Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1123/19.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
DANO DA MORTE
Nº do Documento: RP202104271123/19.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a condutora de um veículo ligeiro segue pela via central de uma auto-estrada, com três vias de trânsito no mesmo sentido, sem se aperceber que um outro veículo, que tinha as luzes de perigo ligadas, se encontrava imobilizado nessa mesma via, sendo que vários veículos que a antecederam dele se lograram desviar e que nos momentos imediatamente anteriores ao embate não circulavam quaisquer outros veículos nas três vias, terá que se concluir que aquela, que não esboçou qualquer manobra de recurso a fim de evitar o embate, circulava de forma desatenta e imprevidente, tendo, por isso, em concorrência com a própria vítima, culpa na eclosão do acidente.
II - A proporção de culpas adequada será de 30% para a vítima e de 70% para a segurada na ré.
III - Atendendo a que a vítima era um jovem de 29 anos de idade, casado, com uma filha de apenas 4 anos e com uma elevada expetativa de vida, consideramos justo e equitativo que pela perda do seu direito à vida a indemnização seja fixada na importância de 90.000,00€.
IV - No que toca à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e pela filha com a morte da vítima, face aos padrões jurisprudenciais adotados e à factualidade apurada, consideramos adequado que os respetivos montantes indemnizatórios se fixem quanto à viúva em 30.000,00€ e quanto à filha em 35.000,00€.
V - O sofrimento tido pela vítima entre o momento do embate e o momento da morte é indemnizável, mesmo não se tendo provado o período de tempo que mediou entre estes dois momentos.
VI - Com efeito, por mais imediata que tenha sido a morte, esta raramente se configura como um acontecimento instantâneo; por breves que tenham sido os momentos que a antecederam, designadamente em eventos de natureza traumática, a vítima não pode deixar de sentir intensas dores físicas, mesmo que por escassos segundos ou até nanosegundos, tal como não poderá deixar de sentir a angústia própria da súbita e inesperada finitude.
VII - De qualquer modo, a modulação desta indemnização sempre dependerá, designadamente, do sofrimento e da respetiva duração e da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado de aproximação da morte.
VIII - O princípio geral de consideração do benefício da antecipação na indemnização devida por dano patrimonial futuro terá que ser adaptado às circunstâncias do caso concreto e ao quadro económico existente, de tal modo que haverá de se ter em conta que nos últimos anos têm sido muito baixos, raiando a insignificância, os valores das remunerações resultantes da aplicação de capital.
IX - Por esse motivo, uma dedução de 10% ao valor da indemnização arbitrada no segmento de danos patrimoniais futuros, noutros tempos adequada, afigura-se presentemente excessiva e não consentânea com a realidade actual.
X - No presente caso, tendo em conta a juventude da vítima (29 anos) e o longo período temporal a ter em atenção para o cômputo da indemnização por dano patrimonial futuro (20 anos e 6 meses) com a perspetiva de aumentos salariais, não deve ser efetuada qualquer dedução.
XI - A finalidade da pensão de sobrevivência coincide, verificados os respetivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização para os familiares da vítima, decorrente da perda dos rendimentos de trabalho proporcionados por esta e, assim sendo, porque vocacionadas para o ressarcimento do mesmo dano, são insuscetíveis de cumulação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1123/19.8 T8PVZ.P1
Comarca do Porto
– Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 6
Apelação
Recorrentes: B… e C…; “D….”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora B…, por si e em representação da menor, C…, nascida a ...7.2013, ambas residentes na Rua…, n.º …, Valongo, instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a ré “D…, S.A.”, com sede na Av…, …, Lisboa, (em virtude da transformação jurídica efectuada na «E…, S.A.»).
Concluem pedindo, a condenação da ré a pagar:
a) A quantia de 176.400€ a título de alimentos devidos à menor C…;
b) A quantia de 1.873,83€ a título de despesas do funeral da vítima;
c) A quantia de 25.000€ a título de indemnização pelo sofrimento da vítima entre o momento do acidente e a sua morte;
d) A quantia de 100.000€ a título de danos pela supressão do direito à vida (dano morte);
e) A quantia de 35.000€, a título de danos não patrimoniais sofridos pela autora C…, relativamente à perda do seu pai;
f) A quantia de 30.000€ à autora B… pela perda do seu marido.
Tudo perfazendo o montante global de 368.273,83€, a que acrescerão juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegam, para tanto e em síntese, que, pelas 19h30m do dia 8.2.2018, no Km 10,40 da auto-estrada A3, no sentido Porto/Braga, na Maia, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NQ, conduzido por F… (marido da primeira autora e pai da autora G…) e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-JD-.., conduzido por H…, sendo que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, na condução deste último veículo se encontrava, à data do sinistro, valida e eficazmente transferida para a ré através de contrato de seguro.
A colisão ocorreu após o mencionado F…, por razões não apuradas, ter imobilizado o seu veículo na via central das três faixas existentes do troço da referida auto-estrada, destinado ao sentido de trânsito Braga-Porto, não sem antes ter ligado as luzes avisadoras de perigo de acidente.
Após vários minutos de imobilização, durante os quais foi ultrapassado por diversos veículos que seguiam no mesmo sentido de trânsito, o mencionado veículo de matrícula ..-..-NQ foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do veículo de matrícula JD, cuja condutora, seguindo no mesmo sentido de trânsito, pela faixa central, a uma velocidade de pelo menos 140 km/hora, não travou, nem desviou a trajetória do seu veículo, por forma a evitar a colisão.
O acidente ficou assim a dever-se unicamente à atuação culposa da condutora do veículo de matrícula JD que, seguindo sem prestar atenção à via e aos outros veículos, provocou um embate que poderia ter evitado.
Em consequência da colisão, o dito F… sofreu gravíssimas lesões que lhe vieram a provocar a morte.
As autoras, mulher e filha do aludido F… – e, por isso, únicas herdeiras deste - pretendem ser ressarcidas dos danos não patrimoniais que elas próprias sofreram em consequência da perda do seu marido e pai, bem como lhes seja reconhecido o direito a uma indemnização pelas dores sofridas pela vítima entre o momento do embate e a morte desta e ainda pelo dano correspondente à perda do direito à vida desta última.
Mais reclamam uma indemnização por danos patrimoniais correspondentes à quantia que a autora C… iria receber do seu falecido pai, a título de alimentos, até perfazer a idade de 25 anos, bem como o montante que a autora B… teve de despender com o funeral do seu marido.
Regulamente citada, veio a ré contestar.
Sustenta que o acidente dos autos se ficou a dever unicamente a uma atuação culposa da vítima, na medida em que o respectivo veículo se encontrava imobilizado, sem luzes e sem qualquer sinalização, em plena faixa de rodagem, sendo que a condutora do JD, que não contava com a presença de tal obstáculo na via por onde seguia, apesar de ter travado, não conseguiu evitar o embate. Para além do mais, alega que o mencionado F… conduzira sob o efeito de substâncias estupefacientes.
Impugna ainda os danos invocados pelas autoras.
Regularmente citado, o Instituto de Segurança Social (ISS) veio apresentar pedido de reembolso do subsídio por morte e das pensões de sobrevivência que, em consequência da morte do dito F…, pagou e vem pagando às autoras.
Conclui requerendo a condenação da ré a pagar-lhe o valor total de 5.688,10€, correspondente aos valores já pagos às autoras a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência, bem como o valor das pensões que forem pagas e se vencerem na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respectivos juros de mora legais, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Contestando este pedido de reembolso, nos mesmos moldes que o fez em relação ao pedido principal, a ré sustenta ainda que, a ser o mesmo procedente, deve ter-se em consideração, para efeitos de indemnização a pagar às autoras, os valores que a estas foram pagos pelo ISS.
Realizou-se audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
Seguidamente foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré «D…, SA» a pagar:
- A ambas as autoras, em conjunto, a quantia de 56.000,00€, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, desde a data da notificação desta sentença, até efetivo e integral pagamento;
- À autora B… a quantia de 17.500,00€[1] e à autora C… quantia de 21.000,00€, a título de danos não patrimoniais sofridos por cada uma delas com a morte de seu marido e pai, respetivamente, em ambos os casos acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação da sentença, até efetivo e integral pagamento;
- À autora C… a quantia de 24.524,00€, correspondente à indemnização por alimentos, acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação da ré para os termos da presente acção, até efetivo e integral pagamento;
- Ao interveniente ISS a quantia global de 3.981,67€, acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação da ré para os termos do pedido de reembolso, bem como do valor correspondente a 70% da prestação mensal da pensão de sobrevivência que a interveniente haja pago e venha a pagar às autoras após julho de 2019.
Inconformadas com o decidido, as autoras interpuseram recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I- Da impugnação da matéria de facto
1.1. Do vencimento auferido pela vítima na sua atividade de serralheiro
O Meritíssimo Juiz a quo apreciou erroneamente a prova produzida em julgamento, dando como não provado o facto, alínea i), no que concerne ao vencimento auferido pela vítima na sua actividade de serralheiro.
Na verdade, tendo em conta a prova testemunhal e documental, o tribunal recorrido teria que dar como provado o facto elencado na alínea i) dos factos não provados.
Ora, atenta a prova produzida, gravada em suporte magnético, mormente no que concerne à prova testemunhal, conjugada entre si, teria que ser dada como provada a factualidade da alínea i) dos factos não provados elencados na sentença recorrida. Ao não ter sido, verifica-se um manifesto erro na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
1.1.1. O tribunal recorrido teria que atentar na prova testemunhal relevante para prova do facto i), designadamente:
………………………………….
………………………………….
…………………………………
1.1.2. O tribunal recorrido teria também de se apoiar na prova documental junta, bem como do salário médio mensal pago a um serralheiro no nosso país.
Pelo que a ser esta prova apreciada correctamente era forçoso dar-se como provado a alínea i) dos factos não provados da sentença recorrida, passando a constar do elenco dos factos dados como provados que, “A vítima F… auferia, à data do acidente, o salário mensal de 809,67€”.
II- Da repartição de culpas
2.1. O tribunal recorrido repartiu as culpas entre os condutores dos veículos NQ e JD quando não o poderia fazer já que a culpa do acidente ficou a dever-se única e exclusivamente à condutora do veículo segurado na ré, porquanto:
- o veículo NQ, seguia pela A3, sentido Braga/Porto, pela via central das três faixas existentes naquele troço; por razões não apuradas, a marcha daquele veículo começou a abrandar, tendo o respectivo condutor ligado as luzes avisadoras de perigo; também por razões que não se lograram apurar, o dito veículo acabou por imobilizar-se completamente ao Km 10,40 nessa faixa de rodagem; enquanto se encontrava assim imobilizado, na referida via central com as luzes com que circulava e ainda com as luzes de perigo ligadas, (vulgo “piscas”) pelas 19h34m, aquele veículo foi embatido, por toda a parte frontal central do veículo de marca Mercedes, modelo … e matricula ..-JD-.., que seguia no mesmo sentido Braga/Porto e na mesma via central, conduzido por H…, segurada da Ré; era de noite, não chovia e não havia nevoeiro; a via é uma reta com duas faixas de rodagem, três vias para cada sentido de trânsito, inclinação longitudinal com declive de 1,2 e visibilidade de toda a largura da via, com alcance superior a 500 metros; o piso era de asfalto betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação, limpo e seco; no momento do embate e nos momentos imediatamente anteriores, não circulavam quaisquer outros veículos na via da esquerda, na via da direita, nem entre os veículos NQ e JD; a condutora do JD não realizou qualquer esboço de manobra de evasão a fim de evitar o embate.
Acontece que vários condutores que antecederam a condutora do JD, ao cruzarem-se com o veículo parado, (mais de cem…) lograram desviar-se do mesmo, alguns travando inclusivamente atrás dele, sem que qualquer deles tivesse provocado qualquer embate.
Por seguir desatenta, a condutora do JD não se apercebeu que o veículo de matrícula NQ se encontrava imobilizado na via, e, por isso, não afrouxou, nem se desviou para uma das duas faixas de rodagem que se encontravam, à altura, completamente livres.
Na verdade, podemos afirmar que o veículo se encontrava parado na via, como se de um obstáculo se tratasse, mas com luzes e ainda devidamente sinalizado com os “piscas”, o que permitia ser avistado por qualquer condutor que circulasse no mesmo sentido e tomasse as devidas precauções para evitar ir embater nesse “obstáculo”, podendo e devendo, adoptar três comportamentos, a saber: afrouxar, desviar-se para a faixa mais à direita ou desviar-se para a faixa mais à esquerda (como fizeram quase todos os outros condutores que passaram anteriormente).
Considerando o comportamento da condutora segurada na ré, tal como foi dado como provado e não foi aqui colocado em causa, como pode o tribunal recorrido repartir culpas se, como o próprio afirmou, não se apurou a razão da imobilização do veículo na via?!.
Ora, a vítima só não seguiu para a faixa mais à direita, porque nessa mesma faixa circulava um veículo pesado com reboque (vulgo TIR). Pelo que, tal como já dito, a viatura NQ deveria ter sido vista e tida em atenção pela condutora do JD, como foi por variados outros condutores que por ali passaram antes (mais de cem em 3m12s), tanto mais, que se trata de uma recta, com grande alcance de visibilidade, superior a 500m, conforme melhor consta do vídeo de gravação do acidente junto aos autos, sendo o mesmo, com todo o respeito, de grande importância/fulcral para a apreciação deste recurso.
Ora, considerando esta matéria provada e desconhecendo-se a que se deveu a paragem do veículo NQ, mas sabendo estar sinalizado, e que não conseguiu encostar na via mais à direita por nela circular um camião, mas com uma visibilidade superior a 500 metros, com outras duas faixas de rodagem livres, sendo uma delas a da direita, não se pode senão concluir pela culpa exclusiva da condutora do veículo JD segurado na Ré.
Das indemnizações a arbitrar às autoras.
III- Do dano pela perda do direito à vida.
3.1. As autoras peticionaram montante não inferior a 100.000.00€ pelo dano … perda do direito à vida, e o tribunal recorrido fixou este valor em … 70.0000,00€.
Ora, considerando a idade da vítima, a relação de grande afectividade e proximidade com as autoras, o facto de ser saudável e com alegria de viver, deverá ser fixado o valor de 100.000,00€ pelo dano perda da vida.
IV. Dos danos não patrimoniais sofridos pela menor C….
4.1. O tribunal recorrido fixou em 30.000,00€, sendo peticionado valor não inferior a 35.000,00€, (trinta e cinco mil euros).
Resulta provado que a vítima dedicava todo o afecto e carinho à sua filha, no que esta tinha grande gosto e felicidade, porque sempre conviveu intensamente com o pai, nutria pelo mesmo um grande amor e apego, pelo que sentiu e sente muito a ausência do falecido.
Ora, considerando o relacionamento do progenitor com a menor, a idade desta, os longos anos que ainda tinham pela frente para conviverem e para ensinarem e aprenderem juntos, e os sentimentos de perda, deverá ser fixado o valor peticionado de 35.000,00€.
V. Dos danos não patrimoniais sofridos pela viúva B….
5.1. O tribunal recorrido fixou em 25.000,00€, sendo peticionado valor não inferior a 30.000,00€ (trinta mil euros).
Resulta provado que o F… faleceu no estado de casado com a autora B…, com quem contraiu matrimónio em 2014. A autora B… sofreu um choque e uma grande dor com a morte do F….
Certamente com ele pretendia ter mais filhos. Era um casal jovem e feliz, na primavera das suas vidas de casal. Ora, considerando que a autora era e é jovem, ficou abalada com a morte prematura do seu marido, este com 29 anos de idade, com ele certamente idealizava ter mais filhos, deverá ser fixado o valor peticionado de 30.000,00€ (trinta mil euros).
VI. Dos danos patrimoniais futuros, a título de alimentos, atribuídos à menor C….
6.1. Ao dar-se como provado o vencimento mensal da vítima no montante de 809,67€, tal como deveria ter sido dado pelo tribunal recorrido, o montante de 1/3 a atribuir do vencimento da vitima à menor, no montante de 269,89€, a título de obrigação de alimentos até à sua maioridade, sendo certo que, a este título, fará sentido considerar a idade prevista no artigo 60º da Lei dos acidentes de trabalho, ou seja, os 25 anos de idade, como idade previsível de conclusão do ensino superior, a vítima contribuiria por mais 20 anos e 6 meses, ou seja, 287 meses (considerando 14 meses em cada ano, incluindo o proporcional de 1 mês para o período de 6 meses), temos assim a quantia de 77.458,43€, discordando, também, as recorrentes que este montante sofra qualquer abatimento, porquanto, os montantes salariais da vítima também iriam sofrer aumentos ao longo dos 20 anos e 6 meses de vida da menor, o que, na verdade, aumentaria o montante a contribuir para as despesas a título de alimentos a esta, as quais, aliás, com o passar dos anos, como resulta da experiência comum, aumenta significativamente.
Assim, seria de fixar o montante de 77.458,43€ (setenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros, e quarenta e três cêntimos), a receber pela menor C…, a título de alimentos, pela vítima, o que se pretende.
Ao decidir nos termos constantes da sentença em recurso, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 494.º, 495.º, 496.º nº 3, 562º, 564º nº 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil, bem como o artigo 607º, nº 4 do C.P.C. e ainda os artigos 13º, n.º 3 e 24º, n.º 1 do Código da Estrada.
Em termos de conclusão, somos do entendimento que V.Ex.as farão Justiça, decidindo:
- Dar como provado que o vencimento mensal da vítima à data do acidente era de 809,67€ (oitocentos e nove euros, sessenta e sete cêntimos);
- Atribuir a culpa exclusiva do acidente à condutora do veículo segurado na ré;
- Condenar a ré a pagar às autoras as seguintes quantias indemnizatórias:
- 100.000€ (cem mil euros) pelo dano morte a repartir em partes iguais pelas autoras;
- 35.000€ (trinta e cinco mil euros) por danos morais à autora C…;
- 30.000€ (trinta mil euros) por danos morais à autora B…,
- 77.458,43€ (setenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros, quarenta e três cêntimos) por danos patrimoniais à autora C… a título de alimentos.
A ré também inconformada com o decidido interpôs igualmente recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 – Entende a Apelante que ocorreu erro na decisão da matéria de facto nos seguintes pontos do elenco de factos provados:
10) No momento do embate e nos momentos imediatamente anteriores, não circulavam quaisquer outros veículos na via da esquerda, na via da direita, nem entre os veículos NQ e JD;
16) Por seguir desatenta, a condutora do JD não se apercebeu que o veículo de matrícula NQ se encontrava imobilizado na via;
23) A vítima sofreu dores em consequência da colisão;
24) Após o acidente, o F… recebeu assistência médica no local, vindo, porém, a falecer na via pública (A3), por paragem cardiorrespiratória;
2 – O Ponto 10) deve passar a ter redacção precisamente oposta, ou seja, deve passar a dar-se como provado o seguinte: 10) Nos momentos imediatamente anteriores ao embate circulavam vários outros veículos na via da esquerda e na via da direita entre os veículos NQ e JD.
3 – Os pontos 16) e 23) devem pura e simplesmente ser eliminados, passando a dar-se como NÃO PROVADOS.
4 – O ponto 24) deve passar a ter a seguinte redacção: Devem, todos eles, passar a ser dados como NÃO PROVADOS com excepção do ponto 24), que deve passar a ter a redacão alterada e muito mais restritiva que infra se propõe. [sic]
5 – E o ponto 24) deve passar a ter a seguinte redação - 24) Após o acidente, o F… ficou em estado de coma profundo e paragem cardiorrespiratória, vindo a falecer na via pública, em consequência das lesões traumáticas crâneo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e abdominais sofridas.
6 – Impõem tais alterações aos pontos 10) e 16) os depoimentos das testemunhas I…, J… e H… nos excertos que se assinala e reproduz no corpo destas alegações.
7 - E, quanto aos pontos 23) e 24), tais alterações da decisão da matéria de facto são determinadas pelo relatório de autópsia de fls 16 ss e pela declaração de verificação de óbito do INEM de fls. 92 - é que não existiu prova testemunhal a este propósito e de tais documentos retira-se que o falecido F…, não teve quaisquer tratamentos ou assistência médica e que ficou em coma profundo, atenta a extrema gravidade das suas lesões, incapaz, por isso, de sentir o que quer que seja.
8 – Por outro lado, também deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto aos seguintes pontos do elenco de factos NÃO PROVADOS:
m) A condutora do veículo de matrícula JD circulava a uma velocidade de 110 km/hora;
o) O veículo de matrícula NQ estava com os faróis desligados enquanto estava imobilizado na via;
r) As luzes avisadoras de perigo (piscas) do veículo NQ não estavam em boas condições de funcionamento e não eram visíveis para a condutora do JD;
s) O condutor poderia ter colocado o sinal de pré-sinalização de perigo (triângulo) sem colocar em risco a sua própria pessoa e o trânsito que por ali circulava;
9 – o facto da alínea m) deve passar a ser dado como PROVADO com a seguinte redacção: m) A condutora do veículo de matrícula JD circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas inferior a 120 kms/hora.
10 – Os meios de prova que o impõem são o depoimento da testemunha H… e da testemunha K… nos pontos discriminados e reproduzidos no corpo destas alegações.
10 - As alíneas o) (O veículo de matrícula NQ estava com os faróis desligados enquanto estava imobilizado na via) e r) (As luzes avisadoras de perigo (piscas) do veículo NQ não estavam em boas condições de funcionamento e não eram visíveis para a condutora do JD) devem passar a ser dados como PROVADOS com a seguinte redacção:
o) O veículo de matrícula NQ estava com os faróis traseiros apagados enquanto estava imobilizado na via;
r) As luzes avisadoras de perigo (piscas) do veículo NQ não estavam em boas condições de funcionamento, emitindo uma luz muito fraca, pouco perceptível para os restantes utentes da via.
11 – Assim o impõem os depoimentos das testemunhas J… e I… e ainda o visionamento dos 3,12 minutos que o NQ esteve imobilizado antes do embate no vídeo junto a fls. dos autos.
12 - O que, de resto, é o que se compagina com o alegado pelas AA., que tendo visionado o mesmo vídeo alegam apenas que o NQ estava parado com os piscas ligados.
13 – Por fim, a alínea s) dos FACTOS NÃO PROVADOS, a qual se refere à seguinte matéria: O condutor poderia ter colocado o sinal de pré-sinalização de perigo (triângulo) sem colocar em risco a sua própria pessoa e o trânsito que por ali circulava; deve ser passada a PROVADA no primeiro trecho e eliminada no segundo.
14 – A parte conclusiva deve ser eliminada desde logo em obediência ao nº 2 e 3 do Art. 607º CPCiv., sendo ainda certo que ninguém alegou tal matéria.
15 – A Apelante alegou que o falecido F… podia e devia ter feito aquilo a que estava por lei obrigado, ou seja, não parar de forma alguma na faixa de rodagem (72º 2 CE), proceder imediatamente ao regular estacionamento do NQ ou no mínimo retirá-lo de imediato da faixa de rodagem e, enquanto não o removesse para a berma, tomar as medidas necessárias para que os outros se apercebam da sua presença, usando para tanto os dispositivos de sinalização e as luzes avisadoras de perigo. (Art. 87º CE)
16 – e que deveria ter usado o triângulo de pré-sinalização de perigo, indo colocá-lo, trajando o também obrigatório colete refletor, a um mínimo de 30 metros de distância da traseira do NQ, como lhe impunha o Art. 88º CE.
17 - Ora, não foi alegado – e muito menos provado ou sequer meramente indiciado – qualquer facto que por qualquer forma impedisse ou sequer dificultasse ao F… o dar integral cumprimento a tais procedimentos que, para além de estritas obrigações legais, consubstanciam mesmo regras de puro bom senso e do mais elementar sentido de sobrevivência.
18 – Pelo que deve esta alínea s) dos FACTOS NÃO PROVADOS transitar para os FACTOS PROVADOS com a seguinte redação: s) O condutor poderia ter colocado o sinal de pré-sinalização de perigo (triângulo)!
19 – Passando a ser esta a factualidade apurada, é por demais evidente que a condutora do JD, seguro na apelante, não praticou qualquer ilicitude nem violou qualquer ditame estradal ao passo que o F…, condutor do NQ, teve uma actuação altamente culposa e grosseiramente violadora de preceitos estradais essenciais, ao parar em plena faixa de rodagem – na via do meio num local em que existiam na autoestrada A3 três vias no mesmo sentido em clara violação do Art. 72º CE, sem qualquer causa justificativa para tal, como seja uma avaria ou ter ficado sem combustível;
Ainda que o NQ tivesse avariado, ao não o estacionar regularmente nem tratar de tentar removê-lo de imediato da faixa de rodagem para a berma - violando o nº 1 do Art. 87º CE; Ao permanecer na faixa de rodagem, sentado no seu veículo – violando o nº 2 do Art. 87º CE; Ao Não sinalizar a sua presença, usando para tanto os dispositivos de sinalização e as luzes avisadoras de perigo, violando o nº 3 do Art. 87º CE; Ao manter o NQ imobilizado na faixa de rodagem central de uma autoestrada, à noite, e não tratou de usar o sinal de pré-sinalização de perigo – triângulo, o qual deveria ir colocar usando o seu colete refletor, em grosseira violação do nº 2 do Art. 88º CE; Ao não ter faróis acesos à retaguarda, apenas usando os quatro piscas ligados os quais emitiam uma luz muito fraca, pouco perceptível, assim violando os Arts. 59º, 60º e 61º CE;
20 – Tudo comportamentos que consubstanciam as contraordenações muito graves previstas nas alíneas a), b) c) e h) do Art. 146º CE.
21 – Foi o condutor do NQ o único responsável pela eclosão do acidente dos autos e as suas nefastas consequências são-lhe 100% imputáveis.
22 – Pelo que deve a R. ser absolvida de todos os pedidos conta si formulados (pelas AA. e pelo ISS, IP) na medida em que não sendo a condutora do JD por si seguro a responsável pelo acidente, antes sendo o mesmo imputável à sua vítima mortal, o condutor do NQ., não está a mesma constituída na obrigação de indemnizar quem quer que seja – cfr. Arts. 483º e 505º CCiv..
23 - Ao decidir diferentemente, o Mmo. Juiz a quo interpretou erradamente e com isso violou os Arts. 3º, 13º, 59º, 60º, 61º, 72º, nº 2, 87º nº 1 e 2, 88º, 146º a), b) e h) todos do CE, assim como os Arts. 5º e 607º CPCiv, 340º, 483º e 505º CCiv. devendo por isso a sentença proferida ser revogada por outra que declare, em obediência a tais preceitos legais, a absolvição da Apelante.
24 – Ainda que nada se alterasse da matéria de facto, o que só para efeitos de raciocínio…, ainda assim deve a sentença proferida ser substituída por outra que faça distinta aplicação do Direito.
25 – Na verdade, mesmo a factualidade fixada pela 1ª instância impõe que deveria imputar-se, no mínimo, 80% da responsabilidade ao F…, condutor do NQ e apenas 20%, no máximo, à H…, condutora do JD.
26 – Não se apurou sequer porque razão imobilizou o NQ na autoestrada, no meio da faixa central, à noite - o que é um comportamento culposo e que foi o determinante da eclosão do acidente.
27 - No mínimo, em caso de absoluta impossibilidade de deslocar o NQ – não alegada nem provada - o F… podia e devia ter abandonado o veículo com o colete refletor e sinalizar o mesmo com o triângulo, abandonando de imediato a faixa de rodagem.
28 – O que evitaria as graves lesões que determinaram a sua morte – que, por isso, só sofreu porque, ainda ao contrário do que impõe a lei, se manteve, impávido e sereno, dentro do seu veículo, em plena faixa de rodagem de uma autoestrada, parado, à noite.
29 – Mais: ainda altamente censurável no seu comportamento o não sinalizar com o triângulo o perigo existente na via, de nada fazer para retirar o veículo do local ou o sinalizar por qualquer forma, de nada fazer para abandonar ele próprio a faixa de rodagem, e tudo isto ao longo de mais de 3 minutos, não foi minimamente valorado pelo Mmº Juiz a quo.
30 – Todas estas gravíssimas contraordenações são causais não só da ocorrência do acidente como muito especialmente das suas consequências - da produção das lesões que determinaram a morte do F… – pelo que a imputação da responsabilidade ao lesado não pode deixar de se fixar em 80%, no mínimo.
31 – Atendendo à factualidade apurada nos autos, é excessivo o valor de €70.000,00 arbitrado pela perda da vida, devendo ascender no máximo a €60.000,00.
32 – Dado que teve morte quase imediata ou, no mínimo, ficou em estado comatoso profundo (grau III escala de Glasgow) o falecido nada sentiu entre o momento do acidente e a sua morte, pelo que dever ser retirada a indemnização de €10.000,00 pelo dano intercalar – não teve lugar.
33 – A indemnização a arbitrar à A. C… pelos alimentos que deixará de receber de seu Pai deve ser fixada num máximo de €23.520,00 verba que, com uma taxa de juro de 1% ao ano representa o capital necessário para perfazer o valor de €29.400,00 que, no máximo e fracionadamente iria receber de seu Pai ao longo de 20 anos.
34 – Todos estes valores devem ainda ser minorados em 80%, por ser esta a parcela de responsabilidade do F… pela eclosão do acidente e por ter contraído as lesões que determinaram a sua morte.
35 – Por fim, não pode a apelante ser condenada a reembolsar o ISS, IP daquilo que o mesmo ainda não pagou e que se desconhece se virá a pagar no futuro, não estando por isso sub-rogado no que quer que seja – Arts. 592 e 593 CCIv.
36 – Além de que se trata de algo que o ISS, IP nem sequer pediu, ou seja, o Tribunal a quo não só interpretou erradamente e violou o Art. 70º da Lei 4/2007 assim como os Arts. 592º e 593ºCCiv. como violou ainda o nº 1 do Art. 609º CPCiv., o que acarreta a nulidade deste excerto da sentença, que expressamente se invoca – cfr. Art. 615º nº 1 al. e) CPCiv..
Pretende assim que se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a alteração da matéria de facto provada nos termos sobreditos e a absolva de todos os pedidos contra si formulados; ou, caso assim não se entenda, que arbitre, no máximo, indemnizações e compensações valoradas e ponderadas pela responsabilidade do F… nos moldes ora propostos.
Tanto as autoras como a ré apresentaram contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Impugnação da matéria de facto (recursos das autoras e da ré);
II Culpa na eclosão do acidente (recursos das autoras e da ré);
III Indemnização pela perda do direito à vida (recursos das autoras e da ré);
IVIndemnização referente aos danos não patrimoniais sofridos pelas autoras (recurso das autoras);
VIndemnização pelo sofrimento da vítima antes da morte (recurso da ré);
VI Indemnização a título de alimentos devidos à menor C… (recursos das autoras e da ré);
VII Pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social (recurso da ré).
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1) No dia 8 de Fevereiro de 2018, pelas 19h30m, F… conduzia o veículo de marca Seat, modelo …, matrícula ..-..-NQ, pela A3, sentido Braga/Porto, pela via central das três faixas existentes naquele troço;
2) Por razões não apuradas, a marcha daquele veículo começou a abrandar, tendo o respectivo condutor ligado as luzes avisadoras de perigo;
3) Também por razões que não se lograram apurar, o dito veículo acabou por imobilizar-se completamente ao Km 10,40;
4) Enquanto se encontrava assim imobilizado, na referida via central e com luzes de perigo ligadas, (vulgo “piscas”) pelas 19h34m, aquele veículo foi embatido, por toda a parte frontal central do veículo de marca Mercedes, modelo … e matricula ..-JD-.., que seguia no mesmo sentido Braga/Porto e na mesma via central, conduzido por H…, segurada da Ré;
5) Em consequência do embate, o veículo NQ, foi projectado 69 metros para a frente do local de embate, imobilizando-se na berma direita;
6) O veículo JD imobilizou-se 79 metros após o ponto de embate, na via esquerda, atento o sentido de marcha que seguiam ambas as viaturas;
7) Era de noite, não chovia e não havia nevoeiro;
8) A via é uma recta com duas faixas de rodagem, três vias para cada sentido de trânsito, inclinação longitudinal com declive de 1,2 e visibilidade de toda a largura da via, com alcance superior a 50 metros;
9) O piso era de asfalto betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação, limpo e seco;
10) No momento do embate e nos momentos imediatamente anteriores, não circulavam quaisquer outros veículos na via da esquerda, na via da direita, nem entre os veículos NQ e JD;
11) A condutora do JD não realizou qualquer esboço de manobra de evasão a fim de evitar o embate;
12) Vários condutores que antecederam a condutora do JD, ao cruzarem-se com o veículo parado, lograram desviar-se do mesmo, alguns travando inclusivamente atrás dele;
13) Entre a paragem do veículo de matrícula NQ e o embate, o condutor daquele permaneceu no interior do seu veículo;
14) Como consequência necessária e directa do embate do JD contra o NQ, o condutor deste, F…, sofreu fracturas nos ossos da cabeça, hemorragia subaracnoídea difusa, edema encefálico, fracturas das costelas, lacerações da aorta, lacerações pulmonares, no diafragma, no fígado, no baço e na aorta abdominal, colapso medular das duas glândulas suprarrenais;
15) As descritas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e abdominais provocadas pelo embate supra descrito, foram causa directa e necessária da morte que sobreveio a F…;
16) Por seguir desatenta, a condutora do JD não se apercebeu que o veículo de matrícula QN se encontrava imobilizado na via;
17) À data do acidente, a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelo veículo com a matrícula ..-JD-.., encontrava-se transferida para a companhia de seguros E… Seguros, S.A. (actualmente designada D… SEGUROS S.A.) através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……;
18) À data do acidente, o mencionado F… tinha 29 anos;
19) Faleceu no estado de casado com a aqui Autora B…, com quem contraiu matrimónio em 25.10.2014;
20) Sucederam-lhe, como únicos herdeiros, para além da Autora B…, a filha de ambos, a Autora C…, nascida em 28/07/2013;
21) Aquando do acidente, o dito F… trabalhava na firma F…, com sede em Valongo, propriedade de seu pai;
22) A Autora B… despendeu uma quantia não superior a €1.286,70 com o funeral da vítima;
23) A vítima sofreu dores em consequência da colisão;
24) Após o acidente, o F… recebeu assistência médica no local, vindo, porém, a falecer na via pública (A3), por paragem cardiorrespiratória;
25) A demandante C… era filha única da vítima;
26) A vítima F… residia na companhia da sua filha C…, bem como da sua esposa;
27) O falecido brincava muito com a menor, levava-a a passear, esta nutria pelo pai um grande amor e apego;
28) Pelo que, a Autora C… sentiu e sente muito a ausência do seu pai, perdurando para o resto da sua vida a falta deste;
29) A vítima dispensava à sua filha afecto e carinho, com ela convivendo intensamente;
30) A demandante C…, com a morte do pai, teve de ser acompanhada por um psicólogo, pois ficou muito afectada psicologicamente pela ausência daquele;
31) Após a morte de seu pai, a menor evidenciou agitação acentuada, perturbações do sono e níveis elevados de angústia;
32) A Autora B… sofreu um choque e uma grande dor com a morte do F…;
33) No local do embate não existe iluminação pública;
34) Após a imobilização do veículo de matrícula NQ, o condutor deste veículo não colocou o sinal de pré-sinalização de perigo (triângulo);
35) Aquando do acidente, o F… conduzia sob o efeito de cocaína (31 ng/ml), de canabinóides (3.4b ng/ml) e ainda sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de 0,02 g/l;
36) Com base no falecimento do dito F…, o ISS IP/CNP pagou à Autora, a título de subsídio por morte, a quantia de €1.286,70;
37) E, no período compreendido entre Março de 2018 e Julho de 2019, foram pagas pensões de sobrevivência às Autoras no total de €4.401,40, sendo a esse título devido o valor mensal de €167,45 à Autora B… e o valor mensal de €59,82 à Autora C…;
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Na altura do acidente, a condutora do veículo de matrícula ..-JD-.., imprimia a este veículo uma velocidade nunca inferior a 140 Km/h.
b) E apenas accionou os travões já após o início do embate na parte traseira do NQ;
c) O falecido F… era pessoa alegre, bem-disposta;
d) A Autora B… amava muito o F…, dependia da sua companhia para passear, passar férias, fazer as refeições diárias, bem como pernoitar na sua companhia;
e) Com ele idealizava ter mais filhos;
f) Na sequência do referido acidente, a vítima permaneceu agonizante no chão, a respirar com muito custo, até à chegada dos bombeiros;
g) Durante todo este período de tempo até chegar o INEM), o falecido F… sofreu dores tremendas e múltiplas angústias;
h) Tendo-se apercebido da iminência da sua morte;
i) A vítima F… auferia, à data do acidente, o salário mensal de €809,67;
j) A esse montante acrescia ainda a quantia de 100€ mensais que o F… recebia a título de produtividade/ assiduidade, que lhe era depositado todos os meses na sua conta bancária, pela entidade patronal, seu pai;
k) Do seu salário, o falecido F… entregava à Autora B…, para sustento da filha menor de ambos (aqui também demandante), a quantia de €600€ (seiscentos euros);
l) A Autora B… despendeu a quantia de 1.873,83€ com o funeral da vítima;
m) A condutora do veículo de matrícula JD circulava a uma velocidade de 110 km/hora;
n) Antes do embate, a condutora deste veículo acabava de ultrapassar um outro veículo, para o que tomara a via mais à esquerda daquela por onde circulava anteriormente;
o) O veículo de matrícula NQ estava com os faróis desligados enquanto estava imobilizado na via;
p) Ao avistar tal veículo, a condutora do JD tirou o pé do acelerador e travou;
q) Aquando do embate, este veículo seguia a não mais de 60 km/hora;
r) As luzes avisadoras de perigo (piscas) do veículo NQ não estavam em boas condições de funcionamento e não eram visíveis para a condutora do JD;
s) O condutor poderia ter colocado o sinal de pré-sinalização de perigo (triângulo) sem colocar em risco a sua própria pessoa e o trânsito que por ali circulava.
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Passemos à apreciação do mérito dos recursos.
I – Impugnação da matéria de facto
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Concluindo, a impugnação factual efetuada pela ré/recorrente há que ser acolhida, apenas, muito parcelarmente, no que tange à redação do nº 24 da matéria de facto provada que passará a ser a seguinte:
24 – “Após o acidente, o F… recebeu assistência médica no local, vindo a falecer na via pública, por paragem cardiorrespiratória, em consequência das lesões traumáticas crâneo-meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e abdominais sofridas.”
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II – Culpa na eclosão do acidente
Na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo”, apreciando a matéria de facto dada como provada, considerou que ambos os condutores concorreram para a ocorrência do embate, entendendo que a responsabilidade de cada um deles deve ser quantificada em 70% para a condutora do JD, segurada da ré, e em 30% para o falecido, que conduzia o NQ.
Sucede que as autoras, nas suas alegações de recurso, vieram sustentar que a ocorrência do acidente é de imputar, em exclusivo, à condutora do JD.
Por seu turno, a ré, em sede recursiva, na perspetiva do acolhimento da sua impugnação fáctica – o que não se verificou -, entendeu o oposto, considerando que o condutor do NQ, falecido, foi o único responsável pela verificação do acidente, pelo que deverá ser absolvida de todos os pedidos formulados.
Subsidiariamente, ainda que nenhuma alteração fosse efetuada em termos factuais, defende que 80% da responsabilidade deve ser atribuída ao falecido F… e 20% à condutora do JD, segurada da ré.
Vejamos então.
Da matéria fáctica dada como assente decorre o seguinte:
- No dia 8.2.2018, pelas 19h30m, o veículo NQ, Seat …, conduzido por F…, que seguia pela A3, sentido Braga/Porto, na via central das três faixas existentes naquele troço, por razões não apuradas, imobilizou-se completamente ao Km 10,40, com as luzes de perigo (“piscas”) ligados [nºs 1, 2, 3 e 4];
- Enquanto estava assim imobilizado, na via central e com luzes de perigo ligadas, pelas 19h34m, este veículo foi embatido, por toda a parte frontal central do veículo JD de marca Mercedes, modelo …, que seguia no mesmo sentido Braga/Porto e na mesma via central, conduzido por H…, segurada da ré [nº 4];
- Em consequência do embate, o veículo NQ foi projectado 69 metros para a frente do local de embate, imobilizando-se na berma direita, enquanto o veículo JD se imobilizou 79 metros após o ponto de embate, na via esquerda [nºs 5 e 6];
- Era de noite, não chovia e não havia nevoeiro [nº 7];
- A via no local é uma reta com duas faixas de rodagem, três vias para cada sentido de trânsito, inclinação longitudinal com declive de 1,2 e visibilidade de toda a largura da via, com alcance superior a 50 metros [nº 8];
- O piso era de asfalto betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação, limpo e seco [nº 9];
- No momento do embate e nos momentos imediatamente anteriores, não circulavam quaisquer outros veículos na via da esquerda, na via da direita, nem entre os veículos NQ e JD [nº 10];
- A condutora do JD não realizou qualquer esboço de manobra de evasão a fim de evitar o embate [nº 11];
- Vários condutores que antecederam a condutora do JD, ao cruzarem-se com o veículo parado, lograram desviar-se do mesmo, alguns travando inclusivamente atrás dele [nº 12];
- Por seguir desatenta, a condutora do JD não se apercebeu que o veículo de matrícula NQ se encontrava imobilizado na via [nº 16].
Tal como se entendeu na sentença recorrida a matéria de facto que se descreveu, relativa à forma como o acidente se verificou, permite concluir pela atuação culposa da condutora do veículo seguro na ré.
É certo que no comportamento estradal desta não se reconhece a violação das normas relativas aos limites de velocidade que vêm referidos no art. 27º do Cód. da Estrada, nem do disposto no art. 24º do mesmo diploma, que impõe ao condutor que regule a velocidade atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes.
Na verdade, da matéria fáctica assente nada resulta em relação às condições da via e do seu veículo, às condições meteorológicas ou ambientais ou à intensidade do trânsito que impusessem uma particular moderação da velocidade.
Quando muito, poder-se-á referir que a condutora do JD deveria circular pela via mais à direita da faixa de rodagem em consonância com o disposto no art. 13º, nº 3 do Cód. da Estrada, embora o volume de trânsito pudesse justificar a frequente utilização das outras duas vias da auto-estrada para a realização, cuidadosa, de manobras de ultrapassagem.[2]
No entanto, o que manifestamente flui da matéria de facto considerada assente é a total desatenção da condutora do JD, que segue pela via central da auto-estrada sem se aperceber que o veículo NQ se encontrava imobilizado nesta via e sem esboçar a realização de qualquer manobra de recurso a fim de evitar o embate.
Com efeito, não se pode ignorar que o veículo imobilizado tinha as luzes de perigo ligadas, que vários condutores que antecederam o JD ao cruzarem-se com ele lograram desviar-se e que nos momentos imediatamente anteriores ao embate não circulavam quaisquer outros veículos na via da esquerda, na via da direita, nem entre o JD e o NQ.
Mesmo assim, apesar de todo este circunstancialismo que apontava no sentido de que a condutora do JD conseguiria desviar-se do veículo imobilizado através da realização de uma manobra de recurso, certo é que esta não a executou, nem sequer a esboçou.
Ora, a explicação para o seu comportamento estradal, caracterizado pela omissão do dever objetivo de cuidado, radicará na sua imperícia, na sua falta de atenção, no seu alheamento em relação ao demais trânsito rodoviário.
Mas se a condutora do JD, segurado na ré, desenvolve uma conduta estradal que está na génese do embate, também não se deve esquecer que nesse momento o NQ conduzido pela vítima se achava imobilizado na via central da auto-estrada A3, sem que tivesse sido alegada qual a causa de tal imobilização. Tal como não se alegou que este veículo se encontrava impossibilitado de circular pelos seus próprios meios e que, por isso, não poderia prosseguir a sua marcha ou ser removido para a berma do lado direito.
Consequentemente, conforme se entendeu na sentença recorrida, é de concluir que ocorre uma conduta de natureza contra-ordenacional por parte do falecido, que, ao ter o seu veículo imobilizado na auto-estrada, viola o disposto no art. 72º, nº 2, al. b) do Cód. da Estrada, onde se preceitua que nas auto-estradas e respetivos acessos, quando devidamente sinalizados, é proibido parar ou estacionar, ainda que fora das faixas de rodagem, salvo nos locais especialmente destinados a esse fim.
Neste contexto, verifica-se que a própria vítima concorreu para a ocorrência do acidente, o que implicará uma redução do montante indemnizatório nos termos do art. 570º, nº 1 do Cód. Civil, redução esta feita com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram.
Ora, tendo em conta a factualidade apurada, há a considerar que o comportamento estradal da condutora do JD se mostra significativamente mais grave do que o do falecido.
Conforme já atrás se sublinhou, mesmo que o NQ se encontrasse imobilizado na via central da auto-estrada, a condutora só embateu com o JD no NQ, que tinha as luzes de perigo devidamente ligadas, porque esta circulava sem atenção ao trânsito, só isso explicando que, diferentemente de tantas outras viaturas, que com maior ou menor dificuldade contornaram a viatura imobilizada, não o tenha conseguido fazer, sendo que nem sequer esboçou uma manobra de recurso com o propósito de evitar a colisão.
Deste modo, em consonância com o Mmº Juiz “a quo”, entendemos que a repartição de culpas imposta pelo art. 570º, nº 1 do Cód. Civil deverá ser quantificada na proporção de 70% para a condutora do JD e em 30% para o falecido condutor do NQ, o que importa, neste segmento, a confirmação do decidido em 1ª Instância.[3]
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IIIIndemnização pela perda do direito à vida
Na sentença recorrida fixou-se a indemnização correspondente ao dano da perda do direito à vida na importância de 70.000,00€, valor este que, porém, mereceu a discordância tanto das autoras como da ré em sede recursiva.
As autoras entendem que este valor deverá ser elevado para 100.000,00€, ao passo que a ré pugna pela sua redução a 60.000,00€.
Vejamos.
A lesão corporal que pela sua irreversibilidade melhor expressa a fragilidade da vida humana e potencialmente desencadeia danos patrimoniais de maior expressão e gravidade é a morte.[4]
Com a morte findam os sonhos de uma vida, cessa a esperança.
Ora, se a compensação pelo dano moral da morte é um dado pacífico do nosso ordenamento jurídico, os problemas surgem quando se trata de proceder à sua quantificação, sendo certo que o padrão de decisão terá que ser definido sempre com recurso à equidade.
De qualquer modo, nenhuma razão séria justifica que este dano, perfilando-se como lesão do bem vida, de grau máximo e inexcedível, possa ter um tratamento de menor dignidade ressarcitória do que aquele que é conferido às lesões da saúde em geral, todas necessariamente, e por definição, de menor gravidade.[5]
Centremos agora a nossa atenção em algumas decisões que têm vindo a ser proferidas pelo nosso mais alto tribunal, uma vez que estamos perante matéria, como é a da sinistralidade rodoviária, em que a fixação dos montantes indemnizatórios efetuada com base em juízos de equidade implica frequentes intervenções do Supremo Tribunal de Justiça.
Não devemos, pois, ignorar o que tem vindo a ser decidido em casos semelhantes.
No acórdão do STJ de 11.2.2021 (proc. 625/18.8 T8AGH.L1.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 7 anos de idade fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 100.000,00€.
No acórdão do STJ de 7.5.2020 (proc. 952/06.7 TBMTA.L1.S1, relator Olindo Geraldes, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 29 anos de idade, considerando a elevada expetativa de vida, o casamento contraído há cerca de dois anos e a circunstância de ter sido pai há um ano, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 85.000,00€.
No acórdão do STJ de 22.2.2018 (proc. 33/12.4 GTSTB.E1.S1, relator Manuel Braz, disponível in www.dgsi.pt.) em que a vítima tinha 25 anos de idade e era piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, a indemnização pela perda do direito à vida foi arbitrada em 120.000,00€.
Por seu turno, no acórdão do STJ de 3.11.2016 (proc. 6/15.5 T8VFR.P1.S1, relator António Piçarra, disponível in www.dgsi.pt) escreveu-se, com referência a esta data, que “consolidou-se (…) na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).”
No caso concreto aí apreciado, reportando-se este a uma situação em que a vítima contava 52 anos de idade, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida na importância de 60.000,00€.
Também merecerão a nossa atenção algumas decisões proferidas pelos tribunais da Relação. Assim:
No acórdão da Relação do Porto de 6.11.2019 (proc. 1231/16.7 GAMAI.P1, relator Moreira Ramos, disponível in www.dgsi.pt.) considerou-se ajustada a fixação em 100.000,00€ da indemnização pela perda do direito à vida de um homem de 26 anos de idade, saudável, trabalhador e comprometido com a família.
No acórdão da Relação do Porto de 6.12.2016 (proc. 11354/14.1 T8PRT.P1, relator Rui Moreira, disponível in www.dgsi.pt) no caso de uma vítima com 63 anos de idade, saudável, muito ativa, trabalhadora e muito bem disposta, que amava a vida, a família e os amigos e que vivia para a família, considerou-se adequada a fixação da indemnização pela perda do direito à vida em 60.000,00€.
No acórdão da Relação de Lisboa de 30.6.2020 (proc. 65/17.6 GTALQ-5, relator João Carrola, disponível in www.dgsi.pt), em que o falecido era um homem de 33 anos de idade e que constituía uma família feliz com a mulher e os seus dois filhos, fixou-se em 150.000,00€ a indemnização pela perda do direito à vida.
No acórdão da Relação de Lisboa de 1.12.2015 (proc. 28/08.2 TBRGR.L1.S1, relator Pedro Brighton,, disponível in www.dgsi.pt) considerou-se ajustada, em termos de equidade, a indemnização de 70.000,00€ para ressarcir a perda do direito à vida de um jovem de 19 anos de idade, saudável e trabalhador.
No acórdão da Relação de Guimarães de 22.2.2018 (proc. 1186/14.2 T8VCT.G1, relator Margarida de Almeida Fernandes, disponível in www.dgsi.pt) considerou-se que da análise da jurisprudência do STJ resulta a consolidação do entendimento de que o dano pela perda do direito à vida se situa, em regra e com algumas oscilações, entre os 50.000,00€ e os 80.000,00€, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a 100.000,00€.
No caso concreto aí apreciado em que a vítima tinha 42 anos de idade, era casado, com dois filhos e trabalhava como vigilante numa empresa de segurança considerou-se equitativa a fixação da indemnização pela perda do direito à vida na importância de 80.000,00€.
De regresso à situação dos autos, é de salientar que no âmbito da fixação deste segmento indemnizatório deverão ser colocadas em segundo plano incidências relativas à qualificação sócio-profissional do falecido e à natureza das funções que exercia[6]. O principal foco terá assim que incidir na idade da vítima e na sua consequente esperança de vida, bem como na sua integração familiar.
Compreende-se, por isso, que seja de atribuir uma indemnização mais elevada pela perda de uma criança ou de um jovem, cujas vidas ainda não foram vividas ou se encontram numa fase inicial do seu percurso, do que pela morte de um adulto que se ache já na curva descendente da sua existência.[7]
Como tal, tendo em atenção que o falecido era um jovem de 29 anos de idade, casado, com uma filha de apenas 4 anos, com uma elevada expetativa de vida – e ponderando também aquele que tem sido o caminho trilhado pela nossa jurisprudência de que são exemplo os acórdãos acima referenciados – cremos ser justo e equitativo que pela perda do seu direito à vida a indemnização seja fixada na importância de 90.000,00€, o que implica, nesta parte, a parcial procedência do recurso interposto pelas autoras e a improcedência do recurso da ré.
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IV Indemnização referente aos danos não patrimoniais sofridos pelas autoras
Na sentença recorrida, quanto a este segmento indemnizatório, fixaram-se os respetivos montantes em 30.000,00€ para a menor C… e em 25.000,00€ para a viúva B…, pugnando estas em sede recursiva pela sua elevação para 35.000,00€ e 30.000,00€.
Inequívoco é que a dor e o sofrimento daqueles que constituem o círculo familiar mais íntimo do lesado é tutelado pela nossa ordem jurídica. No seu ressarcimento há a considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não.[8]
A indemnização a atribuir neste âmbito, com base na equidade, destinar-se-á assim a compensar a dor, a tristeza, a angústia, a perda, o sofrimento tidos pelos familiares a quem a vítima, com a sua morte, faltou.
Da matéria de facto dada como assente resulta o seguinte:
- A vítima F… residia com a sua mulher e com a sua filha única C… – nºs 25 e 26;
- O falecido brincava muito com a menor, levava-a a passear, esta nutria pelo pai um grande amor e apego – nº 27;
- A C… sentiu e sente muito a ausência do seu pai, perdurando para o resto da sua vida a falta deste – nº 28;
- A vítima dispensava à sua filha afeto e carinho, com ela convivendo intensamente – nº 29;
- A C…, com a morte do pai, teve de ser acompanhada por um psicólogo, pois ficou muito afectada psicologicamente pela ausência daquele – nº 30;
- Após a morte de seu pai, a menor evidenciou agitação acentuada, perturbações do sono e níveis elevados de angústia – nº 31;
- A Autora B… sofreu um choque e uma grande dor com a morte do F… – nº 32.
Ora, desta factualidade emerge, em consequência da morte do F…, um quadro de grande sofrimento para as autoras, mais intenso ainda no que toca à sua filha C….
Sucede que os valores peticionados pelas autoras, que pouco se distanciam dos arbitrados na sentença recorrida, se mostram, perante a factualidade assente, adequados ao sofrimento que ambas experimentaram e experimentam, compaginando-se com os padrões jurisprudenciais seguidos.[9]
Assim, os montantes indemnizatórios serão elevados para 35.000,00€ no que toca à autora C… e 30.000,00€ quanto à autora B…, o que significa, neste segmento, a procedência do recurso que interpuseram.
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V Indemnização pelo sofrimento da vítima antes da morte
Na sentença recorrida foi atribuída a quantia de 10.000,00€ para compensar a dor sofrida pela vítima antes de morrer, quantia contra a qual se insurge a ré/recorrente por entender que a morte foi quase imediata ou que, no mínimo, a vítima ficou em estado comatoso profundo e, por esse motivo, nada sentiu entre o momento do acidente e o da morte.
Entende, pois, que esta verba indemnizatória deve ser retirada ou subsidiariamente reduzida ao valor simbólico de 500,00€, face à míngua de factos que a corporizem.[10]
Vejamos.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a vítima sofreu dores em resultado da colisão e que, recebendo assistência médica no local, ficou em situação de paragem cardiorrespiratória, vindo a falecer na via pública, em consequência das lesões traumáticas crâneo-meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e abdominais sofridas – cfr. nºs 23 e 24.
Desconhece-se, porém, o tempo que mediou entre a ocorrência do acidente e a morte da vítima e também o seu estado de consciência nesse período de tempo, indeterminado, mas em qualquer circunstância curto, uma vez que o embate ocorreu às 19h34m e a verificação do óbito foi feita às 20h15m.
No entanto, por mais imediata que tenha sido a morte, esta raramente se configura como um acontecimento instantâneo. Com efeito, por breves que sejam os momentos que a antecedem, designadamente em eventos de natureza traumática, a vítima não pode deixar de sentir intensas dores físicas, mesmo que por escassos segundos ou até nanosegundos[11], tal como não poderá deixar de sentir a angústia própria da súbita e inesperada finitude.[12]
A supressão da verba indemnizatória ora em apreciação só se justificaria nos casos extremos, difíceis de configurar, de morte instantânea, ou de coma profundo desde o preciso instante do acidente até à morte.
A sua modulação é que sempre dependerá, designadamente, do sofrimento e da respetiva duração e da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado de aproximação da morte. [13]
Como já se referiu, foi dado como provado que a vítima que, após o acidente ficou em situação de paragem cardiorrespiratória, veio a falecer na via pública, tendo sofrido dores em consequência da colisão.
Mesmo não se tendo provado qual o tempo que mediou entre o momento do acidente e a morte da vítima, sempre curto, e qual o seu estado de consciência entre esses dois momentos, a prova de que o falecido, antes do óbito, sofreu dores em resultado do embate sempre justificaria a atribuição de indemnização que proceda ao ressarcimento desse sofrimento.
Poder-se-á questionar, quando muito, o seu “quantum”, por ter sido inevitavelmente curto o espaço de tempo que separou o acidente da morte, e por também nada se ter provado quanto ao estado de consciência da vítima entre esses dois marcos temporais.
A míngua factual neste âmbito justifica assim que esta parcela indemnizatória seja reduzida para 5.000,00€, o que imporá, neste segmento, a parcial procedência do recurso interposto.
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VI - Indemnização a título de alimentos devidos à menor C…
Na sentença recorrida fixou-se em 50.000,00€ a indemnização a arbitrar à autora C… a título de alimentos, a qual, em sede recursiva, veio pugnar pela elevação deste montante para 77.458,43€.
Por seu turno, a ré insurgiu-se também contra este valor sustentando que este deveria ser reduzido para 23.520,00€.
Vejamos então.
O art. 495º, nº 3 do Cód. Civil estatui que têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Incumbe aos pais prover ao sustento dos seus filhos menores, mas se no momento de atingir a maioridade o filho ainda não houver completado a sua formação profissional essa obrigação manter-se-á na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete – cfr. arts. 1878º, nº 1 e 1880º do Cód. Civil.
Os alimentos abrangem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo também no caso do alimentado ser menor a instrução e a educação – cfr. art. 2003º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
Mostra-se provado que à data do acidente o falecido F… tinha 29 anos de idade e que a autora C…, nascida em 28.7.2013, contava aproximadamente 4 anos e 6 meses de idade – cfr. nºs 18 e 20.
Aquando do acidente, o falecido trabalhava na firma F…, propriedade do seu pai – cfr. nº 21.
Sustentam as autoras, nas suas alegações de recurso, que o vencimento mensal da vítima a ter em conta para o cômputo desta parcela indemnizatória ascende a 809,67€, mas tal não será possível, atendendo a que pelas razões atrás expostas em I, a), a alínea i), relativo a este salário, permaneceu como não provada.
Por conseguinte, tal como entendeu o Mmº Juiz “a quo”, não estando demonstrado o concreto valor da retribuição mensal auferida pelo falecido, terá que se atender ao valor do salário mínimo nacional que, em 2018, ascendia a 580,00€.[14]
Prosseguindo, concorda-se com a forma como foram repartidos os proventos recebidos pelo falecido, na consideração de que este destinava 1/3 dos mesmos aos seus gastos pessoais e os restantes 2/3 ao restante agregado familiar constituído pela sua mulher B… e pela sua filha C….
Em linha com esta argumentação terá então que se concluir que o falecido destinaria 1/3 dos seus rendimentos à filha menor, ou seja, 193,33€.[15]
Sucede que a obrigação do falecido providenciar pelo sustento da sua filha C… se manterá até esta completar os 25 anos de idade, em 28.7.2038, idade previsível da conclusão de curso superior ou equiparado[16], isto é aproximadamente por mais 20 anos e 6 meses, que correspondem a 287 meses [contando-se 14 meses em cada ano[17], incluindo-se o proporcional de um mês para o período de seis meses].
Efetuando os respetivos cálculos, obtém-se a importância de 55.485,71€.
Na sentença recorrida considerando-se que este capital irá ser recebido na sua totalidade por uma única vez, o que dará a possibilidade à lesada de o rentabilizar, procedeu-se, nele, a uma redução de 10%.
Contudo, este princípio geral de consideração do benefício da antecipação na indemnização devida por dano patrimonial futuro terá que ser adaptado às circunstâncias do caso concreto e ao quadro económico existente.
Ora, haverá que ter em conta que nos últimos anos têm sido muito baixos, raiando a insignificância, os valores das remunerações resultantes da aplicação de capital, o que, de resto, constitui facto notório [art. 412º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil], razão pela qual uma dedução de 10% ao valor da indemnização arbitrada neste segmento de danos patrimoniais futuros, como se fez na sentença recorrida, noutros tempos adequada, se nos afigura presentemente excessiva e não consentânea com a atual realidade.
Nos acórdãos do STJ de 25.5.2017 (proc. 868/10.2 TBALR.E1.S1, relator Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt) e de 19.10.2016 (proc. 1893/14.0 TBVNG.P1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, disponível in www.dgsi.pt.) a redução realizada circunscreveu-se a 1,5%.
Todavia, na situação dos autos, para além do quadro económico atualmente existente, há também a considerar que no longo período em referência, de 20 anos e 6 meses, a vítima, ainda jovem, iria beneficiar de aumentos salariais, de tal modo que, neste contexto, entendemos não ser de operar qualquer redução no montante indemnizatório acima referido.
Tal significará, nesta parte, a parcial procedência do recurso das autoras e a integral improcedência do recurso da ré[18].
No entanto, no valor global desta indemnização, conforme se referiu na sentença recorrida, haverá que ter em conta as pensões de sobrevivência que estão e continuarão a ser pagas à autora C….
A pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido beneficiário da Segurança Social da perda do rendimento de trabalho determinada pela morte deste.
A sua finalidade coincide, verificados os respetivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização para os familiares da vítima, decorrente da perda dos rendimentos de trabalho proporcionados por esta e, assim sendo, porque vocacionadas para o ressarcimento do mesmo dano, são insuscetíveis de cumulação.[19]
Deste modo, os valores pagos a título de pensão de sobrevivência devem ser deduzidos no montante indemnizatório arbitrado.
Para esse efeito, continuando a seguir-se a sentença recorrida, deverá proceder-se ao cálculo do valor provável desse capital correspondente às pensões de sobrevivência com referência à tabela constante da Portaria nº 11/2000, de 13.1 (que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho), nomeadamente a que se reporta aos descendentes órfãos até aos 25 anos de idade.
Apurar-se-á assim o capital da indemnização e descontar-se-á esse valor ao que acima foi atribuído à autora C….
Ora, se esta nasceu em 28.7.2013, estando na data do óbito do pai mais próximo de completar os 5 anos de idade, ir-se-á aplicar daquela tabela o fator 12,509 sobre o valor de 837,48€, por ser este o montante anual da pensão que está a ser recebida pela menor [59,82€ x 14].[20]
Deste modo, o capital a ter em consideração, porque previsivelmente será recebido no futuro, ascende a 10.476,00€.
Consequentemente, de forma a obviar a que a autora C… seja indemnizada duas vezes, operando-se uma indevida cumulação de indemnizações com a ré seguradora a suportar o seu pagamento tanto à autora como ao interveniente ISS, será deduzida ao valor da indemnização acima arbitrada – 38.840,00€ [70% de 55.485,71€, em função da repartição de culpas explicitada em II] - a referida quantia de 10.476,00€, com o que esta será reduzida à importância de 28.364,00€.
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VII - Pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social (ISS)
No que concerne a este pedido, a ré/recorrente veio sustentar que o ISS apenas pediu o reembolso da quantia global de 5.668,10€, resultante do somatório dos valores pagos a título de subsídio por morte (1.286,70€) e de pensões de sobrevivência das autoras B… (3.277,00€) e C… (1.124,00€) pagas entre Março de 2018 e Julho de 2019.
Acontece que na sentença recorrida a ré foi condenada a pagar também o valor correspondente a 70% da prestação mensal da pensão de sobrevivência que o interveniente ISS haja pago e venha a pagar às autoras após Julho de 2019, com o que cometeu, nesta parte, a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil.
Isto porque o ISS não pediu em momento algum que lhe fosse pago aquilo que eventualmente venha a pagar no futuro.
Vejamos.
O art. 609º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estabelece que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir» e, verificando-se tal situação, ocorre nulidade de sentença conforme prescreve o art. 615º, nº 1, al. e) do mesmo diploma.
Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida.21
Assim, o juiz não pode condenar o réu a pagar quantia superior à que foi pedida, ainda que os autos forneçam prova cabal e exaustiva de que o réu deve ao autor uma quantia superior à peticionada. E também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto, se o pedido respeita à entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu.[22]
A nulidade da sentença quando o tribunal condene em objeto diverso do pedido tem o seu fundamento no princípio do dispositivo que atribui às partes às partes a iniciativa e o impulso processual, e também no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que essa resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.[23]
No caso dos presentes autos o que se verifica é que o interveniente ISS pediu a condenação da ré seguradora a pagar-lhe a quantia peticionada (5.688,10€), acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Ora, a condenação extravasou este pedido circunscrito à pendência da ação, atendendo a que a ré foi condenada no valor correspondente a 70% da prestação mensal da pensão de sobrevivência que o ISS haja pago ou venha a pagar às autoras após julho de 2019, sem qualquer limitação temporal.
Como tal, no que concerne a este segmento do decidido, constata-se ter sido cometida na sentença recorrida a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil, havendo assim que cingir a condenação da ré a 70% das prestações mensais da pensão de sobrevivência que, após Julho de 2019, sejam pagas às autoras na pendência da ação.
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Em conclusão, tendo em conta a proporção de culpas que foi definida na sentença proferida pela 1ª instância, nessa parte confirmada por este tribunal de recurso [70% para a segurada da ré e 30% para o falecido], deverá a ré suportar as seguintes indemnizações:
- 63.000,00€, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima;
- 3.500,00€, a título de dano não patrimonial respeitante ao sofrimento da vítima antes da morte;
- 21.000,00€, a título de danos não patrimoniais sofridos pela autora B…;
- 24.500,00€, a título de danos não patrimoniais sofridos pela autora C…;
- 28.364,00€, a título de indemnização por alimentos devida à autora C….
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
A) Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelas autoras B… e C… e pela ré “D…, SA” e, em consequência, alterando-se o decidido, condena-se a ré a pagar:
I - A ambas as autoras, em conjunto, a quantia de 66.500,00€ (sessenta e seis mil e quinhentos euros) a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima e de dano não patrimonial respeitante ao sofrimento da vítima antes da morte;
II - À autora B… a quantia de 21.000,00€ (vinte e um mil euros) e à autora C… a quantia de 24.500,00€ (vinte e quatro mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por cada uma delas com a morte de seu marido e pai;
III - À autora C… a quantia de 28.364,00€ (vinte e oito mil trezentos e sessenta e quatro euros), correspondente à indemnização por alimentos.
Mantém-se o decidido na sentença recorrida quanto a juros.
B) Também nos termos expostos, na procedência parcial do recurso interposto pela ré, acordam os juízes que constituem este tribunal em declarar a nulidade parcial da sentença recorrida, ao abrigo do art. 615º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil, condenando-se a ré a pagar ao interveniente Instituto de Segurança Social a quantia global de 3.981,67€ (três mil novecentos e oitenta e um euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação da ré para os termos do pedido de reembolso, bem como do valor correspondente a 70% das prestações mensais da pensão de sobrevivência que, após Julho de 2019, sejam pagas às autoras na pendência da ação.
As custas serão suportadas na proporção do decaimento.

Porto, 27.4.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
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[1] Deixa-se consignado que neste passo na sentença recorrida foi cometido um manifesto lapso por se ter escrito em algarismos 17.400,00€ quando se queria escrever 17.500,00€, tal como consta no extenso. Também outro lapso foi cometido na sentença a fls. 241, al. b), pois onde se escreveu quinze mil euros queria escrever-se sete mil euros.
[2] No sentido de que age com culpa o condutor de um veículo que, apesar de não ter infringido qualquer norma estradal, não observa na condução os deveres gerais de diligência e efetua uma condução imprudente e desatenta com o que provoca danos a terceiros cfr., por ex., Ac. Rel. Porto de 26.1.2000, p. 9921420, relator Emídio Costa, disponível in www.dgsi.pt.
[3] A ré/recorrente no sentido da exclusão ou significativa redução da culpa da sua segurada indica diversas decisões jurisprudenciais que, porém, não são transponíveis para o presente caso por se referirem a situações com contornos factuais distintos [Ac. STJ de 21.3.2019, p. 20121/16.7 T8PRT.P1.S1, relatora Maria de Graça Trigo; Ac. STJ de 15.4.2015, p. 1248/07.2 TBLGS.E1.S1, relatora Maria dos Prazeres Beleza; Ac. Rel. Évora de 4.6.2009, p. 1470/1997.E1, relator Almeida Simões; Ac. Rel. Lisboa de 7.11.2011, p. 3561/06.7 TBVCD.P1, relator Soares de Oliveira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.]
[4] Cfr. João António Álvaro Dias, “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, pág. 350.
[5] Cfr. João António Álvaro Dias, ob. cit., pág. 355.
[6] Cfr. João António Álvaro Dias, ob. cit., págs. 360/361, onde se escreve: “…é incontornável o risco de fazer repercutir ou deixar reverberar no dano moral da morte incidências que lhe devem ser completamente alheias (v.g. cotação socio-profissional do falecido, a sua capacidade de interacção pessoal, a arte de sedução perante aqueles com quem se relacionava, as funções exercidas, o mediatismo do falecido enquanto vivo ou até mesmo enquanto morto) e que ninguém, de caso pensado, poderá aceitar que sejam levados à balança da dor.”
[7] Cfr. Ac. STJ de 29.10.2013, proc. 62/10.2 TBVZL.C1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Sousa Dinis, in “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 13.
[9] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 21.3.2019, p. 20121/16.7 T8PRT.P1.S1, relatora Maria de Graça Trigo; Ac. STJ de 11.2.2021, proc. 625/18.8 T8AGH.L1.S1, relator Abrantes Geraldes; Ac. Rel. Porto de 6.11.2019, proc. 1231/16.7 GAMAI.P1, relator Moreira Ramos, todos disponíveis in www.dgsi.pt., dos quais resulta a compatibilidade entre os valores reclamados pelas autoras e os atualmente arbitrados pelos nossos tribunais superiores.
[10] O subsidiário pedido de redução desta verba indemnizatória embora não conste explícito das conclusões formuladas pela ré/recorrente decorre com clareza do corpo alegatório (pág. 74).
[11] Medida de tempo equivalente a um bilionésimo de segundo – cfr. pt.wiktionary.org
[12] cfr. Ac. Rel. Porto de 22.5.2012, proc. 24/09.2 TBCHV.P1, relator Ramos Lopes, Ac. STJ de 8.9.2011, proc. 2336/04.2 TVLSB.S1, relator Oliveira Vasconcelos, ambos disponíveis in www.dgsi.pt..
[13] Cfr. Sousa Dinis, loc. cit., pág. 13.
[14] Cfr. art. 2º do Dec. Lei nº 156/2017, de 28.12, que fixou em 580,00€ a retribuição mínima mensal garantida (RMMG) para vigorar no ano de 2018.
[15] A pretensão da ré/recorrente no sentido de que este valor deveria ser reduzido a 120,00€ mensais não pode ser acolhida, porque fundada em fortes hábitos de consumo de álcool, tabaco e drogas que não estão refletidos na factualidade provada, não sendo a circunstância de o falecido, na autópsia, ter acusado vestígios de cocaína, canábis e álcool suficiente para considerar demonstrada a existência de tais adições.
[16] Cfr. art. 60º, nº 1, c) da Lei nº 98/2009, de 4.9 [Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais]
[17] Incluindo-se subsídios de férias e de Natal.
[18] Não é naturalmente de acolher a posição da ré/recorrente que relativamente ao benefício da antecipação do recebimento desta indemnização pugnava por uma dedução que em termos práticos se traduziria numa taxa de 20%, manifestamente desajustada da realidade.
[19] Cfr. Ac. STJ de 25.3.2003, proc. 03B3071, relator Salvador da Costa, disponível in www.dgsi.pt.
[20] Esta fórmula de cálculo vem referenciada no Ac. Rel. Porto de 6.12.2016, proc. 11354/14.1 T8PRT.P1. relator Rui Moreira, disponível in www.dgsi.pt., também mencionado na decisão recorrida.
[21] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., págs. 714/715.
[22] Cfr. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, reimpressão, 1984, pág. 68.
[23] Cfr. Ac. STJ de 21.3.2019, proc. 2827/14.7 T8LSB.L1.S1, relator Oliveira Abreu, disponível in www.dgsi.pt.