Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3610/18.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA NO SANEADOR
SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DE DIREITO
Nº do Documento: RP201905223610/18.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º294, FLS.58-61)
Área Temática: .
Sumário: I - O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito.
II - Face ao referido em I, apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertido com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 3610/18.6T8MTS.P1
Autor: B…
Réu: C…
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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, pretendendo que seja declarada a ilicitude do despedimento, por não ter sido precedido de procedimento, nem terem sido efetuadas as comunicações legalmente impostas, que seja declarada a nulidade do acordo de cessação do contrato de trabalho, em virtude da vontade declarada não corresponder à sua vontade real, por erro nos termos do artigo 247.º do Código Civil, que o Réu seja condenado a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior a €5.000,00, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado, uma indemnização de antiguidade correspondente a um mês de remuneração base por cada ano ou fração de antiguidade, no valor mínimo de €1.671,00, a quantia de €8.686,30 referentes às prestações vencidas e não pagas de trabalho suplementar, a quantia de €12.542,04 nos termos do artigo 231º, nº 3, do Código do Trabalho, caso o Réu não apresente o registo de trabalho suplementar, a quantia de €4.564,62 referente às prestações vencidas e não pagas pelo incumprimento dos intervalos para descanso, a quantia de €561,75 referentes às prestações vencidas e não pagas de crédito de formação que não fez, a quantia de €3.063,50, referente à retribuição de férias vencidas e não pagas, €1.114,00 referente aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal do ano da cessação do contrato de trabalho, a quantia de €2.228,25 referente ao crédito resultante da violação do direito de gozo de férias, tudo acrescido de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento e ainda a ré condenada a reconhecer que as remunerações a pagar a título de trabalho extra/suplementar devem ser incluídas na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço do Réu por contrato verbal, em 01/06/2012, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de agente desportista na função de técnico de desporto, cumprindo o horário de segunda a sexta-feira, das 13h30 às 22h aos sábados das 13h30 às 19h30, com descanso semanal ao domingo e que nunca lhe foi paga qualquer quantia a título de horas extraordinárias/suplementares, que não usufruía dos intervalos para refeições que nunca gozou a totalidade dos dias de férias a que tinha direito e que recebia o rendimento mínimo nacional mensal. Mais alega que foi verbalmente despedido pelo Réu, sendo surpreendido com a atitude deste quando perante a especulação do autor sobre a possibilidade iniciar um projeto pessoal, lhe disse que se pretendesse continuar a trabalhar com ele, as condições seriam bem diferentes, colocando entraves e constrangimentos ao desenvolvimento normal do trabalho, pressionando-o e coagindo-o, ao despedimento sem qualquer procedimento prévio, pelo que o autor confrontado com aquele posicionamento saiu, sob a condição e compromisso do réu lhe apresentar as contas e se liquidarem os créditos advindos do contrato de trabalho e da sua cessação, tendo, por isso, o autor assinado a documentação que lhe foi apresentada e que visava única e exclusivamente entregar no Instituto de Emprego, para lhe ser assegurada a proteção pelo desemprego. Contudo, diz, o réu não cumpriu as suas promessas, nuca tendo apresentado as contas ao autor, muito menos pago pela cessação do contrato, tendo feito apenas três transferências bancárias, no valor total de €550,00, desconhecendo o autor a que título foram realizadas porquanto nunca lhe foram apresentadas contas, nem negociou qualquer valor com o réu. Por último, alega, também, que o acordo de cessação do contrato de trabalho que subscreveu é nulo porque não teve nenhuma vontade de acordar a cessação do vínculo laboral, não tendo havido qualquer negociação nesse sentido, tendo o documento sido assinado apenas com o fim de fazer face à sua situação de desemprego, não tendo sido estabelecida qualquer compensação pecuniária, não contendo o documento a menção do prazo para o exercício do direito de fazer cessar o acordo, agindo o Réu de má-fé, mais acrescentando, por último, que o motivo invocado pelo Réu nos documentos que ele Autor assinou, ou seja, a necessidade de reduzir o número de trabalhadores, não corresponde sequer à verdade, tendo logo sido contratada outra pessoa para substituir o autor, não tendo sido cumpridas as formalidades para o despedimento por extinção do posto de trabalho.
Conclui por fim o Autor que tudo revela a vontade unilateral do Réu em fazer cessar a relação laboral com carácter definitivo a partir de 31/08/2017.

1.1 Realizada a audiência de partes, não tendo sido logrado o acordo, foi o Réu notificada para contestar, o que fez, alegando nunca ter despedido o Autor, tendo antes acedido ao pedido deste, já que ainda demoraria uns meses a estabelecer-se, para celebrar o acordo de cessação do contrato de trabalho, com a ressalva de nada poderia reclamar do Réu, nunca tendo tido, diz, intenção de pôr termo ao contrato, tendo para o efeito o Autor de livre e espontânea vontade assinado um acordo de cessação do contrato e uma declaração de quitação. Mais refere que o Autor não podia ignorar a essencialidade da declaração e que não desconhecia que estava a assinar um acordo e uma declaração de quitação. Por fim nega que o Autor alguma vez tenha prestado trabalho suplementar, que parte dos créditos peticionados a esse título já se encontram prescritos, que tratando-se de uma microempresa nada é devido a título de crédito de formação, que o autor gozava as férias a que tinha direito, sendo os subsídios de férias e de Natal pagos em duodécimos.

1.2 O autor, notificado da contestação e documentos juntos pelo réu, apenas se pronunciou quanto a estes, requerendo a condenação do Réu em multa, pela junção tardia de documentos que havia protestado juntar na contestação, e alegando que os restantes não podem ser considerados, na medida em que não referem a data em que teriam sido elaborados, não há qualquer assinatura dos representantes legais da empresa, muito menos do seu carimbo, sequer se consegue extrair o local da afixação, não tendo impugnado os factos alegados pelo réu.

1.3 Após deferimento de pedido de escusa por parte da Juiz titular, foi designada data para a audiência a que se refere o artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho, com vista a tentativa de conciliação e à discussão de facto e de direito, com vista à decisão do mérito da causa, por se ter entendido que os autos contêm já todos os elementos necessários para o efeito.

1.4 No seguimento veio depois a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Por todo o exposto julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, decido absolver o réu, C…, de todos os pedidos contra ele formulados pelo autor, B….
Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga – art. 527º do Código de Processo Civil.
Valor da causa: €39.431,46 (trinta e nove mil quatrocentos e trinta e um euros e quarenta e seis cêntimos).
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido apresentou o Autor recurso de apelação,
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2.1 Não constam dos autos contra-alegações.
2.2 O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:
II. Delimitação do objeto do recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso – artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho (CPT) e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do Código de Processo Civil (CPC) –, são as seguintes as questões a decidir neste recurso: (1)…; (2) Suficiência da matéria de facto para conhecimento do mérito no saneador.
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III. Fundamentação:
A. Fundamentação de facto:
1. O Tribunal recorrido considerou provados os factos seguintes,por acordo das partes nos articulados e por documento não impugnado”:
“1) O autor foi admitido ao serviço pelo Sr. C…, este com a actividade de ginásio, por contrato verbal, em 01/06/2012, para exercer, como exerceu, as funções inerentes à categoria profissional de atletas desportistas e trabalhadores similares, na função de técnico de desporto.
2) O autor tinha como funções participar no planeamento, na organização e no desenvolvimento do treino de modalidades desportivas, individuais ou colectivas, organizar e dinamizar as actividades físicas e desportivas em contexto de ocupação de tempos livres, animação e lazer, salas de musculação, orientar as sessões de treino com vista ao aperfeiçoamento dos atletas; colabora na avaliação dos resultados das sessões de treino em função da sua adequação aos objectivos estabelecidos, participar no planeamento e coadjuvar na implementação de actividades, individuais ou de grupo, de melhoria da aptidão física, no âmbito do treino desportivo.
3) No ano de 2016 o autor auferia a retribuição mensal base de €530,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €41,21 por dia e dos duodécimos de subsídio de férias e do subsídio de natal, no valor de €44,17 cada.
4) No ano de 2017 o autor auferia a retribuição mensal base de €557,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €41,21 por dia e dos duodécimos de subsídio de férias e do subsídio de natal, no valor de €46,42 cada.
5) Com data de 25 de Agosto de 2017 o autor, como segundo outorgante e o réu como primeiro outorgante, assinaram o documento de fls. 4, com o seguinte teor:
“Acordo de cessação de contrato de trabalho
(…)
é livremente e de boa fé firmado e reduzido a escrito o presente acordo para cessação de contrato de trabalho por mútuo consentimento, nos termos dos artigos 349º e seguintes da lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.
Cláusula primeira
A grave crise que afecta este estabelecimento, que resultou numa redução significativa do seu volume de negócios, forçou a Gerência a proceder a uma reestruturação, pelo que o Primeiro outorgante vê-se na necessidade imperiosa de reduzir o número de trabalhadores, sob condição de pôr em causa a sua viabilidade.
Cláusula segunda
O Primeiro e o Segundo Outorgantes declaram revogar por mútuo acordo o contrato de trabalho entre ambos com efeitos a partir de 31 de agosto de 2017, data em que se considera para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato.
Cláusula terceira
Este acordo é celebrado em duplicado e vai assinado por ambos os Outorgantes, por ser a expressão fiel da sua vontade, ficando o original em poder do Primeiro Outorgante e o duplicado em poder do Segundo.”
6) Com a mesma data de 25 de Agosto de 2017 o autor como segundo outorgante e o réu como primeiro outorgante, assinaram o documento de fls. 4 verso, com o seguinte teor:
“Acordo de cessação de contrato de trabalho (…)
é livremente e de boa fé firmado e reduzido a escrito o presente acordo para cessação de contrato de trabalho por mútuo consentimento, nos termos do nº 4 do art. 10º, nº 2 do art. 43º e nº 2 do art. 74º do Decreto Lei 220/2006 de 3/11.
Cláusula primeira
A grave crise que afecta este estabelecimento, que resultou numa redução significativa do seu volume de negócios, forçou a Gerência a proceder a uma reestruturação, pelo que o Primeiro outorgante vê-se na necessidade imperiosa de reduzir o número de trabalhadores, sob condição de pôr em causa a sua viabilidade.
Cláusula segunda
O Primeiro e o Segundo Outorgantes declaram revogar por mútuo acordo o contrato de trabalho entre ambos com efeitos a partir de 31 de agosto de 2017, data em que se considera para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato.
Cláusula terceira
Este acordo é celebrado em duplicado e vai assinado por ambos os Outorgantes, por ser a expressão fiel da sua vontade, ficando o original em poder do Primeiro Outorgante e o duplicado em poder do Segundo.”
7) Com data de 31 de Agosto de 2017 o autor subscreveu a declaração de fls. 46, com o seguinte teor: “(…) declaro para os devidos efeitos e fins convenientes que me sinto totalmente pago e satisfeito do Sr. C…, e que nada mais tenho a receber do mesmo.”
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B. Motivação:
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2. Matéria de facto/invocada insuficiência para a decisão de direito
Em sede de recurso, vem o Apelante invocar que o conhecimento do mérito na fase em que o foi, assim na fase de saneamento, é prematura, impondo-se que antes se proceda à instrução e julgamento, a fim de apurar os factos alegados e nesta fase controvertidos que importam à boa decisão da causa, havendo pois de revogar-se a decisão proferida.
E, na nossa ótica, assim é de facto, como demonstraremos de seguida.
Na petição inicial foi alegada factualidade pelo Autor que, tendo sido impugnada pelo Réu na contestação, teremos de ter nesta fase como controvertida, aí se incluindo, para além do mais, e desde logo, a alegada nos artigos 26.º a 46.º, em que se invoca, designadamente: que não houve acordo/vontade do autor de acordar a cessação do vínculo laboral, não tendo havido qualquer negociação nesse sentido; que os documentos, embora sob a epígrafe de “Acordo de cessação de contrato de trabalho”, foram assinados sob o único e precípuo fim de fazer face à situação de desemprego, tendo o réu agido de má-fé ao não informar e entregar ao autor os documentos que serviriam apenas para entregar à Segurança Social, fazendo-o presumir em tudo idênticos, mas, diferentes; que o único documento gizado e delineado foi o doc.5, com vista à entrega à Segurança Social.
Pois bem, sendo verdade que com a contestação foi junto um outro documento, a designada “declaração” a que se alude no ponto 7.º da factualidade considerada provada na sentença – «Com data de 31 de Agosto de 2017 o autor subscreveu a declaração de fls. 46, com o seguinte teor: “(…) declaro para os devidos efeitos e fins convenientes que me sinto totalmente pago e satisfeito do Sr. C…, e que nada mais tenho a receber do mesmo”» –, não é menos verdade que foi alegada na petição inicial factualidade que poderá via a assumir, pelo menos segundo uma das posições na nossa perspetiva também admissível para a aplicação do direito, relevância no momento da sua aplicação[1]’[2].
Ora, possibilitando é certo o n.º 2 do artigo 61.º, do Código de Processo de Trabalho[3], o conhecimento do mérito na fase do saneador – “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa” –, considera-se porém que, nesses casos, não basta que os elementos existentes permitam esse conhecimento segundo uma das soluções plausíveis e sim, noutros termos, que aqueles permitam esse conhecimento de acordo com as várias soluções plausíveis para a aplicação do direito. Dito de outro modo, não se deve passar desde logo ao conhecimento do mérito, com base no citado normativo, se esse conhecimento apenas tiver na base alguns dos elementos alegados, com omissão porém da discussão da causa de factos, também alegados, nessa fase ainda controvertidos, indispensáveis para a apreciação do mérito,ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito.
Deste modo, sendo esse o caso, como se viu, sempre ocorrerá fundamento, nos termos estabelecidos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, para a anulação da decisão proferida, por se considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, o que passará, dada a fase em que se encontram os autos, por determinar que estes sigam os seus termos subsequentes, incluindo a realização da instrução e julgamento, para conhecimento dos factos alegados e nesta fase ainda controvertidos.
Procede, em conformidade, o presente recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC, por efeito da anulação da sentença, as custas são suportadas pela parte vencida a final.
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IV. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em anular a decisão recorrida, determinando que os autos prossigam os seus termos subsequentes, incluindo, salvo se outra razão o vier a obstar, a realização da audiência de discussão e julgamento, para depois, então sim, ser proferida a sentença.
Custas do recurso pela parte vencida a final, na proporção que vier então a ser definida.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 22 de maio de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Veja-se, por exemplo, o recente Acórdão STJ de 13 de fevereiro de 2019, Relator Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt, no qual se escreve, a propósito da interpretação de um documento, o seguinte:
(...) Ora, e antes de mais, o artigo 236.º manda que se atenda, quando se interpreta uma declaração, ao contexto concreto em que a mesma foi emitida. Com efeito, há-de atender-se ao sentido que “um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”. A posição do real declaratário não é aqui a de um desconhecido que nunca teve quaisquer outras relações mormente contratuais com o declarante, mas sim a do empregador deste que não desconhece, nem pode desconhecer, que o trabalhador prestou centenas de horas de trabalho suplementar (facto 16), trabalhou em dias de descanso (facto 17), sem descanso compensatório (facto 18) e em dias feriados (facto 19) e a quem nunca prestou formação profissional (facto 20). Nestas condições, e não se tendo provado qualquer negociação prévia ou que o trabalhador fosse alertado para os direitos a que estava pretensamente a renunciar, não pode o declaratário, agindo de boa fé, deduzir a existência de uma remissão da assinatura de um documento, dito de quitação e pagamento de direitos, quando pagamento e remissão são causas bem distintas de extinção das obrigações. Acresce que o n.º 1 do artigo 236.º salvaguarda no seu inciso final que a declaração negocial não pode valer com um sentido com o qual o declarante não podia razoavelmente contar. E o declarante não podia razoavelmente contar que ao assinar uma declaração dita de quitação e pagamento de direitos, sem que se tenha provado que tenha tido a possibilidade de recurso em tempo útil a um aconselhamento jurídico independente, estaria na verdade a remitir dívidas do seu empregador.(...)”
[2] Veja-se, ainda, o Ac. desta Secção de 2 de março de 2017 – disponível em www.dgsi.pt, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho e em que teve intervenção como adjunto o aqui relator –, a propósito da alegação e prova da verificação de qualquer eventual vício da vontade (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil), suscetível de inquinar a validade da declaração.
[3] Ainda, artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do NCPC.