Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4/04.4TBVLG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: APROVEITAMENTO DA ÁGUA
TÍTULOS DE AQUISIÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITO DE SERVIDÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201503164/04.4TBVLG.P2
Data do Acordão: 03/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I. - A enumeração das nulidades da sentença prevista do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (correspondente ao n.º 1 do artigo 668.º do CPC na versão anterior) tem carácter absolutamente taxativo, como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência
II - A fundamentação da sentença deverá permitir de forma transparente aos destinatários, a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» percorrido pelo julgador, garantindo assim às partes a sua plena impugnabilidade, nos casos em que estejam reunidos os restantes requisitos.
III - O direito de propriedade de água nascente em prédio alheio não se confunde com a servidão traduzida no direito de uso dessa água.
IV - O direito de servidão realiza-se no aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste.
V - Definindo-se o direito dos autores como mero direito de servidão da água nascente em mina situada no prédio serviente, propriedade da ré, tal mina (estrutura externa englobando os pórticos), não pertence aos autores, não lhes assistindo o direito a exigir que se mantenha ou se altere a sua configuração.
VI - O que os autores podem exigir, baseados no seu direito (de uso da água da mina), é apenas isto: que tal direito (traduzido na servidão do prédio onde a mina se encontra instalada), se mantenha inalterado (salvo se a nascente perder caudal ou secar naturalmente), devendo o dono do terreno ou qualquer terceiro lesante, repor a situação anterior e indemnizar pelos danos causados com a privação do uso da água, desde que verificados os requisitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4/04.4TBVLG.P2

Sumário do acórdão:
I. A enumeração das nulidades da sentença prevista do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (correspondente ao n.º 1 do artigo 668.º do CPC na versão anterior) tem carácter absolutamente taxativo, como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência
II. A fundamentação da sentença deverá permitir de forma transparente aos destinatários, a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» percorrido pelo julgador, garantindo assim às partes a sua plena impugnabilidade, nos casos em que estejam reunidos os restantes requisitos.
III. O direito de propriedade de água nascente em prédio alheio não se confunde com a servidão traduzida no direito de uso dessa água.
IV. O direito de servidão realiza-se no aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste.
V. Definindo-se o direito dos autores como mero direito de servidão da água nascente em mina situada no prédio serviente, propriedade da ré, tal mina (estrutura externa englobando os pórticos), não pertence aos autores, não lhes assistindo o direito a exigir que se mantenha ou se altere a sua configuração.
VI. O que os autores podem exigir, baseados no seu direito (de uso da água da mina), é apenas isto: que tal direito (traduzido na servidão do prédio onde a mina se encontra instalada), se mantenha inalterado (salvo se a nascente perder caudal ou secar naturalmente), devendo o dono do terreno ou qualquer terceiro lesante, repor a situação anterior e indemnizar pelos danos causados com a privação do uso da água, desde que verificados os requisitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, C… e D… intentaram em 19.12.2003 a presente acção declarativa com processo ordinário contra E…, S.A, F…, Lda., e G…, pedindo:
i) que sejam os réus condenados na reconstrução natural da mina e da represa, com as mesmas características das referidas na petição inicial, ou seja:
a) a mina era constituída por duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista;
b) a represa existente na saída da mina, tinha uma área de cerca de 20 m²;
c) a mina dava, por dia, entre 80.000 a 100.000 litros de água, a qual ficava em represa durante 24 horas.
ii) que sejam ainda os réus condenados a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença;
iii) que sejam, finalmente, os réus condenados a pagarem ao autor a quantia de 18.000 € a título de lucro cessante, à qual acresce os juros legais calculados desde a data da citação até ao efectivo pagamento;
Como fundamento da sua pretensão, alegaram os autores em síntese: por sentença, proferida em 5/1/2001, no processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi o 1° réu condenado a reconhecer que os aqui autores adquiriram direito ao uso da água proveniente da H…, na qualidade de proprietários dos terrenos rústicos descritos na C.R.P. de Valongo sob os n°s 02267/171193 e n.° 3809, beneficiando aquela água de rega, com direito a dia e meio numa semana (12 horas de Sexta feira e 24 horas de Sábado) e dois dias noutra, alternadamente, (24 h de Sábado e 24 h de Domingo) e a Segunda com direito a quatro dias numa semana (24h de Domingo, de Segunda, de Terça e de quarta) e três noutra, alternadamente (24 h de Segunda, Terça e Quarta); foi ainda reconhecido pela mesma sentença judicial que da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a primeira propriedade descrita sob o n° 02267/171193, 24 h por dia ininterruptamente; bem assim como foi o aqui 1° réu ali condenado a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos, por forma a fazer chegar a água aos terrenos dos aqui Autores. Para tal finalidade, o curso da água deveria ser efectuado por encanamento, tudo conforme cópia integral da dita sentença; acontece que logo imediatamente à publicação desta decisão todos os réus, em comum e em conjugação de esforços, destruíram completamente a entrada e a represa da mina, com trabalhos a fundo de terraplanagem; bem assim como iniciaram grandes obras de desaterro e início de construção de obra, mesmo no local onde se encontra instalada a H…, há mais de cem anos; neste momento, todo o pórtico de entrada na mina, que era constituído por duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista, já foi totalmente destruído pelos réus com os trabalhos iniciados imediatamente após a publicação da sentença; bem assim como foi totalmente destruída a represa existente na saída da mina, com uma área de cerca de 20 m²; essa mina dava, por dia, entre 80.000 a 100.000 litros de água, a qual ficava em represa durante 24 horas; é certo que a destruição da entrada da mina e da sua represa foi efectuada pelo 2° e 3° réus a mando do 1° réu e tais factos se sucederam no dia imediatamente após a publicação da sentença judicial; na presente data não é possível apurar por quanto tempo é que os autores irão continuar privados do uso da água que lhes foi legitimamente reconhecido, o que impede, de todo, de proceder à liquidação total dos prejuízos a sofrer por via desse facto; para além disso, pelo facto de terem os réus destruído a represa e, consequentemente, a mina, deixou o autor de poder usufruir da água de rega a que tinha direito, deixando, com isso, de poder regar as terras, cultivá-las e colher os respectivos frutos; tendo, com isso, o autor deixado de obter os lucros inerentes à venda e comercialização desse mesmos produtos agrícolas, lucros esses que correspondem a 9.000 €, por ano.
A 1ª ré, E…, S.A, contestou impugnando a matéria alegada, quer no que se reporta à interpretação que os autores fazem da sentença identificada na petição, quer quanto à restante matéria alegada, afirmando: que não destruiu o que os autores invocam; que o que os autores alegam poderia ter ocorrido por outras causas: a mina situa-se em terrenos de baixa densidade e dureza, têm acentuado declive, a mina tem centenas de anos, são pedras velhas, carcomidas pelo tempo, instáveis no solo, próximo do local há camiões em movimento, construções, ruas em execução, movimentos de terras e chuvas intensas no local.
A 2ª ré J…, SA impugnou toda a matéria de facto alegada na petição, com excepção do alegado no art. 12.º, aceitando que a demolição do pórtico de entrada da mina e de parte da represa (não foi totalmente destruída) foram por si realizadas, em data anterior à indicada pelos autores, e que se tratou de uma decorrência do projecto da obra e ordens e instruções dadas pelos representantes do dono da obra, ora 1ª ré, já que a segunda ré era empreiteira a trabalhar para a 1ª ré. Mais alegou que se encontrava a fazer trabalhos de limpeza e escavação de terreno, no âmbito do projecto da obra, a pedido do dono da obra e de acordo com os mapas de trabalhos, plantas topográficas entregues pela 1.ª ré. Impugnou a restante matéria de facto respeitante aos danos invocados pelos autores, tanto mais que, conforme alegam, a impossibilidade de usar as águas da mina para rega ocorre já desde 1997, pelo que os danos invocados não poderiam ter como causa os factos alegados na petição, sendo certo que os terrenos continuam a ser cultivados. Conclui com o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé em multa e indemnização, em montante nunca inferior a 2000€ correspondente ao valor de reembolso de todas as despesas que teve, incluindo honorários do seu mandatário.
O 3º réu, G…, contestou, sustentando em síntese a posição assumida pela 2ª ré, esclarecendo que trabalha, às ordens e sob a direcção desta.
Foi elaborado despacho saneador, com definição dos factos assentes e organização da base instrutória, tendo sido produzida prova, nomeadamente pericial.
Após várias vicissitudes processuais, foi realizada a audiência de julgamento em duas sessões - 26.09.2011 e 24.10.2011 -, na sequência da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto (em 7.11.2011), sem qualquer reclamação.
Em 14.11.2011 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- condeno a 2.ª R a reconstruir o pórtico de entrada na mina com duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista ; e
- Na saída da mina deverá reconstruir uma represa com uma área de cerca de 20 m2;
- No mais, absolvo todos os RR dos demais pedidos.
Custas a cargo dos AA e 2ª R na proporção de metade para cada um.
Registe e notifique.».
Não se conformaram, nem os autores nem a 2.ª ré – J…, SA, e interpuseram recurso de apelação para este Tribunal, onde em 19.12.2012 foi proferida decisão com o dispositivo que se transcreve parcialmente:
«[…] acorda-se neste Tribunal da Relação em
1- julgar prejudicada a apreciação das restantes questões colocadas pelo recurso interposto,
2- Nos termos do disposto no artigo 712.º - 4 do C.P.C. anular a decisão de mérito e de facto proferida na 1.ª instância, e ordena-se a repetição do julgamento relativamente à matéria de facto que se ordena se formule – conforme a solução – em alteração indispensável para a boa decisão da causa – podendo aproveitar-se a prova já produzida […]».

Baixaram os autos à 1.ª instância em 23.01.2013, e em 11.02.2013 foi proferido despacho a determinar o aditamento à base instrutória (datada de 11.02.2013), dos seguintes quesitos, em cumprimento do que fora decidido nesta Relação:
22º A ré J… trabalha desde 1995 como empreiteira para a 1ª ré, num empreendimento imobiliário designado “E…”, sito em Valongo?
23º É algures no terreno de implantação desse empreendimento que estavam situados a mina, a represa e o circuito da água retida e da água de lima até entrarem no terreno dos AA?
24º Na verdade, junto à referida mina apenas se realizaram trabalhos de limpeza e de escavação dos terrenos?
25º Os quais se iniciaram antes da data referida pelos AA, a pedido do dono da obra, a empresa “E…, SA”, também ré nos presentes autos?
26º E esses trabalhos iniciaram-se após a ré ter sido informada de que a Câmara Municipal … tinha aprovado todos os projetos das obras de urbanização do loteamento em causa (loteamento E)?
27º Os referidos trabalhos foram realizados de acordo com o projeto de obra, incluindo mapa de trabalhos, plantas topográficas, etc., entregues à ré pelo dono da obra?
28º Sendo que a demolição do pórtico da entrada da mina e de parte da represa (ela não foi totalmente destruída), realizadas em data anterior à indicada pelo AA, foram uma decorrência do projeto de obra e, também de ordens e instruções dadas pelos representantes do dono da obra, a quem incumbia acompanhar os trabalhos realizados pela ré?
29º Refira-se aliás que, durante a realização desses trabalhos de limpeza e escavação, nunca houve qualquer alteração anormal ao plano de trabalhos desenvolvidos pela ré, nem foi apresentada qualquer reclamação?
30º A 1ª ré jamais informou a 2ª ré da situação decorrente de E) e F), não lhe tendo sido sinalizado a existência da mina, represa e circuito das águas, que assim entrou em obra com o terreno completamente livre de obstáculos?
31º O réu G… trabalha há vários anos sob as ordens e direção efetiva da ré J…, exercendo as funções de encarregado geral?
32º O réu no exercício da sua atividade teve e ainda tem a seu cargo a supervisão do empreendimento designado por “E…”, cujo dono da obra é a 1ª ré?
33º No desenvolvimento da obra, o réu recebeu ordens da empresa a onde trabalha para iniciar os trabalhos referentes ao “loteamento E”, tendo para o efeito, e durante a realização dos mesmos, recebido várias instruções sobre a realização do trabalho por parte dos representantes do dono da obra, a ré “E…, SA”, os quais acompanhavam esses trabalhos assiduamente?
34º Na verdade, junto à referida mina apenas se realizaram trabalhos de limpeza e de escavação dos terrenos?
35º Os quais foram realizados por outros funcionários da ré J…, SA.?
36º E iniciaram-se antes da data referida pelo AA, a pedido do dono da obra, e empresa “E…, SA”, também ré nos presentes autos?
37º No acompanhamento desses trabalhos, o réu sempre atuou de acordo com o projeto de trabalhos que lhe foi entregue pela sua entidade patronal, bem como atuou de acordo com as ordens e instruções que lhe iam sendo dadas por representantes na obra da ré “J…, SA”?
38º Sendo que a demolição do pórtico da entrada da mina e de parte da represa (ela não foi totalmente destruída), realizadas em data anterior à indicada pelo AA, foram uma decorrência do projeto de obra e, também de ordens e instruções dadas pelos representantes do dono da obra, a quem incumbia acompanhar os trabalhos realizados pela entidade patronal do ré?
39º Refira-se aliás que, durante a realização desses trabalhos de limpeza e escavação, nunca houve qualquer alteração anormal ao plano de trabalhos desenvolvido pela entidade patronal do réu, nem foram apresentadas quaisquer reclamações?
40º A destruição da entrada e da represa da mina ficou a dever-se aos factos dos artigos 7º a 17º da contestação da 1ª ré a fls. 74 verso?
Em cumprimento da mesma decisão, foi alterada a redacção do quesito 1.º da base instrutória, que passou a ter o seguinte teor: «Imediatamente após a publicação da sentença supra referida em F) os réus em comum e em conjugação de esforços destruíram completamente a entrada e a represa da mina?» (fls. 175 – com referência ao despacho de 11.22.2013).
Realizou-se nova audiência de discussão e julgamento em três sessões: 6.01.2014; 10.02.2014 (com inspecção ao local); e 3.03.2014.
Foi proferida nova sentença, em 10.03.2014, com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- condeno a 2ª R a reconstruir o pórtico de entrada na mina com duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista ; e
- Na saída da mina deverá reconstruir uma represa com uma área de cerca de 20 m2;
- No mais, absolvo todos os RR dos demais pedidos.
Custas a cargo dos AA e 2ª R na proporção de metade para cada um.
Registe e notifique.».
Não se conformaram, novamente, nem os autores nem a 2.ª ré – J…, SA, e interpuseram recurso de apelação para este Tribunal.
Os autores terminam as suas alegações formulando as seguintes conclusões[1]:
I. O objecto principal deste recurso é a decisão supra referida, mas vão passar a ser alegadas as questões com as quais os Recorrentes não se conformam.
II. O recurso ainda se estende ao facto de, compulsada a decisão, se verificar que inexiste qualquer tipo de fundamentação, inexiste uma qualquer referência ou valoração da prova produzida e dos factos concretos.
III. Entendendo-se ainda à impugnação da matéria de facto, uma vez que os Recorrentes não se conformam com a decisão que foi dada à matéria de facto e, por consequência, com a sua conclusão de direito, e ao valor probatório atribuído aos vários documentos e depoimentos que comportam a decisão de facto e de direito.
Posto isto,
IV. Compulsado o teor da sentença, resulta que não apresenta os fundamentos, quer de direito, quer de facto que a sustentem, não contem uma a análise crítica das provas (documental, testemunhal, relatórios periciais), da qual o julgador abstraiu, nem a especificação dos fundamentos de facto e de direito que foram decisivos para a convicção do julgador, argumentando de facto e de direito e aplicando as respectivas normas legais, em manifesto desrespeito pelo disposto nos artigos 653º, n.º 2, do CPC.
V. A sentença recorrida não assegura o cumprimento do dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, é omissa quanto a factos objectivos que resultam do processo, os quais a serem considerados levariam a uma decisão diferente, onde a análise do caso concreto subjacente aos presentes autos se resume a pouco mais que meia página.
VI. O Julgador não explica em que se baseou a sua convicção. Baseou-se no conjunto da prova produzida? Baseou-se apenas na prova documental? Baseou-se apenas na prova testemunhal? Nos relatórios periciais? O Tribunal abstrai.
VII. O dever de fundamentação das decisões é um princípio basilar, cujo cumprimento, possibilita às partes a sua conformação ou não de forma consciente e esclarecida, bem assim como possibilita às partes a sua não conformação e até contradita-las, mas de forma consciente e esclarecida.
VIII. Em matéria de fundamentação de facto, e para efeitos do no art. 653º nº 2 do CPC, relativamente as provas constantes do processo e as produzidas em audiência de julgamento ficamos sem saber quais as que relevaram para a formação da convicção do julgador, relativamente aos factos controvertidos que constavam da Petição Inicial e das Contestações.
IX. Também o exame crítico que deveria ter sido feito pelo Julgador e a que se refere o n.º 2 do art. 659.º do CPC, não se verifica, pois impunha o ónus de examinar criticamente as provas, de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório.
X. E foi esta operação – determinar se esse facto se deve considerar provado face ao respectivo regime legal probatório – que consiste, no exame crítico de que fala o art. 659.º n.º 3, que na perspectiva dos Recorrentes, falhou o julgador.
XI. Termos em que atento o atrás exposto entendem os Recorrentes que a sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, que nos termos do disposto no art. 668º, n.º 1, alínea b), do CPC, consubstancia uma nulidade que aqui expressamente se invoca com todas as cominações legais.
Sem prescindir,
XII. Esta decisão e respectiva ausência de fundamentação constituem, ainda, objecto de impugnação pelos Recorrentes nos termos previstos no art. 690º-A, conjugado com o 712º, ambos do CPC.
XIII. Considerando a matéria de facto dada como provada, para efeitos do disposto no art. 690º-A, do CPC, pretende-se impugnar a decisão de facto constante do 20º, que foi considerado provado e deve ser considerado como não provado.
XIV. Pretende-se ainda impugnar a decisão de facto constante dos quesitos 12º a 14º, foram considerados por não provados, mas devem ser considerados como provados.
XV. Bem como os factos constantes dos quesitos 1º, a 5º, 10º, 15º a 19º, que foram julgados parcialmente provados.
Assim sendo,
XVI. Em primeira instância convém que tenhamos presente que nos autos se discute os danos causados pelos RR. em DOIS prédios rústicos propriedade dos Recorrentes, com uma área total de 18.500 m2, conforme se alcança do alegado no art. 2º a 4º, da PI, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
XVII. Deste modo, e no que concerne à resposta dada aos quesitos 1º a 5º, resultou provado que a 2ª Ré, aquando da realização de trabalhos de construção civil, destruiu o pórtico de entrada da mina e uma represa.
XVIII. O dono da obra era a 1ª Ré, que celebrou um contrato de empreitada com a 2ª Ré, onde esta se obrigou a realizar obras no empreendimento “E…” e, no decurso dessas obras foram destruídas a entrada da mina e a represa.
XIX. Entendem os Recorrentes que estamos perante um caso excepcional de responsabilidade civil extracontratual pois, o dever de a 1ª Ré de indemnizar os Recorrentes pelos prejuízos sofridos não depende aqui da verificação de culpa, pelo que ocorre uma excepção à regra geral proclamada no art. 483, n.º 2, do CC.
XX. A lei impõe ao autor das escavações, embora lícitas, que indemnize qualquer proprietário vizinho, lesado pela obra, ainda que tenham sido adoptadas as cautelas que se consideraram necessárias, atendendo assim a critérios de razoabilidade.
XXI. Não esqueçamos que o dono da obra é, em regra, o primeiro beneficiário das obras levadas a efeito na sua propriedade e, por isso, terá de assumir os riscos com tais obras, ressarcindo os prejuízos causados nos prédios vizinhos, devendo os prejuízos causados devem ser imputados, ao dono do prédio que contrata outrem para nele fazer uma obra sob a sua direcção e fiscalização, por empreitada.
XXII. Mesmo no caso de empreitada, o dono da obra não deixa de ser o autor das escavações, no sentido de que foi ele que, no exercício do seu poder de disposição, contido no seu direito de propriedade, ordenou a construção do imóvel, com as inerentes escavações, apesar de o fazer através de empreiteiro.
XXIII. Sendo totalmente irrelevante, na perspectiva do vizinho lesado, que a obra seja levada a cabo pessoalmente pelo dono da do prédio (através de pessoal que dele dependa por vinculo laboral), ou antes por contrato de empreitada (sob a direcção do próprio empreiteiro e sem vínculo de subordinação ao dono da obra).
XXIV. Nem se diga que, havendo empreitada, o dono da obra não está obrigado a fiscalizar a sua execução pois, tal fiscalização funciona no interesse do dono da obra, tendo como fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de difícil verificação, no momento da entrega (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. II; 3ª ed. , pág. 793).
XXV. O dono da obra pode ou não valer-se desse direito de fiscalização, que só o beneficia - art. 1209 do C.C.
XXVI. De qualquer modo, tal faculdade diz respeito apenas às relações contratuais entre ele e o empreiteiro, aos vizinhos lesados são indiferentes as relações jurídicas ou contratos celebrados entre o dono da obra e o empreiteiro, pois são alheios a tais relações contratuais.
XXVII. Do depoimento prestado em audiência pelo Agente da PSP à data dos factos, que logo após a destruição da mina e represa, se deslocou ao local, K… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 15:28:53 a 15:39:47), que com um depoimento claro, de pessoa perfeitamente conhecedora da situação, sustentado na visita que fez ao local referiu que:
“… Foi chamado ao local. Estava de serviço. Estavam lá os homens a trabalhar. Perguntei a um deles quem era o responsável e eles indicaram-me o senhor que era naquela altura o senhor da máquina.
E perguntei: porque é que fez isto? Ele respondeu: Porque recebi ordens. Na E…, lá ao fundo, na parte de cima. A parte da frente da mina, normalmente aquilo é tapado com uma lousa, na minha aldeia é assim e ali parece que também era. Não vi lousa nenhuma e a água a correr pelo rego abaixo.
Estavam 3 ou 4 elementos a trabalhar... Disseram que era uma empresa de Penafiel, deu o nome da empresa. Ficou escrito.
Foi o Senhor que foi identificado. Que era o que andava com a máquina na altura.“
XXVIII. O mesmo Agente da PSP, K… (cujo depoimento se encontra registado – 06/01/2014 – 12:14 a 15:39:47), na sessão de Audiência de julgamento, de 06/01/2014, quando confrontado com o teor da participação policial de fls. 1032, referiu que:
“Dr. L…: Sr. K… nesta participação o Sr. identificou as pessoas…
Testemunha: Sim.
Dr. L…: E, o que está aqui faz fé do que se passou naquela obra…
Testemunha: Sim. E que eu vi.
Dr. L…: E que o sr. viu?
Testemunha: Normalmente a nossa missão é descrever e identificar os intervenientes e escrever aquilo que vê.
XXIX. Depoimento prestado que, conjuntamente com a certidão da participação policial que o mesmo elaborou e cujo teor por manifesta economia se dá aqui como integralmente reproduzido, contribui para dissipar todas as dúvidas quanto à localização temporal dos factos e seus intervenientes.
XXX. Já a depoimento da testemunha arrolada pela 2ª Ré, M… (cujo depoimento se encontra registado – 06/01/2014 – 11:22:57 a 11:36:26), funcionário da 2ª Ré, na sessão de Audiência de julgamento, de 06/01/2014, referiu que:
“… para quem nos trabalhávamos é que faziam os projectos. A E… fornecia o projecto e nós executávamos… Trabalhou na E… e depois disso em vários sítios. Era encarregado para mandar. Não fiscalizava nada…
XXXI. Quando questionado sobre de quem era funcionário G… (Identificado pelo Agente da PSP na participação policial de fls. 1032), respondeu: “Da J…”.
XXXII. Termos em que, do exposto, entendem os Recorrentes a que a 1ª Ré deve ser condenada nos precisos termos em que o foi (ou venha a ser) a 2ª Ré - responsabilidade solidária.
Sem prescindir,
XXXIII. Relativamente ao quesito 10º, importa ter presente o teor do alegado pelos Recorrentes nos art. 2º a 6º, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
XXXIV. E, da sentença proferida no âmbito do processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, já transitada em julgado, resultou provado o facto 13): “Tal mina dá por dia entre 80 a 100 mil litros de nascente de água, a qual fica em represa durante 24h; e, o facto 20): Da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a propriedade referida em 17) 24 horas por dia ininterruptamente; (sublinhado nosso)
XXXV. Pelo que nunca poderia o Julgador dar como “provado apenas que a mina dava vários litros de água por dia não apurados”, pois, por sentença proferida no âmbito do processo 342/98, já transitada em julgado, está já tal provado.
XXXVI. Termos em entendem os Recorrentes que o Julgador conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, o que nos termos do disposto no art. 668º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC, consubstancia uma nulidade que aqui expressamente se invoca com todas as cominações legais.
XXXVII. No entanto e, sem prescindir, e para a hipótese de se julgar improcedente a invocada nulidade por violação art. 668º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC, entendem os Recorrentes que a prova produzida em sede de julgamento, deve ser reapreciada e, nessa sequência, relativamente aos artigo 10º da base instrutória, a decisão da matéria de facto ser alterada dando este facto como provado.
Sem prescindir,
XXXVIII. Quanto aos quesitos 12º a 14º, que foram considerados por não provados, bem como o quesito 19º, importa não esquecer que da sentença proferida no âmbito do processo 342/98, já transitada em julgado, resultou provado o facto 10): Sendo que tais culturas sempre foram regadas com a água proveniente da denominada mina H… ou I…”, o facto 13): Tal mina dá por dia entre 80 a 100 mil litros de nascente de água e fica em represa durante 24h”, e o facto 20): Da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a propriedade referida em 17) 24 horas por dia ininterruptamente” (sublinhado nosso)
XXXIX. Desta sentença resulta que já se encontra provado que os terrenos dos Recorrentes sempre eram regados com a água proveniente da mina e represas (cfr. facto provado 10), no entanto, o Julgador para sustentar a resposta negativa aos quesitos 12º a 14º, o Julgador refere: “… E da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas arroladas pelos AA (nomeadamente N…, O…) foi dito que os Autores desde pelo menos, 1993 que não usufruem da água para a rega provinda da mina. Contudo, também conjugando-se a prova que se fez e constante das perícias juntas aos autos (de que os campos estão cultivados), então os campos dos AA. recebem água para rega. Agora provinda da mina não o será e desde 1993. Aliás era o que se discutia na acção já intentada e com sentença proferida e referida na matéria assente. Então e se assim era não deixaram os AA. de usufruir da água para rega tendo como causa a destruição do pórtico da mina e represa. Bem assim como não foi por essa causa que não podem regar as terras com aquela água da mina. Aliás, vejam-se os relatórios periciais maioritários (sendo que um deles é unânime apenas divergindo na sugestão de solução aventada para a caso concreto) e aos quais se adere por não se vislumbrar sequer falta de imparcialidade e objectividade, e seguindo as legis artis da matéria em causa, confirmarem, apesar de não serem unânimes, no essencial, que corre água, mas não é suficiente para a rega dos campos, seja porque não foi feito correctamente o encanamento ou outra técnica qualquer.
Contudo a água já não estava canalizada e não se direcccionava para os campos dos AA. aquando da destruição do pórtico da entrada da mina e represa aqui em causa (veja-se a acção e sentença referidas em F) da matéria assente, onde já se alegou e provou que a água da mina não corria para os campos dos AA). Vale tudo por dizer que as causas de não correr água da mina para os campos dos AA foram já discutidas naquela outra acção, e já aí se deu como provado que não corria e não regava os campos dos AA. a água da mina, pelo que os factos em discussão nos presentes autos, muito, muito posteriores, nunca poderiam ter aquelas consequências alegadas e provadas naquela acção(!).…”
XL. Na sentença recorrida pode ler-se: “… Provou-se até que já não têm água da mina desde 1993…”
XLI. Não se pode esquecer o alegado pelos Recorrentes nos art. 16º a 18º, 22º, 23º, 25º, da sua PI, cujo teor se dá como reproduzido, onde se alega e prova que antes da destruição existia uma mina em terreno dos Recorrentes, e uma represa, com a área de cerca de 20m2, que dava dá por dia entre 80 a 100 mil litros de nascente de água e ficava em represa durante 24h e essa represa deixou de existir em 2001, como consequência directa dos actos de destruição praticados pelos Recorridos.
XLII. Portanto, os Recorrentes estão até à presente data impossibilitados de regar os seus terrenos, porque pura e simplesmente as águas não estão represadas, não existe água de rega e de lima. Se a água chega nas condições ideais aos terrenos dos Recorrentes é uma outra questão…
XLIII. No processo n.º 342/98, foi a “E…, S.A.” condenada a reconhecer que os aqui Recorrentes adquiriram Direito ao uso da água de rega de lima proveniente da H…, na qualidade de proprietários dos dois terrenos rústicos, e, ainda, condenada a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos, por forma a fazer chegar a água aos terrenos dos Recorrentes.
XLIV. E desse Direito de uso foram os Recorrentes privados desde a data da destruição da entrada da mina e da represa, desde 2001, basta para o efeito compulsar os relatórios periciais para se verificar que ainda hoje a água não chega aos terrenos dos Recorrentes nas condições e quantidade suficientes para possibilitarem a rega.
XLV. Bem assim como, considerar os esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito Eng. N… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 10:15:19 a 10:40:11), sustentado nas visitas que fez ao local referindo que: “…Portanto, a minha experiencia diz-me que não há rega, sem represa. Alias,… Não há rega sem represa, impossível, E com uma grande capacidade de armazenamento para se poder fazer a rega. Senão não se faz, não se consegue. Quer dizer, não é uma… Há dois tipos de água. …”
XLVI. Não esquecendo os esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito Eng. P… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 10:40:53 a 10:54:09), sustentado nas visitas que fez ao local referiu que: “… A mina faz uma pequena represa de água, nós temos aqui escrito… que dá… que até perguntavam quantos metros quadrados… Se era 20 m2? E nós dissemos que era aproximadamente 10 m2. Foi isso que lá verificamos. É assim… uma tira, com pouca largura e algum comprimento, que nos atribuímos, à volta de 10 m2. Isso foi o que nós verificamos. Com uma altura, para aí de um metro, um metro e pouco. O que dá à volta de 15m3 de água na represa. Mais ou menos, é assim,…”
XLVII. Pelo que, dúvidas não restam que ainda hoje os Recorrentes estão bem longe de poder usufruir dos 80 a 100 mil litros de nascente de água que a mina dava por dia e que ficavam em represa durante 24h, acrescendo a água de lima que corria para os terrenos dos Autores.
XLVIII. Sem esquecer os esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito Eng. Q… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 14:09:00 a 15:09:44), que teve em consideração os dois terrenos em causa, com uma área total de 18.500 m2, sustentado nas visitas que fez ao local, o qual refere: “… Os terrenos que me foram mostrados, são dois terrenos. Se havia está tudo desfeito. Não, não há represa. A represa que há é dentro da própria mina. E como é que se vai fazer agora uma represa em terra. A represa tem que ser feita em betão. O Tanque tem que ser feito acima da cota do terreno. Para ter peso para a água sair.”
XLIX. Já no relatório pericial elaborado pelos Peritos em 20 de Julho 2006, e junto aos autos em 04 de Setembro de 2006, pode ler-se: “… O Perito do Autor acrescenta que tal como hoje se apresenta o local, torna-se evidente que as obras das infra-estruturas realizadas, destruíram todos os equipamentos naturais e artificiais que pudessem existir à data do início dessas obras.
O perito do Réu tem a mesma opinião do perito dos autores, no entanto, confirma que o caudal da mina está a ser canalizado para os terrenos dos autores através de dreno com diâmetro de 200mm. … O perito observou igualmente de que o caudal de água nesta data na manilha é insuficiente para formar um rego de água continuo e com água bastante para regar o prédio rústico.
… O perito do autor confirma que à data da visita dos peritos ao local, o Autor não pode dispor da água da H… para regar os terrenos agrícolas, porquanto a agua não está a ser drenada para esses terrenos. Mais verificou haver indícios de que nem toda a água da mina está a ser conduzida para a tubagem implantada para esse efeito. Por outro lado a água está a ser conduzida para o terreno mais a montante, faltando conduzi-la para o terreno mais a jusante e para a habitação. No seu percurso não dispõe de qualquer equipamento de retenção e controle de caudal que permita dosear a quantidade de água destinada à rega.” (sublinhado nosso)
L. E, no relatório pericial elaborado pelos Peritos em 12 de Dezembro de 2009, pode ler-se: “… A água da mina é aproveitada e conduzida para a conduta que o Réu instalou para o efeito… O perito indicado pelo Autor, para além de subscrever o referido em acima é de opinião que, muita da água da mina, perde-se através da parede lateral e através do sistema de tubos e caixas instalado pela Ré para conduzir a água da mina até aos terrenos do Autor. Como é possível e verificar no local, tal como foi verificado nas visitas efetuadas pelos peritos ao local anteriormente e pelas fotografias juntas a água que sai junto ao terreno do autor é uma pequeníssima parte da água produzida na mina.
… o perito do autor achando estranho que o Réu tenha feito chegar uma conduta junto ao local onde a água da mina fica retida antes de ser conduzida para o tubo de 200,00 mm de diâmetro que se destina à rega, a menos de 1,0 m do fundo desta, é de opinião que tudo indica ser o objectivo, o de desviar a água da mina para a caixa das águas pluviais.” (sublinhado nosso)
LI. A estes quesitos respondeu a testemunha S… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 10:54:41 a 11:20:24), com um depoimento também ele claro, coerente, de pessoa perfeitamente conhecedora da situação, esclareceu o Tribunal que: “… Mas sei que dava muita água, porque ele regava um rego de água, porque a terra é plana. E ele tinha que trazer a água, bastante água, para conseguir regar. Porque com pouca água não conseguia. Porque a terra não é encostada, é uma terra que é praticamente certa. E ele tinha que trazer um rego grande de água para conseguir regar, senão a agua não saía do rego. Regavam tudo. Tudo o que queria. Tinha lá… Tinham milho, tinham pencas, que eram uma maravilha, tinham batata, tinham lá tudo. Porque ela tinha muita água, ela regava aqueles campos todos. Tanto o de cima, como o de cá. Regava os dois campos. E eu disse que ele tinha que trazer um rego muito grande de água para chegar ao campo e poder regar. Porque se for um rego pequeno de água, num campo assim plano, a água não corre. Tem que ser bastante, para ela poder regar. Era. Antes havia um rego da mina. Que andei lá eu e o meu marido muitas vezes a ajudar o pai do B1…, pronto, para dizer assim. Andei lá muitas vezes a ajuda-lo a fazer o rego de lá de cima até ao campo, até à beira da casa. Portanto, estou-lhe a dizer que conheço isso muito bem. Mas eu não vi lá água nenhuma no rego a correr para poder regar.”
LII. A estes quesitos respondeu também a testemunha T… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 11:21:29 a 11:51:44), agricultor, com um depoimento também ele claro, coerente, de pessoa perfeitamente conhecedora da situação, esclareceu o Tribunal que: “… Porque eles tentaram fazer lá uns tubozitos para as águas ir, mas as águas nunca lá chegaram ao campo. Não é... E daí temos andado sempre assim no Tribunal a tentar com que a água chegasse ao campo para fazer a rega. Mas nunca mais conseguiu regar o campo. Conheci sempre. Eram umas presas que tinham lá, para juntar a água no local e ele… ele e mais dois consortes. Aquilo era de Consortes. Onde regavam os campos. A partir das obras, aquilo ficou logo… começou a danificar, por fim destruíram as presas todas. E, hoje as águas andam perdidas nas águas fluviais, como está lá à vista. Para quem quer… pode ver. Datas, é assim… As datas não consigo fixar as datas todas, não é. Mas sei que… Logo que começaram a destruir aquilo, ele entrou logo em litígio com a E…. Litros? Não consigo. Mas sei que dava muita água. Regava a quinta toda sem problemas nenhuns e ainda sobrava água. Agora, os litros!... Não consigo dizer. Sei que era água em abundância.”
LIII. O mesmo se diga dos depoimentos de O…, (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 11:53:47 a 12:16:45) que bem conhecedor do local e dos factos, á mais de 50 anos, descreveu com segurança e exactidão toda a situação antes de depois da destruição da mina e represa, inclusivamente ajudava os Recorrentes a limpar os regos, a semear e a colher os produtos agrícolas, esclareceu o Tribunal que: “… Havia uma lousa grande que fazia a vedação da água. Havia logo outra mais pequenita… E aquelas águas eram todas aproveitadas… Todos os anos nós lá íamos. Íamos cinco pessoas ajudar a limpar aqueles regos todos para a água ir por ali abaixo… Não tem, não e tanto é que ainda tem lá um serviço com um rego a beira da casa dele… Há lá um rego que foi vendido por esse senhor que veio aqui servir de testemunha, veio aqui. A “E…” meteu-lhe uma camada, para aí de cinco metros de altura, arrasou-lhe o rego. Está todo… Á porta da casa do B… e à entrada do resto do campo para baixo… O rego passava por baixo da casa para ir regar a outra propriedade logo à entrada. Era da mesma mina. Ta lá um furito mas é só para consumo da casa. Às vezes ainda vai buscar água ao tanque, com um regador, para regar lá umas novidadezitas, umas saladazitas…”
LIV. No mesmo sentido foi o depoimento da testemunhas U…, (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 12:17:25 a 12:40:01) que bem conhecedor do local e dos factos, á mais de 30 anos, bem como a testemunha V…, (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 15:40:31 a 16:04:17) que bem conhecedor do local e dos factos, há mais de 70 anos, descreveram também eles com segurança e exactidão toda a situação antes e depois da destruição da mina e represas.
LV. Já a testemunha W… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 16:05:30 a 16:30:04), saliente-se que afirmou ter conhecimento dos factos até 1999, altura em que vendeu a sua propriedade e que depois dessa data não mais de deslocou ao local.
LVI. Reportando-se os factos em causa a 2001, e anos seguintes, certo é que sobre estes factos esta testemunha não tem conhecimento directo, trata-se de um depoimento indirecto, cujo valor probatório inexiste.
LVII. Pelo que a valoração do seu depoimento, não pode e não deve ter o mesmo peso das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, que bem conhecedoras dos factos ocorridos antes de 2001, mas muito principalmente, depois de 2001, com depoimentos coerentes e demonstrativos do seu perfeito conhecimento da situação, esclareceram o Tribunal sobre a destruição ocorrida e posterior a impossibilidade daqueles poderem usar a água, nas quantidades de que dispunham anteriormente, regar os terrenos e colher nas quantidades referida no facto 26) dado como provado pela sentença proferida no processo 342/98.
LVIII. Finalmente importa considerar que a sentença proferida no âmbito do processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, resultou provado que: “24) No ano de 1996, a Ré só a partir de 20 de Agosto deixou a água correr pelos regos existentes, há muitos anos para esse efeito;”
LIX. Não de compreendendo que na resposta aos quesitos se afirme que: “Agora provinda da mina não o será e desde 1993.” e que na sentença de recorrida diga: “Provou-se até que já não têm água da mina desde 1993…”
LX. Quando, na verdade, e como resulta do supra exposto em 1996 a água ainda corria para os terrenos dos Recorrentes e, em 2006 e 2009 e, ainda corre, actualmente, para o terreno dos Autores, conforme se alcança dos relatórios periciais e dos testemunhos supra identificados, mas não na quantidade suficiente para formar um rego de água continuo e com água bastante para regar os terrenos dos Recorrentes.
LXI. Do exposto, entendem os Recorrentes que da prova documental junta aos autos, bem como a testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, deve ser reapreciada e, nessa sequência, relativamente aos artigos 12º a 14º e 19º, da base instrutória deve a decisão da matéria de facto ser alterada dando-se como provados os factos ali vertidos.
LXII. E isto porque as testemunhas foram unânimes em confirmar a destruição da mina e represas, consequente impossibilidade posterior dos Recorrentes poderem usar a água para rega dos seus terrenos e obter as colheitas nos moldes em que o vinham fazendo conforme se alcança também da sentença proferida no processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, impossibilidade de usar a água que subsiste, mesmo após a Recorrida “E…, S.A.”, ter procedido ao encanamento para conduzir a água da mina para os terrenos dos Recorrentes, como resulta das declarações dos Peritos e dos relatórios elaborados.
LXIII. Com esta alteração da decisão da matéria de facto deve o pedido formulado na PI ser julgado totalmente procedente (art. 690º-A e 710º, ambos do CPC).
Ainda sem prescindir,
LXIV. Desta matéria de facto e, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 690º- A, do CPC, pretende-se finalmente impugnar a decisão de facto constante dos quesitos 15º a 18, que foram julgados parcialmente provados, bem como decisão de facto constante do 20º, que foi considerado provado e deve ser considerado como não provado.
LXV. Da sentença proferida no âmbito do processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, já transitada em julgado, resultou provado o facto 9): “Neles sempre se cultivou milho, batata e feijão produtos hortícolas e vinho”; o facto 26): “No ano de 1997, os AA. plantaram nas suas duas propriedades semente para com o seu normal desenvolvimento poderem colher 50 toneladas de batatas, 2.000 Kg de milho e vários produtos hortícolas; e o facto 27): “No ano de 1998 os AA. semearam as terras com as mesmas quantidades de semente referidas em 26)”.
LXVI. Na sentença recorrida quanto a esta matéria apenas se refere o seguinte: “Provou-se até que já não têm água da mina desde 1993 e que os campos estão cultivados.”
LXVII. Ora como se referiu supra em causa nos presentes autos estão dois terrenos dos Recorrentes e, tenhamos presente o alegado pelos Recorrentes nos art. 24º a 29º, que aqui se dá como reproduzido.
LXVIII. Assim, os Recorrentes semeavam semente para, com o seu normal desenvolvimento poderem colher 50 toneladas de batatas, 2.000 Kg de milho e vários produtos hortícolas.
LXIX. Existe um facto provado que atesta que, pelo menos, os Recorrentes em condições normais e antes dos factos que motivaram a destruição da mina e represas obtinham aquelas quantidades.
LXX. E continuariam em situações normais a obtê-las, caso pudessem dispor da água da mina nas condições e quantidades em que o vinham fazendo antes dos factos ocorridos em 1993 (destruição do curso normal da água) e 2001 (destruição da mina e represas).
LXXI. Os Recorrentes estão até à presenta data impossibilitados de colherem, pelo menos, 50 toneladas de batatas, 2.000 Kg de milho e vários produtos hortícolas.
LXXII. E isto porque, como se referiu, no processo n.º 342/98, foi a “E…, S.A.” condenada a reconhecer que os aqui Recorrentes adquiriram Direito ao uso da água proveniente da H…, e condenada a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos, por forma a fazer chegar a água aos terrenos dos Recorrentes.
LXXIII. E desse Direito de uso foram os Recorrentes privados desde a data da destruição da entrada da mina e da represa, desde 2001 (os tais 80 a 100 mil litros de rega, acrescendo a água de lima).
LXXIV. Ainda assim e por forma a sustentar o alegado quanto à capacidade produtiva dos terrenos dos Recorrentes foi solicitada realização de perícia.
LXXV. E, nos esclarecimentos prestados em audiência pelo perito Perito Eng. X… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 13:49:48 a 14:08:11), referiu que: “… Encargos culturais são as despesas que a pessoa tem, que o agricultor tem em relação às culturas que vai fazendo. O adubo, o trator, o gasóleo… O milho, a batata são culturas de maior área. As hortícolas normalmente, fazem-se em áreas mais pequenas, mas conseguimos um rendimento por metro quadrado muito superior. Qualquer cultura tem sempre um intervalo de produção. Se estivesse devidamente aproveitado com todas as necessidades que a cultura necessita, não é… portanto se fosse um terreno bem trabalhado, bem corrigido bem adubado, bem regado, conseguíamos estas produções. Os terrenos não estavam a ter uma exploração normal.…”
LXXVI. Já nos esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito Eng. Y… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 15:11:27 a 15:27:25), este referiu que: “… 4.100 m2, Z…. Só foi esse que me foi dado. Vi uma descrição predial que era o Z…. Em relação ao valor por m2, se é isso que pretende, de uma produção e de um mix de rotações que eu fiz. Pode retirar-se um valor unitário por m2. Porque eu determinei o valor unitário por… acordo com aquela rotação feita. Uma rotação trianual. E em que me deu um valor de… 29,45 €/m2 de rendimento liquido fundiário. Que é o que determina o valor fundiário. Portanto se quisermos saber o valor do terreno, para o caso de se pretender uma avaliação, basta multiplicar pelo factor de capitalização. E o factor de capitalização que é normalmente utilizado para os terrenos agrícolas é de 4%. Atendendo a estar próximo de um centro de comércio fácil de produtos, etc... pode-se aduzir essa capitalização. Isto é, aumentar o preço. A capitalização é inversa do valor. E, portanto, isto dava-me 10,00 €/m2. Mais concretamente 9,81 €.”
LXXVII. Ou seja, do depoimento do perito do tribunal resulta que, nos relatórios elaborados conjuntamente com o perito dos Réus, apenas tiveram em consideração, um dos terrenos, com a área 4.100 m2, quando, na verdade, estão em causa dois terrenos, com uma área total de 18.500 m2.
LXXVIII. Os Recorrentes, nos seus requerimentos, sempre se referiram aos dois terrenos identificando-os separadamente, nomeadamente, nos seus pedidos de esclarecimentos (veja-se a titulo de exemplo, os esclarecimentos requeridos nos art. 30º e 31º, do requerimento de 21/09/2006) e, no seu requerimento de 05/06/2008, os Recorrentes solicitam, os seguintes esclarecimentos:
“6. Devem os Sr.es Peritos explicar:
I - Se a água que referem no quesito 1º é na ordem dos 80.000 a 100.000 litros, por dia e, se ainda fica em represa 24 horas, por dia ininterruptamente?
II - Considerando que os terrenos dos A. possuem uma área conjunta de 18.500 m2 (terreno de cultivo), sendo que a área bruta dos terrenos é superior, abstraíram os Sr.es Peritos a área real e limitaram-se a trabalhar com a área constante da descrição predial?
III - Constatando uma acentuada contradição entre as duas perícias, uma vez que uma contabiliza 18.500 m2 e outra 4.100 m2, queiram os Sr.es Peritos esclarecer se os 18.500 m2 existem realmente no local, uma vez que se deslocaram lá, pelo menos a um dos terrenos?”
LXXIX. Das declarações do Sr. Perito conclui-se que fácil se torna chegar a um valor dos terrenos em termos agrícolas, tendo elucidado o Julgador sobre o tipo de cálculo a efectuar e factores a considerar, basta para o efeito atender ao seu relatório pericial junto pelos Peritos do Tribunal e dos Réus de 30 de Janeiro de 2009.
LXXX. Sem esquecer o Código das Boas Práticas Agrícolas, do Ministério da Agricultura, que permite e permitiria facilmente apurar o rendimento médio dos terrenos dos Recorrentes
LXXXI. No relatório pericial junto pelo Perito Eng. AB… em 15 de Abril 2008, e junto aos autos em 04 de Setembro de 2006, pode ler-se: “… Ao semear 2.000 m2 de milho grão, obtém-se uma produção média, em regadio, de 2.000 kg de milho, o qual, valorado em 0,30 €, origina uma receita bruta de 600,00 €. Ao plantar 15.000 m2 de batata de consumo, obtém-se uma produção média, em regadio, de 60.000 kg de batata de consumo, o qual, valorado em 0,30 €, origina uma receita bruta de 18.000,00 €. Cultivar 1.5000 m2 com diversos produtos hortícolas (tomate, feijão, pimento, alface, pepino e cenoura), obtém-se uma receita média bruta de 4.000 €. Contabilizando as despesas com consumíveis para as referidas culturas, obtemos um valor médio de 3.190,00 €.
… Assim, consideramos perfeitamente aceitável que se obtenha uma receita liquida, para as áreas e culturas referidas, de 9.000,00 €.“
LXXXII. A estes quesitos respondeu a testemunha S… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 10:54:41 a 11:20:24), esclareceu o Tribunal que: “…Regavam tudo. Tudo o que queria. Tinha lá… Tinham milho, tinham pencas, que eram uma maravilha, tinham batata, tinham lá tudo. Não havia… Agora não tem nada, porque sem água não pode dar nada. Sem água não há nada. Semeavam milho e batata. Tinham alguma hortaliça. Semeavam naval, agora neste tempo de tirar a batata. Semeavam naval, punham pencas e, sabe que a penca não dá nada sem a regar. Nem a batata, nem o milho. Porque eu também o tenho lá e tenho lá um sítio que até o regamos bastantes vezes. Mas a terra é encostada e, ele está lá muito fraquinho este ano. Mesmo com a rega. Colhem batatas pequeninas, que não dão para venda. A batata não aparece sem água. Nem a batata, nem o milho. Continua a semear. Só que não tem é resultados. Não têm coisas que dê para tirar. E o milho também não dá. O milho… Se não tiver água, nem espiga deita. Deita uma espiga…”
LXXXIII. A estes quesitos respondeu também a testemunha T… (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 11:21:29 a 11:51:44), agricultor, esclareceu o Tribunal que: “…Continua a semear batata, milho e produtos hortícolas, também. Sem rega também não… não colhe quase nada… Agora não tem nada a ver… é uma produção para cultivar a terra e não estar a monte. À mais para isso. Ao menos as batatas… é umas batatinhas que não dá nada, miudinhas. Milho também, quase seca. Está muito sujeito a alguma chuva que apareça, pela natureza. Mas, de resto, não colhe mais nada. Pois. Ele agora vai cultivando aquilo para não estar a monte, senão… até tinha silvas como tem o vizinho, ao lado. Tem lá um silvado que até lhe está a assombrar o terreno dele, não é? Batata? 6 kg/m2. Milho? Á volta de quilo e meio. A penca também, à volta de 4, 5 Kg. Milho? 1,5 kg. A penca, à volta de 4 kg, 5. E depois há as hortícolas, que isso também… a gente não faz muito a conta aos m2. Mas são produtos hortícolas que até são mais rentáveis que o milho…”
LXXXIV. O mesmo se diga do depoimento de O…, (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 11:53:47 a 12:16:45) que bem conhecedor do local e dos factos, há mais de 50 anos, inclusivamente ajudava os Recorrentes a semear e a colher os produtos agrícolas, esclareceu o Tribunal que: “… Quando era regado, que era milho, tinha lá milho que era de tremer e batatas. Agora… semeia batatas parecem bogalhos. Não são regadas. Parecem coitaditas todas torciditas. Milho precisamente a mesma coisa. Também cultivo, também sei como é. Cada m2 de batata pode dar 6, 7 kg, 5 kg, depende. Os anos não são todos iguais. E no milho andava na casa de 1,5 kg, por m2.”
LXXXV. No mesmo sentido foi o depoimento da testemunhas U…, (cujo depoimento se encontra registado – 26/09/2011 – 12:17:25 a 12:40:01) que bem conhecedor do local e dos factos, há mais de 30 anos, esclareceu o Tribunal que: “… Cultivava lá tudo, era batata, era feijão, era milho, era centeio, era hortaliça. Tudo. O filho cultiva batata, tem lá pencas, nabal. Semeia ervas para enfardar para o gado. Agora, geralmente tem tido, desde que lhe cortaram a água… o terreno se não tiver água não dá fruto. Uma batata pequenina. Fica meia batata, dá meia produção. Mas o que não dá é produção.”
LXXXVI. Bem como a testemunha V…, (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 15:40:31 a 16:04:17), que bem conhecedor do local e dos factos, há mais de 70 anos, agricultor, esclareceu o Tribunal que: “… Produzia grandes quantidades que os terrenos dele são bastante grandes. Salvo erro, por m2 se regar… 5 a 6 kg batatas. Também não vai ter uma terra e ir comprar uma penca ao mercado. O milho nem espigou. O outro vizinho tem lá milho e deita-lhe a água que ele precisa por isso é que ele está bonito e bem espigado e dá produção que é necessária. E tudo na mesma zona. Onde está o milho verdinho e onde está o dele a morrer de sede e que não espigou, a zona é a mesma. As terras ali são mais ou menos da mesma qualidade.”
LXXXVII. Quanto à testemunha W… (cujo depoimento se encontra registado – 24/10/2011 – 16:05:30 a 16:30:04), como se referiu afirmou ter conhecimento dos factos até 1999, altura em que vendeu a sua propriedade e que depois dessa data não mais de deslocou ao local. não tendo sobre estes factos esta testemunha não tem conhecimento directo.
LXXXVIII. Do exposto, entendem os Recorrentes que da prova documental junta aos autos, bem como a testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, deve ser reapreciada e, nessa sequência, relativamente aos artigos 15º a 18º e 20º, da base instrutória deve a decisão da matéria de facto ser alterada dando-se como provados na integra os factos ali vertidos.
LXXXIX. E isto porque as testemunhas foram unânimes em confirmar a destruição da mina e represas, consequente impossibilidade posterior dos Recorrentes poderem usar a água para rega dos seus terrenos e obter as colheitas nos moldes em que o vinham fazendo conforme se alcança também da sentença proferida no processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo.
XC. Foram também unânimes em afirmar que os Recorrentes vêm cultivando os terrenos apenas para não ficarem a monte e sempre na esperança de que a Ré E… cumprisse a sentença proferida no processo 342/98.
XCI. Foram também unânimes em afirmar que não colhe produtos com qualidade mínima para poderem ser comercializados, porque, pura e simplesmente não dispõe da água da mina nos moldes e quantidades anteriores aos factos.
XCII. Impossibilidade de usar a água que subsiste, mesmo após a Recorrida “E…, S.A.”, ter procedido ao encanamento para conduzir a água da mina para os terrenos dos Recorrentes, como resulta das declarações dos Peritos e dos relatórios elaborados.
XCIII. Com esta alteração da decisão da matéria de facto deve o pedido formulado na PI ser julgado totalmente procedente (art. 690º-A e 710º, ambos do CPC).
Sem prescindir
XCIV. Considerando tudo o atrás exposto, e no que concerne à responsabilidade civil, de acordo com o disposto no art. 483º, do CC “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem em qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
XCV. Portanto, como bem se refere na sentença recorrida, para que se verifique tal responsabilidade exige a lei os seguintes elementos constitutivos: um facto voluntário do agente, ilícito; a culpa do agente; a existência de um prejuízo ou dano; um nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e o prejuízo.
XCVI. Ora, tendo-se provado que, pelo menos, a 2ª R foi quem destruiu o pórtico de entrada da mina e uma represa.
XCVII. Certo é que, pelo menos sobre, a 2ª Ré impendia a obrigação de indemnizar os Recorrentes, pois nos termos do art. 562º, do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
XCVIII. Sendo que, segundo o art. 565º, do CC, “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, impondo o n.º 2 deste normativo que “na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”.
XCIX. Entendem que dos documentos juntos aos autos, do depoimento de todas as testemunhas resulta provado que os Recorrentes ficaram privados de usar a água de rega e de lima na forma e quantidades descritas na sentença proferida no âmbito do proc. 342/98.
C. Dos documentos juntos aos autos, dos depoimentos prestados e dos próprios relatórios periciais, resulta provado que os terrenos dos Recorrentes foram afectados na sua capacidade produtiva.
CI. Deixaram de produzir nas quantidades e qualidade com que vinham produzindo.
CII. Por conseguinte, entendem os Recorrentes que se encontram preenchidos os requisitos legais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, pelo menos por parte da 2ª Ré.
CIII. O Julgador dispunha de elementos, informações, factos suficientes para poder imputar aos responsáveis, a obrigação de indemnizar quer, quanto aos lucros cessante, quer quanto aos danos emergentes, mas não o fez.
CIV. Quando muito poderia, como aliás requereram os Recorrentes na sua PI (cfr. art. 19º, 20º e 21º, que aqui se dão como produzidos) e deveria, em última instância, condenar os responsáveis no pagamento de quantia ilíquida a quantificar em sede de execução de sentença.
CV. Pelo que entendem os Recorrentes e também nesta parte, que a sentença não valoriza de forma correcta os documentos que se encontram juntos aos autos e depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, e que permitiriam ao Julgador decidir nos moldes supra referidos.
CVI. Pelo que pretendem também com o presente, seja arbitrada quantia indemnizatória ao Recorrentes decorrente da privação da água de rega e de lima, bem assim como pelo lucro cessante, e danos emergentes.
CVII. Por isso, deve o presente recurso levar provimento e ser alterada a decisão proferida em 1ª Instância nos termos em que vêm formuladas as conclusões.
Também a ré J…, SA, interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões[2], que se passam a sintetizar:
Conclusões I a LVIII:
1) Alega a recorrente, repetidamente, que, ao contrário do que consta da motivação da decisão da matéria de facto, não confessou o facto constante do quesito 1.º da base instrutória;
2) Mais alega que para além de não haver confissão da factualidade condensada na resposta aos quesitos 1.º a 5.º, nenhuma testemunha referiu que a recorrente tivesse destruído a entrada e a represa da mina;
3) Conclui arguindo a nulidade da sentença porque o Tribunal “se pronunciou sobre uma questão que não podia conhecer”, e pede que seja (uma vez mais) anulado o julgamento.
Conclusões LVIX a XCVII:
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto no que respeita à resposta dada globalmente aos quesitos 1.º a 5.º, invocando os depoimentos das testemunhas K… (agente da PSP), U…, T…, O… e S… que, na versão da recorrente, afirmaram que não viram destruir a entrada e a represa da mina.
Conclusões XCVIII a CXXIV:
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto no que respeita à resposta dada globalmente aos quesitos 6.º a 9.º, invocando os depoimentos das testemunhas U…, T… e O….
Conclusões CXXV a CLXV:
Alega a recorrente que na sentença recorrida se confunde “direito de propriedade com direito de uso”, daí decorrendo a “falta de legitimidade substantiva dos autores”, na medida em que “[a] existir qualquer destruição da mina, das lousas e dos pórticos, tal sucedeu num terreno que é propriedade de um sujeito que não é parte nesta lide, sendo certo que nunca tal terreno, bem ou objecto, faz (ou fez) parte do património dos autores” (conc. CXXXIX).
Conclusões CLXVI a CCVIII:
Alega a recorrente que os autores deveriam ter sido condenados como litigantes de má fé, dado que já no processo-crime n.º 3842/1988 foi dado como provado que desde 1993 os autores regam os campos com outra água que não a da mina, e que “a água já não estava canalizada e não se direccionava para os campos dos AA aquando da destruição do pórtico da entrada da mina e represa aqui em causa” (conc. CXCIV)[4].
Conclusões CCIX a CCXXXII:
Alega a recorrente que se verifica a nulidade da sentença, porquanto a mesma se revela ambígua e obscura nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC. No seu entendimento a sentença é obscura porque a recorrente não sabe como lhe dar cumprimento, pese embora o facto de ser uma “sociedade comercial que opera no sector da construção civil já há largos anos”, não sabendo o que quer dizer o Tribunal com a imposição da obrigação de «reconstruir o pórtico de entrada na mina com duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista». Mais alega que não sabe “o que são lousas de grande porte, qual o formato, qual a sua dimensão, bem como qual a profundidade da represa. Conclui que não há nos autos “quaisquer elementos para fixar o objecto e a quantidade”, com vista a poder proceder à realização das obras de forma adequada.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil[5], salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
1) Apreciação da nulidade por falta de fundamentação invocada pelos recorrentes/autores (conc. I a XI)
2) Apreciação da nulidade por excesso de pronúncia invocada pelos recorrentes/autores (conc. XXXIII a XXXVII e XXXVIII a LXIII)
3) Apreciação da nulidade por excesso de pronúncia invocada pela recorrente/ré
4) Apreciação da nulidade por “obscuridade” e “ambiguidade” da sentença, invocada pela recorrente/ré (conc. CCIX a CCXXXII)
5) Apreciação dos recursos da matéria de facto: i) quanto aos quesitos 1.º a 5.º; ii) quanto aos quesitos 6.º a 9.º; iii) quanto aos quesitos 12.º a 14.º e 19.º; iv) quanto aos quesitos 15.º a 18.º e 20.º
6) Apreciação da natureza jurídica do direito dos autores.
7) Apreciação do mérito jurídico da pretensão dos autores, no que respeita à ré/recorrente.

2. As nulidades invocadas
A presente acção arrasta-se desde Dezembro de 2003, já foi objecto de uma anulação de julgamento, e ambos os recorrentes vêm arguir nulidades, susceptíveis de nova anulação.
Vejamos cada uma das nulidades invocadas.
2.1. A nulidade por falta de fundamentação invocada pelos recorrentes/autores (conc. I a XI)
Entendem os recorrentes/autores, que “a sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, que nos termos do disposto no art. 668º, n.º 1, alínea b), do CPC, consubstancia uma nulidade que aqui expressamente se invoca com todas as cominações legais”.
Alegam em síntese, que na sentença não são apresentados os fundamentos, quer de direito, quer de facto que a sustentem, não é realizada a análise crítica das provas (documental, testemunhal, relatórios periciais)[6], não é assegurado o cumprimento do dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais.
As nulidades invocadas pelas partes ou suscitadas oficiosamente devem ser apreciadas em momento prévio à pronúncia sobre o mérito do recurso, face ao disposto no artigo 660.º, ex vi artigo 613.º, n.º 2, ambos do CPC[7].
Vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 668º, n.º 1, alínea b) (art. 615.º do NCPC), é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Por imperativo constitucional (art. 205/1 CRP), vertido no artigo 158.º do CPC, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas.
O dever de fundamentação, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que uma decisão só pode ser objecto de impugnação eficaz, se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito.
Nos termos do disposto no art.º 668º, n.º 1, alínea b), é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Ensinava o Professor Antunes Varela[8]: «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta […]»[9].
O entendimento enunciado vem de longe, do ensinamento do Professor Alberto Reis[10], que já defendia que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, ou seja, garantindo a sua impugnabilidade nos casos em que estejam reunidos os restantes requisitos, deverá concluir-se que a fundamentação insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[11].
Com o devido respeito, não é o que se passa na situação sub judice.
A sentença recorrida poderá não ser um primor em termos de fundamentação.
No entanto, pese embora o manifesto laconismo da fundamentação jurídica, a fundamentação da decisão da matéria de facto (fls. 1156 a 1159) permite perceber o percurso cognitivo do julgador, que o leva de forma sustentada e coerente à conclusão que se traduz na decisão.
Invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, refere-se lapidarmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2008[12]:
«[…] a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto - cfr acórdão do STJ, de 11-10-2000, processo nº 2253/2000-3ª, acórdãos do TC nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999 e nº 59/2006, DR, II, de 13-04-2006.
Como foi referido nos acórdãos do TC nº 322/93, DR, II, de 29-10-1993 e nº 172/94, DR, II, de 19-07-1994, citados posteriormente nos acórdãos nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999, nº 288/99, DR, II, de 22-10-1999, nº 258/01, DR, II, de 02-11-2001 e nº 232/02, DR, II, de 18-07-2002, a fundamentação da decisão há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (…) a fundamentação da sentença há-de permitir a transparência do processo e da decisão. (…) Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir revelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional - acórdão TC nº 281/05, DR, II, de 06-07-2005. […]».
Na decisão recorrida fundamentam-se as respostas, indicando-se os quesitos e sintetizando-se os suportes probatórios que o Tribunal levou em consideração, assim se cumprindo a revelação do iter «cognoscitivo» e «valorativo» que justifica a decisão.
Cremos que não se verifica a invocada nulidade neste segmento da decisão, sem prejuízo da questão do mérito que se traduz em saber se deveriam ter sido levados em conta outros meios probatórios eventualmente omitidos e se desse factor resultará uma decisão diversa.
Registe-se que a eventual devolução do processo (pela segunda vez) ao Tribunal a quo pouco poderia acrescentar, considerando que o julgamento teve início em 19.04.2010, há quase quatro anos, não sendo previsível a possibilidade de aperfeiçoamento da fundamentação face á memória das coisas que se vai apagando com o tempo.
No que se reporta à fundamentação jurídica, apesar de escassa e lacónica, aborda os pontos em discussão, não ocorrendo também nesse segmento a invocada nulidade, sem prejuízo da ulterior apreciação do seu mérito.
Improcede o recurso neste segmento.
2.2. A nulidade por excesso de pronúncia invocada pelos recorrentes/autores (conc. XXXIII a XXXVII e XXXVIII a LXIII)
Alegam os autores que: na sentença proferida no âmbito do processo 342/98, que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, já transitada em julgado, resultou provado que a mina dá por dia entre 80 a 100 mil litros de nascente de água, a qual fica em represa durante 24h, que dela era ainda proveniente água de nascente que corre para a propriedade dos autores, pelo que nunca nesta acção se poderia dar como “provado apenas que a mina dava vários litros de água por dia não apurados” (quesito 10.º), pois, por sentença proferida no âmbito do processo 342/98, já transitada em julgado, está já tal provado.
Concluem que “o Julgador conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, o que nos termos do disposto no art. 668º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC, consubstancia uma nulidade”.
Implícita à arguição de nulidade, está a invocação da autoridade do caso julgado.
A mesma excepção volta a ser invocada de forma implícita no ‘lote’ de conclusões XXXVIII a LXIII, a propósito dos quesitos 12 a 14 e 19.
Vejamos.
A distinção doutrinária entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, veio a merecer o acolhimento do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes arestos: Acórdão de 26.01.1994, in BMJ, n.º 433, pág. 515; Acórdão de 19.02.1998, in BMJ, n.º 474, pág. 405[13]; Acórdão de 12.11.2009, proferido no Processo n.º 510/09.4YFLSB, 6ª Secção; e ainda que lateralmente, no acórdão de 4.03.2008, proferido no Processo n.º 07A4620[14].
Em síntese, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes factores: i) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da “autoridade do caso julgado” tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida; ii) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na “autoridade do caso julgado”, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.[15]
Ora, com o devido respeito, os recorrentes (autores) omitem a exigência de um requisito essencial: a identidade dos sujeitos nas duas acções.
Do confronto da sentença proferida no processo n.º 342/98 (certificada nos autos a fls. 652), com a que sentença proferida nestes autos, se conclui que: na acção n.º 342/98, os autores são os mesmos [B…, C… e D…], mas apenas figura como ré a E…, S.A; na presente acção, são réus, para além da E…, S.A.: F…, Lda., e F….
Ou seja, nem a ré/recorrente J…, SA, nem o réu G… foram intervenientes na acção n.º 342/98, pelo que não se vislumbra qualquer fundamento para a invocada autoridade do caso julgado.
Mais, perante a ausência destes réus na referida acção e a sua óbvia impossibilidade de ali se defenderem, constituiria uma imperdoável perversão do sistema jurídico processual a sua vinculação (condenatória) a uma decisão à qual são absolutamente alheios.
Decorre do exposto a manifesta improcedência do recurso neste segmento, quer quanto à autoridade do caso julgado (que não se verifica in casu), quer quanto à nulidade arguida (de excesso de pronúncia), já que nada obstava (pelo contrário) a que o Tribunal apreciasse a matéria de facto em apreço.
2.3. A nulidade por excesso de pronúncia invocada pela recorrente/ré
Alega a recorrente/ré, que, ao contrário do que consta da motivação da decisão da matéria de facto, não confessou o facto constante do quesito 1.º da base instrutória e conclui arguindo a nulidade da sentença porque o Tribunal “se pronunciou sobre uma questão que não podia conhecer”, pedindo que seja (uma vez mais) anulado o julgamento (conc. LVI).
Noutro local se apreciará se a ré admitiu ou não por acordo a factualidade em causa.
Cumpre agora apreciar a nulidade arguida.
Salvo o devido respeito, não conseguimos vislumbrar a lógica da argumentação da recorrente.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença “[q]uando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Ora, in casu, a M.ª Juíza tinha necessariamente de se pronunciar sobre o quesito 1.º, dando-lhe resposta em função da prova produzida, analisada criticamente. Se a resposta se revela incorrecta face à prova produzida, a questão que se nos depara será do mérito da decisão e nunca do “excesso de pronúncia”.
É manifesta a improcedência do recurso neste segmento.
2.4. A nulidade por “obscuridade” e “ambiguidade” da sentença
Alega a recorrente/ré que se verifica a nulidade da sentença, porquanto a mesma se revela ambígua e obscura nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC. No seu entendimento a sentença é obscura porque a recorrente não sabe como lhe dar cumprimento, pese embora o facto de ser uma “sociedade comercial que opera no sector da construção civil já há largos anos”, não sabendo o que quer dizer o Tribunal com a imposição da obrigação de «reconstruir o pórtico de entrada na mina com duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista». Mais alega que não sabe “o que são lousas de grande porte, qual o formato, qual a sua dimensão, bem como qual a profundidade da represa. Conclui que não há nos autos “quaisquer elementos para fixar o objecto e a quantidade”, com vista a poder proceder à realização das obras de forma adequada (Conclusões CCIX a CCXXXII).
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil[16], a sentença é nula sempre que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
O vício invocado pelos recorrente verifica-se sempre que os fundamentos de facto e de direito invocados conduzam logicamente a resultado oposto ou diverso daquele que integra o respectivo segmento decisório[17].
Em suma, os fundamentos de facto e de direito da sentença devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta, não se devendo confundir a contradição lógica apontada no recurso [entre os fundamentos e a decisão da sentença], com o erro de interpretação dos factos ou do direito ou da integração daqueles neste[18].
Com o devido respeito, o vício invocado pela recorrente não se integra, manifestamente, na previsão legal da alínea c) do artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Acresce que a enumeração das nulidades da sentença prevista na norma citada tem carácter absolutamente taxativo, como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência.
Decorre do exposto que não se verifica a nulidade em apreço, improcedendo em consequência o recurso neste segmento, sem prejuízo de, depois de reponderada a prova aferirmos da possibilidade de melhor concretização dos conceitos vagos apontados pela recorrente[20].

3. Apreciação dos recursos da matéria de facto
3.1. Quanto aos quesitos 1.º a 5.º
Questionava-se:
1.º Imediatamente após a publicação da sentença referida em F), os réus, em comum e conjugação de esforços, destruíram completamente a entrada e a represa da mina?
2.º Com trabalhos a fundo de terraplanagem?
3.º E iniciaram obras de desaterro?
4.º E de construção de obra?
5.º Mesmo no local onde se encontra a H…?
O Tribunal respondeu: “provado apenas que em data não apurada, mas após 2001, e aquando da realização de trabalhos de construção civil, a 2ª R destruiu o pórtico de entrada da mina e uma represa”.
E fundamentou assim:
“As respostas à matéria dos quesitos 1º a 5º basearam-se conjugadamente no teor das testemunhas arroladas pelos AA, as quais pese embora não tenham visto in loco a destruição do pórtico e represa, revelaram que eram conhecedores dos mesmos há mais de 50 anos e que apenas poderiam ter sido destruídos pelas máquinas que lá andavam a fazer trabalhos de construção civil. Aquele local é designado “E…”, igual designação da 1ªR.
Contudo e na verdade, conjugando tais depoimentos, que localizaram a destruição do pórtico e represa por essa altura dos trabalhos levados a cabo, e que seria após 2001 (a testemunha N… falou nessa data e a testemunha S… reportou-se aos factos como tendo ocorrido após a outra sentença, ou seja, proferida noutro processo, e que é matéria assente). Ainda conjugando esta prova com a confissão da 2ª R explanada no seu articulado de contestação e que não foi retratada, apenas fazendo parte da BI por a 1ª R ter impugnado toda a matéria alegada pelos AA, temos então a conclusão inequívoca de que, pelo menos, foi a 2ª R quem levou a cabo a ação de destruição do pórtico de entrada da mina e da represa”.
A recorrente/ré impugna a decisão neste segmento (conc. LIX a XCVII), considera que toda a factualidade em causa deveria ter sido julgada não provada, e refere repetidamente que impugnou especificadamente estes factos, pelo que nunca o Tribunal a quo deveria falar em confissão.
Os recorrentes autores impugnam a mesma decisão, defendendo que toda a factualidade deveria ser considerado provada (conc. XVI a XXXII).
Apoiam-se os recorrentes nos depoimentos das testemunhas: K…, M… (os autores); K…, U…, T…, O… e S… (a recorrente ré).
Começamos por apreciar a questão da “admissão por acordo”, por parte da recorrente/ré.
Verifica-se, neste segmento da sentença um erro manifesto. Com efeito, na sua contestação (fls. 124), a ré ora recorrente impugna expressa e especificadamente a factualidade em apreço (vide arts. 5.º, 6.º e 7.º): “5.º Não sendo verdade que, na data indicada pelos AA., a Ré tenha destruído completamente a entrada e a represa da mina, com trabalhos a fundo de terraplanagem. 6.º Bem como não é verdade que a Ré iniciou grandes obras de desaterro e início de construção de obra. 7.º Na verdade, junto à referida mina apenas se realizaram trabalhos de limpeza e escavação dos terrenos”.
Vejamos agora a restante prova.
Realizou-se uma primeira perícia (fls. 293), na qual os três peritos (do Tribunal e das partes) parecem estar de acordo quanto ao núcleo essencial factual.
Ao quesito 1.º [Imediatamente após a publicação da sentença referida em F), os réus destruíram completamente a entrada e a represa da mina?], responderam: “Os peritos desconhecem. O perito do Autor acrescenta que à data da ida ao local não existia a referida represa nem nenhum equipamento que permita represar a água de rega”.
Ao quesito 2.º [Com trabalhos a fundo de terraplanagem?], o perito do Tribunal respondeu desconhecer e os peritos das partes limitaram-se a afirmar “que houve trabalhos de remoção” e que “existem vestígios de movimento de terras”.
Ao quesito 3.º [E iniciaram obras de desaterro?], os peritos afirmaram desconhecer.
Aos quesitos 4.º e 5.º, responderam que se encontravam prejudicados pelas respostas anteriores.
Os autores pediram esclarecimentos (fls. 330), que não deveriam ter sido aceites, face à forma conclusiva com que foram formulados, apelando a presunções que devem ser extraídas apenas pelo julgador e a partir de factos concretos provados.
Tais esclarecimentos nada adiantam, até porque os peritos não são testemunhas e as questões ficam prejudicadas pelo simples facto de eles nada terem visto no local, que lhes permitisse a percepção ou apreciação de factos concretos, que deveriam analisar com base em conhecimentos técnicos ou científicos especiais, de que supostamente seriam portadores.
Decorre do exposto, que do meio de prova referido nada se pode extrair com u mínimo de solidez probatória.
Vejamos agora os depoimentos das testemunhas.
K… é agente da PSP e foi chamado ao local. O depoimento desta testemunha era essencial à descoberta da verdade e, lamentavelmente, nada adianta.
Começou por dizer que “andavam lá uns homens a trabalhar … perguntei a um deles quem era o responsável … identificou o senhor da máquina” (01:25). Esclareceu que a pergunta foi feita nestes termos “quem fez isto?” (01:30), e a resposta do operador da retroescavadora foi: “recebi ordens”, concluindo: “diz que era de uma empresa de Penafiel” (02:20), da qual a testemunha não se recorda do nome (03:00).
A ambiguidade do depoimento transparece particularmente deste trecho (02:04): “A parte da frente da mina normalmente é fechada por uma lousa; pelo menos na minha aldeia é assim e parece que também era; mas não vi lousa nenhuma”.
A falta de memória da testemunha, compreensível face ao arrastamento da acção (afirmou que foi ao local em 2004 e prestou o seu depoimento na primeira audiência em Outubro de 2011), compromete irremediavelmente o seu depoimento, nomeadamente quanto ao facto de não se recordar do nome da empresa, prejudicando em absoluto o depoimento prestado mais tarde, na repetição do julgamento.
Acresce um facto que traz alguma perturbação à análise do depoimento: encontra-se junta aos autos uma única participação policial (documento de fls. 1032) assinada pela testemunha, a qual que foi objecto de produção de prova e confronto (na última audiência de julgamento) com depoimento da testemunha, mas a mesma reporta-se ao dia 16.01.2001.
Na referida participação, o agente (testemunha K…), depois de transcrever a queixa apresentada pelo autor B…, limita-se a referir que se deslocou ao local, onde identificou o réu G…, que lhe disse que “estavam a efectuar trabalhos ali mas que iriam proceder à canalização das águas em questão”.
Ora, se no local, no dia em que se realizavam as obras (16.01.2001), se encontrava o referido réu em manobras com a retroescavadora, não se vislumbra como possa a testemunha recordar factos que não consignou na participação, volvidos mais de 10 anos (a 1.ª audiência teve lugar em 24.10.2011).
Maior se revela a dificuldade em compreender como, volvidos mais dois anos (a 2.ª audiência teve lugar em 6.01.2014), a testemunha possa recordar factos que não recordava na 1.ª audiência nem consignou no auto em causa.
Em síntese, um depoimento que se revelava essencial para a descoberta da verdade acaba por ser totalmente irrelevante, não suportando minimamente a resposta do Tribunal a quo.
Vejamos os restantes depoimentos.
A testemunha U… prestou um depoimento que nos deixou sérias dúvidas sobre a sua imparcialidade.
Começou por afirmar que a mina vinha assim para fora, tinha uma lousa na frente par amparar a água… a seguir à mina havia três represas … a mais abaixo era uma represa maior, que tinha uma nascente… aí é que se apanhava a água…” (01:30). Na sua versão, o autor abria as represas “e a água corria pelo rego” e “quando a água acabava, vinha tapá-las” (02:18), esclarecendo que “tinha duas lousas, uma mais baixa e outra mais alta[23]” (02:54), e que “quando começou as obras meteram lá uma máquina e limparam aquilo tudo… além disso rebaixaram o terreno e as águas que eram aproveitadas foram desperdiçadas…” (03:24 – 04:00). Esclareceu que “não estava lá quando as máquinas entraram” (04:44) e que não faz qualquer ideia acerca do caudal, só sabendo que “dava para regar as três propriedades”.
A confusão no depoimento da testemunha gerou-se quando se pronunciou sobre os cultivos. Afirmou que o pai do autor cultivava batatas, feijão, milho e centeio e que o filho cultiva batatas, tem um nabal e “semeia erva para enfardar” (06:39). Esclareceu depois que “arranjou lá um furo … para ter água … mais para a casa… mas nem para a casa dá… arranjou um tubo de polegada e um quarto” (06:39 e 08:23). Em contra-instância, a testemunha foi confrontada com as declarações do autor (artigos 25.º a 27.º da petição), no sentido de que, desde a interrupção da água (em 2001), nunca mais plantou nada no terreno. Nesse momento a testemunha atrapalhou-se e, sendo “mais papista do que o papa”, manteve a sua afirmação contra a tese do próprio autor, acabando por concluir: “só sei que desde que a E… comprou o terreno, cortaram a água” (10:17), e que não sabe desde quando deixou de haver água, porque “não fez as contas” (11:20). Finalmente, declarou, no que concerne à razão de ciência sobre a alegada destruição: “não vi alagarem aquilo” (17:20).
A testemunha T… declarou não conseguir fixar datas (02:44), referindo, no entanto, duas: “destruíram as represas todas… a partir de 1993 (o autor) ficou sem água para regar… em 2001 a represa foi mesmo destruída… fizeram lá uma rotunda onde a água se some”. Afirmou que havia três represas e a última era a que armazenava mais água, tendo sido destruídas (05:44).
Quanto ao caudal, nada sabe: “litros… não consigo… mas sei que dava muita água… em abundância…” (06:20).
Quanto à produção, afirmou (contra a tese do autor), que o autor “continua a semear milho, batatas e hortícolas” (07:00), mas que a produção baixou. Na sua versão a área de rega é de cerca de 2 hectares e produzia cerca de 6Kg de batata por m².
Quanto à identidade das pessoas ou empresas que executaram a obra, nada sabe: “para mim é a E…” (11:00); “… ouço dizer que é a E…” (11:50”.
Finalmente, declarou que o autor, seu primo, “fez um furozito… mas dá pouca água”, esclarecendo que tal furo (artesiano) tem “cento e tal metros quadrados” (17:30).
A testemunha O… afirmou que a mina “tinha uma lousa grande à frente”, havia três represas, “havia ali um nascentezito”, e o autor abria as represas e a água corria num rego para as suas propriedades. Questionado sobre quem destruiu as represas, afirmou: “só as autoridades é que podem saber… estiveram lá as autoridades”
Quanto à produção, afirmou que “quando era regado tinha lá milho que era tremendo”, mas agora a produção é baixa (06:37). Cada metro quadrado dava entre 5 e 7 Kg (07:44), e o milho, “na casa de um quilo / um quilo e meio… depende da qualidade”.
Quanto ao abastecimento alternativo de água do autor, afirmou que o autor tem um furo artesiano que lhe dá água, mas só para consumo da casa (07:20). Mais declarou que “cortaram a água em 1993” (16:00).
Quanto à autoria da alegada destruição, afirmou: “era o pessoal da E… que andava lá… é o que ouço dizer…” (14:77)
Confrontado com a alegação dos autores, de que deixaram de plantar no terreno (art. 25.º a 27.º da petição), declarou: “cultiva, sim senhor…” (22:27), afirmando depois, sem nexo aparente, que o autor lhe disse: “não vou deixar o terreno a monte… se não chegam aqui, tiram fotografias… como é que ele depois pode requerer?...” (22:50).
A testemunha S… referiu que a mina está destruída e tinha 3 represas na parte baixa, que “apanhava a água” que escorria para fora da mina, e que “uma era maior do que as outras”. Também referiu que havia uma grande lousa na mina, que foi destruída pelas máquinas; “não viu, mas sabe que foi tudo destruído”, e agora não há represas. Quanto ao caudal, nada sabe: “só sei que dava muita água” (05:00). Quanto às sementeiras, afirmou que os autores “semeavam milho, batatas, alguma hortaliça, nabal e pencas” (06:00), e que agora “só colhem batata pequena” (07:00). Quanto à data em que os autores deixaram de receber água da mina, refere a testemunha que foi “desde noventa e poucos … noventa e três … ou noventa e quatro…” (07:30).
Análise crítica da prova produzida
Do confronto da prova testemunhal que se sintetizou, com a prova pericial (observação in loco), com a inspecção judicial e com a alegação do réu G…, concluímos que a resposta aos quesitos em causa se deverá manter global, com uma ligeira alteração: “provado apenas que em data não apurada, mas após 2001, e aquando da realização de trabalhos de construção civil, a 2ª R destruiu o pórtico de entrada da mina e as represas anteriormente existentes no local, com o esclarecimento de que actualmente a água proveniente da mina é represada quase à entrada da mina com uma área aproximada de 10 m”.
Vejamos porquê.
No artigo 3.º da sua contestação, o réu G… afirma que trabalhava por conta da ré recorrente (J…, SA); no artigo 4.º, refere que no exercício da sua actividade teve a cargo a supervisão do empreendimento E…; e no artigo 12.º: “Sendo que a demolição do pórtico de entrada da mina e de parte da represa (…) foram uma decorrência do projecto da obra…”.
Os peritos examinaram o local e concluíram por unanimidade: “as represas não existem” (esclarecimento – fls. 541)[24], afirmando também de forma unânime no mesmo esclarecimento, a fls. 542: actualmente “a água proveniente da mina é represada junto à entrada da mina com uma área aproximada de 10 m²”.
A M.ª Juíza deslocou-se ao local e verificou que “[n]o local constata-se que a mina existe e que não tem lousas” (fls. 1145).
As testemunhas afirmaram o que também resulta das regras da experiência comum: as minas têm um pórtico (que poderá ser ou não em lousa) e quando a água abunda escorre para represas que se situam a jusante. In casu, parece-nos que existe uma convergência séria dos depoimentos quanto à existência de um pórtico em lousa e de três represas, às obras realizadas, à destruição das represas e do pórtico de entrada.
Face ao exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão neste segmento, alterando-se a resposta global que passa a ter o teor já referido: “provado apenas que em data não apurada, mas após 2001, e aquando da realização de trabalhos de construção civil, a 2ª R destruiu o pórtico de entrada da mina e as represas anteriormente existentes no local, com o esclarecimento de que actualmente a água proveniente da mina é represada junto à entrada da mina com uma área aproximada de 10 m²”.
3.2. Quanto aos quesitos 6.º a 9.º
A recorrente/ré impugna a decisão sobre a matéria de facto no que respeita à resposta dada globalmente aos quesitos 6.º a 9.º, invocando os depoimentos das testemunhas U…, T… e O….
Questionava-se: 6. O pórtico de entrada na mina era constituído por duas lousas de grande porte? 7. Uma no seu interior e outra à vista? 8. O que foi destruído com as obras supra referidas? 9. Na saída da mina existia uma represa com uma área de cerca de 20 m²?
O Tribunal respondeu: provado.
Valem nesta sede: a referência aos meios probatórios contida no ponto anterior, nomeadamente quanto à síntese da prova testemunhal, a prova pericial (observação in loco), dos peritos, a inspecção judicial e a alegação do réu G…, bem como a análise crítica ali enunciada.
Não restam dúvidas de que os depoimentos convergem na afirmação de que havia duas lousas, uma maior do que a outra, não fazendo qualquer sentido a referência a “grande porte” dada a natureza conclusiva e ambígua do adjectivo[25], e não ficando clara a sua localização.
Por outro lado, as testemunhas convergem na afirmação da existência de três represas, não sabendo indicar as suas medidas (afirmam apenas que a última - a jusante -, era a maior).
Analisada criticamente a prova, concluímos que deverão ser alteradas as respostas nestes termos:
Quesitos 6.º e 7.º: provado apenas que o pórtico de entrada na mina era constituído por duas lousas.
Quesito 8.º provado.
Quesito 9.º provado apenas que na saída da mina existiam três represas, com o esclarecimento resultante da resposta unânime dos peritos no seu esclarecimento de fls. 542: actualmente “a água proveniente da mina é represada quase à entrada da mina com uma área aproximada de 10 m²”.
Procede parcialmente a impugnação neste segmento, nos termos enunciados.
3.3. Quanto aos quesitos 12.º a 14.º e 19.º
Questionava-se: 12.º O A. deixou de poder usufruir da água de rega? 13.º Deixando de poder regar as terras? 14.º De cultivá-las e receber os respectivos frutos? 19.º O facto referido em 12 ocorre desde 1997?
O Tribunal respondeu: quesitos 12.º a 14.º, não provados; quesito 19.º, “provado apenas e com o esclarecimento de que o A. deixou de usufruir água de rega desde 1993”.
Vejamos a fundamentação no que concerne a este segmento factual:
«As resposta negativas aos quesitos 12º a 14º basearam no facto destes quesitos conterem matéria de facto reportada às consequências das acções que se discutem nos presentes autos e constantes dos quesitos anteriores, ou seja, que os AA teriam deixado de poder usufruir da água de rega e de poder regar as suas terras por causa daquela acção de destruição da entrada da mina e da represa.
E da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas arroladas pelos AA (nomeadamente N…, O…) foi dito que os AA desde, pelo menos, 1993 que não usufruem da água de rega provinda da mina. Contudo, também conjugando-se a prova que se fez e constante das perícias juntas aos autos (de que os campos estão cultivados), então os campos dos AA recebem água para rega. Agora provinda da mina não o será e desde 1993. Aliás era o que se discutia na acção já intentada e com sentença proferida e referida na matéria assente. Então e se assim era não deixaram os AA de usufruir da água para rega tendo como causa a destruição do pórtico da mina e represa. Bem como não foi por essa causa que não podem regar as terras com aquela água da mina. Aliás, vejam-se os relatórios periciais maioritários (sendo que um deles é unânime apenas divergindo na sugestão de solução aventada para o caso concreto) e aos quais se adere por não se vislumbrar sequer qualquer falta de imparcialidade e objectividade, e seguindo as legis artis da matéria em causa, confirmarem, apesar de não serem unânimes, no essencial, que corre água, mas não é suficiente para a rega dos campos, seja porque não foi feito correctamente o encanamento ou outra técnica qualquer.
Contudo, a água já não estava canalizada e não se direccionava para os campos dos AA aquando da destruição do pórtico da entrada da mina e represa aqui em causa (veja-se a acção e sentença referidas em F) da matéria assente, onde já se alegou e provou que a água da mina não corria para os campos dos AA). Vale tudo por dizer que as causas de não correr água da mina para os campos dos AA foram já discutidas naquela outra acção, e já aí se deu como provado que não corria e não regava os campos dos AA a água da mina, pelo que os factos em discussão nos presentes autos, muito posteriores, nunca poderiam ter aquelas consequências alegadas e provadas naquela acção(!).
Saliente-se ainda o depoimento da testemunha arrolada pela 2ª R W…, o qual foi proprietário do terreno contíguo ao dos autores desde 1986 até 1999. Afirmou que já antes dessa data de 1999 - os AA regavam os campos com outra água que não da mina: tinham feito dois poços: 1 debaixo da ramada, perto da casa; e outro no caminho de servidão onde passavam.
Por tudo também a resposta ao quesito 19º.».
As testemunhas convergem na data de 1993, de forma convicta: a testemunha T… declarou não conseguir fixar datas (02:44), referindo, no entanto, duas: “destruíram as represas todas… a partir de 1993 (o autor) ficou sem água para regar… em 2001 a represa foi mesmo destruída… fizeram lá uma rotunda onde a água se some”; a testemunha O… declarou que “cortaram a água em 1993” (16:00); a testemunha S… declarou que os autores deixaram de receber água da mina, “desde noventa e poucos … noventa e três … ou noventa e quatro…” (07:30).
A expressão “usufruir”, face à sua natureza técnico-jurídica deveria ter sido substituída pela expressão “usar”.
Vejamos agora a prova de natureza técnica.
Relatam os peritos em 20.06.2006 (fls. 295):
«Q. 9°- O autor deixou de poder usufruir da água de rega?
Resposta: O Perito do Tribunal informa de que após vistoria efectuada à H… e observado o interior de 2 caixas que foram abertas pelo Perito dos Réus constatou que havia passagem de água limpa que é conduzida até às proximidades do terreno numa manilha de 200mm de diâmetro. Esta água é descarregada livremente numa regueira que se situa a cota um pouco mais baixa e que confronta com o prédio rústico do lado Norte. Na extremidade desde tubo existe uma curva metálica com inclinação para o prédio rústico (sul), tudo indicando que seria para ligar/engatar um troço de manilha de características e secção iguais à existente. O Perito desconhece se esse troço de manilha chegou a ser colocado efectivamente no local definitivo para conduzir a água de rega até ao prédio rústico. O perito observou igualmente de que o caudal de água que corre nesta data na manilha é insuficiente para formar um rego de água contínuo e com água bastante para regar o prédio rústico. Para o efeito, deverá ser construído nas proximidades da saída da manilha que transporta a água desde a H…, um tanque para armazenamento da água proveniente da mesma. A água armazenada já permitiria formar um rego de água contínuo para rega das culturas agrícolas existentes no prédio rústico. Por outro lado a água armazenada num tanque permitia aos proprietários regarem quando fosse mais oportuno as diversas culturas agrícola…».
Consta do relatório de “esclarecimentos” de fls. 541, de 12.12.2009:
«… c) Foram a mina e represas efectivamente destruídas?
Resposta: As represas não existem. A mina continua a ter água. Pode ter sido danificada mas não foi destruída.
d) É toda a água proveniente da mina aproveitada e conduzida para a conduta que a Ré instalou para o efeito?
Resposta: A Agua da mina é aproveitada e conduzida para a conduta que o Réu instalou para o efeito, no entanto verificou-se que a mesma se encontra obstruída pelo menos entre a 1.ª e a 2.ª Caixa.
O Perito indicado pelo Autor, para além de subscrever o referido acima é de opinião que, muita da água da mina, perde-se através da parede lateral e através do sistema de tubos e caixas instalado pela Ré para conduzir a água da mina até aos terrenos do Autor.
Como é possível verificar no local, tal como já foi verificado nas visitas efectuadas pelo Peritos ao local anteriormente e pelas fotografias juntas a água que sai junto do terreno do Autor é uma pequeníssima parte da água produzida na mina.
O Perito do Tribunal constatou que a água que chega nesta data através da referida conduta/tubo ao terreno do Autor, está reduzida a quase um fio de água, enquanto que na visita efectuada no mês de Setembro de 2006 pelos 3 Peritos, o caudal de água que jorrava da mesma era muito superior ao actual…».
Em suma: as testemunhas reportam a impossibilidade de os autores utilizarem a água da mina para rega, à data de 1993, em consequência de factos praticados pela Ré E…, S.A., que foram objecto do julgamento na acção n.º 342/98 (vide sentença junta a fls. 33), e não dos factos objecto deste julgamento (alegadamente praticados após a publicação da referida sentença - 05.01.2001); os peritos declaram que a água da mina continua a existir, escorrendo para uma represa de 10 m², e que se encontra encanada através de uma manilha, na direcção do prédio dos autores, mas que não chega a esses prédios[26].
Dos meios probatórios enunciados se deverá retirar a conclusão de que não se provaram os factos 12.º a 14.º - como consequência dos factos em discussão nestes autos (posteriores a 5.01.2001) [12.º O A. deixou de poder usufruir da água de rega? 13.º Deixando de poder regar as terras? 14.º De cultivá-las e receber os respectivos frutos?], apenas se provando como consequência dos factos que se discutiram na acção n.º 342/98, na qual a ré E…, SA, foi condenada “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até ao terreno dos AA.”
Ressalvado todo o respeito devido, afigura-se-nos que se verificou alguma precipitação dos autores com a instauração da presente acção. Com efeito, o curso da água estava já interrompido aquando da prolação da sentença na acção n.º 342/98, em 5.01.2001 (daí a condenação da ré E…, SA, que de outra forma não faria qualquer sentido), pelo que os factos praticados posteriormente pelos réus nunca poderiam ‘interromper o que já estava interrompido’.
Revela-se, em consequência, ajustada a resposta negativa aos quesitos 12.º a 14.º (que se reportam aos factos praticados em 2001).
Quanto ao quesito 19.º, para evitar ambiguidades, deverá ter a seguinte resposta explicativa: provado apenas que os autores deixaram de utilizar água da mina em consequência de factos praticados pela ré E…, SA, no ano de 1993, os quais foram objecto de julgamento na acção n.º 342/98, com o esclarecimento de que na referida acção a ré E…, SA, foi condenada “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até ao terreno dos AA.”.
Sem este aparente preciosismo na última resposta, o confronto das respostas negativas anteriores (aos quesitos 12.º a 14.º) poderia sugerir uma contradição que não existe.
Procede o recurso parcialmente, nos termos referidos, quanto a este segmento.
3.4. Quanto aos quesitos 15.º a 18.º e 20.º
Preconizam os autores a alteração das respostas a estes quesitos (conc. LCIV a XCIII).
Questionava-se:
Quesito 15.º Antes dos factos supra descritos, o A. semeava em média e por ano 2000 Kg. de milho? Quesito 16.º 50 toneladas de batatas? Quesito 17.º E vários produtos hortícolas? Quesito 18.º Com o que obtinha um lucro de 9.000 € / ano? Quesito 20.º Os terrenos em causa continuam a ser cultivados?
O Tribunal respondeu: Quesitos 15.º a 18.º provado apenas que antes dos factos descritos, o A. semeava milho, batatas e vários produtos hortícolas em quantidades não apuradas. Quesito 20.º provado.
Consignaram-se na sentença recorrida os seguintes fundamentos:
«As respostas aos quesitos 15º a 18º basearam-se essencialmente nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA que assim o disseram, não sabendo concretizar as quantidades. Por outro lado, os laudos periciais juntos aos autos referem-se a valores os quais por sua vez se baseiam nas hipóteses de os campos serem cultivados com “X” de milho ou “Y” de batata, e fazem os cálculos com base nisso. Sem embargo, questão prévia que se impunha era saber se o campo dava, efectivamente, “x” ou “y” de batata, milho ou outro produtos, para depois se saber qual o lucro produtivo.
De qualquer modo provou-se que os campos estão cultivados, conforme resulta do laudo maioritário junto aos autos e nesta parte unânime.
Daí a resposta ao quesito 20º.”.».
Quanto a esta matéria, com o devido respeito, não se vislumbra qualquer fundamento válido para responder de forma diversa.
Na síntese dos depoimentos que se fez no ponto 3.1., é patente a ambiguidade e a incapacidade de quantificação, por parte das testemunhas, da produção no terreno dos autores.
Nos relatórios periciais parte-se de uma hipótese, e assim se constrói uma teoria, desligada de qualquer alicerce sólido factual.
Veja-se o que consta de fls. 436: “Admitindo as culturas referidas (milho, batata, hortícolas diversas e forragens…) e pese embora os peritos subscritores desta perícia não poderem garantir que tenham sido estas as produções habitualmente cultivadas…”.
Ou seja, os peritos avaliam a capacidade de produção de um terreno e isso, com o devido respeito, não interessa para a dilucidação da questão que se debate nestes autos. Interessaria, isso sim, se se tratasse da avaliação do terreno, porque aí haveria que considerar a sua aptidão produtiva.
O que interessaria era saber o que os réus plantavam e o que deixaram de plantar e só depois, e em função da concreta perda de produtividade, avaliar a diferença ou prejuízo.
Quanto ao facto de os terrenos em causa os terrenos em causa continuarem a ser cultivados, todas as testemunhas o afirmam (ao contrário do que os autores referem na petição – art. 25.º e seguintes).
Acresce que a questão fica prejudicada face às considerações que se teceram no ponto anterior: a haver perda de produtividade, a mesma decorrerá dos factos praticados em 1993, que tiveram como consequência a perda de utilização de água da mina pelos autores[27], e não dos factos a que se reporta esta acção (2001), porque nessa data já o abastecimento de água se encontrava interrompido.
Ressalvando sempre o devido respeito, é manifesta a improcedência do recurso nesta parte.

4. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, considera-se provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
Dos factos assentes:
1) Da certidão da habilitação notarial de fis. 11/12 consta que em “vinte e nove de Outubro de mil novecentos e noventa e sete C… declarou que é cabeça de casal da herança deixada por seu marido B… e que nessa qualidade prestou as seguintes declarações: Que o seu marido AC…, faleceu em vinte e um de Dezembro de mil novecentos e noventa e seis, na freguesia e concelho de Valongo. . .no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral .. . Que o falecido fez testamento ... no qual instituiu usufrutuária de todos os seus bens sua referida esposa e, como herdeiros legitimários, sucederam-lhe, ela outorgante, e os seguintes filhos: B… e D….
2) Da certidão da escritura pública de fis. 20 a 32 consta que AD… e mulher AE…, doaram a AC… e esposa C… “Um campo de terra lavradia, com cabeceira de mato, videiras, com água de rega e lima, sita no …, a confrontar do nascente com a AF…, Limitada, do poente com AG… e o monte, do norte com herdeiros de AH… e do sul com AI…, prédio este com uma nesga de terra a mato, descrito na competente Conservatória sob o número dez mil duzentos e doze, a folha cinco verso, do livro B quarenta, e inscrita na respectiva matriz sob o artigo quatrocentos e oitenta e cinco...”
3) Da certidão da Conservatória do Registo Predial de Valongo n.° 02267/171193 junta a fls. 16 e 17 consta a seguinte descrição rústico “Z…” - 5. …, … - Terra a cultura, vinha e mato - 4.100 m2 - Norte, ribeiro, Sul, AJ…, Nascente, “AF1…, Limitada” e Poente, AL….
4) Da certidão supra referida em C) consta que o prédio aí descrito foi adquirido por AC…, casado com C…, na comunhão geral e residente em …, …, Valongo, por sucessão, deferida em inventário, por morte de AM… e mulher AN….
5) Da certidão da sentença transitada em julgado proferida no Processo Sumário n.º 342/1998 que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Valongo junta a fls. 147 e ss. /34 constam como AA. C…, O…, AO… e D… e como R. E…, S.A..
6) Da referida certidão de sentença consta a seguinte decisão:
«a) Reconhece-se que os AA. adquiriram o direito ao uso da água proveniente da H…, na qualidade de proprietários dos terrenos rústicos descritos na C.R.P. de Valongo sob os n.°s 02267/171193 e n.° 3809, beneficiando aquela de água de rega, com direito a dia e meio numa semana (12h de sexta-feira e 24 h de Sábado) e dois dias noutra, alternadamente, (24 h de Sábado e 24 h de Domingo) e a segunda com direito a quatro dias numa semana (24 h de Domingo, de Segunda, de Terça e de Quarta) e três noutra, alternadamente (24 h de Segunda, Terça e Quarta). Da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a primeira propriedade, descrita sob o n.° 02267/17 1193, 24 h por dia ininterruptamente. b) Condena-se a R. a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos dos AA., de forma a fazer chegar a água aos terrenos dos AA. através de obras que se adeqúem e sejam suficientes para tal finalidade, designadamente através de encanamento de água.
Da base instrutória:
7. Em data não apurada, mas após 2001, e aquando da realização de trabalhos de construção civil, a ré J…, SA, destruiu o pórtico de entrada da mina e as represas anteriormente existentes no local, sendo actualmente a água proveniente da mina represada junto à entrada desta, numa área aproximada de 10 m².
8. O pórtico de entrada na mina era constituído por duas lousas.
9. O que foi destruído com as obras supra referidas.
10. Na saída da mina existiam três represas, sendo actualmente a água proveniente da mina represada junto à entrada desta, numa área aproximada de 10 m².
11. A referida mina dava vários litros de água por dia, num caudal não apurado.
12. A qual ficava em represa durante 24 horas.
13. Antes dos factos descritos, o A semeava milho, batatas e vários produtos hortícolas em quantidades não apuradas.
14. Os autores deixaram de utilizar água da mina em consequência de factos praticados pela ré E…, SA, no ano de 1993, os quais foram objecto de julgamento na acção n.º 342/98, na qual a ré E…, SA, foi condenada “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até ao terreno dos AA.”.
15. Os terrenos em causa continuam a ser cultivados.

5. Fundamentos de direito
5.1. Natureza jurídica do direito dos autores
Como se refere no acórdão deste Tribunal, de 14.10.2013[28], o dono da água que nasce num prédio é, em princípio, o dono desse prédio, já que, nos termos do artigo 1389 do Código Civil (CC) quando nele haja alguma fonte ou nascente de água “pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente”, como é próprio do direito de propriedade, considerando que “as fontes e nascentes constituem partes integrantes do solo onde se acham implantadas. Daí, a utilização das respectivas águas decorrer do prolongamento natural do domínio do prédio sobre os seus elementos componentes” (José Cândido de Pinho, As Águas no Código Civil, 2.ª edição, Almedina, 2005, pág. 84).
Acrescenta, no entanto, o citado normativo, em moldes semelhantes ao que já previa o Código Civil de 1867[29]: “salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por justo título.”. As restrições ou limites do direito à nascente compreendem os direitos de terceiros, e estes melhor se entendem com a leitura do artigo seguinte. Com efeito, como decorre do artigo 1390, n.º 1 do CC, o justo título de aquisição da água nascida em prédio alheio “desdobra-se em a) qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis; e b) qualquer meio legítimo de constituir servidões” (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, 1990, pág. 35). O n.º 2 do mesmo preceito adverte, no entanto, que no caso da usucapião (meio legítimo de adquirir a propriedade ou de constituir a servidão) ela só é atendida “quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água desse prédio”, ainda que admita qualquer espécie de prova sobre “o significado das obras”.
Em anotação ao artigo citado, referem Pires de Lima e Antunes Varela que “O direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água; no segundo, é a da servidão (…). A constituição dum direito de propriedade depende da existência de um título capaz de a transferir; a constituição de uma servidão, da existência de um dos meios referidos no artigo 1547.º: contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão administrativa” (Código Civil Anotado, III Volume, 2.ª edição, com colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, pág. 305).
Como diz Tavarela Lobo (ob. e loc. cit.) o n.º 1 do artigo 1390.º do Código Civil consagrou “a doutrina tradicional de que o direito a uma água nascida em prédio alheio tanto pode ser um direito de propriedade como um direito de servidão”, doutrina “provinda do direito romano e que influenciou os sistemas jurídicos de diversos países entre os quais o nosso, mas que, durante décadas, foi preterida pela opinião contrária de Guilherme Moreira e outros autores[30]”. E o autor prossegue, acentuando a importância da distinção, com reflexos na possibilidade do uso da água nascida em prédio alheio, de propriedade ou de servidão: “Se o terceiro adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio e desintegrada da propriedade superficiária, aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim, constitui-se um direito de propriedade. Neste caso, o antigo dono da nascente não pode fazer novas cessões e deve mesmo abster-se de utilizar as águas da nascente”. Diferentemente, “constituir-se-á um direito de servidão se o aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) é concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste”. A fls. 153 da obra citada, reitera o mesmo autor: “Se o titular do direito à água puder captá-la subterraneamente e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Se, ao contrário, o direito ao aproveitamento da água estiver limitado a determinado prédio o direito à água constituirá um mais limitado direito de servidão”. Em suma, o terceiro, quem restringe o pleno direito à água do dono do prédio onde haja uma fonte ou nascente pode restringi-lo porque adquiriu (a seu favor) a propriedade da água ou porque viu constituída (a favor do seu prédio) uma servidão de (uso da) água, água destinada à satisfação das necessidades do (seu) prédio (dominante).
No caso em apreço, os autores limitam-se a remeter na petição inicial, para o direito que lhes foi reconhecido na sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 342/1998 que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Valongo, cuja certidão se encontra junta a fls. 147, no qual intervieram também como autores, sendo ré a dona do terreno onde se situa a mina: E…, S.A..
Invocam os autores, correctamente, nesta sede, o efeito positivo ou autoridade do caso julgado, relativamente ao trecho do dispositivo que vincula ambas as partes (dele se excluindo, obviamente, os restantes réus, que não foram intervenientes na referida acção): «a) Reconhece-se que os AA. adquiriram o direito ao uso da água proveniente da H…, na qualidade de proprietários dos terrenos rústicos descritos na C.R.P. de Valongo sob os n.°s 02267/171193 e n.° 3809, beneficiando aquela de água de rega, com direito a dia e meio numa semana (12h de sexta-feira e 24 h de Sábado) e dois dias noutra, alternadamente, (24 h de Sábado e 24 h de Domingo) e a segunda com direito a quatro dias numa semana (24 h de Domingo, de Segunda, de Terça e de Quarta) e três noutra, alternadamente (24 h de Segunda, Terça e Quarta). Da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a primeira propriedade, descrita sob o n.° 02267/17 1193, 24 h por dia ininterruptamente….».
Decorre do exposto, que na presente acção não se discute, sequer o título dos autores ou a natureza do seu direito, relativamente à água da mina: trata-se de um direito de uso.
Na conclusão enunciada reside o equívoco que, com o devido respeito, inquina a pretensão dos autores.
Vejamos porquê.
5.2. O equívoco da pretensão dos autores, baseado na propriedade da mina
Pedem os autores contra os réus E…, S.A. (dona do terreno onde se situa a mina), F…, Lda. (empreiteiro que efectuou as obras de loteamento no local), e G…, pedindo (responsável pela fiscalização das obras):
“i) que sejam os réus condenados na reconstrução natural da mina e da represa, com as mesmas características das referidas na petição inicial, ou seja:
a) a mina era constituída por duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista;
b) a represa existente na saída da mina, tinha uma área de cerca de 20 m²;
c) a mina dava, por dia, entre 80.000 a 100.000 litros de água, a qual ficava em represa durante 24 horas.
ii) que sejam ainda os réus condenados a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença;
iii) que sejam, finalmente, os réus condenados a pagarem ao autor a quantia de 18.000 € a título de lucro cessante, à qual acresce os juros legais calculados desde a data da citação até ao efectivo pagamento”.
O equívoco reside nisto: a mina (estrutura externa englobando os pórticos) não pertence aos autores. Estes apenas são titulares de um direito de uso da água.
O que os autores podem exigir, baseados no seu direito (de uso da água da mina), é apenas isto: que tal direito (traduzido na servidão do prédio onde a mina se encontra instalada), se mantenha inalterado (salvo se a nascente perder caudal ou secar naturalmente)[31], devendo o dono do terreno ou qualquer outro lesante do direito, repor a situação anterior e indemnizar pelos danos causados com a privação do uso da água, desde que verificados os requisitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil.
Ora, o direito de uso da água nada tem a ver com as lousas que formavam o pórtico, ou com quaisquer construções adjacentes, podendo o dono do terreno (que é dono da mina e da água) alterar a configuração da mina, desde que garanta o pleno fornecimento da água ao prédio dominante (dos autores).
Acontece que se provou que a interrupção da água ocorreu em 1993[32], e que na sentença proferida e transitada em julgado no processo n.º 342/1998 que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Valongo, cuja certidão se encontra junta a fls. 147, foi reconhecida aos autores a aquisição do “direito ao uso da água proveniente da mina” e foi condenada a ré, dona do prédio serviente “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos dos AA., de forma a fazer chegar a água aos terrenos dos AA. através de obras que se adeqúem e sejam suficientes para tal finalidade, designadamente através de encanamento de água.”.
Tendo-se provado que a interrupção do direito de uso da água da mina por parte dos autores ocorreu em 1993, mantendo-se no ano de 2001 (quando foi proferida a sentença no processo n.º 342/1998), revela-se inútil e, salvo todo o respeito devido, precipitada, esta acção, que tem como pressuposto um facto impossível: se a utilização da água já se encontrava impedida por facto anterior[33], não se vislumbra como possa ter sido impedida pelos factos discutidos nesta acção, praticados no ano de 2001.
Por outro lado, tendo sido a ré dona do terreno onde se encontra a mina – E…, S.A., condenada com trânsito em julgado, em 2001, no reconhecimento da aquisição do “direito ao uso da água proveniente da mina” e “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos dos AA., de forma a fazer chegar a água aos terrenos dos AA. através de obras que se adeqúem e sejam suficientes para tal finalidade, designadamente através de encanamento de água.”, para que esta acção tivesse sentido útil, seria necessário: i) que a ré restabelecesse o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos dos autores; ii) que depois dessa reposição a ré ou terceiros, voltassem a interromper o acesso da água ao prédio dos autores.
Finalmente, ressalvando sempre o devido respeito, face à natureza do direito dos autores, definida no ponto anterior como direito de uso da água (correspondente à servidão a que se encontra vinculado o prédio serviente, propriedade da ré E…, S.A.), não se vislumbra fundamento jurídico para a condenação da empreiteira que realizou as obras em 2001 (ré J…, SA), a repor pórticos de “lousas de grande porte” ou a reconstruir represas, quando impende sobre a dona do terreno o comando contido em sentença transitada em julgado, ainda não cumprido, de reposição do curso da água para o prédio dominante.
Quanto aos danos alegados (e não provados), nunca poderiam resultar da factualidade alegada nesta acção (factos ocorridos no ano de 2001), considerando que, a existirem, a sua causa só poderia remontar a uma data anterior àquela em que foi intentada a acção n.º 342/1998.
Decorre do exposto, reiterando o devido respeito, a manifesta improcedência da pretensão dos autores (na acção e no recurso), e a procedência da pretensão recursória da ré J…, SA.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação:
1) em julgar totalmente improcedente o recurso dos autores, qual negam provimento;
2) em julgar totalmente procedente o recurso da ré J…, SA., ao qual concedem provimento;
3) em consequência, em revogar a sentença recorrida, absolvendo a ré recorrente de todos os pedidos formulados pelos autores.
Custas do recurso pelos autores.
*
O presente acórdão compõe-se de sessenta páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 16 de Março de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
__________________
[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.». O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte dos recorrentes, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada. No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar os recorrentes a aperfeiçoarem as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso, face à vetustez da acção (entrada ainda no longínquo ano de 2003).
[2] Também esta recorrente nos merece a crítica que se consignou relativamente aos autores. Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.». O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte da recorrente, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada. No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar os recorrentes a aperfeiçoarem as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso, face à vetustez da acção (entrada ainda no longínquo ano de 2003).
[3] A recorrente apresentou 28 páginas de conclusões, sem qualquer preocupação de síntese, em formato não editável, insusceptível de digitalização, face ao tipo de letra, o que inviabiliza a sua transcrição.
[4] Neste segmento das conclusões, a recorrente chama à colação uma sentença proferida no processo crime, que transcreve parcialmente, na qual se considerou provada a destruição “do pórtico da entrada da mina e represa”.
[5] Às decisões proferidas após a entrada em vigor do NCPC, em acções instauradas antes de 01 de Janeiro de 2008 (como é o caso), é aplicável o novo regime dos recursos, com excepção da irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme – cfr. artigo 7.º/1 da Lei n.º nº 41/2013, de 26 de Junho.
[6] Refere-se na conc. VI: “O Julgador não explica em que se baseou a sua convicção. Baseou-se no conjunto da prova produzida? Baseou-se apenas na prova documental? Baseou-se apenas na prova testemunhal? Nos relatórios periciais?”.
[7] Vide António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, 2008, pág. 306.
[8] Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, página 687.
[9] No mesmo sentido: Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 140; J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, volume 2, Coimbra Editora, 2001, pág. 669; acórdão do STJ de 28.10.1999, CJ, III, 1999, pág. 66; e acórdão da RC de 11.01.2005, Proc. 1862/04, acessível em http://www.dgsi.pt.
[10] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[11] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 2011, proferido no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1, acessível no site da DGSI.
[12] Proferido no Proc. n.º 07P4833, acessível no site da DGSI.
[13] Também disponível em http://www.dgsi.pt (Proc. n.º 96B980)
[14] Estes dois últimos disponíveis em http://www.dgsi.pt
[15] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2001, pág. 325; Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ 325º, págs. 49 e seguintes.
[16] Correspondente ao art. 668º, nº 1, alínea c), do CPC anterior.
[17] Acórdão do STJ, de 30.09.2004, proferido no Processo n.º 04B2894, acessível em http://www.dgsi.pt
[18] Como adverte o Professor Antunes Varela (Antunes Varela Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, pág. 686), não se incluem entre as nulidades da sentença, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável e o erro na construção do silogismo judiciário, ao contrário do que ocorria no Código de 1867.
[19] Veja-se, nesse sentido: Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, pág. 686; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 1984, página 137; acórdão do STJ, de 26.09.2012, proferido no Proc. n.º 14127/08.7TDPRT.P1.S1 (acessível no site da DGSI); e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 153/92, de 21 de Abril de 1992, Proc. 217/90, 1.ª Secção, BMJ 416, 287 (relatado pelo Conselheiro António Vitorino).
[20] A sentença condenou nos termos peticionados (incorrecta e conclusivamente) pelos autores, sendo certo que razões de certeza jurídica do caso julgado e de compreensão objectiva do veredicto recomendariam maior clareza e precisão, sobretudo porque se trata de condenação em prestação de facto, cujos contornos deveriam ter sido definidos de forma mais adequada à sua realização.
[21] Veja-se este exemplo: “Esclareçam os Senhores Peritos se as obras que foram levadas a efeito pela 1.ª Ré, considerando inevitavelmente a existência de represas a jusante da mina, não destruíram forçosamente essas represas, tal como destruíram o canal de rega que naturalmente estava desenhado no terreno”. Com o devido respeito, parte-se de premissas por demonstrar, retiradas de uma sentença anterior, inoponíveis aos réus que não intervieram na acção em que foi proferida, como amplamente se referiu supra. O artigo 388º do Código Civil define a prova pericial, de acordo com um critério funcional, como aquela que tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos às pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. Não cabe na previsão legal o ‘fornecimento’ aos peritos de factos instrumentais, não demonstrados, para que eles a partir dessa base instável, insusceptível de alicerçarem uma conclusão segura, infiram mediante um processo lógico, um outro facto que se pretende provar, como ‘consequência necessária’ das premissas referidas, num processo de presunção judicial reservado ao julgador.
[22] Também a M.ª Juíza se deslocou ao local onde, de acordo com o relatório da inspecção judicial (fls. 1145), apenas viu: “1) No local constata-se que a mina existe e que não tem lousas; 2) Do passeio até á entrada da mina distam cerca de 5 metros”.
[23] Conforme adiante se fundamentará, face ao enquadramento jurídico dos factos torna-se irrelevante a questão da alegada destruição das lousas”.
[24] Afirmam, no entanto, também por unanimidade, que a água da mina é aproveitada e conduzida para a conduta que o Réu instalou para o efeito…” (fls. 541).
[25] Conforme refere Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág. 138.), devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que porventura tenham, simultaneamente, uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem. A adjectivação “grande porte” terá diferentes significados consoante o destinatário que a interpreta, tendo carácter obviamente conclusivo, devendo o Tribunal “quantificar” na medida do possível a medida ou o peso. Ora, nenhuma das testemunhas referiu qualquer medida ou peso, pelo que o Tribunal se deveria ter ficado pelo substantivo (lousas), excluindo a conclusão (do campo da relatividade e da ambiguidade) contida no adjectivo (grande porte).
[26] Da leitura dos relatórios periciais ficamos com dúvidas sobre a diligência de qualquer das partes: quer da ré E…, SA., quer dos autores, que podiam aproveitar a infra-estrutura (encanamento) instalada no local, para fazer chegar a água aos prédios dos autores. Veja-se a sugestão dos peritos do Tribunal e dos réus (fls. 542 e 543), que se fosse levada em consideração podia evitar este tipo de conflito, talvez injustificado.
[27] Os quais, como amplamente se referiu, foram objecto de julgamento na acção n.º 342/98, na qual a ré E…, SA, foi condenada “a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até ao terreno dos AA.”.
[28] Aresto que, neste segmento, seguiremos de perto, roferido no Processo n.º 697/08.3TBVRL.P1, subscrito pelo relator como adjunto (acessível no site da DGSI).
[29] Artigo 444: "O dono do prédio onde houver alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvo o direito que algum terceiro tenha adquirido a esse uso por título justo"
[30] Dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código… cit., pág. 304), "Guilherme Moreira, no seu estudo sobre as Águas (II, n.º 3), sustentou uma doutrina que fez escola entre nós (…): a de que o direito a uma água que nasce em prédio alheio é sempre um direito de propriedade e nunca um direito de servidão".
[31] Rege nesta matéria, o artigo 1571.º do Código Civil, que dispõe: «A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea b) do nº 1 do artigo 1569º».
O prazo referido é de vinte anos.
A ratio legis do normativo transcrito é lapidarmente definida por Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, pág. 624), nestes termos: «Suponhamos que seca a nascente de água que servia de objecto à servidão, ou que é dado outro destino ao edifício onde estava a igreja ou a fábrica, às quais tinha acesso o dono do prédio dominante. Se os factos forem temporários, seria manifesto desacerto considerar extinta a servidão, prejudicando definitivamente os interesses do proprietário dominante. Mesmo, porém, que a impossibilidade seja considerada permanente e irremediável, se nenhum interesse reveste a afirmação (platónica) de que a servidão se mantém, também se afigura manifestamente inútil a declaração formal da sua extinção.».
[32] Afirmação reiterada pelas testemunhas dos autores, como se refere na apreciação do recurso da matéria de facto.
[33] Que se mantinha, não havendo notícia nos autos de cumprimento da sentença por parte da ré dona do terreno onde se encontra a mina.