença recorrida dá como facto provado – facto provado n.º 3 - que “em 15.04.2011, foi celebrada entre C…, D… e B… (…) uma escritura pública de “confissão de dívida e hipoteca” pela qual a Insolvente B… (…) se reconheceu devedora para com aqueles, em partes iguais, da quantia global de € 50.000,00, devida a título de honorários de advogado, e pela qual constituiu hipoteca, para garantia do bom e integral pagamento da aludida quantia acrescida de juros à taxa anual de 4,5 %, sobre o prédio urbano composto de loto de terreno destinado a construção, com a área de novecentos metros quadrados, sito na …, freguesia … (…).”
C. Apesar de ter dada como provada a celebração da escritura mencionada, veio o Douto tribunal ad quo a dar como não provado que os serviços de assessoria jurídica prestados pelos aqui recorrentes o tenham sido a pedido da insolvente B… e que no seguimento desses mesmos serviços tenham sido apresentadas à Sociedade insolvente as respetivas notas de honorários.
D. O tribunal ad quo desconsiderou, sem mais, a circunstância de a escritura de “confissão de dívida e hipoteca” ter sido celebrada entre os recorrentes e a Insolvente, por forma a assegurar o pagamento dos honorários devidos àqueles, ficando expresso que a insolvente se reconhecia devedora daquele montante em dívida, devido pela sociedade, a título de honorários.
E. O tribunal ad quo contradiz-se a si mesmo ao pugnar pela não verificação do Crédito dos recorrentes, por não terem os mesmos logrado provar que tivessem sido efetivamente prestados serviços, no âmbito de um contrato de mandato, com a Insolvente, quando concomitantemente, havia já considerado provado e assente que foi celebrada uma escritura, na qual a própria insolvente se reconheceu devedora daquele montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondente ao crédito reclamado pelos recorrentes, correspondente a honorários devidos – Artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
F. O tribunal ad quo incorre em contradição, ao desvirtuar-se do contexto lógico em que os factos que subjazem a pretensão dos recorrentes se desenrolaram como também ao dar como provado um facto (nomeadamente, o reconhecimento do montante em dívida por parte da própria insolvente) e, de seguida, ao concluir pela exclusão do crédito destes credores, contradição essa que tem como consequência a nulidade da sentença recorrida – artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
G. A reclamação de créditos tem como fundamento um documento autêntico - Escritura pública de confissão de dívida e constituição de hipoteca – documento esse cuja força probatória o tribunal recorrido descurou, em violação do consagrado nos artigos 363.º, n.º 1, 369.º, n.º1 e 37.º, n.º1 do Código Civil.
H. No caso em apreço, existe um crédito confessado, garantido por uma hipoteca, tempestiva e oportunamente reclamado e instruído com o documento que o fundamenta (documento autentico) e que não foi objeto de qualquer reclamação ou impugnação.
I. O tribunal recorrido desrespeitou e descurou o seu poder-dever de analisar e atender a todos os meios de prova carreados para os autos, a fim de, a final, poder formular a sua convicção - ao não atribuir força probatória a um documento autêntico que revela e certifica, sem margem de dúvidas, o crédito reclamado pelos recorrentes.
J. O tribunal recorrido entende que o crédito reclamado pelos recorrentes não resulta de confissão de dívida, aposta em documento autêntico, mas antes de um contrato de mandato insuficientemente provado no seu teor e extensão.
K. É através da escritura pública - “confissão de dívida e hipoteca” - que se deve apurar, em concreto, o montante global devido aos recorrentes, porquanto que foi subscrita pela própria insolvente, que ali expressamente reconhece o valor dos honorários por si devidos, no âmbito do contrato de mandato.
L. A lista de credores reconhecidos elaborada pelo sr. Administrador de insolvência não foi objeto de qualquer impugnação, reclamação ou outro tipo de arguição, que viesse refutar o teor escritura pública de “confissão de dívida e hipoteca”.
M. Não foram invocados quaisquer vícios de vontade ou de divergência entre a vontade e a declaração que colocassem em causa a completude do negócio ou a sua veracidade.
N. Não foi arguido, ou provado, quer por qualquer credor / terceiro, quer pela Insolvente confitente qualquer facto que tornasse o documento autêntico dúbio, falso ou manipulado, razão pela qual todo o seu conteúdo se deverá dar como integralmente confessado pela própria insolvente, que dele tomou conhecimento, que dele fez parte e que o subscreveu.
O. O documento autêntico, lavrado por escritura pública, faz prova, por si só, das declarações emitidas pelas partes, nele atestadas, bem como dos factos compreendidos na declaração de cada um dos seus intervenientes, na medida em que, caso sejam contrários à verdadeira intenção ou interesse do declarante, deverá essa vicissitude ser provada pelo próprio outorgante do documento ou por um terceiro.
P. A declaração confessória que foi proferida pela própria insolvente, que consta e faz parte integrante do documento autêntico, e nos termos da qual se confessa devedora da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), é oponível aos demais credores da insolvente.
Q. Não havendo ninguém, seja credor, seja a insolvente que tenha arguido no sentido de demonstrar que as declarações proferidas pela insolvente foram viciadas ou não correspondem à realidade, significa que as declarações nele atestadas, neste caso sub judice, pela insolvente, são verdadeiras e correspondem à vontade da mesma, nos termos do disposto no artigo 372º do CC.
R. Mal andou o tribunal ao afirmar não ser possível apurar a existência do direito de crédito de que os recorrentes se arrogam titulares, nem nos termos integralmente pugnados, nem parcialmente, quando existe um documento autêntico que permite apurar quer do valor do crédito, quer dos factos que, num momento inicial, deram origem ao mesmo.
S. Uma escritura pública constitui prova plena quanto ao conteúdo das declarações dela constantes, desde que as mesmas constituam a confissão de um facto desfavorável a uma das partes, como sucede no caso em apreço, no qual a insolvente se reconheceu devedora para com os recorrentes de um determinado montante – artigo 352º do cc.
T. O tribunal recorrido apreciou e valorou de forma incorreta a prova subjacente ao crédito reclamado.
U. Para que o tribunal ad quo pudesse concluir no sentido de não ter ficado suficientemente provado ou demonstrado o crédito dos recorrentes, era necessário que tivesse sido arguida a falsidade das declarações atestadas no documento autêntico, por algum credor ou interessado, o que não aconteceu.
V. O tribunal ad quo limita-se a infirmar que a escritura pública não está dotada da força probatória plena que os recorrentes invocam, e legalmente prevista, não apresentando nenhum fundamento que sustente essa afirmação, e à revelia quer da prova produzida, quer da lei – artigo 615, n.º 1, alínea b) do CPC.
W. A sentença é nula atenta a falta de fundamentação, quer de facto, quer de Direito.
X. Atenta a natureza e teor do documento que fundamenta o crédito dos Recorrentes, estava vedado ao tribunal ad quo verificar da existência ou inexistência de qualquer contrato de mandato, porque no documento autêntico a própria insolvente se declarou devedora e confessou o montante que deve aos aqui recorrentes, confissão essa suficiente para comprovar o crédito reclamado.
Y. No mesmo sentido e da mesma forma que uma escritura pública de confissão de Dívida, enquanto documento autêntico (em que, conforme decorre dos seus termos, a insolvente se confessou ser devedora aos recorrentes, de um determinado montante) reúne todos os requisitos de exequibilidades previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 703.º do Código de Processo Civil, havia forçosamente que concluir que tal documento reconhece, de igual modo e sem margem para dúvidas, o crédito dos recorrentes.
Z. O tribunal recorrido não só violou o princípio da prova plena, ao não apreciar correta e devidamente o documento autêntico constante dos autos, não lhe atribuindo a força probatória que lhe pertence e que os recorrentes arrogam, como também não formou a sua convicção de forma ponderada, ao não atender e levar em consideração, também, a prova indiciária.
AA. Se na própria escritura celebrada entre a insolvente e os recorrentes ficou expresso (e confessado) que a primeira devia aquele montante, a título de honorários, havia forçosamente que presumir que a insolvente aceitou e reconheceu como devido aquele montante, em virtude e no seguimento dos serviços de assessoria jurídica que foram prestados pelos recorrentes, em diversos processos judiciais.
BB. O erro na apreciação da prova consiste, de forma afinada, num vício de apuramento da matéria de facto e verifica-se quando, na decisão recorrida se deu como provado um facto (neste caso em concreto, como não provado) ou como não provado, que contraria com a toda a evidência, segundo o ponto de vista do Homem médio, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
CC. Estamos perante um erro na apreciação da prova, pois, o tribunal ad quo limitou-se
a não conferir o valor probatório devido ao documento, não indicando nenhum motivo minimamente plausível para tal e ignorando, completa e indevidamente, a força probatória que o mesmo detém, atento o reconhecimento e confissão de dívida pela insolvente.
Recapitulando,
DD. Em 15.04.2011, foi celebrada entre C…, D… e B…, Lda., no cartório notarial de Ílhavo da Dra. E…, uma escritura Pública de “confissão de dívida e hipoteca” pela qual a insolvente B…, Lda. se reconheceu devedora para com aqueles, em partes iguais, da quantia global de € 50.000,00, devida a título de honorários de advogado, e pela qual constitui hipoteca, para garantia do bom e integral pagamento da aludida quantia acrescida de juros à taxa anual de 4,5%, sobre o prédio urbano composto de loto de terreno destinado a construção, com área de novecentos metros quadrados, sito na …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 1859 e descrito na Conservatória do Registo Predial de mira sob o n.º 1977 – facto provado n.º 3.
EE. Com base em tal documento autêntico, vieram os recorrentes, dentro do prazo fixado para o efeito, e em estrita observância do disposto no artigo 128º do CIRE, reclamar o crédito de que são titulares, reclamação essa que, após avaliação e apreciação pelo Exmo. Sr. Administrador de insolvência, veio a ser totalmente validada, reconhecendo-se o respetivo crédito.
FF. O crédito dos recorrentes, não foi objeto de qualquer impugnação, quer pelos demais credores, quer por qualquer outro interessado (como seja, a título meramente exemplificativo, o Ministério Público), nos termos do previsto no artigo 130º, n.º 1 do CIRE, conformando-se os mesmos com a sua inclusão, montante e qualificação.
GG. Por despacho proferido a 29/1/2017, resolveu o douto tribunal ad quo proceder à suspensão da verificação do crédito dos recorrentes, à luz do disposto nos Artigos 92º, n.º 1 e 412º, n.º 2, do CPC por remissão do disposto no artigo 17º do CIRE, decisão essa que veio a ser revogada pelo tribunal superior.
HH. No dia 10/02/2018, veio o douto tribunal ad quo a proferir sentença de verificação de créditos, pela qual homologou a lista de créditos reconhecidos, com exceção do crédito dos recorrentes e, bem assim, com a alteração decorrente da classificação do crédito de F… como crédito subordinado, não se pronunciando acerca do crédito dos recorrentes, decisão essa que veio a ser revogada pelo tribunal superior.
II. Por despachos de 08/03/2016 e 21/01/2019, e sem prejuízo de a reclamação dos Credores ter por causa subjacente um documento autêntico não impugnado, veio o douto tribunal ad quo, a notificar os recorrentes para juntarem aos autos as notas de honorários que titulariam o crédito reclamado, bem como, discriminarem e documentarem o montante do crédito reclamado, sob pena de, no exercício do poder-dever judicial de correção de erro manifesto da lista no confronto com os elementos disponíveis no processo, ser aquele crédito julgado in totum como não verificado.
JJ. Por sentença datada de 16/03/2019, veio o douto tribunal ad quo, julgar o crédito dos recorrentes não verificado, determinando a sua exclusão da lista de credores reconhecidos apresentada pelo administrador de insolvência, sustentando tal decisão, por entender que a inclusão de tal crédito se ter tratado de um erro notório.
KK. O douto tribunal ad quo entende que os recorrentes não lograram provar quais os serviços de assessoria jurídica / mandatos que deram origem a tal crédito, independentemente de o mesmo se encontrar reconhecido e consolidado em documento autêntico, incorrendo assim em violação do ónus da prova que sobre si recaia – artigo 342º do CC e subsequente exclusão do crédito por não provado.
LL. Nos termos do disposto no artigo 130º, n.º 3 do CIRE se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
MM. O papel de juiz é limitado pelo artigo 130º, n.º 3 do CIRE, pois que em caso de inexistência de impugnações, cabe-lhe somente homologar a lista de créditos reconhecidos e graduar os créditos que constam da mesma, salvo em caso de erro manifesto.
NN. A intervenção do juiz, em sede de graduação e verificação de créditos, e na ausência de impugnações, é apenas admissível em caso de erro manifesto.
OO. O erro manifesto que habilita a intervenção do juiz em sede de verificação de créditos, tem de se tratar de uma incoerência ou disfunção que seja imediatamente detetável, que seja percetível pela simples leitura da lista por qualquer credor/interessado, e que possa afetar quer a lista dos créditos reconhecidos, quer a lista do créditos não reconhecidos.
PP. Determinando o n.º 3, do artigo 130º do CIRE, na ausência de impugnações, a imediata prolação de decisão pelo tribunal, decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborados pelo administrador de insolvência, tal pressupõe que se dê adquirido para o processo o circunstancialismo enunciado pelo administrador de insolvência no que concerne aos elementos de facto que devem constar dessa lista, e previstos no artigo 129º, n.º 2 do CIRE.
QQ. Estando os elementos que instruem as reclamações de crédito - artigo 128º do CIRE - na posse e disponibilidade do administrador de insolvência, e não do tribunal, é ilógico que um juiz pudesse questionar a verificação ou não dos elementos supra, porquanto tal aferição seria desprovida de qualquer elemento que pudesse suportar tal análise.
RR. Em sede de verificação e graduação de créditos, não vigora o princípio do Inquisitório, como decorre do artigo 11º do CIRE, mas antes, o princípio do Dispositivo.
SS. A única exceção ao efeito cominatório da ausência de impugnações acontece quando seja evidente ou notório, que aquando da elaboração da lista, o Administrador de insolvência tenha incorrido num erro, um erro percetível com o mínimo de diligência e cuidado, quanto à natureza, montante ou qualidade do crédito, aí sim impondo-se ao juiz que o corrija.
TT. Em caso de erro notório recai sobre o juiz o poder-dever de solicitar a intervenção do administrador de insolvência, no sentido de lhe serem facultados os elementos que instruíram a reclamação em crise pois que só assim poderá verdadeiramente aferir da existência do suposto erro, - aplicação do principio do dispositivo em detrimento do principio do inquisitório - e, proceder à sua correção, caso tal seja necessário.
UU. O tribunal ad quo nunca solicitou a intervenção do administrador de Insolvência.
VV. À sombra do saneamento do dito erro manifesto, não pode o tribunal apreciar do mérito do trabalho realizado pelo administrador de insolvência, de forma a promover a correção da posição adotada por este relativamente a um crédito.
WW. Não tendo a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, elaborada pelo Exmo. Sr. Administrador de insolvência, sido objeto de impugnação por qualquer credor / interessado - artigo 130º, n.º 1 do CIRE - deveria o douto tribunal ad quo ter atribuído efeito cominatório a esse estado de revelia operante, homologando a lista de créditos reconhecidos, e da qual constava o crédito dos recorrentes.
XX. O tribunal ad quo, a coberto de um suposto erro manifesto, decidiu fazer vigorar na sua plenitude o princípio do inquisitório, chamando para si o objetivo de superar supostas insuficiências de alegação e de prova das partes e do trabalho realizado pelo administrador de insolvência, situação essa contrária à letra e espírito da lei.
YY. Entende o tribunal ad quo ter existido erro manifesto porquanto o Administrador de insolvência, reconheceu o crédito dos recorrentes como garantido e com fundamento em "honorários e despesas com confissão de dívida e hipoteca", quando, tratando-se de honorários, sempre teria que ser provado quer o contrato de mandato, quer os trabalhos prestados no âmbito do mesmo, sua determinação e quantificação.
ZZ. Tal raciocínio, enferma de qualquer suporte legal, assentando numa clara violação do valor probatório dos documentos autênticos e das declarações confessórias apostas nos mesmos.
AAA. Emergindo o crédito dos recorrentes de uma escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, a mesma, enquanto documento autêntico faz prova plena das declarações emitidas pelas partes e nele atestadas, bem como, dos factos Compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses da declarante – aqui insolvente, prova essa que se impõe quer aos outorgantes, quer a terceiros.
BBB. Não tendo o crédito sido impugnado, bem andou o Exmo. Administrador de Insolvência ao reconhecer o mesmo, por se ter plenamente provado, atenta a natureza do documento que o prova.
CCC. O artigo 607º, n.º 5 do CPC consagra o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, de acordo com o qual, e regra geral, o tribunal é livre na atribuição do grau do valor probatório a atribuir a cada um dos meios de prova produzidos, bem como, as diversas exceções ao princípio processual supramencionado, como sejam, a prova por presunção legal (artigo 350º do CC), por confissão (artigo 352º do cc), por documentos autênticos (artigo 371º do CC), e ainda, por determinados por documentos particulares (artigo 376º e 377º do CC).
DDD. Embora o CC apenas defina a força probatória dos documentos autênticos – artigo 371º do cc – na parte que têm força plena, sendo omisso quanto ao demais, tem-se que, nas partes não abrangidas pela força probatória plena, a força probatória destes documentos não poderá ser inferior à atribuída aos documentos particulares – artigo 376º, n.º 1 e n.º 2 do cc, cuja autoria se mostre reconhecida, atribuindo-se assim força de prova plena quanto às declarações, quer de ciência, quer de vontade, atribuídas ao seu autor, bem assim, aos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão.
EEE. Na parte em que contenham uma declaração confessória – artigo 352º do cc – esta considera-se provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (artigo 358º, n.º 2 do CC).
FFF. Atento o documento que fundamenta o crédito reclamado pelos recorrentes – Escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, bem andou o Exmo. Administrador de insolvência no seu trabalho de valoração da mesma e respetivo teor, trabalho esse que jamais poderia ter sido posto em crise pelo douto tribunal Ad quo, muito menos, por suposto erro notório.
GGG. Tendo a reclamação de créditos deduzida pelos recorrentes sido instruída com o respetivo documento público – escritura, ter-se-ão de ter como plenamente provadas as declarações nele apostas, nomeadamente, que a insolvente se reconhece devedora, para com os recorrentes, da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros), a título de honorários devidos.
HHH. Da escritura consta, de forma expressa e inequívoca, uma declaração confessória da insolvente, que, se confessou devedora aos recorrentes da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), declaração esta, que nos termos do disposto no artigo 358º, n.º 2, do CC, se encontra dotada de força probatória plena contra o confitente.
III. Os recorrentes não têm de produzir qualquer outra prova acerca do facto confessado.
JJJ. Quer o administrador de insolvência, quer o juiz, encontram-se vinculados à confissão, tendo de considerar como verdadeiro o facto confessado, admitindo-o.
KKK. O tribunal ad quo excedeu os seus poderes de cognição, assumindo-se como um verdadeiro interveniente processual, semelhante aos demais credores, com o objetivo último de cercear a pretensão dos recorrentes em ver o seu crédito legitimamente reconhecido, substituindo-se ilegal e abusivamente às partes no cumprimento dos ónus que sobre as partes incide.
LLL. Atendendo a que o crédito não foi posto em crise pelos outorgantes da escritura – insolvente ou recorrentes – mas antes pelo tribunal ad quo, a mesma faz prova plena das declarações nela apostas, ou seja, faz prova plena do negócio realizado, nos exatos termos descritos, negócio e vontade negocial essa, que apenas poderá ser posta em crise mediante a invocação e demonstração expressa que o negócio seja simulado, ou, que a declaração de vontade traduzida no mesmo padeça dos vícios de erro, dolo ou coação.
MMM. Encontrando-se plenamente provado o acordo de vontades com vista à celebração de uma confissão de dívida com hipoteca, o mesmo é eficaz e oponível a terceiros, apenas podendo tal declaração confessória, porque aposta num documento autêntico, ser impugnada pelo próprio confitente, ou seja, a insolvente, por via ou da falsidade, ou, pela prova da verificação dos vícios da vontade, nos termos do disposto no artigo 359º, n.º 2 do CC.
NNN. O douto tribunal ad quo descarta as regras basilares acerca do valor probatório dos documentos autênticos que contenham declarações confessórias, e das quais resulta inequivocamente que, a confissão de dívida constante de um documento autêntico, junto por credor reclamante, faz prova plena contra o confitente, dispensando o beneficiado (credor) de se socorrer de qualquer outra prova.
OOO. O douto tribunal ad quo violou o disposto no artigo 130, n.º 3 do CIRE, artigo 607º, n.º 5 do CPC, dos artigos 344º, 352º, 358º, 371º, 372º e 376º do CC.
PPP. O tribunal ad quo violou as exigências constitucionais de independência e imparcialidade dos tribunais – artigos n.º 203 e 216.º da CRP.
QQQ. O tribunal ad quo violou o direito que assiste aos recorrentes em que causa seja decidida por um tribunal imparcial e não previamente condicionado – artigo 6º e 1.º. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Sem prescindir;
RRR. Nos casos em que o juiz se aperceba da existência de um erro notório, na relação apresentada pelo administrador de insolvência, deverá sempre determinar a elaboração de nova lista, retificada com base nos elementos que indique.
SSS. Nos casos em que o juiz se aperceba da existência de um erro notório, na relação apresentada pelo administrador de insolvência o juiz não pode homologar de imediato a lista de credores, nem graduar também de imediato os créditos.
TTT. Nos casos em que o juiz se aperceba da existência de um erro notório, na relação apresentada pelo administrador de insolvência, não pode suspender a instância em relação a uns credores, proferindo sentença de verificação e graduação de créditos em relação aos demais.
UUU. A existir erro manifesto, há, em primeiro lugar que proceder à sua retificação, substituindo-se a lista por outra retificada, e, de seguida, dar às partes a hipótese de, querendo, procederem às impugnações que tenham convenientes para defesa dos seus direitos.
VVV. Omitiu o tribunal ad quo uma formalidade essencial, a da elaboração de nova lista de credores pelo administrador de insolvência, que tenha em conta o erro substancial de que, no entender do juiz, esta enferme.
WWW. Incorreu o douto tribunal “ad quo”, na prática de uma nulidade essencial, correspondente à falta de citação prevista no artigo 188º, n.º 1, alínea a) do CPC, nulidade essa que tem como consequência a anulação de todos os atos posteriores à indicação da existência de erro manifesto pelo tribunal ad quo.
Caso assim não se entenda,
XXX. Deu o douto tribunal ad quo como provado que: “(…) os credores C… e D… emitiram uma nota de honorários de cujo teor se pode constar o seguinte (…) a) que a mesma foi emitida em 11.03.2011 e em nome da insolvente e, ainda, de G…; b) que a quantia global de € 50.000,00, com IVA incluído, cobrada a título de honorários, se reporta a prestação de serviços de advocacia nos seguintes processos: 209/10.9TBMIR, 2180/11.0T2AVR, 798/08.8TBVIS, 12/10.6TBMIR, 1886/08.6TBVIS, 1916/07.9TBVIS e processo de divórcio por mútuo consentimento; c) que não foi entregue pelos respectivos clientes qualquer quantia a título de provisão.”.
YYY. O tribunal ad quo deu como provado que a insolvente apenas foi parte num dos Processos elencados na nota de honorários, emitida em 11/03/2011.
ZZZ. O tribunal ad quo não valorou provas constantes dos autos e que demonstram, que a Insolvente esteve relacionada/tinha interesses a acautelar na maioria, se não todos, os processos indicados na mencionada nota de honorários.
AAAA. O tribunal ad quo tinha conhecimento de tal circunstância, atento tratar-se de factos de que teve conhecimento no exercício das suas funções, pois que esta questão dos patrocínios forenses e do pagamento dos honorários devidos pelos mesmos, bem como, a razão da celebração da escritura, havia já sido aflorada no âmbito do apenso A – qualificação de insolvência (vide declarações do gerente da insolvente, G…, em sede de audiência de julgamento em 30/05/2017, no âmbito do processo n.º 2180/11.0T2AVR-A, ficheiro N.º 20170530141836_2668197_2870277, minutos 00:58 a 01:30, 05:53, 11:37 a 12:07; declarações do recorrente D…, em sede de audiência de julgamento em 30/05/2017, no âmbito do Processo n.º 2180/11.0t2avr-a, ficheiro n.º 20170530143312_2668197_2870277, minutos 15:44; Declarações do recorrente C…, em sede de audiência de julgamento em 30/05/2017, no âmbito do processo n.º 2180/11.0t2avr-a, ficheiro n.º 20170530141836_2668197_2870277, Minutos 04:46 a 05:04).
BBBB. Na escritura de confissão de dívida e hipoteca não restam dúvidas da qualidade em que o sr. G… assinou – em representação da sociedade e não a título pessoal.
CCC. Nos termos do art. 260.º, n.º4, do Código das Sociedades Comerciais “os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, decorrendo do n.º1 do mencionado preceito legal que “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios”, logo, a insolvente esteve devida e legalmente representada em sede de escritura, vinculando-se ao teor da mesma.
DDDD. Assim, o tribunal ad quo incorreu num erro na aplicação do direito aplicável, sendo indubitável que o enquadramento jurídico efetuado não se afigura como o mais correto e ponderado, isto porque a sentença recorrida ignorou o teor da escritura celebrada, a qualidade em que o gerente interveio naquela escritura e os efeitos que a mesma projetou perante terceiros, neste caso, perante os recorrentes.
Terminam peticionando que a presente apelação seja declarada por procedente, atenta a verificação das nulidades previstas no artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e c), bem como a clara violação do artigo 130, n.º 3 do CIRE, artigo 607.º, n.º 5 do CPC, dos artigos 344.º, 352.º, 358.º, 371.º, 372.º e 376.º do CC, impondo-se o reconhecimento do crédito reclamado pelos recorrentes e subsequente substituição da sentença recorrida.
Subsidiariamente e atenta a nulidade processual em que incorreu o douto tribunal ad quo, deverá ordenar-se a anulação do processado posterior à indicação do erro manifesto por aquele, com inclusão da decisão de homologação da lista de credores e da graduação de créditos, devolvendo-se os autos à 1ª instância, a fim de ser elaborada nova lista de credores em atenção àquele erro, seguindo-se depois os termos previstos no artigo 130.º e ss. do CIRE.
*
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Nas extensas alegações e conclusões formuladas são as seguintes as questões trazidas à colação:
-
I) Da nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil (contradição entre os fundamentos e a decisão);
II) Da nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b) do Código do Processo Civil (ausência de fundamentação de facto e de direito);
III) Do erro notório na apreciação da prova ao desconsiderar-se uma declaração confessória firmada em documento autêntico;
IV) Do erro na aplicação do Direito face à intervenção de G… na escritura em causa nos autos e à sua qualidade de sócio-gerente da Insolvente;
V) Da ausência de “erro manifesto” habilitador da intervenção do juiz em sede de verificação de créditos nos termos do n.º 3, do artigo 130º do CIRE;
VI) Da omissão pelo tribunal “ad quo” de uma formalidade essencial e decorrente nulidade essencial correspondente à falta de citação prevista no artigo 188º, n.º 1, alínea a) do CPC.

III – Factos Provados
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos apurados pela primeira instância:
1) C… e D… exercem a actividade de advocacia.
2) Em 11.03.2011, C… e D… emitiram nota de honorários em nome de B…, Lda. e G…, relativa aos processos n.ºs 209/10.9TBMIR, 2180/11.0T2AVR, 798/08.8TBVIS, 12/10.6TBMIR, 1886/08.6TBVIS, 1916/07.9TBVIS e processo de divórcio por mútuo consentimento, no valor total de € 50.000,00, com IVA incluído, dela constando que não foi entregue qualquer quantia a título de provisão.
3) Em 15.04.2011, foi celebrada entre C…, D… e B…, Lda., no cartório notarial de Ílhavo da Dra. E…, uma escritura pública de “Confissão de dívida e hipoteca” pela qual a insolvente B…, Lda. se reconheceu devedora para com aqueles, em partes iguais, da quantia global de €50.000,00, devida a título de honorários de advogado, e pela qual constituiu hipoteca, para garantia do bom e integral pagamento da aludida quantia acrescida de juros à taxa anual de 4,5%, sobre o prédio urbano composto de loto de terreno destinado a construção, com a área de novecentos metros quadrados, sito na …, freguesia …, concelho de Mira, inscrito na matriz sob o artigo 1859 e descrito na conservatória do Registo Predial de Mira sob o n.º 1977.
4) Em 17.11.2011, a sociedade B…, Lda. apresentou-se em juízo requerendo que fosse declarada insolvente, por requerimento inicial subscrito pela advogada H….
5) Em 06.12.2011, a sociedade B…, Lda. foi declarada insolvente, sendo que, àquela data, G… era seu sócio-gerente.
6) No processo n.º 1886/08.6TBVIS foram intervenientes, na qualidade de Exequente, G…, representado pelos Dr. I… e Dr. C… e, na qualidade de Executado, J….
7) No processo n.º 209/10.9TBMIR, do Juízo de Execução de Coimbra – Juiz 1, foram intervenientes, na qualidade de Exequente, K…, S.A. e, na qualidade de executados, B…, Lda., L… e G…, tendo a referida sociedade sido representada pelos Dr. C… e Dr. D… por procuração junta aos autos em 06.05.2011.
8) No processo n.º 12/10.6TBMIR, do Juízo de Execução de Coimbra – Juiz 1, foram intervenientes, na qualidade de Exequente, M…, S.A. e, na qualidade de executados, L… e G…, este representado pelo Dr. C….
9) No processo n.º 1916/07.9TBVIS, do Juízo de Execução de Viseu, foram intervenientes, na qualidade de Exequente, J… e, na qualidade de executados, N…, O…, P… e Q…, e no âmbito do referido processo teve intervenção G…, este representado pelo Dr. C… e Dr. D…, que requereu a sua habilitação como cessionário/credor.
10) No processo n.º 798/08.8TBVIS do Juízo de Execução de Viseu, foram intervenientes, na qualidade de Exequente, G…, este representado pelo Dr. C… e, na qualidade de executado, D….
11) G… divorciou-se de L… por decisão proferida em 31.07.2009, transitada na mesma data, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Ílhavo no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º …. de 2009.

IV - Direito Aplicável
Embora sejam várias as irregularidades e nulidades indicadas pelos apelantes, julgamos que, no essencial, as mesmas se consubstanciam no entendimento segundo o qual a escritura pública de confissão de dívida que titula o crédito daqueles deveria ter sido considerada como prova bastante e que, portanto, estaria vedado ao tribunal decidir de modo a descarta-la.
Porém, iremos apreciando sucessivamente as diversas questões de modo a abarcar o conjunto de nulidades e irregularidades invocadas.
Sigamos, pois, a longa lista já por nós elencada.
I) Entendem os apelantes que a sentença é nula na medida em que o tribunal “ad quo” contradiz-se a si mesmo ao pugnar pela não verificação do Crédito dos recorrentes, por não terem os mesmos logrado provar que tivessem sido efetivamente prestados serviços, no âmbito de um contrato de mandato, com a insolvente, quando concomitantemente, havia já considerado provado e assente que foi celebrada uma escritura, na qual a própria insolvente se reconheceu devedora daquele montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondente ao crédito reclamado pelos recorrentes, correspondente a honorários devidos.
Como recorrentemente temos procurado sublinhar em diversos arestos por nós relatados, importa sublinhar que a nulidade da sentença, designadamente por contradição entre os fundamentos da mesma e a decisão final, nada tem a ver com o erro de julgamento.
A nulidade de uma sentença é um vício grave, fulminante, dificilmente verificável nos seus pressupostos. Assim, a decisão judicial é nula apenas quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, numa perspectiva de coerência interna, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão. Ou seja, o que se discute na nulidade do artigo 615º do CPC é a justificação interna da decisão o que nos remete para a conformidade da decisão com as premissas de facto e de direito. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial (neste sentido, leia-se, por todos, Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Novembro de 2012, processo nº169487/08.3YIPRT-A.C1, em dgsi.pt); assim, por exemplo, numa acção de reivindicação, nos factos aponta-se para a prova de uma dada premissa – que a posse tem um período de apenas poucos meses – mas, no final, decide-se aplicar o instituto da usucapião como se o requisito da posse pelo período de vários anos, legalmente determinado, estivesse efectivamente verificado.
Face a este enunciado é bem de ver que a sentença impugnada não se encontra ferida com o vício da nulidade que os recorrentes lhe imputam. Veja-se como na própria sentença se explica que, pese a existência da dita escritura pública, do teor da mesma “não resulta demonstrada a relação fundamental da qual emerge o alegado crédito, não se presume a existência da mesma, nem a mesma faz prova plena dos factos relativos a tal relação fundamental.” Ilógico seria que, depois desta afirmação, a sentença valorasse o que consta da escritura; não o fez, de modo coerente, afastando a pretendida nulidade daquela.
Coisa diversa é a bondade substancial desta opção que será apreciada noutros segmentos do presente acórdão.
II) Muito do que acima ficou expresso vale igualmente para a alegada nulidade por falta de fundamentação. Porém, existe aqui alguma diferença na alegação dos apelantes. Deste modo, entendem os mesmos existir esta nulidade por a sentença afirmar “que a escritura pública não está dotada da força probatória plena que os recorrentes invocam, e legalmente prevista, não apresentando nenhum fundamento que sustente essa afirmação, e à revelia quer da prova produzida, quer da lei”.
Desde logo, a opção de não atribuir força probatória plena a uma dada escritura não poderia implicar a nulidade de uma decisão que diz respeito a uma questão muito mais abrangente: o reconhecimento de um crédito no âmbito de uma insolvência. Mas, muito para além disso, tal fundamentação – independentemente de se aderir, ou não, à mesma – existe e é plasmada até com algum detalhe na decisão impugnada. Senão, leia-se um fundamento pertinente logo aqui: “no caso em apreço, tal escritura pública não tem o valor probatório que os aludidos credores querem fazer crer, desde logo porque não estamos no domínio da relação credor/devedor, ou seja, emitente/beneficiário do reconhecimento de dívida. E um outro mais adiante: “sempre se nos afiguram duvidosos os interesses realmente pretendidos acautelar com uma confissão de dívida anterior a, pelo menos, parte das relações contratuais e das naturalmente subsequentes notas de honorários alegadas/apontadas como causa constitutiva dessa mesma dívida”; neste fundamento alerta-se para a circunstância de a confissão de dívida, constante de escritura pública, reportar-se a serviços prestados apenas em datas posteriores à da própria confissão.
Logo nestes dois casos devidamente reproduzidos recenseiam-se duas causas explicativas para a decisão do tribunal neste específico aspecto relacionado com o valor probatório da “confissão de dívida” – a sentença tem, portanto, um encadeado lógico e está fundamentada.
Não padece, conclui-se, de qualquer nulidade.
III) Discordam os recorrentes que tenha sido decidido não haver prova sobre quais os serviços de assessoria jurídica / mandatos que deram origem ao crédito reclamado na presente insolvência quando o crédito em causa se encontra “reconhecido e consolidado em documento autêntico, incorrendo assim em violação do ónus da prova que sobre si recaia – artigo 342º do CC e subsequente exclusão do crédito por não provado.”
Em causa, a nosso ver, estará determinar o que deve considerar-se demonstrado a partir do facto provado terceiro que reza assim:
Em 15.04.2011, foi celebrada entre C…, D… e B…, Lda., no cartório notarial de Ílhavo da Dra. E…, uma escritura pública de “Confissão de dívida e hipoteca” pela qual a insolvente B…, Lda. se reconheceu devedora para com aqueles, em partes iguais, da quantia global de €50.000,00, devida a título de honorários de advogado, e pela qual constituiu hipoteca, para garantia do bom e integral pagamento da aludida quantia acrescida de juros à taxa anual de 4,5%, sobre o prédio urbano composto de loto de terreno destinado a construção, com a área de novecentos metros quadrados, sito na …, freguesia …, concelho de Mira, inscrito na matriz sob o artigo 1859 e descrito na conservatória do Registo Predial de Mira sob o n.º 1977.
Cumpre-nos apurar o que prova esta escritura e o que nela se descreve tendo em conta que estamos perante um processo de insolvência e não na apreciação estrita das relações entre os contratantes na dita escritura.
Nos termos do art. 371º, nº 1, 1ª parte, do Código Civil, o documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como verdadeiro; depois, o documento autêntico prova ainda a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele foram atestados com base nas suas próprias percepções excluídos os juízos pessoais (art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CC).
Donde, o documento autêntico não comprova, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram (entre muitos outros, Vaz Serra, RLJ, Ano 111, pág. 302; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., págs. 327/328; Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, pág. 34 a 39).
Porém, neste caso concreto, importa ir mais além. É que, na presente escritura, deparamo-nos com uma confissão na qual a ora insolvente B…, Lda. se reconhece devedora dos apelantes da quantia global de cinquenta mil euros.
Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico; preceituando o nº 2 do artº 358.º do Código Civil que “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.”.
Ou seja, explicitando o que consta deste preceito, refere Miguel Teixeira de Sousa, “As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”, pág. 243, em linha com a orientação propugnada por Manuel de Andrade (desenvolvidamente, Ac. do STJ de 2.03.2011, processo nº 888/07.4TBPTL.G1) “a confissão extrajudicial tem um valor probatório dependente do meio pelo qual é comunicada ao tribunal: a confissão extrajudicial exarada em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos (cfr. arts. 369º a 372º e 373º a 379º CC) e tem força probatória plena se dirigida à contraparte ou a seu representante (art. 358º, n.º 2 CC) e força probatória livre se for feita a terceiros ou estiver contida em testamento (art. 358º, n.º 4 CC)”.
Donde, como resulta do exposto, a força probatória plena do documento autêntico (ou particular) e da confissão nele contida, apenas é aplicável relativamente àqueles que constam do contrato e são referenciados no próprio documento (declarante e declaratário, naturalmente, mas também, eventualmente, os respectivos representantes); daqui decorre que essa força probatória plena soçobra em face de terceiros, como é o caso da massa insolvente.
Defender outra opção, permitiria que um qualquer putativo credor munido de um documento autêntico (ou particular) confessório de dívida por parte do(a) insolvente seria tido, sem mais, isto é sem qualquer prova complementar ou adjuvante de tal declaração, como credor do insolvente, com a agravante, no caso ora em apreço, de ficar dotado de um crédito dotado de garantia real: hipoteca (neste mesmo sentido, entre todos, Ac. desta Relação de 27.09.2017, processo 1654/09.8TBAMT-E.P1).
A conclusão resulta inevitável: inexistindo a pretendida prova plena invocada pelos recorrentes, a livre apreciação pelo tribunal apelado impera e, como tal, será admissível a opção deste ao considerar indemonstrado o crédito em apreço.
Sublinhe-se que esta decisão surge, como já ficou expresso acima, fundamentada num conjunto de factos e indícios que sustentam a posição do tribunal. Senão anote-se, com a eloquência do que objectivamente se apurou: na sequência do convite efectuado pelo tribunal “a quo” para juntar as notas de honorários os credores/apelantes vêm, a final, apresentar uma única nota de honorários da qual “consta pelo menos um processo que, à data da respectiva elaboração, ainda nem se encontraria pendente”.
Conforme ficou provado e não foi impugnado, a quantia global de € 50.000,00, com IVA incluído, cobrada a título de honorários, reporta-se a prestação de serviços de advocacia nos processos 209/10.9TBMIR, 2180/11.0T2AVR, 798/08.8TBVIS, 12/10.6TBMIR, 1886/08.6TBVIS, 1916/07.9TBVIS e processo de divórcio por mútuo consentimento. De todos estes processos apenas no n.º 209/10.9TBMIR a insolvente foi parte mas mesmo neste único caso a competente procuração forense a favor dos credores C… e D… apenas foi junta àqueles autos em 06.05.2011, ou seja, cerca de dois meses depois de ser emitida a nota de honorários aqui em causa (vide nºs 2) e 7) dos factos provados).
Concluímos pelo bem fundado da decisão do tribunal apelado em sede probatória, improcedendo a presente apelação também neste segmento.
IV) O aludido erro na aplicação do direito seria fundado nomeadamente do que decorre do art. 260.º, n.º4, do Código das Sociedades Comerciais no qual “os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, decorrendo do n.º1 do mencionado preceito legal que “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios”. Deste modo, a insolvente esteve devida e legalmente representada em sede de escritura, vinculando-se ao teor da mesma.
Dúvidas não restam quanto à circunstância de a empresa B…, Lda. (agora insolvente mas operativa à data da escritura) se ter vinculado aquando da escritura em causa nos autos. Questão distinta, como ficou expresso, é a de saber nomeadamente se ficou demonstrada a veracidade dos factos declarados nessa escritura –a existência de uma dívida daquela empresa – e só desta – aos credores reclamantes. Afastada a prova dessa dívida por força do documento que a titula apurou-se que, afinal, os serviços prestados pelos credores não foram prestados àquela sociedade por quotas e os únicos que se detectou terem sido prestados foram-no numa data posterior à própria declaração confessória de dívida.
Por outro lado, como decorre da sentença apelada, os serviços de advocacia foram prestados em processos que apenas dizem respeito à esfera jurídica pessoal do sócio-gerente correspondendo a quatro acções executivas do próprio e até a um processo de divórcio também relativo ao G….
Perfilamos, assim, as conclusões extraídas na decisão sob escrutínio quanto à clara separação, facticamente apurada, entre os serviços prestados e não pagos ao G… pelos apelantes e a empresa de que aquele foi sócio-gerente.
V) Já numa dimensão processual, questiona-se da possibilidade de o tribunal ter intervindo na aferição deste crédito tido como indemonstrado no silêncio dos restantes credores e do próprio administrador da massa insolvente. Tal intervenção jurisdicional ocorreu no âmbito do artigo 130º, nº3 do CIRE o qual preceitua que “se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.”
Ora, na douta alegação dos apelantes, serviu-se “de um suposto erro manifesto (...) chamando para si o objetivo de superar supostas insuficiências de alegação e de prova das partes e do trabalho realizado pelo administrador de insolvência, situação essa contrária à letra e espírito da lei”, violando inclusivamente as exigências constitucionais de independência e imparcialidade dos tribunais – artigos n.º 203 e 216.º da CRP (ponto PPP das alegações de recurso).
Pois bem. Convirá fazer um ponto de ordem represtinando o que ficou dito acima: a confissão extrajudicial escrita feita perante terceiro (a massa insolvente) – que não interveio na escritura pública – não produz face ao preceituado nos arts. 371º, n.º 1 e 358º, n.ºs 2 e 4 do Código Civil, prova plena da entrega da quantia alegadamente mutuada, antes valendo como meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal. Por outro lado, cabe, nos termos gerais, aos credores reclamantes demonstrar o preenchimento dos requisitos do direito de crédito por si invocado.
Mas existirá, “in casu”, o erro manifesto legitimador da intervenção do tribunal?
Desde logo, deve enfatizar-se que não faz, a nosso ver, qualquer sentido pretender que se transforme a actividade do juiz no âmbito do processo de insolvência (como também no caso do PER) num mero “carimbador” de actos ou omissões praticados por terceiros.
No contexto do processo especial de revitalização tivemos oportunidade de alertar, num artigo jurídico, para os perigos de juiz “manga de alpaca” que se limitaria a chancelar decisões alheias; consideramos inadmissível, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, a acepção do juiz como um mero escriba que apenas existe para garantir a prossecução de um requisito formal (leia-se “Poderes do Juiz no Processo Especial de Revitalização - Divergindo de edipianas inevitabilidades, IV Congresso do Direito da Insolvência, Almedina Editora, pgs.293-316).
Como procuramos sublinhar então uma intervenção do juiz meramente formal é impensável para a ecologia do sistema judicial que vive necessariamente de uma pulsão pela verdade material, “numa lógica persuasiva dirigida a um auditório que importa convencer”.
Justamente como reflexo destas preocupações sobre o papel do juiz no contexto deste tipo de processos é que a doutrina afirma ter “as maiores dúvidas” quanto a este regime legal, defendendo “que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite” (citamos Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Reimpressão, 2009, pg. 456; vd., também, Fátima Reis Silva, Algumas Questões Processuais no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, págs. 76-77).

Partilhamos, obviamente, deste entendimento.
Portanto, concluímos poder o dito “erro manifesto” respeitar, como acontece nos autos, à indevida inclusão de um crédito na lista, do seu montante ou das suas invocadas qualidades.
Sucede que o tribunal apelado, sabendo, acertadamente, que a escritura pública junta não inviabilizaria a livre apreciação da prova do crédito reclamado, entendeu que não basta invocar-se um crédito de 50.000 Euros em honorários mas haveria que indicar em que serviços se sustentaria essa cobrança junto da insolvente no âmbito do respectivo contrato de mandato.
Foi cumprido o contraditório, conferida ampla possibilidade aos credores/apelantes de intervirem nos autos do modo que entenderam mais adequado e, no final, pela mera análise dos documentos e referências trazidas pelos próprios requerentes, concluiu-se que essa prova não fora feita quer porque os honorários diziam respeito a serviços prestados a outrem que não a insolvente quer porque, nomeadamente, na aludida nota de honorários foi inicialmente incluído (embora posteriormente se tenha referido tratar-se de um lapso) o presente processo de insolvência que apenas foi instaurado cerca de 8 meses depois da data de emissão constante dessa nota de honorários.
No âmbito de uma fiscalização sempre legítima por parte de um tribunal que, no contexto de um processo falimentar, assume o poder-dever de zelar por uma consolidada ética negocial ao serviço do interesse público plasmado no respeito, na medida do possível, do princípio da igualdade entre os credores, entendemos inexistir qualquer violação dos preceitos legais citados pelos apelantes.
VI) Finalmente haverá que decidir se, aceitando-se a existência der erro manifesto, não teria o tribunal “a quo” dar às partes a hipótese de, querendo, procederem às impugnações que tenham convenientes, entregando ao administrador de insolvência a tarefa da elaboração de uma nova lista de credores pelo administrador de insolvência, que tenha em conta o erro substancial detectado.
A alteração feita pelo tribunal implica apenas com os credores/apelantes; nada trouxe de novo quanto aos demais credores para além de verem descartado, para seu benefício, um crédito privilegiado. Relativamente a estes credores afectados sempre existe a legitimidade para recorrer o que, aliás, ocorreu neste caso (quanto à legitimidade para recorrer por parte do titular do crédito a que a não homologação respeita, vide Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 457).
Não se vê, portanto, sob pena da prática de actos inúteis (vedada pelo princípio geral consagrado no artigo 130º do CPC), que o tribunal tenha que agir de modo diverso; bem andou, portanto, em limitar-se, sem mais, a determinar a exclusão da lista de credores reconhecidos apresentada pelo Administrador da insolvência do crédito de C… e D….
A sentença será confirmada e o recurso tido como improcedente.
*
Resta proceder à sumariação prevista pelo art.663º, nº7 do Código do Processo Civil:
…………………………………
…………………………………
…………………………………
V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso em apreço confirmando-se integralmente a decisão proferida em primeira instância.
Custas pelo apelante.

Porto, 25 de Junho de 2019
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues