Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4133/16.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO DE FRANQUIA
CONTRATO DE AGÊNCIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP201802084133/16.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º122, FLS.23-33)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de franquia é um contrato bilateral ou sinalagmático, atípico, regendo-se pelas disposições gerais que regulam os contratos, aplicando-se, sempre que possível e se revele adequado, por analogia, o regime do contrato de agência (DL n.º178/86, de 02.07), por ser o contrato típico mais próximo.
II - O artigo 28º do mesmo diploma legal não é aplicável ao contrato de franquia mas os prazos de pré-aviso aí estabelecidos podem ser usados como indicadores e referência.
III - O regime de resolução do artigo 808º do Código Civil não se ajusta às relações contratuais duradouras, onde, em regra, não está em causa a perda de interesse numa prestação concreta mas sim a perda de interesse na continuação do contrato, pelo que o regime é o da resolução por justa causa.
IV - No que toca à resolução do contrato de franquia deve atender-se ao disposto no art.º 30.º do DL n.º 178/86, de 02.07, podendo o contrato ser resolvido, nos termos da al. a) desse preceito, se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, se pela sua gravidade ou reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
V - A resolução do contrato pode operar, também, com base na al. b) do art.º 30.º daquele diploma, isto é, se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº4133/16.3T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (827)
Adjuntos. Des. José Manuel Araújo Barros
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, casado, residente na Rua …, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum contra C… Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, n.º …., sala …, em Vila Nova de Gaia, pedindo que:
a) Se reconheça a resolução com justa causa do contrato de franquia celebrado entre o Autor e a Ré; e
b) Se condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de 21.624.73€ (vinte e um mil seiscentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos) que representa o prejuízo sofrido pelo Autor em face do incumprimento da obrigação contratual da Ré, devendo acrescer os respectivos juros de mora, desde a citação, à taxa de juro devida para as empresas comerciais, até integral e efectivo pagamento do montante em dívida;
ou, para o caso de assim não se entender,
a) Seja o contrato de franquia declarado nulo com fundamento em erro sobre as circunstâncias e motivos que estiveram na base do negócio;
b) Seja a Ré condenada a restituir ao Autor a quantia de 16.227,79€ (dezasseis mil duzentos e vinte e sete euros e setenta e nove cêntimos), valor em que importou o negócio cuja declaração de nulidade requer.
Alega, em suma, que celebrou com a Ré um contrato de franquia, que abrangia a utilização de uma plataforma informática multisserviços que se veio a revelar, em parte e no essencial, inoperacional, para os fins do negócio que tinha que desenvolver, razão pela qual procedeu à resolução do contrato, com justa causa. Mais invoca que foi enganado pela Ré, que lhe apresentou um negócio que se veio a revelar inviável, pelo que nunca teria contratado se soubesse as reais condições que lhe seriam fornecidas.
A Ré contestou e deduziu reconvenção.
Na mesma peça processual defendeu que o direito de resolução do contrato prescreveu pois foi efectuado para além dos 30 dias a que alude o art.º 31º do Decreto -Lei 178/1986, impugnando ainda os motivos invocados pelo Autor para a resolução do contrato.
Em reconvenção pede a condenação do Autor no pagamento da quantia de 5.734,70€ relativa a valores que ficaram por liquidar na vigência do contrato.
O Autor respondeu, defendendo que o direito de resolução do contrato não caducou ara, pois foi exercido no prazo legal.
Mais afirmou que não se encontram em dívida quaisquer quantias, já que todos os montantes devidos foram oportunamente liquidados.
Proferiu-se despacho saneador no qual se declarou válida e regular a instância.
Procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à definição dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, no culminar do qual se proferiu sentença onde se julgou a acção e a reconvenção parcialmente provadas e procedentes e, em consequência:
a) Se considerou reconhecida a existência de justa causa de resolução do contrato de franquia celebrado entre o Autor e a Ré, levada a efeito pelo Autor por carta de 19 de maio de 2015;
b) Se condenou a Ré C… Unipessoal, Lda. a pagar ao Autor B… a quantia de 15.419,78€ (quinze mil quatrocentos e dezanove euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para as operações comerciais a contar da citação e até efectivo e integral pagamento;
c) Se absolveu a Ré do restante pedido;
d) Se absolveu o Autor/Reconvindo do restante pedido reconvencional.
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Inconformada com esta decisão da mesma interpôs recurso a ré C…, Unipessoal Lda., apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O autor B… contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela Ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
1. O contrato de franquia é o "contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado), mediante contrapartidas, actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e fiscalização a que for sujeito" (…), tendo como elementos distintivos: a fruição da imagem empresarial do franquiador; a transmissão do know-how e assistência técnica, o controlo e fiscalização do franquiado e a onerosidade.
2. Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de franquia é um contrato comercial atípico, inominado, intuitu personae, oneroso, sinalagmático, de adesão, consensual, e duradouro ou de execução continuada.
3. Quanto à resolução, aplica-se analogicamente o regime previsto nos artºs 30º a 32º do DL 178/86, a saber: Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
4. A resolução operada pelo Recorrido resulta não de incumprimento especialmente relevante da Recorrente antes e tão só da superveniência de circunstâncias que tornaram impossível ou prejudicaram gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
5. Não ficou provado nem foi alegado que à data da celebração do contrato existia tal impossibilidade.
6. Tais circunstâncias não são imputáveis à Recorrente, antes são de natureza técnica ou informática, ultrapassáveis mediante upgrade da plataforma e/ou upgrade da formação do Recorrido, no âmbito aliás dos deveres contratuais que caracterizam este contrato.
7. A impossibilidade objectiva superveniente por causa não imputável ao devedor preclude o direito à indemnização: artº 801º CCiv., a contrario.
8. As conclusões antecedentes não conflituam com a declarada justa causa de resolução do contrato, porém:
9. Estando em vista (como está) um contrato bilateral, a impossibilidade objectiva superveniente por causa não imputável ao devedor, e tendo o credor já cumprido, podia o mesmo exigir a restituição nos termos do enriquecimento sem causa.
10. Porém, o Recorrido não o fez nem é essa a causa de pedir pelo que
11. Impõe-se a absolvição da Recorrente, com todas as consequências de lei, assim se fazendo a boa JUSTIÇA!
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Já o Autor/apelante conclui as suas contra alegações nos termos seguintes:
1 – A Recorrente coloca em causa matéria de facto dada por provada, sem seguir as regras específicas de Recurso, não cumprindo as normas processuais impostas, pois, tendo a prova sido gravada, impõe o artigo 640.º, n.º 1, al. a) e b) e n.º 2 do CPC, a indicação concreta das passagens da gravação, em que se funda, ou, proceder à transcrição dos depoimentos das testemunhas que, no seu entender, dariam uma diferente decisão da matéria de facto.
2 – Ainda que assim não fosse, falha a Recorrente para a indicação da concreta matéria de facto, nomeadamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como falha para com a indicação da decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
3 – A Recorrente apenas se limitou a aventar uma interpretação de direito e uma realidade factual que nunca carreou para o processo principal, nem durante a fase processual correspondente, tentando agora em sede de Recurso fazer crer o contrário daquilo que por ela foi defendido.
4 - Procedeu a Recorrente à invocação de factos que não constam dos autos principais, caindo no erro de aventar alternativas contrárias ao que por si foi promovido durante todas as fases processuais antecedentes.
5 – A prova documental e testemunhal mostrou-se mais do que bastante para a fundamentação da convicção do Tribunal “a quo”, que desconsiderou por completo as declarações do legal representante da Ré, bem como da testemunha por si arrolada, sendo os seus depoimentos vagos, confusos e até configurando como um género de “confissão” face ao invocado pelo Recorrido e pelas testemunhas por si arroladas.
6 – A sentença recorrida não merece qualquer reparo, resultando da livre apreciação e valoração da prova, segundo critérios práticos e realistas e lógico-intuitivos colhidos da prova documental, da inquirição das testemunhas, das declarações de parte e da acareação.
7 – Pelo que, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” elaborou a sentença em estrito cumprimento do artigo 607.º do CPC, não merecendo a decisão qualquer contestação.
8 – Falhou igualmente a Recorrente para com a correcta impugnação da matéria de direito, uma vez que a mesma se encontra inquinada pela adulteração e inovação de factos efectuada por aquela, que utilizou o presente Recurso para promover uma defesa nunca por si feita.
9 – A análise da justa causa de resolução operada pelo Autor, ora Recorrida, foi devidamente efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo que face à quebra de confiança e ao incumprimento contratual reiterado e grave da Recorrente, mostra-se a mesma válida.
10 – Assim, falha igualmente a invocação da preclusão do direito de indemnização, sendo a quantia em que a Recorrente, foi condenada, devida na totalidade ao Recorrido.
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Perante o acabado de expor mostra-se claro que é a seguinte a questão suscitada neste recurso:
A de saber se no caso, estão verificados os pressupostos de facto e de direito para a resolução por justa causa do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.
E tendo esta como a única questão que é suscitada pela Ré/apelante neste seu recurso, resulta claro o seguinte:
Contrariamente ao que afirma o Autor/apelado nas suas contra alegações, no presente recurso não é interposto qualquer recurso da decisão da matéria de facto, sendo certo que em nenhum momento das suas alegações a Ré/apelante faz alusão às regras prescritas quer no art.º640º quer no art.º662º, ambos do Novo Código de processo Civil.
Por ser assim, resulta evidente que por falta de impugnação, se mantém integralmente a decisão de facto antes proferida, cujo conteúdo passaremos já de seguida e aqui a fazer constar.
Assim na mesma decisão foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor celebrou com Ré, no dia 09 de Abril de 2014, o contrato intitulado “Contrato de Franchising C… Store”, com anexo rubricado por ambas as partes sob o nome “Descrição Montagem Loja C… Para 2015”, nos termos constates de fls. 18 a 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo o Autor aí designado por “Franquiado” e a Ré por “Franquiador”.
2. Nos termos da cláusula 1ª, o Autor obrigou-se “a vender ao público, apenas e só exclusivamente, os produtos da marca ou representados pela C…, no seu estabelecimento comercial, sito em Rua …, …, … (…), sujeitando a sua atividade aos critérios comerciais recomendados pelo Franquiador”.
3. A cláusula 2ª do contrato dispõe que: “O Franquidor concede ao Franquiado, em exclusivo, o direito de franquia do seu produtos/serviços com a marca C… para o concelho de Amadora salvo os agentes C… com sede no mesmo concelho”.
4. A cláusula 6ª do contrato dispões que:
1. “O Franquiado constitui uma indústria ou empresa totalmente independente, assumindo directa, pessoal e exclusivamente o risco e as consequências da sua actividade empresarial, incluindo a contratação de pessoal.
2. O Franquiado obriga-se a obter todas as autorizações e licenças de caracter administrativo, de qualquer classe e âmbito, que sejam necessárias ao exercício da sua actividade bem como para a abertura e utilização do local onde a mesma é exercida. (…)” 5. A cláusula 7ª do contrato dispõe que:
1. “O Franquiador obriga-se a prestar assessoria ao Franquiado, nomeadamente no âmbito da sua gestão comercial, devendo este seguir as instruções e diretrizes que lhe sejam indicados pelo Franquiador, independentemente da forma da sua comunicação: e participando nos cursos que, sobre gestão comercial e vendas, sejam ministrados pelo Franquiador.”
6. A cláusula 9ª do contrato dispõe que:
1. “O Franquiado pagará ao Franquiador todas as encomendas, através de entidade e referência, cheque, transferência bancária ou outra forma de pagamento cedida pelo Franquiador, C….
2. (…)
3. (…)
4. O franquiado pagará ainda a título de markting e publicidade ao Franquiador a importância de 25.00€ mensais, sendo que este valor pode ser alterado não excedendo o máximo de 20% anual, desde que comunicado ao Franquiado com a antecedência mínima de 60 dias.
5. O Franquiado pagará a título de renovação da página web o valor de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), uma vez por ano, na data em que foi assinado o contrato de franchising.”
7. A cláusula 9ª do contrato dispõe que:
1. “O Franquiado pagará na data da assinatura do presente contrato 12.500,00 euros mais iva para implementação da loja C… store conforme mapa descritivo em anexo.”
8. A cláusula 14ª do contrato dispõe que:
1. “O incumprimento por qualquer das partes das obrigações por si assumidas no presente contrato, dará direito à outra parte a proceder à resolução do mesmo, se tal incumprimento não for sanado no prazo de 30 dias. (…)”
9. A cláusula 16ª do contrato dispõe que:
“O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura por ambas as partes e a sua duração será de 5 anos, renovando-se automaticamente por períodos iguais, salvo mediante acordo das partes.
10. No preâmbulo do contrato consta o seguinte:
1. O Franquiador é titular da marca C… registada em 06.03.2013 na classe 38 e com o número …… C…, e Boletim de propriedade industrial n. 48/2013.
2. A marca C… inclui os seguintes serviços:
Serviços relacionados com o ramo automóvel: Registos Automóvel, legalização de Viaturas via plataforma e outros;
Serviços relacionados com telecomunicações; contratações de serviços de todas as operadoras móveis e não móveis via plataforma;
Outros serviços aqui não mencionados mas disponíveis na Plataforma C…;
Venda de produtos: Tinteiros; Perfumes; Materiais Informáticos e acessórios; consumíveis informáticos; Telemóveis, acessórios e afins e outros não mencionados mas constantes da plataforma C…;
Outros serviços western union ctt expresso e outros serviços disponíveis via plataforma C….
(…)
5. O Franquiador detém o know-how, a organização e experiência e a capacidade para distribuir os seus produtos com a marca C…, através de uma plataforma “C….pt” – “loja C….pt”, estando disposto a colaborar, assessorar e transmitir o know- how e experiência referidos ao Franquiado para efeitos de comercialização por estre dos produtos com a marca C… e em conformidade e condições estabelecidos no presente contrato. (…)”
11. A Ré desenvolve actividades de consultadoria contabilística e financeira, prestação de serviços de telecomunicações mediante plataformas e portais da internet e por outros meios de comunicação.
12. O Autor pagou à Ré a quantia total de 13.227,79€ (treze mil duzentos e vinte e sete euros e setenta e nove cêntimos), sendo 12.500€ a título de pagamento do preço contratualmente estipulado e o restante pela compra de diverso material para composição do stock e recheio da loja.
13. Para constituição da sociedade de nome D… - Unipessoal, Lda., que seria a futura empresa contratante do franchising, o Autor despendeu a quantia emolumentar de 360,00€ (trezentos e sessenta euros).
14. Para tanto indicou como espaço comercial, para vender em regime de retalhista, os produtos identificados com a marca C…, loja sita na Rua …, …, …, …. - … …, tendo posteriormente alterado tal domicilio profissional para nova localidade, mais concretamente para a sede social da sociedade unipessoal entretanto criada, e que assumiria a posição de franquiado, sita na Avenida …, n.º .., …, Loja …, …. - … Amadora.
15. Acreditando na potencialidade do negócio, o Autor, optando por não aguardar até à constituição da sociedade D… - Unipessoal, Lda, outorgou o contrato, e contratou o fornecimento de água, luz, telecomunicações e internet, bem como o seguro de responsabilidade civil cuja apólice consta a fls. 94/95 e se dá por integralmente reproduzida.
16. Por sua vez, após a sua constituição, a sociedade D…, Unipessoal, Lda. procedeu à celebração de contrato arrendamento de espaço comercial para estabelecimento e prossecução do negócio franquiado, sito na Amadora, tendo o Autor despendido para o efeito a quantia de 3.000,00€, para pagamento de rendas e respectiva caução, bem como teve de proceder à realização de obras no locado, por forma a adaptar o espaço às necessidades comerciais, no montante de 200,00€ (duzentos euros).
17. A Ré promoveu um curso de formação durante 2 dias, em 23 e 24 de Abril de 2015, por forma a dar a conhecer aos futuros franchisados, incluindo o Autor, o seu método de actuação, as suas práticas comerciais, sobretudo no que respeitava a comissões pagas e margens de lucro, produtos a adquirir, montagem da loja, serviços a contratar, promoção da marca através de publicidade e utilização da ferramenta de gestão informática online (plataforma), esta última, com apresentação de slides.
18. Porém, e uma vez que era sua intenção conhecer mais em detalhe as práticas comerciais da Ré, bem como o valor das comissões associadas aos produtos vendidos em loja e da respectiva margem de lucro, o Autor procedeu à troca de diversas mensagens de correio electrónico com o funcionário da Ré, de nome E….
19. Recebeu ainda o Autor diverso material informativo, sob a forma de brochuras, scripts, power points, memorandos e “guias de conduta procedimental” para angariação de clientela e a correspondente forma de como deveria realizar as interpelações negociais com potenciais clientes, nos termos constantes de fls. 38 a 52 que se dão por integralmente reproduzidos.
20. Nos procedimentos de marcação da visita que constam a fls. 51 verso/52, consta, designadamente, o seguinte:
“Relativamente ao produto C…,. a C… disponibiliza uma serviço não só de carregamento de telemóveis e pagamento de facturas, como uma plataforma multisserviços, que como costumo dizer é como uma mini loja do cidadão … poderá fazer o registo automóvel … renovar cartas de condução … contratos de telecomunicações … certificado energético … pagar scuts --- e ainda disponibilizamos uma loja com cerca de 2000 produtos com margens que podem chegar aos 80% … o caso dos cartões de telemóvel que custam ao agente €2,50 e são vendidos a €9,90 … lucro de €7,40 em cada cartão … os contratos de telecomunicações que podem chegar a €200 de comissão … é o caso do G1... … os pagamentos de facturas que vai desde €0,70 a €0,10 por operação … mas não é nisso que ganha dinheiro … o que lhe dá dinheiro são as operações efectuadas na plataforma …registo automóvel que vai de €5,00 a €15,00 … 1 simples contrato G… pode chegar aos €200…”
21. A Ré apresentou-se ao Autor como uma “(…) empresa que desenvolveu uma plataforma informática multisserviços, que permite aos seus utilizadores efectuar várias operações de utilidade pública de forma simples e rápida (…)”, um serviço que permitiria efectuar o registo automóvel, pedir uma senha das finanças ou segurança social, pagar o imposto de sele auto, requisitar o identificador via verde, emitir o mapa de responsabilidades do Banco de Portugal, efectuar contratos de telecomunicações e F…, enviar e receber transferências de dinheiro via Western Union, emissão de certificação energética, envio de encomendas via CTT expresso, compra de produtos em catálogo virtual, tais como cartões telefónicos, telemóveis, tinteiros perfumes, relógios e muito mais – cfr. documentos de fls. 44 verso e 48.
22. A Ré apresentou o serviço C… como uma mini loja do cidadão on line – cfr. documento de fls. 49.
23. Na sua apresentação, a Ré refere que: “Associado à plataforma, é contratado um terminal TPA (Bancário) que vai permitir ao lojista efectuar o pagamento de várias contas como o telefone, electricidade, água, gás, TV por cabo bem como o carregamento de telemóveis ou simplesmente fazer um donativo. A vantagem desde serviço face à actual oferta no mercado, é a possibilidade de efectuar os pagamentos destes serviços com cartão multibanco, sem que seja cobrada qualquer comissão por parte das entidades bancárias fornecedoras do serviço” – cfr. documento de fls. 48.
24. Convencido de que estaria munido de todas as ferramentas necessárias e licenças/autorizações fundamentais, o Autor iniciou a prossecução da actividade planeada no dia 01.05.2015, esperando que tal se desenvolvesse dentro dos parâmetros e directrizes estabelecidas e projectadas aquando da assinatura do contrato de franquia, bem como das posteriores reuniões tidas e das diversas trocas de correio electrónico.
25. A plataforma fornecida pela Ré não permitia, contudo, um acesso directo aos diversos serviços que nela constavam, direccionando o franchisado para os portais da internet acessíveis ao cidadão comum.
26. O serviço relativo à Western Union e ao CTT expresso nunca funcionou.
27. As renovações da carta de condução tinham que ser feitas através do correio.
28. A Ré não instalou na loja do Autor um terminal de pagamento automático TPA, pelo que o Autor não pôde prestar o serviço de pagamento das facturas de água, luz, gás, telefone, televisão, internet e carregamentos de telemóveis.
29. A contratação dos serviços de telecomunicações era encaminhada para uma operadora, pelo que os contratos não eram susceptíveis de ser celebrados de imediato.
30. Os únicos serviços que funcionavam directamente eram aqueles a que qualquer cidadão comum tem acesso, tais como os pedidos de senhas nas Finanças e Segurança Social e os relacionados com a Via Verde.
31. A forma como o serviço C… foi apresentado pela Ré criou no Autor a convicção de que poderia aceder directamente através da plataforma aos serviços que nela constavam e praticar os actos necessários, funcionando como uma mini loja do cidadão, bem como lhe seria concedida pela Ré a instalação de um terminal de pagamento automático.
32. A única publicidade que a Ré promoveu relativamente à loja do Autor foi o envio de uma “bandeirola”, de um vinil A3 e de meia dúzia de flyers e autocolantes para a montra.
33. Por diversas vezes solicitou o Autor à Ré esclarecimentos telefonicamente, exigindo aquilo a que a Ré se houvera obrigado, mas pese embora todas as insistências, tal nunca se veio a verificar.
34. Por carta de 19 de maio de 2015, recebida pela Ré no dia seguinte, o Autor, através da sua Mandatária, invocando justa causa, procedeu à resolução do contrato de franquia nos termos constantes de fls. 56 verso/57 que se dão por integralmente reproduzidos.
35. Se o Autor tivesse tido consciência que afinal a dita plataforma não lhe iria permitir realizar os serviços publicitados, e que faziam parte do negócio franquiado, não tinha aceite concluir o negócio com a Ré.
36. Existia uma loja com serviço Western Union perto da loja do Autor.
37. Durante todo o período em que a loja esteve aberta – entre 01.05.2015 a 18.05.2015 – o Autor facturou cerca de 200€/300€.
38. O Autor não liquidou à Ré a totalidade do preço devido pelo contrato, encontrando-se por pagar o montante de 2.147€.
39. O Autor não pagou à Ré a quantia de 640,22€ relativa a fornecimento de mercadoria facturada e entregue.
40. A Ré debitou ao Autor a quantia de 2.232,48€ a título de taxa de publicidade e a quantia de 625€ pela utilização do site.
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Mais, foi feito consignar o seguinte:
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os alegados nos arts. 92º da p. i. e 7º, 8º, 9º, 11º, 15º (na parte em que se alega que o Autor sabia, no momento da celebração do contrato, que não podia ter acesso ao serviço da Western Union) e 18º da contestação.
Relativamente ao alegado no art.º 10º da p. i., provou-se apenas o que consta no ponto 15º dos factos provados.
Não se respondeu aos restantes factos alegados pelas partes, por não terem interesse para a boa decisão da causa, conterem matéria conclusiva ou de direito, constituem mera impugnação ou terem ficado prejudicados pela resposta dada aos restantes factos.
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É pois tendo em conta esta decisão (de facto), que iremos apreciar e decidir a questão suscitada no presente recurso pela ré/apelante C…, Unipessoal Lda.
Ora já todos sabemos que na sentença recorrida foi decidido considerar reconhecida a existência de justa causa de resolução do contrato de franquia celebrado entre o Autor e a Ré, levada a efeito pelo primeiro através da carta datada de 19.05.2015 e condenada a segunda no pagamento da quantia de 15.419,78€, mais os respectivos juros de mora à taxa legal em vigor para as operações comerciais, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
E é contra tal decisão que se insurge a Ré, nos termos que já antes deixamos melhor descritos nomeadamente nas conclusões 4ª a 11ª das suas alegações.
Vejamos, pois, se com fundamento.
Em primeiro lugar é fundamental salientar a circunstância de nos autos ninguém discutir que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré é um contrato de franquia (franchising).
Assim, é consabido que a franquia é “o contrato pelo qual o empresário – o franquiador – concede a outro empresário – o franquiado – o direito de exploração e fruição da sua imagem empresarial e respectivos bens imateriais de suporte (mormente, a marca), no âmbito da rede de distribuição integrada no primeiro, de forma estável e a troco de uma retribuição”.
Trata-se pois de um contrato sinalagmático e oneroso, ficando o franquiado vinculado ao pagamento de determinadas prestações pecuniárias, usualmente consistentes numa prestação inicial fixa (front money ou initiation fee) e prestações ulteriores periódicas proporcionais ao volume de negócio (royalties, redevances) (cf. J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, págs. 451-456.
No contrato de franquia, “uma pessoa – o franquiador – concede a outra – o franquiado – a utilização dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processos de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas” (cf. Meneses Cordeiro, Do Contrato de Franquia – franchising: autonomia privada versus tipicidade negocial, ROA 1988, pág.67 e Do Contrato de Concessão Comercial, ROA, 2000, pág. 600).
Já segundo Miguel Pestana de Vasconcelos, o contrato de franquia é “o contrato pelo qual alguém (o franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado), mediante contrapartidas, actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimento, assistência) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e fiscalização a que for sujeito” (cf. O Contrato de Franquia (Franchising), 2ª edição, pág.27).
Por fim, Pinto Monteiro que considera este contrato como “o contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado) mediante contrapartida actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços) de modo estável, com a formula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência...) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito” (cf. Contratos de Distribuição Comercial, 2002, pág.121.)
Assim e como vem sendo entendido na jurisprudência de forma claramente maioritária, neste tipo de negócio estamos perante um contrato atípico, o qual se refe pelas disposições gerais que regulam os contratos, aplicando-se, sempre que possível e se revele adequado, o regime do contrato de agência (D.L. nº178/86 de 2/7), por ser o contrato típico mais próximo do contrato de franquia.
Deve, pois, o regime desse contrato ser aplicado por analogia, desde que “no caso omisso (contrato de franquia) procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (contrato de agência)”, (art.º 10º nº 2 do Código Civil) (neste sentido cf. o Acórdão do STJ de 25.01.2011, processo 6350/06.5TVLSB.P1.S1, www.dgsi.pt).
Trata-se pois de um contrato bilateral ou sinalagmático, do qual e como ocorre nos autos, resultam direitos e obrigações para ambas as partes contratantes.
Regressando ao caso concreto, o que temos provado é o seguinte:
De acordo com a cláusula16ª, "o presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura por ambas as partes e a sua duração será de 5 anos, renovando-se automaticamente por períodos iguais, salvo mediante acordo das partes”.
Já no que toca à resolução do contrato, ficou acordado pelas partes o seguinte: “O incumprimento por qualquer das partes das obrigações por si assumidas no presente contrato, dará direito à outra parte a proceder à resolução do mesmo, se tal incumprimento não for sanado no prazo de 30 dias (…)“ (cf. ponto 1 da cláusula 14ª).
Ora, é consabido que esta forma de cessação do contrato está prevista nos artigos 24º, alínea d) e 30º do supra citado D.L.nº178/86 de 3 de Julho.
A este propósito, temos como relevante referir o que foi feito constar no Acórdão do STJ de 09.01.2007, processo 06A4416, www.dgsi.pt e que foi o seguinte:
“Também se faz por declaração escrita, fundamentada, no prazo de um mês contado do conhecimento dos factos causais (artigo 31º).
Este regime não se afasta muito do regime geral.
A resolução negocial deve ser motivada sendo imposto a quem pretende exercer esse direito a alegação e prova da causa que justifica a extinção do contrato.
Se o exercício do direito de resolução na lei geral - cf. os artigos 793º nº2, 799º nº1, 801º nº2, 802º e 808º do Código Civil - depende do incumprimento culposo, também aqui tal acontece, embora, pela aplicação analógica das normas do contrato de agencia possam relevar factos não culposos.
Tratando-se de um contrato de cooperação há que ter sempre presente o seu escopo final que, se impossível, justifica também a resolução. (cf. Dr.ª Maria Helena Brito, in "O Contrato de Concessão Comercial", 227)
A simples perda de confiança no cumprimento futuro do contrato pode, em tese justificar a resolução.
Se aqui há justa causa de resolução não há que lançar mão da interpelação admonitória do artigo 808º do CC.
Como refere o Prof. Baptista Machado (ob. cit. RLJ - 118-280) este preceito ajusta-se, apenas, a "negócios sobre transacções de bens", não se ajustando directamente às relações contratuais duradouras, para as quais o regime típico é o da resolução por justa causa. "Nas relações obrigacionais duradouras, o que está em causa não é a perda do interesse numa concreta prestação (pelo menos em regra) mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual."
Verifica-se, então, que a alínea a) do artigo 30º do DL nº 178/86 (irreleva aqui a alínea b) que se reporta a contrato com regular cumprimento mas vítima de qualquer circunstância que impossibilite ou faça perigar gravemente o seu fim) dispõe a faculdade de resolução se a parte faltar "ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual."
Não basta um incumprimento "tout court".
Diz o Prof. Pinto Monteiro que certas causas ainda que pouco graves podem justificar, em determinadas situações, a resolução, sempre que ocorra "perda de confiança justificada" ("Contrato de Agência", III).
Exige-se um incumprimento de especial relevo, quer pela natureza da infracção em si e das suas circunstâncias, ou da perda de confiança que cria na contraparte, quer pela sua repetição, ou reiteração, em termos de não ser de exigir à outra parte a manutenção do vínculo contratual.”.
Na situação concreta dos autos o que ficou provado foi o seguinte:
A Ré apresentou-se ao Autor como uma “(…) empresa que desenvolveu uma plataforma informática multisserviços, que permite aos seus utilizadores efectuar várias operações de utilidade pública de forma simples e rápida (…)”, um serviço que permitiria efectuar o registo automóvel, pedir uma senha das finanças ou segurança social, pagar o imposto de sele auto, requisitar o identificador via verde, emitir o mapa de responsabilidades do Banco de Portugal, efectuar contratos de telecomunicações e F…, enviar e receber transferências de dinheiro via Western Union, emissão de certificação energética, envio de encomendas via CTT expresso, compra de produtos em catálogo virtual, tais como cartões telefónicos, telemóveis, tinteiros perfumes, relógios e muito mais – cfr. documentos de fls. 44 verso e 48. (ponto 21.)
A Ré apresentou o serviço C… como uma mini loja do cidadão on line – cfr. documento de fls. 49. (ponto 22.)
Na sua apresentação, a Ré refere que: “Associado à plataforma, é contratado um terminal TPA (Bancário) que vai permitir ao lojista efectuar o pagamento de várias contas como o telefone, electricidade, água, gás, TV por cabo bem como o carregamento de telemóveis ou simplesmente fazer um donativo. A vantagem desde serviço face à actual oferta no mercado, é a possibilidade de efectuar os pagamentos destes serviços com cartão multibanco, sem que seja cobrada qualquer comissão por parte das entidades bancárias fornecedoras do serviço” – cfr. documento de fls.48. (ponto 23.)
Convencido de que estaria munido de todas as ferramentas necessárias e licenças/autorizações fundamentais, o Autor iniciou a prossecução da actividade planeada no dia 01.05.2015, esperando que tal se desenvolvesse dentro dos parâmetros e directrizes estabelecidas e projectadas aquando da assinatura do contrato de franquia, bem como das posteriores reuniões tidas e das diversas trocas de correio electrónico. (ponto 24.)
A plataforma fornecida pela Ré não permitia, contudo, um acesso directo aos diversos serviços que nela constavam, direccionando o franchisado para os portais da internet acessíveis ao cidadão comum. (ponto 25).
O serviço relativo à Western Union e ao CTT expresso nunca funcionou. (ponto 26.)
As renovações da carta de condução tinham que ser feitas através do correio. (ponto 27.)
A Ré não instalou na loja do Autor um terminal de pagamento automático TPA, pelo que o Autor não pôde prestar o serviço de pagamento das facturas de água, luz, gás, telefone, televisão, internet e carregamentos de telemóveis. (ponto 28.)
A contratação dos serviços de telecomunicações era encaminhada para uma operadora, pelo que os contratos não eram susceptíveis de ser celebrados de imediato. (ponto 29.)
Os únicos serviços que funcionavam directamente eram aqueles a que qualquer cidadão comum tem acesso, tais como os pedidos de senhas nas Finanças e Segurança Social e os relacionados com a Via Verde. (ponto 30.)
A forma como o serviço C… foi apresentado pela Ré criou no Autor a convicção de que poderia aceder directamente através da plataforma aos serviços que nela constavam e praticar os actos necessários, funcionando como uma mini loja do cidadão, bem como lhe seria concedida pela Ré a instalação de um terminal de pagamento automático. (ponto 31.)
A única publicidade que a Ré promoveu relativamente à loja do Autor foi o envio de uma “bandeirola”, de um vinil A3 e de meia dúzia de flyers e autocolantes para a montra. (ponto 32.)
Por diversas vezes solicitou o Autor à Ré esclarecimentos telefonicamente, exigindo aquilo a que a Ré se houvera obrigado, mas pese embora todas as insistências, tal nunca se veio a verificar. (ponto 33.)
Por carta de 19 de maio de 2015, recebida pela Ré no dia seguinte, o Autor, através da sua Mandatária, invocando justa causa, procedeu à resolução do contrato de franquia nos termos constantes de fls. 56 verso/57 que se dão por integralmente reproduzidos. (ponto 34.)
Se o Autor tivesse tido consciência que afinal a dita plataforma não lhe iria permitir realizar os serviços publicitados, e que faziam parte do negócio franquiado, não tinha aceite concluir o negócio com a Ré. (ponto 35.)
Perante todo este circunstancialismo, o nosso entendimento é pois o de que bem decidiu o Tribunal “a quo” ao decidir estar comprovada a existência de justa causa de resolução do contrato de franquia em apreço nos autos julgando a acção, nos termos sobreditos.
Assim, todos aceitam que nestes casos, (de relações contratuais duradouras), a simples perda de confiança no cumprimento futuro do contrato pode justificar a resolução.
Tudo porque neste tipo de relações contratuais, o que está em causa é a perda de interesse na continuação da relação contratual.
Por outro lado, bem se andou quando citando Romano Martinez, Cessação do Contrato, a pág.230 se salientou que nestes casos, “a apreciação do motivo que justifica a resolução (por ex. o incumprimento da contra parte) tem de ser sopesada no contexto global e não somente perante a situação concreta; daqui resulta que a cessação do vínculo pode resultar da quebra da relação de confiança”.
Deste modo, também nós temos como acertada a ideia segundo a qual, para se averiguar da existência de uma situação de incumprimento definitivo num contrato de execução duradoura ou continuada ter-se-á de concluir, mediante um juízo de prognose, que a violação (grave e reiterada) de deveres contratuais põe em causa a subsistência do vínculo entre as partes, legitimando, a parte lesada, a resolver o contrato, com este fundamento.
Igualmente, a necessidade de atender ao princípio geral da boa-fé que deve nortear o comportamento das partes, conforme prescrevem os artigos 6º e 12º, do supra citado D.L. 176/86, de 3 de Julho.
Também é importante considerar o que prescreve o seu art.º30º, no que toca às situações em que se admite a resolução do contrato, por parte de qualquer dos seus contraentes e que são as seguintes: a) se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
Em suma, exige-se um incumprimento de especial relevo, quer pela natureza da infracção em si e das suas circunstâncias, ou da perda de confiança que cria na contraparte, quer pela sua repetição, ou reiteração, em termos de não ser de exigir à outra parte a manutenção do vínculo contratual.
Regressando à situação concreta dos autos, devemos todos não esquecer que a Ré, nas negociações que estabeleceu com o Autor, lhe fez crer que o negócio franchisado consistiria no funcionamento de uma mini loja do cidadão, com acesso rápido e directo à pratica de actos junto de serviços públicos e privados, mas nada disso se veio a verificar, pois a plataforma multisserviços se limitava a direccionar para os “sites” dessas entidades públicas e privadas a que qualquer cidadão tem acesso em casa, no seu computador.
Cabe ainda considerar o facto de o Autor ter verificado que o terminal de pagamentos a ser instalado pela Ré na sua loja lhe foi posteriormente negado, sendo-lhe dito que teria que ser ele, Autor, a contratar um com o sistema bancário.
Mais, que o serviço Western Union que lhe havia sido prometido aquando da celebração do contrato nunca funcionou, o mesmo ocorrendo com o serviço CTT expresso, sendo fundamental a especial expectativa que o Autor depositava no lucro proveniente do adequado funcionamento destes dois serviços.
Ora o que se provou foi por exemplo que as renovações da carta de condução tinham que ser feitas através do correio, que a contratação dos serviços de telecomunicações era encaminhada para uma operadora, o que inviabilizava a celebração imediata dos mesmos.
Assim e no fundo, o que se provou foi que os únicos serviços que funcionavam de forma directa eram aqueles a que qualquer cidadão comum tem acesso, como são os pedidos de senhas nas Finanças e Segurança Social e os relacionados com a Via Verde.
Perante tal realidade, cabe pois afirmar que o Autor dispunha de dados objectivos para não acreditar nem confiar na boa-fé da Ré, cujos representantes o levaram a celebrar um contrato que não veio a concretizar-se nos termos que tinham sido negociados e aceites.
Por isso, teve inteira razão a Sr.ª Juiz “a quo” afirma que perante os factos dados como provados, a reiterada conduta da Ré deve ser classificada como grave, considerando que a mesma levando objectivamente à perda de confiança a que a lei substantiva alude e que só por si é bastante para não exigir do Autor a subsistência do vínculo contratual aqui em análise.
Valem igualmente por serem correctas, as considerações tecidas na sentença recorrida, quanto à indemnização arbitrada.
Assim e como ali se refere:
“Em princípio, a resolução tem eficácia retroactiva, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (art.º434º, nº 1, do Código Civil).
Ou seja: as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato.
Porém, nos contratos de execução continuada ou periódica, como é o caso do contrato de franquia, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (art.º 434º, nº 2, Código Civil), o que acontece, no caso em apreço.
Na verdade, a causa de resolução do contrato adveio da violação, por parte da Ré, das regras da boa-fé, ainda na fase pré-contratual, constituindo, por esse motivo, também de acordo com o disposto no art.º 227º do Código Civil, a Ré na obrigação de indemnizar o Autor pelo interesse contratual negativo.
Com efeito, o Autor veio a resolver o contrato quando verificou que o negócio que lhe foi apresentado não era afinal o negócio que na realidade a Ré se propunha cumprir e continuar.
Assim, o Autor terá o direito de ser ressarcido pela Ré, ficando na situação em que estaria caso não tivesse celebrado o contrato relativamente às prestações relativas ao valor da entrada que pagou, no montante de 12.500€, bem como à renda e caução que suportou para instalação da loja, no valor de 3.000€, obras que aí realizou, no valor de 200€ e ao valor do emolumento pago pela constituição da sociedade que iria desenvolver a actividade franchisada, no montante de 360€.
Não terá porém direito a receber a quantia de 4.135,90€ relativa à facturação média que iria receber até ao final do prazo do contrato, dado que o Autor optou pela resolução do contrato, não fazendo sentido vir a exigir da Ré, o ressarcimento dos benefícios que normalmente lhe traria a execução do negócio.”.
Impõe igualmente subscrever o que ficou consignado relativamente ao pedido reconvencional formulado pela Ré as quais levam como levaram à redução ao montante indemnizatório da quantia de 640,22€, correspondente ao valor da mercadoria adquirida pelo Autor e já entregue pela Ré.
Por isso e por tais razões, bem andou o Tribunal “a quo” quando condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 15.419,78€ (16.060€ - 640,22€), acrescida de juros de mora à taxa em vigor para as operações comerciais a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Em resumo:
Contrariamente ao que alega a Ré/apelante nas suas alegações, a resolução operada pelo Autor/apelado resulta de circunstâncias que só a ela são imputáveis.
Assim, está por provar que as mesmas são de natureza estritamente técnica ou informática e que podem ser ultrapassáveis mediante “upgrade” da plataforma e/ou upgrade da formação do Autor, no âmbito dos deveres contratuais que caracterizam o contrato em apreço.
Por isso, nenhum fundamento existe para se concluir pela preclusão do direito à indemnização atribuído nos autos ao Autor.
Ou seja, tal pedido de indemnização foi correctamente peticionado e avisadamente definido nos termos das disposições legais antes melhor referidas, não havendo pois qualquer razão para considerar que ao caso poderiam e/ou deveriam ser aplicadas as regras do enriquecimento sem causa.
Improcedem assim os argumentos recursivos da Ré/apelante.
Impõe-se por isso a confirmação da decisão proferida
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Ré/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 8 de Fevereiro de 2018
Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros
Filipe Caroço