Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1631/14.7TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
ENTREGA DE BENS ADQUIRIDOS
MEIO
Nº do Documento: RP201612051631/14.7TBGDM.P1
Data do Acordão: 12/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 31, FLS.291-292)
Área Temática: .
Sumário: I. O artigo 828º do C.P.C. permite ao adquirente de bens em execução, com base no título de transmissão referido no artigo 827º, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861º, todavia, sem que isso implique a instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa.
II. Pretendendo obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, o exequente não tem de requerer uma execução para entrega de coisa certa, utilizando o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme a Portaria nº 282/2013, de 29.9.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1631/14.7TBGDM.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na execução para entrega de coisa certa em que é exequente a B…, e executado C…, veio aquela requerer que fosse investida na posse sobre o prédio urbano constituído por rés-do-chão e andar, destinado a indústria, com 348m2, sito na Rua …, nº ../.., da união de freguesias …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz sob o artigo urbano 14365, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 2531, com o recurso aos meios que a lei prevê, nomeadamente com o recurso às forças de autoridade pública, arrombamento, mudanças de fechaduras, se necessário, em caso do executado ou de quem quer que o ocupe (artigos 828º e 861º do C.P.C. e 879º do C.C.).

O tribunal indeferiu esse requerimento, por entender que a entrega não pode ser formulada em simples requerimento mas, o adquirente, munido do respetivo título de transmissão, deverá na própria execução fazer enxertar uma execução para entrega de coisa certa, requerendo a execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva, para o que deverá utilizar o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme Portaria 282/2013, de 28/9.

Inconformada, a exequente recorreu para esta Relação, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
1. O recurso versa sobre o despacho que concluiu pelo indeferimento do requerimento da recorrente, através da qual se requeria que a exequente fosse investida na posse do imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, no âmbito da presente execução, com o recurso aos meios que a lei prevê, nomeadamente com o recurso às forças da autoridade pública, arrombamento, mudanças de fechadura, se necessário, em caso de oposição dos executados ou de quem quer que o ocupe (artigos 828º e 861º do C.P.C. e artigo 879º do C.C.).
2. Tal despacho foi proferido na sequência dos requerimentos ao senhor agente de execução e ao tribunal e, mais tarde, apenas ao tribunal.
3. Em todos os requerimentos se requeria que fosse que a requerente fosse investida na posse sobre o prédio urbano constituído por rés-do-chão e andar, destinado a indústria, com 348m2, sito na Rua …, nº ../.., da união de freguesias de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz sob o artigo urbano 14365, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 2531, que fora adjudicado à aqui recorrente, no âmbito da venda judicial ocorrida neste processo executivo, com a indicação de que a aquisição já estava registada a seu favor.
4. Acontece que o executado, detentor do mesmo prédio, recusa-se a entregá-lo, não obstante as várias insistências nesse sentido do senhor agente de execução e da própria exequente.
5. Não concordamos com o despacho em questão, pois, estamos convencidos que o tribunal fez uma errada interpretação da lei e, particularmente, das normas que nesta fase processual se aplicam ao caso em apreço.
6. Até ainda há bem pouco tempo, este ato de entrega não era tributado, nomeadamente, não havia lugar ao pagamento de qualquer quantia adicional ao senhor agente de execução.
7. Contudo, já no domínio do atual procedimento executivo foi aprovada uma alteração, através da qual o senhor agente de execução passou a cobrar 1UC, a partir da publicação da Portaria nº 225/2013, de 10 de Julho (que deu nova redação ao nº 4 do artigo 18º da Portaria nº 331-B/2009, texto este que, por sua vez, acabou por ficar plasmado no nº 4 do artigo 50º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto.
8. Neste quadro, a exequente apenas terá de despender 1UC, ao passo que no entendimento do tribunal, pela tese do “enxerto” numa execução para entrega de coisa certa ou instaurando uma execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva, para o que deverá utilizar o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme Portaria 282/2013, de 29/8, o exequente terá de pagar o valor total de custas, que é de €408,00 + IVA, pagas em duas fases (a primeira na entrada da execução e a segunda após a entrega).
9. Este é um exemplo claro de que a entrega terá de processar-se nesta execução, sem qualquer outro formalismo que não seja o do mero requerimento.
10. Mostram-se violados os preceitos legais acima referenciados.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.
A questão a decidir consiste em saber se o exequente que pretenda obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial tem de requerer uma execução para entrega de coisa certa, utilizando o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme a Portaria nº 282/2013, de 29.9.

I. Foi decidido que o adquirente, munido do respetivo título de transmissão, deverá na própria execução fazer enxertar uma execução para entrega de coisa certa, requerendo a execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva.
A exquente/apelante, pelo contrário, entende que lhe basta, por meio de simples requerimento, pedir a entrega do imóvel que adquiriu nestes autos.
Vejamos, então, que termos deverá seguir o pedido de entrega do bem imóvel que foi adjudicado à exequente em venda judicial.
No artigo 901º do C.P.C., na redação do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, estabelecia-se que «o adquirente pode, com base no despacho a que se refere o artigo anterior, requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa».
A propósito deste preceito, Lebre de Freitas escreve o seguinte: «Na sua nova redação, o artigo 901º concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra quem os detenha, enxertando assim na ação executiva para pagamento de quantia certa uma execução para entrega de coisa certa».
Teixeira de Sousa refere que «o adquirente dos bens através da venda executiva pode requerer, utilizando como título executivo o despacho que lhe adjudicou os bens (cfr. artigo 900º, nº 1), prosseguimento da execução contra o seu detentor. (artigo 901º). (…) A execução continua, mas não como execução para pagamento; atendendo ao seu objeto, ela transforma-se numa execução para entrega de coisa certa». Ação Executiva Singular, Lex, 1998, pág. 418.
No domínio da vigência do artigo 901º, na redação do citado DL nº 186/96, dada a referência expressa aos “termos prescritos para a execução para a entrega de coisa certa”, deveria aceitar-se a interpretação de que a entrega judicial era requerida pelo adquirente, no processo de execução para pagamento de quantia certa, aplicando-se depois o regime previsto nos artigos 928º e seguintes relativo à execução para entrega de coisa certa.
Entretanto, o artigo 901º, novamente, foi alterado pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, vindo a estabelecer que «o adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 930º, devidamente adaptados».
Comentando, agora, esta redação, Lebre de Freitas diz que «o artigo 901º concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra quem os detenha, enxertando assim na ação executiva para pagamento de quantia certa um pedido de execução para entrega de coisa certa. Não se trata duma ação executiva para entrega de coisa certa nem da conversão duma execução para pagamento de quantia certa em execução para entrega de coisa certa». Ação Executiva Depois da Reforma, 4ª edição, 2004, pág. 365.
Para Teixeira de Sousa, a execução transforma-se numa execução para entrega de coisa certa, afirmação que Lebre de Freitas, na obra e pág. citadas, comenta, referindo que «a ideia está certa se não significar uma verdadeira conversão (como as dos artigos 931º e 934º), mas apenas a utilização não exclusiva, da instância (pendente ou extinta) para essa finalidade (tão-pouco, por exemplo, a tomada de posse efetiva do bem penhorado, pelo depositário, implica qualquer conversão)».
Também, Amâncio Ferreira refere que «diversamente do que ocorria anteriormente, no âmbito da RPC95-96, na medida em que remetia para o regime da execução para entrega de coisa certa, o texto do artigo 901º, saído da RPC2003, não prevê a possibilidade dos ocupantes alegarem e provarem o que considerarem conveniente a respeito da sua situação, como, em caso paralelo, se admite no artigo 675º da LEC.
(…) Discorda-se assim de Rui Pinto, ao sustentar que, no atual texto do artigo 901º, se confere ao adquirente a possibilidade de lançar mão, contra o detentor, da execução para entrega de coisa certa, porquanto aquele preceito apenas prevê que a entrega dos bens (e nada mais que isso) se realize em conformidade com o disposto no artigo 930º». Curso de Processo de Execução, 2007, 10ª edição, pág. 393.
No mesmo sentido, Lopes do Rego, afirma que «a alteração introduzida é meramente consequencial da eliminação do despacho de adjudicação, substituído pelo título de transmissão, emitido pelo agente de executivo. Por outro lado, deixa-se claro que ao procedimento aqui previsto é, de imediato, aplicável o preceituado no artigo 930º (sem que, como é óbvio, tivessem lugar os atos previstos nos artigos 928º e 929º)». Comentários ao Código de Processo Civil, volume II, 2ª edição, 2004, pág. 141.
Ao artigo 901º corresponde o atual artigo 828º que manteve aquele, apenas com a atualização, decorrente da renumeração do novo C.P.C.
Ora, o atual artigo 828º, tal como o anterior artigo 901º, permite ao adquirente de bens em execução, com base no título de transmissão referido no artigo 827º, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861º, todavia, sem que isso implique a instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa.
É isso que defende Lebre de Freitas ao referir que «o artigo 828º concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer a sua entrega na própria execução. É assim enxertado, na ação executiva para pagamento de quantia certa, um pedido de execução para entrega de coisa certa, dirigido contra quem os detenha. Não se trata duma ação executiva para entrega de coisa certa nem da conversão duma execução para pagamento de quantia certa em execução para entrega de coisa certa.
(…) Diversamente em Rui Pinto, Penhora, Venda e Pagamento, Lex, 2003, pág. 91, bem como, na vigência da redação anterior à reforma, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, pág. 391, ambos opinando que o adquirente teria de recorrer a uma ação executiva (nova) para entrega de coisa certa. Para Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, Lex, 1998, pág. 418 (também perante a anterior redação), a execução transforma-se numa execução para entrega de coisa certa, ideia que está certa se não significar uma verdadeira conversão (como as dos artigos 867º e 869º), mas apenas a utilização não exclusiva, da instância (pendente ou extinta) para essa finalidade (tão-pouco, por exemplo, a tomada de posse efetiva do bem penhorado, pelo depositário, implica qualquer conversão)». A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 421.
Ou seja, no artigo 828º do C.P.C., permite-se que a execução para pagamento de quantia certa, em que um determinado bem foi adjudicado, prossiga para a entrega deste; o adquirente de bens em execução para pagamento de quantia certa pode, com base no título de transmissão referido no artigo 827º, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861º, todavia, sem que isso implique a instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa.
Daí que o exequente, pretendendo obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, não tenha de requerer uma execução para entrega de coisa certa, utilizando o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme a Portaria nº 282/2013, de 29.9.
Procede, assim, o recurso da exequente B….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida e, consequentemente, ordenar o prosseguimento da execução para entrega do imóvel que foi adjudicado à exequente, nos termos prescritos no artigo 861º, devidamente adaptado.

Custas pelo apelado.

Sumário:
I. O artigo 828º do C.P.C. permite ao adquirente de bens em execução, com base no título de transmissão referido no artigo 827º, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861º, todavia, sem que isso implique a instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa.
II. Pretendendo obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, o exequente não tem de requerer uma execução para entrega de coisa certa, utilizando o modelo de requerimento disponibilizado eletronicamente, conforme a Portaria nº 282/2013, de 29.9.

Porto, 5.12.2016
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido