Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
95/10.9GACPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ASSISTENTE
RECUSA A DEPOR
Nº do Documento: RP2013013095/10.9GACPV.P1
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Considerando a intenção do legislador ao criar a prorrogativa prevista no art. 134º do CPP, tendo igualmente presente que, nos termos do art. 145º, nº 3, do CPP determinou que as declarações do assistente ficam sujeitas ao regime de prestação da prova testemunhal - ressalvando apenas o que for manifestamente inaplicável e o que a lei dispuser em sentido diferente - é adequado defender-se que aquela prorrogativa é aplicável ao assistente que se encontre em qualquer das situações descritas no art. 134º, nº 1, do CPP (quer por não se tratar de caso manifestamente inaplicável, quer por a lei não dispor em sentido diferente).
II - O disposto no art. 134º do CPP, que permite confortar a consciência da pessoa que iria depor ou prestar declarações (na medida em que lhe confere o direito de recusar-se a prestar depoimento ou declarações), quando se encontre numa das situações taxativas previstas no nº 1 do mesmo preceito, significa igualmente que num Estado de direito a prova não pode ser obtida a qualquer preço.
III - No nº 1 do art. 134º, do CPP o legislador deu prevalência à relação especial da pessoa em relação ao arguido e não propriamente ao seu estatuto processual, enquanto interveniente processual (ocorra essa intervenção processual como testemunha ou como assistente).
IV - O facto do assistente estar impedido de depor como testemunha (art. 133º, nº 1, alínea b), do CPP), por ter adquirido o estatuto de sujeito processual, não interfere com a relação que tenha com o arguido, nos casos indicados no nº 1 do art. 134º do CPP, que o legislador quis proteger.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 95/10.9GACPV.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. Na secção única do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 95/10.9GACPV, após a realização em 21.9.2012 da audiência de julgamento (onde, além do mais, a assistente, cônjuge do arguido à data dos factos alegados na acusação, ocorridos durante o casamento, foi advertida nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, tendo respondido não pretender prestar declarações, razão pela qual não foi ouvida, após o que o MºPº interpôs recurso em acta do despacho que dispensou a assistente de prestar declarações) foi proferida sentença, em 26.9.2012 (fls. 376 a 382 do 1º volume), constando do dispositivo o seguinte:
Pelo exposto, na improcedência da acusação pública e da pretensão civil, decide-se absolver o arguido B… da imputada prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. a) e nº 2 do Cód. Penal, na redacção resultante da lei nº 59/2007, de 04.09.
Notifique.
Sem custas
(…)
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2. Não se conformando com essa sentença proferida em 26.9.2012, depositada no mesmo dia (fls. 384), nem com o despacho proferido em 21.9.2012 em audiência, que aceitou a recusa da assistente em prestar declarações (fls. 373 do 1º volume), o Ministério Público deles veio recorrer em simultâneo em 8.10.2012, apresentando motivação conjunta (fls. 385 a 391 do 1º volume) e formulando as seguintes conclusões:
1º Dispõe o art. 134º do Código de Processo Penal (C.P.P.) que podem recusar-se a depor como testemunhas, entre outros, quem tiver sido cônjuge do arguido relativamente a factos que tenham ocorrido durante o casamento. Esta disposição legal, para além de conter a expressão “depor como testemunhas”, encontra-se inserida sistematicamente no capítulo I do título II do livro III do C.P.P., com a epígrafe “Da Prova Testemunhal”. Trata-se de disposição legal que não é aplicável aos assistentes.
2º Ora, a assistente C…, quando, já na audiência de julgamento, é inquirida já o é na qualidade de assistente, tanto mais que o art. 133º, nº1, al. b) do C.P.P. proíbe que assistentes possam depor como testemunhas.
3º O art. 134º do C.P.P. visa proteger as relações familiares, uma vez que estando a testemunha obrigada ao dever de falar com verdade, o seu depoimento pode prejudicar um familiar próximo ou a pessoa com quem se vive ou viveu em condições análogas às dos cônjuges. Pretende-se, pois, impedir que alguém que esteja alheio à marcha do processo tenha que vir depor a tribunal, correndo o risco de contribuir para uma condenação de um familiar.
4º Já não se pode pretender que um sujeito processual, como o assistente, que pode, inclusivamente, requerer a produção de diligências, oferecer prova ou recorrer das decisões que sejam proferidas (cfr. art. 69º, nº2 do C.P.P.), possa, posteriormente, decidir que afinal de contas não pretende com o seu depoimento prejudicar o arguido.
5º Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque (cfr. Comentário do Código de Processo Penal, UCP, 1º edição, pág. 409), defende que o disposto no art. 134º do C.P.P. não é aplicável ao depoimento do assistente, dando o exemplo do ascendente que se constituiu assistente e que vem recusar-se a depor contra a filho, considerando que tal recusa é inadmissível, por se verificar um autêntico venire contra factum proprium processual.
6º O assistente tem o poder de por a máquina judicial em marcha e entendemos que se impõe responsabilizá-lo processualmente pela posição que assumiu em momento anterior, de livre vontade. O assistente não é um simples ofendido. É um ofendido que escolheu tomar parte activa do processo.
7º Este entendimento é também partilhado por Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (cfr. Código de Processo Penal Anotado, 3º edição, 2008, Rei dos Livros volume I, pág. 957), dedicando apenas duas linhas à questão mas fazendo-o de forma assertiva quando dizem que as pessoas previstas no art. 134º do C.P.P. não ficam sujeitas a audição sob qualquer outra qualidade, a não ser como assistentes ou partes civis.
8º Deste modo, entendemos que andou mal o Tribunal quando considerou ser aplicável às declarações do assistente o regime previsto no art. 134º do C.P.P. para as testemunhas. Violou, pois, as normas do art. 134º do C.P.P. e 145º, nº3 do mesmo diploma.
Termina pedindo que sejam revogados o despacho e a sentença impugnados, e consequentemente, seja determinado o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art. 426º, nº1 do CPP, a fim de ser produzida toda a prova indicada na acusação, incluindo a tomada de declarações à assistente, proferindo-se, a final, sentença que condene o arguido pela prática dos factos que lhe são imputados.
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3. Na 1ª instância, não foi apresentada resposta aos recursos.
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4. Nesta Relação, o Sr. PGA emitiu parecer (fls. 395 e 396 do 2º volume), concluindo pelo provimento dos recursos.
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5. Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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6. Conforme consta da acta de audiência de 21.9.2012 (fls. 371 a 375 do 1º volume), quando em julgamento foi ouvida a assistente C…, sendo questionada nos termos do art. 348º, nº 3, do CPP, “disse que o arguido foi seu marido na altura da prática dos factos, nada a impedindo de dizer a verdade.
Tendo então sido advertida nos termos do art. 134º do CPP, pela mesma foi dito “que não pretendia prestar declarações.”
Consignou-se de seguida na mesma acta:
«Pedida a palavra pela Digna Magistrada do Ministério Público no seu uso disse:
O Ministério Público não se conformando com o despacho que dispensou a assistente de prestar declarações, declara que dele interpõe recurso, a subir a final e nos próprios autos.
Desde já declara que oportunamente juntará a respectiva motivação.
Dada a palavra aos Ilustres Mandatários presentes pelos mesmos foi dito nada terem a requerer.
De seguida, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte despacho:
O tribunal no interrogatório preliminar feito à assistente constatou que a mesma era casada com o arguido à data dos factos.
Nessa sequência transmitiu à assistente o direito p.p. art. 134º do CPP no uso do qual a assistente recusou prestar declarações.
É verdade que esta disposição legal se insere em termos sistemáticos na parte da prova testemunhal e que o próprio art. 134º, nº 1, do CPP diz expressamente: “podem recusar-se a depor como testemunha…”.
Sabe o tribunal que a assistente não é testemunha, tem uma posição processual diferente, a questão é se este normativo se aplica só às testemunhas ou também aos assistentes que se encontram nas situações configuradas nesta disposição legal.
Apesar da inserção sistemática e da parte literal da disposição legal é do nosso entendimento que este direito se aplica aos assistentes.
Este entendimento resulta das seguintes ordens de razões:
A prova testemunhal é tratada no art. 128º a 139º e destas disposições legais há normas que se aplicam ao assistente, pese embora a prova das declarações do assistente se inserirem sistematicamente mais à frente (art. 140º e seguintes). Referimo-nos mais concretamente aos arts. 128º, 129º, 130º e 131º e concretamente art. 133º, nº 1, al. b), se refere concretamente à posição de assistente.
Depois entendemos que o propósito do legislador ao consignar este direito de se recusar a depor, pretendeu com ele proteger determinadas relações familiares próximas, de modo a que qualquer pessoa em tribunal não sentisse a obrigação de depor contra alguém, sendo caso disso, que é ou foi casado consigo, ou é seu filho, pai ou irmão.
O legislador pretendeu aqui a protecção da relação familiar e conceder à pessoa o direito de optar entre falar ou não falar.
Não nos parece pois que por alguém se ter constituído assistente prejudique tal intenção legislativa.
Acresce, e de forma determinante o que encontra disposto no art. 145º, nº 3, do CPP, em que diz: “A prestação das declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente.”
Entendemos que não existe uma inaplicabilidade manifesta pela circunstância de no art. 134º se referir “como testemunhas” e também não existe qualquer norma que disponha em sentido diferente.
Deste modo e porque é este o entendimento do tribunal foi transmitido à assistente de que o direito a recusar a depor.
Consignamos este entendimento em acta para que seja perceptível a posição do tribunal.
Notifique,
Foram os presentes devidamente notificados
(…)
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7. Na sentença sob recurso:
Foram considerados provados os seguintes factos:
a. O arguido e a ofendida C… casaram-se em 18-09-1993.
b. O arguido e a ofendida são pais de: D… (nascido a 10 de Agosto de 1998), E… (nascido a 26 de Agosto de 2003) e F… (nascido a 14 de Dezembro de 1996).
c. No dia 10 de Março de 2010 a assistente apresentou uma cefaleia que determinou um dia de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.
d. No dia 26.08.2012 ofendida apresenta equimose violácea na região orbitaria à esquerda na face da ofendida o que determinou quatro dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.
e. No dia 9.10.2010 a ofendida apresentava equimose periorbital esquerda mais acentuada na região palpebral inferior e malar superior na face da ofendida, o que determinou cinco dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho.
f. O arguido não tem antecedentes criminais.

Quanto aos factos não provados consignou-se:
Nenhuns com relevância para a boa decisão da causa designadamente que:
1. Cerca de 2003, o arguido começou a consumir produtos estupefacientes, o que determinou que passasse, com frequência, a agredir e a insultar a ofendida, desferindo-lhe murros, bofetadas e pontapés por todo o corpo.
2. Assim, no dia 10 de Março de 2010, pelas 18H40, no interior na residência de ambos, sita na Rua …, em …, neste concelho e comarca de Castelo de Paiva, o arguido dirigiu-se à ofendida e ordenou que esta lhe desse dinheiro. Tendo a mesma recusado, o arguido dirigiu-se a ela e disse-lhe: “és uma puta, és uma besta”, “qualquer dia rebento-te, vou dar cabo de ti”, ao mesmo tempo que segurava numa caneca que arremessou na direcção da ofendida, com o intuito de lhe acertar, o que só não conseguiu porque esta se afastou a tempo.
3. Que de seguida o arguido desferiu um soco na parte direita do rosto da denunciada, o que foi causa directa e necessária da cefaleia identificada em c.
4. Que tais factos foram presenciados pelos três filhos do casal.
5. Que posteriormente, no dia 31 de Julho de 2010, também no interior da residência de ambos, antes das 21H45, o arguido, após uma discussão com a ofendida, e enquanto esta se encontrava a realizar uma chamada telefónica, dirigiu-se a ela e em tom sério disse que lhe iria bater.
6. Que acto contínuo, retirou-lhe o telemóvel da mão e com força atirou-o ao chão, o que fez com o intuito de o inutilizar, o que conseguiu, já que aquele ficou desfeito.
7. Que tais factos foram presenciados pelos filhos do casal.
8. Que no dia 26 de Agosto de 2010, pelas 08H15, enquanto a ofendida se encontrava a vestir-se, no interior na mesma residência, o arguido dirigiu-se a ela e disse: “és uma puta, és Serviços do uma vaca”.
9. Que mais se abeirou da ofendida e desferiu sobre a sua cabeça um número não concretamente apurado de murros.
10. Que tais factos foram presenciados pelos filhos do casal.
11. Que esta conduta foi causa directa e necessária da
12. Que no dia 9 de Outubro de 2010, cerca das 21H00, no interior da mesma residência, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe “és uma puta, és uma merda; não vales nada” e que de seguida disse que a matava e apertou com os seus dedos o nariz da ofendida de forma violenta. Mais desferiu-lhe um murro no lado esquerdo da sua face.
13. Que tais factos foram presenciados pelos filhos do casal.
14. Que tal conduta foi causa directa e necessária da equimose mencionada em d.
15. No dia 31 de Outubro de 2010, o arguido, na mesma residências comum, dirigiu-se à ofendida e disse-lhe em tom sério “ Vais ter problemas! Para com isto! Tu vais pagar isto tudo! Eu não tenho nada a ver com isto.” No mesmo dia, cerca das 19H30, dirigiu-se à ofendida e disse-lhe “és uma puta, és uma vaca! De certeza que já foste com eles para a cama”.
16. Que no dia 1 de Novembro de 2010, pelas 04H20, o arguido, no interior da residência de ambos, dirigiu-se à ofendida e apertou-a com força, o que lhe provocou dor.
17. Que apenas parou quando o filho de ambos, F…, lhe disse para largar a mãe. De seguida, agarrou no telemóvel da ofendida e arremessou-o ao chão, com violência, por forma a destrui-lo, o que conseguiu, já que este ficou partido.
18. Em data que não foi possível concretizar mas posterior ao dia 17-08-2011, o arguido dirigiu-se à ofendida, no mesmo local, e disse-lhe: és uma ladra, roubaste-me o meu dinheiro, andas metida com os militares da GNR, com o advogado e com os do Tribunal.
19. Disse-lhe ainda em tom sério que se ela prosseguisse criminalmente contra ele, o mesmo dava cabo dela, marcando-a para toda a vida.
20. Que o arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
21. Que ao actuar como descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, o que o fez de forma reiterada e com intenção de:
-com os insultos, atingir a honra, consideração e dignidade pessoal da sua mulher, o que conseguiu.
-com as agressões, de a molestar fisicamente, infligindo-lhe as lesões pela mesma sofridas e tendo bem presente que, ao actuar como descrito, a atingiria na respectiva integridade física, o que efectivamente veio a suceder.
-com os danos provocados nos telemóveis, impedir que a ofendida contactasse com terceiros, atingindo a sua liberdade.
22. Que o arguido sabia ainda que praticava os factos supra descritos na habitação do casal, sita no local supra identificado e que o fazia perante os filhos menores, o que provocaria sofrimento nos mesmos.

Na respectiva fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, escreveu-se:
O tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada nos seguintes meios de prova:
g. Relatórios do IML, de fls. 96 e ss., 11 e ss. do apenso 380/10.0GACPV e relatório junto ao apenso 442/10.3GACPV.
h. Certidões de assento de nascimento de fls. 82 e ss;
i. Declarações da assistente e seus filhos quanto a razão de ciência
j. Declarações dos militares da GNR que sabiam da situação por causa da sua profissão mas que nada conseguiram dizer saber.
Analise Critica da Prova
O arguido não compareceu em audiência de julgamento, encontrando-se já a viver no estrangeiro.
Por sua vez as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, mulher e filhos do arguido usaram do direito que o art. 134º do CPP lhes concede em poder recusar a depor.
Conforme ficou em acta este tribunal, cujos fundamentos aqui se reproduzem para todos os efeitos legais, este tribunal tem o entendimento de que a assistente, apesar da posição de assistente pode usar de igual direito.
Aliás, não faria sentido que a lei lhe retirasse direitos pelo fato de a ofendida ter até uma posição mais relevante no processo quando se constituiu assistente.
Em complemento do que ficou a constar da ata, refira-se que levando até que no limite o entendimento por opinião contrária poderia admitir-se que a assistente para beneficiar de um direito que a lei lhe concede se tivesse a posição de ofendida, que a mesma renunciasse à sua posição em audiência de julgamento.
Reafirmamos, por conseguinte, tudo quanto fizemos a constar em ata a este respeito.
Por sua vez os militares da GNR nada sabiam.
Não se fez por isso qualquer prova dos factos descritos na acusação, pelo que os mesmos foram considerados como não provados.
Quanto à ausência de antecedentes criminais, com base no teor do crc junto aos autos.

Do enquadramento jurídico-penal consta:
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, do crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artº 152º, nº 1, al a) e nº 2 do Cód. Penal, na redacção resultante da Lei 59/2007, de 04.09
(…)
Ora, em face da factualidade apurada, é manifesto que não se provou que o arguido tenha cometido o crime em análise, porquanto não se mostram preenchidos os citados requisitos, pelo que se impõe a absolvição do arguido.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que apresentou (art. 412º, nº 1, do CPP).
Neste caso concreto, a questão que importa apreciar é a de saber se o assistente pode recusar-se a prestar declarações em julgamento, verificando-se v.g. a situação prevista no art. 134º, nº 1, al. b), do CPP e, portanto, apurar se, nessas circunstâncias, quando em audiência de julgamento é identificado, deve ou não ser previamente advertido nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP (neste processo a assistente é a ofendida do crime de violência doméstica imputado ao arguido, que era seu cônjuge à data dos factos alegados na acusação pública, ocorridos durante o casamento, tendo o juiz, na audiência de julgamento, a advertido nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, respondendo ela que não pretendia prestar declarações, razão pela qual não foi ouvida).
Passemos então a conhecer a questão suscitada.
A ofendida C…, casada com o arguido à data dos factos alegados na acusação pública, ocorridos durante o casamento, integradores do crime de violência doméstica agravado que lhe foi imputado, foi arrolada como testemunha na acusação pública (fls. 208 a 213 do 1º volume).
Entretanto, requereu a sua constituição como assistente, quando deduziu pedido cível de indemnização, ainda na fase de inquérito (fls. 230 a 236 do 1º volume).
Foi admitida a sua constituição como assistente quando foi proferido o despacho que designou dia para julgamento (fls. 306 e 307 do 1º volume), portanto, já na fase de julgamento.
Em audiência de julgamento, após ser identificada, foi questionada sobre as suas relações com o arguido, ao que respondeu que o mesmo “foi seu marido na altura da prática dos factos, nada a impedindo de dizer a verdade”, tendo então sido advertida nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, respondendo “que não pretendia prestar declarações”, razão pela qual não foi ouvida.
Na perspectiva do Sr. Juiz a ofendida, que havia sido indicada como testemunha na acusação pública, apesar de ter entretanto assumido a qualidade de assistente, tinha de ser advertida nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, pelos motivos que indicou, exarados em acta e também na sentença, nos termos já acima expostos.
Na perspectiva do recorrente/Ministério Público, a partir do momento em que a ofendida assumiu a qualidade de assistente, apesar de ser cônjuge do arguido à data dos factos alegados na acusação, ocorridos durante o casamento, era obrigada a prestar declarações, não podendo ser advertida nos termos do art. 134º, nº 2, do CPP, norma esta que defende não ser aplicável a quem participa no processo como assistente.
Vejamos então.
A posição processual e atribuições dos assistentes estão definidas no artigo 69º do CPP[1], sendo claro que são colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo.
Essa relação de subordinação ao Ministério Público é mais evidente quando em causa estão crimes públicos (como sucede neste caso) ou semi-públicos.
Posição e relação essa que se compreende uma vez que o titular da acção penal é sempre o Ministério Público, o qual tem no processo a posição e atribuições definidas no art. 53º do CPP[2], tendo o processo penal natureza pública.
Os assistentes e as partes civis estão sujeitas ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (art. 145º[3], nº 2, do CPP), não prestam juramento (art. 145º, nº 4, do CPP) e, as declarações que prestam ficam sujeitas ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhes é manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente (art. 145º, nº 3, do CPP).
Na audiência de julgamento podem (o que significa que é facultativo) ser tomadas declarações ao assistente, tal como resulta do disposto no art. 346º do CPP[4].
Igualmente decorre do disposto nos artigos 145º, nº 1 e 346º, nº 1, do CPP, que para o assistente ser ouvido em audiência, é necessário que tal seja requerido por si próprio ou pelo arguido, podendo também tal suceder sempre que a autoridade judiciária o entender conveniente (requerimento que é deferido ou indeferido consoante a sua pertinência para a descoberta da verdade e boa decisão da causa).
Aliás, a partir do momento em que assume a qualidade de assistente fica impedido de depor como testemunha (art. 133º[5], nº 1, alínea b), do CPP), ainda que tenha sido arrolada (v.g. na acusação pública) para participar em julgamento como testemunha.
Ou seja, enquanto sobre a testemunha recai a obrigação de depor sobre factos que sejam do seu conhecimento directo e que constituam objecto de prova (arts. 128º[6], nº 1 e 131º[7], nº 1, do CPP) e de prestar juramento quando ouvida por autoridade judiciária (arts. 132º[8], nº 1, alínea b) e 91º[9], nº 1, do CPP), ressalvadas as excepções previstas na lei (como sucede, por exemplo, quando se verifica qualquer das situações previstas no art. 134º[10], nº 1, do CPP ou nas hipóteses previstas no art. 91º, nº 6, alínea a), do CPP, em que a testemunha menor de 16 anos não presta juramento), o mesmo já não sucede com o assistente (que pode inclusivamente não chegar a ser ouvido, v.g. em julgamento), apesar deste, enquanto sujeito processual, ser colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo.
Mas, quando presta declarações em audiência, o assistente fica sujeito ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação, não prestando, contudo, juramento (art. 145º, nº 2 e nº 4 do CPP).
Portanto, a responsabilidade penal do assistente que é chamado a prestar declarações em julgamento, incide sobre a violação do dever de verdade a que fica sujeito e não, por exemplo, sobre a recusa de prestar declarações.
Nesse aspecto é esclarecedora a distinção que o legislador faz, quando prevê a responsabilidade penal do assistente, por violar o dever de verdade, no crime de falsidade de depoimento ou declaração (art. 359º[11], nº 2, do Código Penal), mas já não o pune quando por exemplo se recusar a prestar declarações (ver art. 360º[12] do Código Penal, com a epigrafe de “Falsidade de testemunha, perícia, interpretação ou tradução” - que é um crime específico próprio - particularmente o seu nº 2, quanto à recusa a depor sem justa causa).
O que se articula com o princípio geral aceite pelo legislador de que sobre o assistente não recai a obrigação de prestar declarações, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a testemunha, o perito, o técnico, o tradutor ou o intérprete, ressalvadas, claro está, as excepções previstas na lei.
Mas, mesmo que seja requerido que o assistente preste declarações, o certo é que se houver recusa a prestar declarações, o mesmo não pode ser punido pela incriminação prevista no art. 360º, nº 2 e nº 3 do Código Penal.
E, no entanto, era lógico que se entendesse ser de punir essa recusa, o legislador o tivesse previsto expressamente também no referido crime previsto no art. 360º do CP, o que, porém, não fez (poder-se-á dizer que é discutível punir essa recusa do assistente através do crime de desobediência p. e p. no art. 348º, nº 1, alínea b), do CP, por não ser evidente que seja legítima a ordem dada pela autoridade).
O que conforta a tese de que o assistente só está obrigado ao dever de verdade, incorrendo em responsabilidade penal pela sua violação, no caso de prestar declarações, v.g. em audiência.
Obviamente que, prestando declarações em audiência de julgamento, as mesmas são valoradas nos termos do art. 127º[13] do CPP, tal como sucede, por exemplo, com os depoimentos das testemunhas ou mesmo com as declarações prestadas pelos arguidos que renunciam ao direito ao silêncio.
Por isso também se compreende que, como estabelece o art. 145º, nº 3, do CPP, a prestação de declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente.
O regime geral de prestação da prova testemunhal está previsto nos artigos 128º a 139º do CPP.
Não há disposição legal expressa que impeça o Sr. Juiz de advertir o assistente, no caso de se verificar qualquer das situações previstas no art. 134º, nº 1, do CPP, de que pode recusar-se a prestar declarações (o mesmo já não sucede, por exemplo, com a questão do juramento, uma vez que nessa matéria para o assistente rege o disposto no art. 145º, nº 4, do CPP, o qual prevalece sobre o disposto no art. 132º, nº 1, alínea b), do CPP, equivalendo, neste último caso, a recusa a prestar juramento pela testemunha a recusa a depor, tal como estabelece o art. 91º, nº 4, do mesmo código, o que é punido nos termos do art. 360º, nº 2 do Código Penal).
Como sabido, o direito de recusa previsto no art. 134º do CPP, justifica-se em nome de laços familiares.
Como bem diz, o Sr. Juiz da 1ª instância ”o legislador pretendeu aqui a protecção da relação familiar e conceder à pessoa o direito de optar entre falar ou não falar.
Não nos parece pois que por alguém se ter constituído assistente prejudique tal intenção legislativa.”
Ora se a ofendida, enquanto testemunha, podia recusar-se a prestar depoimento contra o arguido, por ter sido casada com ele na altura dos factos alegados da acusação que lhe (ao arguido) eram imputados, ocorridos durante o casamento (art. 134º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CPP), porque motivo passando a intervir nos autos como assistente deixava de gozar dessa prorrogativa?
Repare-se mais uma vez que o próprio art. 145º, nº 3, do CPP, prevê que as declarações do assistente ficam sujeitas ao regime de prestação da prova testemunhal, ressalvando apenas o que for manifestamente inaplicável e o que a lei dispuser em sentido diferente.
Que a lei não dispõe em sentido contrário é uma evidência, como acima já se referiu e como o próprio recorrente aceita e admite.
A questão está em saber se se pode defender, como o faz o recorrente, que o disposto no art. 134º do CPP é manifestamente inaplicável quando a pessoa que presta declarações é o assistente (e a mesma questão poder-se-ia colocar quanto à aplicação ao assistente, por exemplo, do direito que a testemunha tem, consagrado no art. 132º, nº 2, do CPP, de não responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilidade penal, o que é uma decorrência do privilégio da contra a auto-incriminação).
E, se é verdade que se pode discutir essa aplicabilidade ou inaplicabilidade, também é certo que a mera discussão dessa matéria não equivale sem mais (isto é, sem argumentos relevantes e evidentes) a manifesta a inaplicabilidade.
Ora, pelo que já foi adiantado não se vê que o legislador entendesse que era manifestamente inaplicável ao assistente o disposto no art. 134º, nº 2, do CPP, quando o mesmo fosse uma das pessoas indicadas no nº 1 dessa norma.
O que se compreende desde logo tendo em atenção que o assistente até pode nem chegar a ser ouvido no processo, independentemente de ser uma das pessoas indicadas no nº 1 do art. 134º do CPP.
O assistente, tal como qualquer pessoa, pode apresentar queixa, denunciar a prática de crime, não sendo por isso que se pode defender (como o faz o recorrente) que tem de ser responsabilizado processualmente pela posição que assumiu.
Aliás, se não fosse a existência de queixas e denúncias muitos dos crimes públicos e semi-públicos não seriam investigados, sendo certo que o titular da acção penal é sempre o Ministério Público e não o assistente.
Por isso aquele raciocínio, defendido em sede de motivação de recurso, de ser necessário responsabilizar o assistente por este ter “o poder de por a máquina judicial em marcha” é incorrecto, tanto mais que peca por inverter as posições processuais quer do assistente, quer do titular da acção penal, que é o Ministério Público.
O facto de, nos termos do art. 69º, nº 2, alínea a), do CPP, competir em especial ao assistente intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem, não interfere com a circunstância de se encontrar numa situação próxima do arguido, particularmente ter com o arguido uma das ligações referidas no art. 134º, nº 1, do CPP e de beneficiar da prorrogativa prevista no nº 2 da mesma norma.
Isto para dizer que, estando em causa uma das pessoas indicadas no art. 134º, nº 1, do CPP (que tem uma relação especial com o arguido), é natural e lógico que lhe seja concedida a prorrogativa prevista no nº 2 do mesmo preceito legal, quer seja simples ofendido/testemunha, quer seja assistente.
Não é por ter assumido a qualidade de assistente que essa pessoa deixa de ter a relação próxima com o arguido, prevista no art. 134º, nº 1, do CPP e que há menor risco de a mesma tentar proteger o seu familiar ou então ficar com o eterno ónus de suportar o “peso” de ter de contribuir para a condenação do arguido (quando, por exemplo, até já desvalorizou o sucedido, sabido que relações afectivas como as descritas no nº 1 do art. 134º do CPP não são “imutáveis” e podem ser feitas de momentos de conciliação e de momentos de inimizade).
Discorda-se, por isso, da tese contrária sustentada por Paulo Pinto de Albuquerque[14], usando o argumento de “um inadmissível venire contra factum proprium processual”.
Nesta particular situação diremos que não é adequado, nem se pode classificar como inadmissível o tal “venire contra factum proprium processual”, porque além do mais, sendo o processo penal de natureza pública e podendo o assistente não chegar a prestar declarações independentemente da relação que tenha ou não tenha com o arguido, o Ministério Público, titular da acção penal, deve no inquérito efectuar todas as diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão de acusação (ver arts. 262º, nº 1 e 124º, nº 1, do CPP).
Tudo isso torna-se mais nítido quando o crime objecto do processo, é por exemplo, um dos previstos no art. 68º, nº 1, alínea e), do CPP, em que qualquer pessoa pode constituir-se assistente.
Nesses casos, pode acontecer que o assistente não tenha conhecimento pessoal e directo dos factos em investigação, objecto do processo penal e, não obstante ter uma “posição activa no processo” (para usar expressão do recorrente), embora dentro dos limites concedidos na lei (cf. v.g. art. 69º, nº 2, do CPP), sendo óbvio concluir que não há interesse para a descoberta da verdade requerer que preste declarações em julgamento (o que também mostra que não tem a obrigação de prestar declarações), incumbindo ao Ministério Público exercer as suas funções enquanto titular da acção penal.
Isto para reforçar a ideia acima avançada de que em relação ao assistente, ainda que intervenha nos autos como sujeito processual, não se pode propriamente invocar o tal “venire contra factum proprium processual” (e, muito menos, utilizar esse argumento apenas quando estão em causa determinados crimes, v.g. que ofendem bens pessoais, quando o certo é que o legislador não criou diversas categorias de assistentes, consoante o crime objecto do processo).
Portanto, considerando a intenção do legislador quando criou a prorrogativa prevista no art. 134º do CPP, tendo presente igualmente que, nos termos do art. 145º, nº 3, do CPP determinou que as declarações do assistente ficam sujeitas ao regime de prestação da prova testemunhal - ressalvando apenas o que for manifestamente inaplicável e o que a lei dispuser em sentido diferente - é adequado defender-se que essa prorrogativa é aplicável ao assistente (desde logo por não se tratar de caso manifestamente inaplicável, considerando todo o regime legal previsto quer para a prova testemunhal, quer para a prova por declarações do assistente).
De resto, o estatuto de assistente foi estabelecido na lei para proteger o ofendido e conferir-lhe mais poderes a nível da intervenção no processo (actuando sempre como colaborador do titular da acção penal, que é o Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção, salvas as excepções previstas na lei, como estabelece o art. 69º, nº 1, do CPP) e não para lhe retirar direitos que gozava se fosse apenas testemunha.
Os “poderes de conformação autónomos” que, por via do estatuto de assistente, lhe são conferidos e que “lhe permitem divergir do MP” (como sucede, por exemplo, quando estão em causa crimes públicos e semi-públicos, com o disposto no art. 284º do CPP em que o assistente pode deduzir acusação e com o disposto no art. 287º, nº 1, alínea b), do CPP, em que o assistente pode requerer a instrução quando o Ministério Público não tiver deduzido acusação), tal como assinala Augusto Silva Dias[15], “não devem ser vistos como excepcionais.”
O disposto no art. 134º do CPP, que permite confortar a consciência da pessoa que iria depor ou prestar declarações (na medida em que lhe confere o direito de recusar-se a prestar depoimento ou declarações), quando tem qualquer daquelas (as indicadas no nº 1 do mesmo preceito, que são taxativas) relações especiais com o arguido, significa igualmente que num Estado de direito a prova não pode ser obtida a qualquer preço.
E, tendo em atenção que o art. 134º, nº 1, do CPP confere o direito de recusa a determinados parentes e afins do arguido, é lógico que o legislador desse prevalência a essa relação especial da pessoa em relação ao arguido e não propriamente ao seu estatuto processual, enquanto interveniente processual (ocorra essa intervenção processual como testemunha ou como assistente, apesar deste último assumir a qualidade de sujeito processual).
Como diz Medina Seiça[16], explicando essa opção do legislador, “embora a descoberta da verdade constitua a finalidade essencial de todo o processo penal e elemento fundamental para uma correcta administração da justiça, a qual, enquanto vector essencial à manutenção da comunidade juridicamente organizada, representa uma vertente informadora da própria ideia de Estado-de-Direito, a eventual perda da prova com possível relevância para a descoberta da verdade será de aceitar nos casos em que a sua aquisição se traduza na lesão de um bem mais valioso”.
Por isso, o facto do art. 134º do CPP conter a expressão “depor como testemunhas”, estando inserido sistematicamente (como diz o recorrente) no capítulo I do título II do livro III do C.P.P., com a epígrafe “Da Prova Testemunhal”, não impede que seja aplicável ao assistente, desde logo tendo em atenção a remissão efectuada no art. 145º, nº 3, do CPP (por não ser possível retirar a conclusão de que o disposto no art. 134º do CPP é manifestamente inaplicável ao assistente).
O pressuposto de que parte o recorrente, no sentido do art. 134º do CPP ”impedir que alguém que esteja alheio à marcha do processo tenha que vir depor a tribunal” não é correcto, uma vez que não está em causa o facto da pessoa ser ou não alheia ao processo.
Igualmente o facto, já acima referido, do assistente estar impedido de depor como testemunha (art. 133º, nº 1, alínea b), do CPP), o que se relaciona com a sua (do assistente) qualidade processual que adquiriu, passando a ser sujeito processual, não interfere com a relação de parentesco ou afim que tem em relação ao arguido (protegida no art. 134º do CPP).
O mesmo se diga em relação às atribuições conferidas a quem assume a qualidade de assistente (ver art. 62º, nº 2, do CPP), as quais não interferem com a protecção conferida pelo art. 134º do CPP, dado terem fundamentos ou justificações diversas.
Entendemos, pois, que não se pode defender (como o faz o recorrente) que é manifestamente inaplicável ao assistente a prorrogativa prevista no art. 134º do CPP.
Assim, tendo em vista o disposto no art. 145º, nº 3, do CPP, conclui-se ser aplicável ao assistente o privilégio da recusa previsto no art. 134º do CPP, desde que o mesmo se encontra numa das situações taxativas previstas no seu nº 1, caso em que deve ser advertido nos termos do seu nº 2.
Em conclusão: não merecem censura as decisões sob recurso, improcedendo os argumentos do recorrente, sendo certo que não foram violados os preceitos legais por ele invocados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento aos recursos interpostos conjuntamente pelo Ministério Público.
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Sem custas por delas estar isento o Ministério Público.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 30-01-2013
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] Artigo 69º (Posição processual e atribuições dos assistentes) do CPP
1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2 - Compete em especial aos assistentes:
a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;
b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
[2] Artigo 53º (Posição e atribuições do Ministério Público no processo) do CPP
1 - Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade.
2 - Compete em especial ao Ministério Público:
a) Receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes;
b) Dirigir o inquérito;
c) Deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento;
d) Interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa;
e) Promover a execução das penas e das medidas de segurança.
[3] Artigo 145º (Declarações e notificações do assistente e das partes civis) do CPP
1 - Ao assistente e às partes civis podem ser tomadas declarações a requerimento seu ou do arguido ou sempre que a autoridade judiciária o entender conveniente.
2 - O assistente e as partes civis ficam sujeitos ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação.
3 - A prestação de declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente.
4 - A prestação de declarações pelo assistente e pelas partes civis não é precedida de juramento.
5 - Para o efeito de serem notificados, o assistente ou as partes civis indicarão a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
6 - A indicação de local para efeitos de notificação, nos termos do número anterior, é acompanhada da advertência ao assistente ou às partes civis de que a mudança da morada indicada deve ser comunicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
[4] Artigo 346º (Declarações do assistente) do CPP
1 - Podem ser tomadas declarações ao assistente, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes e dos jurados ou pelo presidente, a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados das partes civis ou do assistente.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 145º, nºs 2 e 4, e no nº 3 do artigo anterior.
[5] Artigo 133º (Impedimentos) do CPP
1 - Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição;
c) As partes civis;
d) Os peritos, em relação às perícias que tiverem realizado.
2 - Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.
[6] Artigo 128º (Objecto e limites do depoimento) do CPP
1 - A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
2 - Salvo quando a lei dispuser diferentemente, antes do momento de o tribunal proceder à determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, a inquirição sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior, só é permitida na medida estritamente indispensável para a prova de elementos constitutivos do crime, nomeadamente da culpa do agente, ou para a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.
[7] Artigo 131º (Capacidade e dever de testemunhar) do CPP
1 - Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei.
2 - A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo.
3 - Tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a personalidade.
4 - As indagações referidas nos números anteriores, ordenadas anteriormente ao depoimento, não impedem que este se produza.
[8] Artigo 132º (Direitos e deveres da testemunha) do CPP
1 - Salvo quando a lei dispuser de forma diferente, incumbem à testemunha os deveres de:
a) Se apresentar, no tempo e no lugar devidos, à autoridade por quem tiver sido legitimamente convocada ou notificada, mantendo-se à sua disposição até ser por ela desobrigada;
b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária;
c) Obedecer às indicações que legitimamente lhe forem dadas quanto à forma de prestar depoimento;
d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.
2 - A testemunha não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal.
3 - Para o efeito de ser notificada, a testemunha pode indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
4 - Sempre que deva prestar depoimento, ainda que no decurso de acto vedado ao público, a testemunha pode fazer-se acompanhar de advogado, que a informa, quando entender necessário, dos direitos que lhe assistem, sem intervir na inquirição.
5 - Não pode acompanhar testemunha, nos termos do número anterior, o advogado que seja defensor de arguido no processo.
[9] Artigo 91º (Juramento e compromisso) do CPP
1 - As testemunhas prestam o seguinte juramento: «Juro, por minha honra, dizer toda a verdade e só a verdade.»
2 - Os peritos e os intérpretes prestam, em qualquer fase do processo, o seguinte compromisso: «Comprometo-me, por minha honra, a desempenhar fielmente as funções que me são confiadas.»
3 - O juramento referido no nº 1 é prestado perante a autoridade judiciária competente e o compromisso referido no número anterior é prestado perante a autoridade judiciária ou a autoridade de polícia criminal competente, as quais advertem previamente quem os dever prestar das sanções em que incorre se os recusar ou a eles faltar.
4 - A recusa a prestar o juramento ou o compromisso equivale à recusa a depor ou a exercer as funções.
5 - O juramento e o compromisso, uma vez prestados, não necessitam de ser renovados na mesma fase de um mesmo processo.
6 - Não prestam o juramento e o compromisso referidos nos números anteriores:
a) Os menores de 16 anos;
b) Os peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no exercício das suas funções.
[10] Artigo 134º (Recusa de depoimento) do CPP
1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido;
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
2 - A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.
[11] Artigo 359º (Falsidade de depoimento ou declaração) do Código Penal
1 - Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais.
[12] Artigo 360º (Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução) do Código Penal
1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução.
3 - Se o facto referido no nº 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.
[13] Artigo 127º (Livre apreciação da prova) do CPP
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
[14] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2007, p. 409.
[15] AUGUSTO SILVA DIAS, “A tutela do ofendido e a posição do assistente no Processo Penal Português”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coord. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, p. 54.
[16] A. MEDINA SEIÇA, “Prova testemunhal. Recusa de depoimento de familiar de um dos arguidos em caso de co-arguição (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1996), in RPCC ano 6, fasc. 3, Julho-Setembro 1996, pp. 492 e 493