Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/22.1GAPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: PENAS DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CONTRADITÓRIO
GARANTIA
DEFESA
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL SIMPLES
PROVA DE DEPÓSITO
Nº do Documento: RP2023011889/22.1GAPRD.P1
Data do Acordão: 01/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDER PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS INTERPOSTOS PELO CONDENADO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As razões que subjazem ao decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/210, sufragadas pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 109/2012 (no qual se considerou que não havia violação das garantias de defesa – art.º 32º, nº 1, da Constituição da República), são transponíveis para a possibilidade de notificação do defensor e do condenado, este por via postal simples, com prova de depósito, nos termos previstos nas disposições conjugadas dos art.ºs 113º, nºs 1, al. c), 3 e 10, 196º, nºs 2 e 3, al. a) a e), e 214º, nº 1, al. e), do Código de Processo Penal, tanto para o exercício do contraditório como posteriormente para a notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.
II – A execução da prisão subsidiária, como solução de “extrema ratio da eficácia da multa como pena”, a par da necessidade de salvaguarda do princípio da igualdade, não prescindem, quando tal se afigure necessário, da intervenção oficiosa do tribunal, diligenciando pela descoberta da verdade material dos factos que relevem para a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, prevista no art.º 49º, nº 3, do Código Penal, seja naqueles casos em que o condenado lhe ofereça provas suspeitas sobre a veracidade das razões do incumprimento invocadas, seja naqueles outros em que o condenado não apresente quaisquer provas, mas dos autos resultem indícios da impossibilidade do pagamento do montante da multa em dívida e com ela uma razão plausível para justificar o incumprimento. A isso mandará o princípio da investigação ou da verdade material, tendo em vista a realização da justiça penal, que é transversal a todo o processo penal.
III - Uma igual atuação deverá caber ao Ministério Público, seja ao dar o parecer sobre a suspensão da prisão subsidiária requerida ou oficiosamente colocada como possibilidade pelo tribunal, ou ainda requerendo-a ele mesmo, como a lei prevê no art.º 491º, nº 3, do Código de Processo Penal, atuação essa que já resultaria dos poderes que lhe são próprios, de promoção da ação penal orientada pelo princípio da legalidade (art.º 219º, nº 1, da Constituição da República) e, no âmbito processual penal, pela atribuição que a lei lhe dá, de “colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade” (art.º 53º, nº 1, do Código de Processo Penal), incluindo na promoção e execução das penas e das medidas de segurança que por lei especialmente lhe competem {art.º 53º, nº 2, al. e), e 469º do Código de Processo Penal}.

[Sumário elaborado pelo Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 89/22.1GAPRD.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1. O arguido AA, após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 89/22.1GAPRD, que correu termos no Juízo Local Criminal de Penafiel, Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença transitada em julgado a 01/04/2022, foi condenado na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
1.2. A 11/07/2022, pelo mesmo Tribunal foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, determina-se a conversão da pena de multa não paga em pena de prisão subsidiária de 93 dias (ou seja, 2/3 dos dias de multa não paga).
Após o trânsito em julgado, determina-se sejam emitidos os competentes mandados de detenção, devendo o arguido ser alertado para o disposto nos art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal.”
1.3. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o condenado, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição apenas das que traduzem um resumo das razões do pedido):
(…)
II. Em primeiro lugar, o Despacho recorrido opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (por passar a ser uma pena detentiva), o que impunha a notificação do Arguido por contato pessoal, o que não sucedeu.
III. Quer o Despacho que ordenou a notificação do Arguido para, “em 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado ou, no mesmo prazo, justificar o incumprimento, sob pena de conversão daquela em prisão subsidiária”, de 28 de junho de 2022, quer o Despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, de 11 de julho de 2022, deveriam ter sido notificados ao arguido através de contacto pessoal.
IV. As notificações do arguido para a morada indicada no TIR, não garantem o efetivo conhecimento do teor dos despachos ao arguido e assim assegurar a real possibilidade ao seu direito de defesa.
V. Na verdade, os dois despachos, com vista à conversão da pena de multa em prisão subsidiária visam uma efetiva modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória, e dela fazem parte integrante, a qual, por via da conversão, foi modificada, colidindo de forma direta e efetiva com os direitos, liberdades e garantias do Arguido.
VI. Pelo que, aqueles despachos deveriam ter sido notificados ao arguido por contacto pessoal, de acordo com o disposto no artigo 113.º n.º 10 do Código de Processo Penal.
VII. A notificação pessoal de tal despacho era o único meio suscetível de garantir o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
(…)
X. Assim, o despacho recorrido fez uma interpretação inconstitucional dos artigos 61.º n.º 1 al. b), 113.º n.º 1 e 10, todos do Código de Processo Penal, conjugados com o artigo 49.º do Código Penal, ao interpretar tacitamente que as decisões que incidem sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária não precisam ser notificadas pessoalmente aos arguidos, por violação, pelo menos, do artigo 32º, n.º 1, da CRP, o que desde já se alega para os devidos efeitos legais.
XI. Em segundo lugar, e sem prescindir considera o arguido que deveria ter sido concedida a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, ainda que sob condição a arbitrar.
XII. É pressuposto da suspensão da execução da pena subsidiária, que a verificação do não pagamento da multa ocorra por motivo não imputável ao arguido.
(…)
XIV. No caso dos autos, salvo melhor opinião e com o devido respeito, tendo presente a falta de resposta por parte do Arguido, este Tribunal deveria ter diligenciado pela averiguação junto dos OPC sobre a sua situação económico social, pelo qual ter-se-ia de concluir que o Arguido não tinha condições para proceder ao pagamento da pena de multa, muito menos de uma só vez, por causa que lhe não é imputável;
XV. O que justificaria a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Cód. Penal, ex vi parte final do n.º 4 desse mesmo artigo e diploma legal;
XVI. A interpretação dada pelo Tribunal, de que se encontra dispensado de qualquer atividade probatória antes de decidir, parece-nos desfasada do cabal respeito pelos princípios da igualdade e da efetividade das penas, bem como das finalidades preventivas da sua execução, máxime da pena de prisão.
XVII. A prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento da multa pode constituir-se em verdadeira prova diabólica para o arguido, dado tratar-se “de facto negativo”;
XVIII. Entendemos que o artigo 49.º n.º 3 CP não consente uma interpretação no sentido de a mera falta de apresentação de provas por parte do Arguido implica a não apreciação de uma eventual suspensão da prisão subsidiária, dispensando-se o Tribunal de ouvir o arguido em declarações ou determinar a realização de diligências atinentes ao apuramento da situação do Arguido ou até da sua falta de resposta.
XIX. O Tribunal tem o poder-dever de promover e decidir tudo o que se lhe afigure necessário e adequado para a execução da sentença condenatória – incluindo o incidente de suspensão da prisão subsidiária, ainda que o Arguido devidamente notificado se remeta ao silêncio.
XX. Assim, tudo visto e ponderado, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a decisão recorrida e esta substituída por outra que:
A) ordene a descida dos presentes autos à primeira instância e, em consequência, ser ordenada a notificação pessoal do Arguido para os termos do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 28 de junho de 2022;
B) Quando assim se não entenda, e subsidiariamente, ser a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária substituída por outra que ordene as diligências que se mostrem se venha a revelar necessárias, em ordem a apurar a concreta situação económica do Arguido e da sua culpa pelo não pagamento da pena de multa aplicada nos autos.”
1.4. Por despacho de 14/09/2022, o mesmo Tribunal decidiu o seguinte:
“Vem agora o arguido requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária ou o pagamento da pena de multa em prestações. Ambos os pedidos são extemporâneos, uma vez que o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações é o prazo legalmente estabelecido para o seu cumprimento voluntário e o prazo para justificar o incumprimento foi fixado no despacho supra referido. Assim sendo, não concordando com o despacho proferido, resta ao arguido, se ainda em prazo, recorrer do mesmo.
Atento o exposto, indefiro o requerido.”
1.5. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o condenado, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“I. O presente Recurso é apresentado com vista a acautelar uma decisão desfavorável ao Recurso anteriormente apresentado, com o que se não consente, mas que se equaciona por mera cautela e dever de patrocínio,
(…)
III. O Arguido ao ser condenado em pena de multa pode requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária, a todo o tempo, pois que não há preceito que o impeça e, uma interpretação que limite os direitos do arguido, é sempre de afastar, maxime em direito penal.
IV. A decisão posta em crise coloca em causa direitos constitucionais do recorrente à liberdade e à igualdade.
V. As causas de não pagamento estão alegadas no processo sendo atendíveis pelo que se impunha a suspensão da pena de prisão subsidiariamente aplicada ao recorrente.
VI. O Recorrente encontra-se a ser discriminado em virtude da sua situação económica, por não ter meios que lhe permitam pagar de imediato a pena de multa, nem ter bens suscetíveis de penhora.
VII. A decisão recorrida viola entre outras, as disposições dos artigos 47º a 49º do Código Penal e artigos 13º e 32º, nº 5, da C.R.P..”
Nestes termos e nos melhores de direito deve o douto despacho ser revogado e por via disso, ser substituída por outro que, pressupondo a tempestividade e a legalidade do requerimento apresentado pelo Arguido, ora Recorrente, pelo qual foi requerida a suspensão da execução da prisão subsidiária, determine as diligências probatórias nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, designadamente a elaboração de relatório social pela DGRS, conforme promovido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, assim se fazendo a costumada,
Justiça”
1.6. – O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento aos recursos, nos seguintes termos:
(…)
2 - O arguido foi processualmente notificado de todos os despachos que processualmente o afetam.
3 - O arguido tem TIR prestado nos autos, foi advertido que tal medida coativa se manteria válida até á extinção da pena, caso fosse condenado, e todos os despachos foram remetidos e rececionados na morada por si oferecida quando prestou o TIR.
Não pagou a multa, não requereu a sua substituição por prestação de horas de trabalho, não esclareceu os motivos do não pagamento, foi requerida a sua audição especificamente para esse fim, com indicação que estava requerida a conversão da pena em prisão subsidiária e o arguido remeteu-se a um silêncio ensurdecedor.
4 - O Tribunal perante a inércia, o incumprimento e falta de interesse do recorrente limitou-se a cumprir a lei, e determinou o cumprimento da prisão subsidiária e deste despacho e apenas deste que efetivamente coloca em causa a sua liberdade o arguido foi pessoalmente notificado.”
1.6.1. Especificamente quanto ao primeiro recurso
(…)
As regras das notificações foram integralmente cumpridas e respeitadas, devendo o recorrente lamentar-se apenas de si próprio e da sua inoperância processual.
5 - Não foram violados quaisquer preceitos legais.”
1.6.2. Especificamente quanto ao segundo recurso
(…)
5- O pedido de pagamento da multa em prestações tem de ser efetuado no período facultado para o pagamento voluntário da mesma, prazo largamente ultrapassado.
O pedido de suspensão da prisão subsidiária é também ele extemporâneo porque o arguido em desespero, depois de ignorar todas as notificações que lhe foram efetuadas, apenas quando foi notificado da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, vem requerer a sua suspensão, ou seja, deveria tê-lo feito enquanto tal decisão se encontrava em ponderação.
6 - Não foram violados quaisquer preceitos legais.”
1.7. O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu douto parecer, concluindo pela improcedência dos recursos.
1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.8. Tendo em conta os fundamentos dos recursos interpostos pelo recorrente e os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.8.1. Validade da notificação para o recorrente proceder ao pagamento da multa ou justificar o incumprimento da mesma e da notificação do despacho que converteu essa multa em prisão subsidiária;
1.8.2. Possibilidade de determinação da suspensão da prisão subsidiária.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
a) Apesar de notificado, na sua pessoa e na da sua Il. Defensora, da liquidação da multa, cuja guia de pagamento indicava como data limite o dia 03/05/2022, o recorrente não procedeu ao seu pagamento;
b) Após realização de diligências, visando a identificação de bens penhoráveis pertencentes ao ora recorrente, a promoção do Ministério Público, pelo Tribunal recorrido, a 28/06/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Com cópia da douta promoção que antecede, notifique o arguido para, em 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado ou, no mesmo prazo, justificar o incumprimento, sob pena de conversão daquela em prisão subsidiária.”
c) Tal despacho foi notificado à Il. Defensora e ao ora recorrente, a este último por via postal simples, cuja prova de depósito, contendo declaração lavrada pelo funcionário dos correios, tem a data de 29/06/2022;
d) Apesar de tal notificação, não procedeu o recorrente ao pagamento da multa, nem apresentou qualquer justificação para o seu incumprimento, o que levou o Tribunal recorrido a proferir o despacho datado de 11/07/2022, acima referido em 1.2., pelo qual foi convertida a pena de multa em prisão subsidiária de 93 dias (2/3 dos dias de multa não paga);
d) Tal despacho foi notificado à Il. Defensora e ao ora recorrente, a este por via postal simples, cuja prova de depósito, contendo declaração lavrada pelo funcionário dos correios, tem a data de 13/07/2002;
e) Requerida pelo recorrente, através da sua Il. Defensora, a 07/09/2022 a suspensão da execução da prisão subsidiária ou o pagamento da multa em prestações, pelo Ministério Público, a 12/09/2022, foi promovido o seguinte:
“P. se solicite à DGRSP a elaboração de relatório social com vista ao disposto no art.º 49º, nº 3, do C. Penal.”
f) Deu entrada no processo, a 13/09/2022, ofício com data de 09/09/2022, emitido pelo Serviço de Reclusos do Estabelecimento Prisional ..., do qual resulta a informação de que o recluso AA, agora recorrente, havia dado entrada naquele Estabelecimento Prisional ... em 05/09/2022 à ordem do Proc. nº 51/21.1GTDIM para cumprimento de uma prisão subsidiária de 66 dias pelo crime de condução sem habilitação legal.
g) Aberta conclusão no processo, foi pelo Tribunal a quo proferido o despacho de 14/09/2022, supra referido em 1.4., no qual se indeferiu por extemporâneos os pedidos de suspensão da prisão subsidiária e de pagamento da pena de multa em prestações, aí se considerando que “o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações é o prazo legalmente estabelecido para o seu cumprimento voluntário e o prazo para justificar o incumprimento foi fixado no despacho supra referido.”
2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Diz o recorrente que “Quer o despacho que ordenou a notificação do Arguido para, ‘em 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado ou, no mesmo prazo, justificar o incumprimento, sob pena de conversão daquela em prisão subsidiária’, de 28 de junho de 2022, quer o despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, de 11 de julho de 2022, deveriam ter sido notificados ao arguido através de contacto pessoal”. Concluindo ter sido violado o disposto nos artigos 49º do código Penal e 61º, nº 1, al. b), 113.º, nºs 1 e 10, todos do Código de Processo Penal.
Na questão colocada omite o recorrente preceitos que são fundamentais na avaliação da regularidade ou não das notificações realizadas, nomeadamente o disposto no art.º 196º, nº 3, al. c), d) e e), do CPP. Tendo a redação da al. e) do artigo citado sido o resultado da alteração operada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, para que nela ficasse expressamente prevista a extensão à fase de execução da sentença condenatória penal dos efeitos do termo de identidade e residência, determinando-se que, em caso de condenação, o TIR só se extinguirá com a extinção da pena. Tendo ao mesmo tempo sido alterado o art.º 214º do CPP, em cuja al. e) do nº 1 ficou estabelecido que as medidas de coação se extinguem de imediato, entre outras causas, “com o trânsito em julgado da sentença condenatória, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena”. Consagrando-se assim, expressamente na lei, um entendimento que havia já sido adotado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/210, circunstância que nos poderia levar a questionar se tal lei, para efeitos da sua aplicação no tempo, não assumiria, nos pontos referidos, uma natureza interpretativa, nos termos previstos no art.º 13º do Código Civil, questão que não assume qualquer interesse para a solução do caso sub iudice, porquanto o TIR foi prestado pelo recorrente na vigência da nova redação dada aos artigos citados.
Ora, o Acórdão de fixação de Jurisprudência nº 6/2010, de 21/05/2010[1], veio fixar jurisprudência no seguinte sentido:
Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afeto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coação de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]
O aspeto mais importante a realçar na jurisprudência assim fixada é a interpretação a ela subjacente das normas dos art.ºs 196º e 214º do CPP. É certo que o foi especificamente para os casos de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, mas em todo o caso claramente estabelecendo que “o termo de identidade e residência e as obrigações dele decorrentes se houvessem de manter relativamente à condenação (condicionalmente substituída) em pena de prisão (até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída)”.
A validade de um tal modo de notificação, dirigida ao defensor do condenado e, a este, nos termos previstos no nº 9 do art.º 113º do CPP (correspondente ao atual nº 10), especialmente na vertente da notificação “via postal simples, por meio de carta ou aviso”, prevista no nº 1, al. c), do mesmo artigo, foi sufragada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 109/2012, de 06/03/2012, tanto para a notificação do despacho que designa dia para audição do condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa como para a notificação do despacho revogatório da suspensão, desde que persistam nessa fase de execução da pena “os compromissos e as consequências previstas no n.º 3 do artigo 113.º e nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP, tal como resultava da interpretação dada a tais normas e ao art.º 214º do CPP, no citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, interpretação que o Tribunal Constitucional deu como assente, isto é, como um “dado do direito infraconstitucional”, colocando-o assim fora do âmbito do objeto do recurso para aquele Tribunal, considerando caber-lhe apenas “aferir da conformidade da solução à garantia de que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição)”. Tendo sido com um tal desiderato que o Tribunal Constitucional acabou por concluir, no citado Acórdão nº 109/2012, que os art.ºs 113º, nº 3 (preceito que descreve o modo de notificação por via postal simples prevista na al. c) do nº 1 do mesmo artigo), e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d), do CPP, “interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão ao arguido, por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reação contra o despacho revogatório, não viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição”.[2]
Recordemos que a questão subjacente atinava antes de mais à natureza do despacho que revogava a suspensão da execução da pena de prisão, por se considerar tratar-se de um despacho “complementar da sentença”, a implicar “uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação” que teria “como efeito direto a privação da liberdade do condenado”[3]. Por essa razão vingou o entendimento de que tal decisão não poderia ser notificada apenas ao defensor do arguido, entretanto condenado, mas deveria também sê-lo a este, nos termos previstos no art.º 113º, nº 9, do CPP (atualmente nº 10), por se estar na fase de execução da pena e não haver a garantia de um efetivo acompanhamento do processo pelo defensor (como normalmente acontece até à prolação da sentença) que garantisse ou tornasse seguro que a notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sendo notificada ao defensor, este também a comunicaria ao condenado, mas sem que tal notificação tivesse de ocorrer por contacto pessoal, nos termos previstos no nº 1, al. a), do mesmo artigo. Para tal, tanto no Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça como no Acórdão do Tribunal Constitucional, acima referidos, foram avançadas as seguintes razões, que, em nosso entender, se podem considerar transponíveis para o caso da notificação prévia e, subsequentemente, do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária.
Por um lado, entendeu-se que a notificação por via postal simples, embora não fornecesse uma certeza absoluta, oferecia “garantias suficientes de que o respetivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa”, sem esquecer, por outro, que “as exigências de celeridade processual, têm igualmente dignidade constitucional (artigo 32.º, n.º 1, da CRP)”. Por isso considerou ainda o Tribunal Constitucional terem sido as exigências “de um nível de efetividade da justiça penal compatível com o princípio do Estado de Direito” que “impuseram a opção legislativa pela notificação por via postal simples com prova de depósito”, mas fazendo-o “com determinadas cautelas” - que resultam, desde logo da prestação do termo de identidade e residência e dos trâmites com que a mesma é feita, assim como do modo específico com que é realizada a notificação, envolvendo a atuação, quer do funcionário judicial, quer do funcionário dos correios, prevista no nº 3 do art.º 113º do CPP, numa solução de notificação que, ainda, “pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respetiva constituição como arguido e na respetiva sujeição a termo de identidade e residência”, sendo certo que “o recetáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido”. Finalmente, porque “o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal”, podendo o notificando “sempre ilidir a presunção de notificação mostrando que não tomou conhecimento da comunicação por motivos alheios ao incumprimento dos deveres em que, nos sobreditos termos, ficou constituído”, isto é, nos termos ditados pelo TIR.
Ora, como referimos supra, não vemos como as razões acima referidas não sejam transponíveis para a notificação, quer do despacho que notifica o condenado, como sucedeu no caso dos autos, para proceder ao pagamento da multa ou justificar o incumprimento da mesma, quer ainda para o despacho que converteu essa multa em prisão subsidiária, sendo certo que ambos os despachos foram notificados, quer ao defensor do recorrente, quer a este na morada do TIR. Não se vislumbrando por isso onde possa ter havido violação dos art.ºs 61º, nº 1, al. b) ou do art.º 113.º n.ºs 1 e 10, todos do Código de Processo Penal, ou do art.º 32º, nº 1, da CRP.
Razão por que irá ser negado provimento aos recursos, nesta parte.
Cumpre agora conhecer da pretensão deduzida pelo recorrente, tanto no primeiro como no segundo recurso, ou seja, de ver revogado o segundo despacho recorrido e a sua substituição por outro que “pressupondo a tempestividade e a legalidade do requerimento apresentado pelo Arguido, ora Recorrente, pelo qual foi requerida a suspensão da execução da prisão subsidiária, determine as diligências probatórias nos termos do n.º 3 do art.º 49º do CP.
Diz o art.º 49º, nº 1, do CP que “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º”.
Depois de convertida a multa em prisão subsidiária, verificados os requisitos do nº 1 do art.º 49º do CP (conversão essa que já teve lugar no caso dos autos), diz o nº 2 do mesmo artigo que “O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”.
Tal preceito reforça bem a natureza de sanção de constrangimento que a prisão subsidiária assume, visando-se com ela pressionar o condenado, até ao último momento, a pagar a multa em que foi condenado e desse modo cumprir a pena em que a multa efetivamente se traduz. Podendo ainda dizer-se que, depois de previamente percorridas as etapas previstas no nº 1 do art.º 49º, será na possibilidade de o condenado, a todo o tempo, poder evitar, total ou parcialmente, a prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte a multa em que foi condenado, que também se revelará tal prisão subsidiária como uma solução de ultima ratio, ou, nas palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, de “extrema ratio da eficácia da multa como pena”[4].
Mas, se assim é para quem possa pagar a multa, seguramente já não será para quem a não possa pagar, que ficaria numa situação de desigualdade, em razão da situação económico-financeira, pois em tal situação não conseguiria evitar a prisão, ao contrário daquele que tinha poder económico. Por isso, com as alterações operadas ao Código Penal pelo DL nº 48/95, de 15/03, em vez da redução da prisão fixada ou da isenção da pena, previstas no nº 4 do art.º 47º do Código de 1982, para os casos de não pagamento de multa que não fosse imputável ao condenado, as quais eram tidas pelo Professor Jorge de Figueiredo Dias como razões (“E tanto mais quanto…”) para se não falar de violação do princípio da igualdade “entre ricos e pobres”[5], foram as mesmas substituídas pela suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Desde que provado fique que a razão do não pagamento da multa não é imputável ao condenado.
É certo que o art.º 49º, nº 3, do CP (ao dizer “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável…”) inculca a ideia de que caberia ao condenado provar a razão do não pagamento, e que sobre ele recai esse ónus. E, à partida, assim poderá ser, de facto, até porque é o condenado quem melhor poderá conhecer as razões do não cumprimento, e assim oferecer a prova que as possam sustentar, sobretudo aqueles que, à data da condenação, comprovadamente no processo, dispunham de meios económicos que lhe permitiriam efetuar o pagamento da multa. Porém, uma tal ilação, não significa, a nosso ver, que o tribunal não possa ou não deva oficiosamente diligenciar pela descoberta da verdade dos factos que possam sustentar a razão do incumprimento, seja naqueles casos em que o condenado lhe ofereça provas suspeitas sobre a veracidade das razões do incumprimento invocadas, seja naqueles outros em que o condenado não apresente quaisquer provas, mas dos autos resultem indícios da impossibilidade do pagamento do montante da multa em dívida e com ela uma razão plausível para justificar o incumprimento. A isso mandará o princípio da investigação ou da verdade material, tendo em vista a realização da justiça penal, que é transversal a todo o processo penal. Parecendo-nos ser neste âmbito que o Ministério Público poderá desempenhar as funções que a lei lhe confere, dando o parecer sobre a suspensão que seja requerida ou oficiosamente colocada como possibilidade pelo tribunal, ou ainda requerendo-a ele mesmo, como a lei prevê no art.º 491º, nº 3, do CPP[6], atuação que, aliás, já resultaria para o Ministério Público dos poderes que lhe são próprios, de promoção da ação penal orientada pelo princípio da legalidade (art.º 219º da CRP) e, no âmbito processual penal, pela atribuição que a lei lhe dá, de “colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade” (art.º 53º, nº 1, do CP), incluindo na promoção e execução das penas e das medidas de segurança que por lei especialmente lhe competem {art.º 53º, nº 2, al. e), e 469º do CPP}. Aliás, é à luz de tais competências, e do espírito da norma do art.º 491º, nº 3, do CPP, que pode ser vista a douta promoção do Ministério Público, deduzida nos autos a 12/09/2022, no sentido de ser solicitada a elaboração de relatório social com vista ao disposto no art.º 49º, nº 3, do CP, norma esta que precisamente prevê a suspensão da execução da prisão subsidiária, como vimos supra. Promoção sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, mas que ganhou ainda mais sentido quando aos autos, além do insucesso no apuramento de bens que pudessem servir de base à execução, foi junto ofício do qual resulta que o condenado deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 05/09/2022 à ordem do Proc. nº 51/21.1GTDIM para cumprimento de uma prisão subsidiária de 66 dias pelo crime de condução sem habilitação legal, o que, podendo impedi-lo de obter rendimentos do trabalho que permitissem fazer face ao pagamento da multa, é mais uma razão que poderá indiciar a existência de impossibilidade económico-financeira de o recorrente poder vir a pagar a multa em que foi condenado nos presentes autos e assim haver fundamento legal para se determinar a suspensão da prisão subsidiária, nos termos previstos no art.º 49º, nº 3, do CP, assegurando-se desse modo o cabal respeito pelo princípio da igualdade, a que se refere o art.º 13º, nº 2, da CRP, garantindo que quem não possua meios económicos bastantes não tenha por isso de sofrer uma privação da liberdade que outros, tendo-os, não teriam de sofrer.
Razão por que irá ser concedido provimento parcial aos recursos e, consequentemente, revogar-se o despacho de 14/09/2022, na parte em que julgou extemporânea a pretensão deduzida pelo recorrente de ver suspensa a prisão subsidiária aplicada e, sobrestando-se a emissão dos mandados de detenção anteriormente determinada, que se proceda à realização das diligências probatórias julgadas necessárias, face à requerida suspensão e à douta promoção do Ministério Público, oportunamente produzidas nos autos.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o recorrente obteve vencimento, ainda que parcial, nos recursos que interpôs, não será por ele devida taxa de justiça ou custas (artigos 513.º do Código de Processo Penal, a contrario sensu).
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelo condenado AA, revogando-se o despacho de 14/09/2022, na parte em que julgou extemporânea a pretensão deduzida pelo recorrente, de ver suspensa a prisão subsidiária aplicada e, sobrestando-se a emissão dos mandados de detenção anteriormente determinada, se proceda à realização das diligências probatórias julgadas necessárias, mantendo-se quanto ao mais as decisões recorridas.
Sem custas

Porto, 2023-01-18
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva
________________
[1] Publicado no Diário da República n.º 99/2010, Série I de 2010-05-21, páginas 1747 – 1759.
[2] Neste mesmo sentido foi ainda o decidido nos Acórdãos nº 7/2010 e nº 114/2016, neste último resultando confirmada a doutrina expressa no Acórdão nº 109/2012 do mesmo Tribunal.
[3] Cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado
[4] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 150.
[5] Idem, p. 149.
[6] Ao dizer que “A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente”.