Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
844/14.6TAPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONCURSO EFECTIVO
Nº do Documento: RP20150311844/14.6TAPVZ.P1
Data do Acordão: 03/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Há um concurso efetivo de contraordenações quando o condutor viola duas normas legais de regulação estradal, traduzidas em outros tantos sinais reguladores de trânsito: o sinal vertical de proibição de ultrapassar veículos e a marca longitudinal continua (Ml) que proíbe que seja pisada ou transporta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec 844.14.6TAPVZ.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam os juízes em conferência no Tribunal da Relação do Porto

No Recurso de Contra ordenação nº 844.14.6TAPVZ que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instancia Local, Secção - Juiz 1, em que é arguido
B…

foi pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária pela prática de uma contraordenação de transposição da linha longitudinal contínua (marca M1), separadora de sentidos de trânsito, decidido em 23/1/2013 condenar o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, já especialmente atenuada, pelo período de 30 dias.

Interpôs o arguido recurso de impugnação para o Tribunal que por sentença de 31/10/2014 proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais,
Julgo o presente recurso de impugnação judicial, interposto por B…, improcedente, e em consequência confirmo a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que pela prática de uma contraordenação muito grave de transposição de linha longitudinal contínua (M1), separadora de sentidos de trânsito – prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artºs 60º, nº 1, e 65º, al. a), do Regulamento de Sinalização do Trânsito e do artº 146º, al. o), do Código da Estrada – o condenou numa sanção acessória, especialmente atenuada, de trinta dias de inibição de conduzir;
As custas do processo ficam a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (mínimo legal).

Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes
CONCLUSÕES:
A. Vem o arguido acusado da prática de factos que de acordo com a acusação deduzida integram a prática de uma contraordenação muito grave de transposição de linha longitudinal contínua (M1), separadora de sentidos de trânsito-prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs60 n.º1 e 65.º al. a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e dos art.º 146.º al.o) do Código da Estrada.
B. Sucede que, o recorrente apenas teve um processo de contraordenação do qual foi notificado a 18.02.1013, tendo sido alvo de recurso no dia 10.03.2013, que se trata do processo de contraordenação n.º 278905277, após o qual recebeu a notificação com decisão final no dia 26.08.2013, já com a contraordenação n.º 278905285 conforme foi devidamente explicado e documentado ao meritíssimo tribunal a quo.
C. Na verdade, do confronto entre as duas notificações, verificou o recorrente de que se trata da mesma contraordenação à qual foi atribuída dois autos com números diferentes, no entanto, das mesmas se extrai que se trata apenas de uma e da mesma infracção.
D. Ora, da referida infracção o arguido, ora recorrente já foi condenado e já cumpriu, inclusive, a pena aplicada.
E. Neste sentido, não pode o arguido vir a ser julgado duas vezes pela mesma infracção, cometida uma única vez, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar.
F. A situação supra referenciada e confirmada pela presente decisão do Tribunal a quo constitui uma violação do princípio consagrado do ne bis in idem.
G. Muito sinteticamente diremos que o ne bis in idem tem por finalidade obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a um mesmo processo, por um lado tendo em vista assegurar a sua paz jurídica e configurando, de outro passo, uma limitação ao poder punitivo do Estado.
H. Ancorado na estrutura acusatória do processo que enforma o nosso processo penal, a proibição da dupla apreciação significa, numa primeira leitura, que ninguém pode ser julgado mais de uma vez e não, como por vezes é referido, que ninguém pode ser punido mais de uma vez.
I. Por isso esta garantia constitucional deve ser vista como da proibição da dupla perseguição penal do indivíduo, estendendo-se, portanto, não apenas ao julgamento em sentido formal.
J. Nesta perspectiva, a delimitação do objecto do processo pela acusação tem ainda como efeito que a garantia conferida pelo princípio ne bis in idem implique que se proíba a investigação e o posterior julgamento não só do que foi mas também do que poderia ter sido conhecido no primeiro processo.
K. Na verdade, como refere Henrique Salinas, «a preclusão, contudo, não diz apenas respeito ao que foi conhecido, pois também abrange o que podia ter sido conhecido no processo anterior».
L. Para este efeito, teremos de recorrer aos poderes de cognição do acto que procedeu à delimitação originária do processo, a acusação em sentido material, tendo em conta um objecto unitário do processo.
M. O que se proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal, entendendo-se aqui por crime não um certo tipo legal abstractamente definido como crime mas, outrossim, um comportamento espácio-temporalmente determinado, um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida de um indivíduo já objecto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare, mas independentemente do nomem iuris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado.
N. Quer dizer, o que verdadeiramente interessa é o facto e não a sua subsunção jurídica.
O. Nestes termos, importa esclarecer que pelos referidos factos já havia sido o arguido, ora recorrente acusado e condenado a uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspendendo-se a execução da mesma por uma período de 180 dias não condicionada a prestação de caução de boa conduta.
P. A decisão tornou-se definitiva e foi cumprida facto que o meritíssimo tribunal a quo ignorou, tendo uma vez mais e pelos mesmos factos decidido condenar o arguido ora recorrente, e ainda de forma mais gravosa.”

Respondeu o MºPº pugnando pela manutenção da decisão;
Nesta Relação a ilustre PGA é de parecer que o recurso deve ser provido;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição)
“II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos assentes
São os seguintes os factos relevantes para a decisão deste recurso de impugnação judicial:
1. No dia 3 de Junho de 2012, às 21.55 horas, B…, aqui arguido, ora recorrente, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SI na Estrada Nacional nº .., ao Km 35, em …, Póvoa de Varzim.
2. Nessas condições de espaço e tempo, o arguido/recorrente pisou e transpôs uma linha longitudinal contínua (marca M1), separadora de sentidos de trânsito.
3. Nessa altura, passou a circular pelo lado esquerdo da referida linha, atento o seu sentido de marcha.
4. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido/recorrente não agiu de acordo com o cuidado a que estava legalmente obrigado.
5. Além dos factos ocorridos em 3 de Junho de 2012, nada mais consta do registo individual do condutor.
6. O arguido/recorrente pagou a coima correspondente.
B) A motivação da convicção do Tribunal
O Tribunal formou a sua convicção com base no teor dos documentos juntos aos autos, concretamente na análise do auto de contraordenação e da decisão, mais se atendendo ao registo individual do condutor.
No recurso que interpôs, o arguido/recorrente não impugnou a veracidade dos factos imputados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – admitindo-os, aliás, de forma expressa – e neste caso, dada a gravidade da contraordenação em apreço não se mostram relevantes os demais factos alegados no recurso, como adiante se explanará.
Cumpre ainda nesta parte referir que, não tendo sido postos em causa, os factos aduzidos no auto de contraordenação consideram-se assentes, atento o disposto no artº 170º, nº 3, do Código da Estrada (quer na versão de 2005, quer na versão de 2013).
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São as seguintes as questões suscitadas:
Se foi violado o principio ne bis in idem.
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O recurso apresentado é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados pela recorrente e vista a sentença em apreço, também não os vislumbramos.
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Decorre da motivação do recurso, que o arguido não põe em causa nenhum dos fundamentos da decisão, quer os factos quer o direito aplicado àqueles factos.
Questiona sim e apenas o facto de em seu entender ter sido julgado e condenado duas vezes pelo mesmo facto, pois alega que teve o processo de contraordenação nº 278905277 (fls 3), e o processo de contraordenação 278905285 (fls 41) que se referem a uma e mesma infracção
Esta questão foi apreciada também na decisão recorrida, na qual se expende: “Foi entretanto superada a questão da hipótese da indevida duplicação de procedimentos. Conforme explicitado por despacho de 4/6/2014 (fls. 43 e 44), por duas infracções distintas, ainda que praticadas nas mesmas circunstâncias de espaço e tempo, podem coexistir duas condenações, sendo certo que as sanções são cumuladas materialmente, nos termos do disposto no artº 134º, nº 3, do Código da Estrada. O arguido poderia ter pisado e transposto a linha M1 sem ultrapassar nenhum veículo, cometendo nesse caso a infracção aqui em causa; como poderia ter ultrapassado um veículo num local proibido, por determinação de sinalização vertical, não acompanhada da marca rodoviária M1, e nesse caso apenas teria cometido a infracção de ultrapassagem ilegal; sucedeu que, na mesma altura, o arguido pisou e transpôs uma linha longitudinal contínua, para efectuar uma ultrapassagem, sendo certo que essa manobra se consideraria ilegal naquele local em face de sinalização vertical ali existente.”
Convirá desde já, salientar que o auto de contraordenação em recurso é o nº 278905277, cuja decisão foi proferida em 25/1/2013, sendo a infração praticada em 3/6/2012 na EN .. Km 35 … por haver transposto a linha longitudinal continua (marca M1), tendo sido notificado em 3/6/2012, e constituindo a contraordenação p.p. pelo artºs 60º1 e 65º1 a) Regulamento Transito (DR 22 -A/98 de 1/10 e artºs 138º e 146 al.o) CE (contraordenação muito grave), sendo a coima de 49,88 a 249,40 € e sanção acessória de inibição de conduzir de 2 a 24 meses.
O que o arguido invoca é o auto de contraordenação nº 278905285 cuja decisão foi proferida em 11/6/2013, sendo a infração praticada em 3/6/2012 na EN 13 Km 35 …, por não haver cumprido a indicação dada pelo sinal de Proibição C 14ª (proibição de ultrapassar), tendo sido notificado em 3/6/2012 e constituindo a contraordenação p.p. pelo artºs 24º e 26ºa) do Regulamento Transito (DR 22-A/98) e artºs 138º e 145º al.f) CE (contraordenação grave), sendo a coima de 24,94 a 124.70 € e sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses
De acordo com os respectivos autos de contraordenação, a decisão da contraordenação destes autos foi proferida em 25/1/2013 e interpôs recurso de impugnação em 18/3/2013, e da contraordenação do auto nº 278905285 foi proferida em 11/6/2013, tendo o arguido pago as coimas pelo mínimo que totalizam 74,82 € como alega a fls 7 da sua impugnação (que corresponde a 49,88 + 24,94 €).
Face ao respectivo teor nos termos transcritos, cremos ser evidente que estamos perante factos diferentes e infracções diferentes e punidos de modo diferente, e não perante um mesmo facto normativo, pelo que a nosso ver não se coloca a questão do violação do principio ne bis in idem (ser julgado duas vezes pelo mesmo facto), ou do caso julgado.
Não está em causa o objecto do processo (ou dos processos), pois não apenas de tratam de processos de contraordenação autónomos,- que por força das regras práticas (mas também legais) relativas à sua elaboração e formulários de elaboração dos autos de notícia com que o autuante tem de se conformar, como pressuporia a existência de um auto de notícia onde seriam relatados todos os factos indiciados/ presenciados pela autoridade, em vez de um auto de notícia para cada facto - como se trata de contraordenações distintas e como tal sancionadas, nem o princípio da esgotante apreciação da conduta, pois que os factos em apreciação não o foram ainda (mas apenas os relativos ao primeiro auto: proibição de ultrapassar)
E se o artº 29.º 5 CRP proíbe que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal (ou seja, este princípio dá forma ao denominado efeito negativo do caso julgado, o qual consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão), o certo é que tal não ocorreu no caso, pois nada do que diz respeito ao objecto deste processo foi investigado, apreciado ou julgado no primeiro processo exclusivamente por violação da proibição de ultrapassar (sinal C14a), pois como se refere no Ac R Lx 13/04/2011,www.dgsi.pt “Para que a excepção funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, a imputação tem que ser idêntica, e a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (identidade de objecto - eadem res). Trata-se da identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris) atribuída.”.
O que não acontece.
O que na realidade aconteceu, é que o arguido com uma mesma acção (unidade de acção) violou várias normas jurídicas (diferentes) que preveem sancionamentos diferentes, ou seja estamos perante um concurso de contraordenações, que se traduz num concurso efectivo ideal heterógeno (por aplicação subsidiária das normas penais - artº 30º1 CP como direito subsidiário, conforme dispõe o artº 32º RGCO (DL 433/82 de 27/10), ou seja com uma acção realizou/ preencheu vários tipos de contraordenação (dois).
Como deve ser resolvido tal concurso?
Se estivéssemos no âmbito do direito penal perante um concurso de crimes, atento o disposto no nº 1 do artº 30º CP e em face do critério de distinção entre unidade e pluralidade de infracções em que que “ foi equiparado o concurso ideal ao concurso real” Leal Henriques et alli, O Código Penal de 1982, I, Rei dos Livros, 1986, pág. 207, mas que sofre a restrição do concurso aparente, em que são formalmente violados diversos preceitos incriminadores, mas tal concurso não é efectivo pois apenas uma das normas tem cabimento / aplicação (diz-se então que as norma estão entre si numa relação de especialidade, subsidiariedade consumpção ou alternatividade) - cf. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, 1983, pág.17, 19, e 116/11
Para Figueiredo Dias, Dto Penal I, 2ª ed. Coimbra, pág. 985 “… decisivo da unidade ou pluralidade de crimes parece ser não a unidade ou pluralidade de acções em si mesmo consideradas, mas a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados pela conduta do mesmo agente submetidos num mesmo processo penal à cognição do tribunal”, e seguindo Eduardo Correia, se a conduta do agente “preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico – criminais e estamos … perante uma pluralidade de infrações.” pág. 986, e sendo elementos constitutivos da infração o autor, a conduta e o bem jurídico, e só da conjugação desses elementos resulta o sentido jurídico social da ilicitude material do facto, pelo que todos esses elementos devem ser valorados de modo global para determinar a unidade ou pluralidade de tipos violados - pág. 987;
Temos assim que fundamentais para a existência de concurso seriam a norma jurídica violada com a ou as condutas e a similitude do bem jurídico protegido pelas norma em causa.
Estamos todavia no âmbito do regime de contraordenação e neste RGCO (DL 422/82 de 27/10 na redacção do DL 244/95 de 14/9), rege o artº 19º que dispõe no seu nº1 que “ Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.”, direcionando-nos para o cúmulo jurídico das coimas (afastando a cumulação material) em caso de concurso de contraordenações, e sem prejuízo de o Código Penal constituir direito subsidiário em tudo o que não for contrário ao RGCO ( artº 32º ).
Mas mais especificamente, porque se trata de contraordenações estradais, regia à data o artº 132º CE (redacção dos DL. DL 44/2005 de 23/2, e Dl 113/2008 de 1/7, e que é também o actual emergente da Lei 72/2013 de 3/9) e que dispõe que “As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações.”, e este regime das contraordenações estradais, estabelece no artº 134º que
“1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação.
2 - A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime.
3 - As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.”
Donde parece resultar assim um regime especial relativo às contraordenações estradais, de concurso real entre normas, sendo relevante aqui, o preenchimento da previsão legal pela conduta do agente, donde resulta que também em caso de concurso ideal heterogéneo, o agente pratica tantas contraordenações quantas as normas legais violadas, sendo as sanções cumuladas materialmente. Nesse sentido Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, ucp, pág.91, e ac RP 19/11/2008 CJ XXXIII, 2, 209 ali cit.;
E isto porque, cremos, estão em causa essencialmente condutas negligentes (e não está em causa uma actuação dolosa), consistentes na violação de um dever de cuidado, traduzido na violação da norma estadal que impõe esse dever de atuação que é infringido, enquanto que o disposto no artº30ºCP, está direcionado para a atuação de crime doloso - Ac do STJ de 13/07/2011, CJ, Acs do STJ, XIX, II, 210, expendende-se no Ac STJ 25/6/86 BMJ 358, 283 citado por Maia Gonçalves, Cod Penal Port. 9ª ed. pág. 272 “…o concurso não é afastado pelo facto de uma só conduta violar diversos preceitos - a opção advirá dos concretos juízos de reprovação que se formulem, numero esse a determinar pelas resoluções ou determinações de vontade do agente). Todavia tudo isso (resoluções – vontade de realização de infracções) não se ajusta, em principio, aos chamados crimes involuntários” -
e em que é fundamental como vimos a sua ligação ao bem jurídico violado (essência e fundamento do direito penal) e nas contraordenações não é possível ligar a conduta a um bem jurídico tutelado, pois estão em causa condutas que visam proteger ou prevenir dos perigos gerais do transito rodoviário (tendo uma atuação reguladora), incutindo segurança à circulação rodoviária, inexistindo o bem jurídico como valor normativamente a proteger.
Passando para o caso concreto, verifica-se que estamos perante o desrespeito e a violação de duas normas legais de regulação estradal, traduzidas em outros tantos sinais reguladores de trânsito: o sinal vertical de proibição de ultrapassar veículos e a marca longitudinal continua (M1) que proíbe que no mesmo seja pisado ou transporto.
Se como refere a Ilustre PGA no seu parecer com a marca M1 o que se proíbe “não é a ultrapassagem mas sim a invasão da faixa de transito de sentido oposto”, pois poderia ocorrer a ultrapassagem de velocípedes e ciclomotores de duas rodas, evidente se torna que só com o sinal de proibição (C 14ª) ali aposto a proibição de ultrapassar veículos automóveis se impõe, pelo que é diversa a protecção que cada um desses sinais reguladores de transito concedem, ao mesmo tempo que uma norma não engloba em si toda a protecção concedida pela segunda.
Afigura-se-nos assim, que o condutor que tais infracções comete deve ser punido em conformidade com as normas violadas, pois transpôs a linha longitudinal continua invadindo a faixa de rodagem contrária, como ultrapassou veículo automóvel;

Mesmo que assim não se entenda e não devesse ser (concurso efectivo de duas contraordenações), ainda assim, tal não inviabilizaria a existência destes autos e a condenação.
É que mesmo que existisse entre as normas estradais concurso aparente este teria de ser resolvido pela aplicação da norma que maior protecção concedesse (relação de consumpção - tratando-se de uma única acção, deve esta ser punida segundo o principio da absorção limitada, ou seja a conduta deve ser punida pela lei que determina aplicação da pena mais grave (Johannes Wessels, Direito Penal, Porto Alegre 1976, pág. 177/178 -), ou seja pela norma que proíbe pisar ou transpor a linha longitudinal continua (M1), cuja conduta mais é severamente punida (o dobro,- como supra se refere e dos autos de noticia se vê - em relação à violação do sinal de ultrapassar, constituindo esta contraordenação grave e aquela contraordenação muito grave), e assim sempre existiria a necessidade de existência deste processo e da apreciação da conduta em causa, e da consequente condenação por esta norma, que consumiria a punição aplicada pela norma menos grave (cf. ac RP 29/1/2014 www.dgsi.pt/ no qual se expende: “V - Nos casos de concurso ideal, se o arguido foi já julgado por um dos crimes em concurso, tal não impede que seja novamente julgado pelos outros pois que os crimes são diversos.” e
assim tendo presente as condenações sofridas: por violação do sinal de proibição de ultrapassar a sanção acessória de proibição de conduzir por 30 dias suspensa por 180 dias, e pela violação da proibição de transposição da linha longitudinal continua a sanção acessória de proibição de conduzir por 30 dias, teria de ser esta a prevalecente (não permitindo tal contraordenação muito grave a suspensão da sanção acessória - cf. nosso rec. 30/4/2014 proc. 4/13.3GTPRT.P2 www.dgsi.pt - com os efeitos que isso acarreta e a sentença recorrida traduz: caducidade da carta de condução);
Não pode assim a pretensão do recorrente proceder, com o que improcede o recurso.
+
Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência confirma a sentença recorrida;
Condena a arguida no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 11/3/2015
José Carreto
Pedro Vaz Pato